Catequese sobre os Atos dos Apóstolos - 10
Queridos irmãos e irmãs!
Depois do martírio de Estêvão, a “corrida” da Palavra de Deus parece ter chegado a um impasse, devido ao desencadeamento de «uma terrível perseguição contra a Igreja de Jerusalém» (At 8, 1). Por causa disto, os Apóstolos permanecem em Jerusalém, enquanto muitos cristãos se dispersam por outros lugares da Judeia e da Samaria.
No Livro dos Atos, a perseguição manifesta-se como a condição permanente da vida dos discípulos, de acordo com o que Jesus disse: «Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós» (Jo 15, 20). Mas em vez de apagar o fogo da evangelização, a perseguição alimenta-o ainda mais.
Ouvimos o que fez o diácono Filipe, que começa a evangelizar as cidades da Samaria, e são numerosos os sinais de libertação e de cura que acompanham o anúncio da Palavra. Neste ponto, o Espírito Santo marca uma nova etapa no caminho do Evangelho: impele Filipe a ir ao encontro de um estrangeiro com o coração aberto a Deus. Filipe levanta-se e parte com ímpeto e, numa estrada deserta e perigosa, encontra um alto funcionário da rainha da Etiópia, administrador dos seus tesouros. Este homem, um eunuco, depois de ter passado por Jerusalém para o culto, regressa ao seu país. Era um prosélito judeu da Etiópia. Sentado numa carruagem, lê o pergaminho do profeta Isaías, em particular o quarto cântico do “servo do Senhor”.
Filipe aproxima-se da carruagem e pergunta-lhe: «Compreendes, verdadeiramente, o que estás a ler?» (At 8, 30). O Etíope responde: «E como poderei compreender, sem alguém que me oriente?» (At 8, 31). Esse homem poderoso reconhece que tem necessidade de ser guiado para entender a Palavra de Deus. Era o grande banqueiro, o ministro da economia, tinha todo o poder do dinheiro, mas sabia que sem a explicação não conseguia entender, era humilde.
E esse diálogo entre Filipe e o Etíope faz refletir também sobre a constatação de que não é suficiente ler as Escrituras, pois precisamos de entender o seu significado, encontrar o “sumo”, indo mais além da “casca”, haurindo o Espírito que anima a letra. Como o Papa Bento XVI disse no início do Sínodo sobre a Palavra de Deus, «a exegese, a verdadeira leitura da Sagrada Escritura, não é apenas um fenômeno literário [...] É o movimento da minha existência» (Meditação, 6 de outubro de 2008). Entrar na Palavra de Deus significa estar disposto a sair dos próprios limites para encontrar e se conformar com Cristo, que é a Palavra viva do Pai.
Então, quem é o protagonista do que lia o Etíope? Filipe oferece ao seu interlocutor a chave de leitura: aquele manso servo sofredor, que não reage ao mal com o mal e que, não obstante seja considerado fracassado, estéril e, por fim afastado, liberta o povo da iniquidade e dá fruto para Deus é precisamente aquele Cristo que a Igreja inteira e Filipe anunciam! E que nos redimiu todos através da Páscoa. No final, o Etíope reconhece Cristo, pede o Batismo e professa a fé no Senhor Jesus. É uma linda narração, mas quem levou Filipe ao deserto para se encontrar com aquele homem? Quem levou Filipe a aproximar-se da carruagem? Foi o Espírito Santo. O Espírito Santo é o protagonista da evangelização. «Padre, eu vou evangelizar” — “Sim, o que fazes?” — “Ah, anuncio o Evangelho e digo quem é Jesus, procuro convencer as pessoas de que Jesus é Deus”. Amigo, isso não é evangelização, se não houver o Espírito Santo, não haverá evangelização! Isso pode ser proselitismo, publicidade... Mas evangelizar significa deixar-se guiar pelo Espírito Santo, que seja Ele que te estimula ao anúncio, ao anúncio com o testemunho, inclusive com o martírio, até com a palavra.
Depois de ter levado o Etíope a encontrar o Ressuscitado — o Etíope encontra Jesus Ressuscitado porque compreende aquela profecia — Filipe desaparece; o Espírito arrebata-o e envia-o para fazer outra coisa. Eu disse que o protagonista da evangelização é o Espírito Santo, e qual é o sinal de que tu cristã, cristão, és evangelizador? A alegria! Até no martírio. E, cheio de alegria, Filipe partiu para outra região, a fim de anunciar o Evangelho.
Que o Espírito faça dos batizados homens e mulheres que anunciam o Evangelho para atrair os outros, não para si, mas para Cristo, que saibam abrir espaço para a ação de Deus, que saibam tornar os outros livres e responsáveis perante o Senhor!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral de 2.10.2019
Catequese sobre os Atos dos Apóstolos - 9
Bom dia, estimados irmãos e irmãs!
Através do Livro dos Atos dos Apóstolos, continuamos a percorrer um caminho: o caminho do Evangelho no mundo. São Lucas mostra com grande realismo tanto a fecundidade deste caminho como o surgimento de alguns problemas no seio da comunidade cristã. Desde o princípio, sempre houve problemas. Como harmonizar as diferenças que coexistem no seu interior, sem que se verifiquem contrastes e divisões?
A comunidade não acolhia só judeus, mas também gregos, isto é, pessoas provenientes da diáspora, não-judeus, com as próprias culturas e sensibilidades e com outra religião. Hoje, dizemos “pagãos”. E eles eram acolhidos. Essa convivência determina equilíbrios frágeis e precários; mas diante das dificuldades nasce o “joio”, e qual é o pior joio que destrói uma comunidade? O joio da murmuração, o joio da tagarelice: os gregos murmuram devido à desatenção da comunidade em relação às suas viúvas.
Os Apóstolos encetam um processo de discernimento que consiste em considerar bem as dificuldades e em procurar juntos soluções. Encontram uma saída, distribuindo as várias tarefas para um crescimento sereno de todo o corpo eclesial e para evitar negligenciar tanto a “corrida” do Evangelho como o cuidado dos membros mais pobres.
Os Apóstolos estão cada vez mais conscientes de que a sua vocação principal é a oração e a pregação da Palavra de Deus: rezar e anunciar o Evangelho; e resolvem a questão instituindo um núcleo de «sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria» (At 6, 3) que, depois de terem recebido a imposição das mãos, se ocuparão do serviço nos refeitórios. Trata-se de diáconos, que são criados para isto, para o serviço. Na Igreja o diácono não é um sacerdote de segundo plano, é outra coisa; não é para o altar, mas para o serviço. É o guardião do serviço na Igreja. Quando um diácono gosta demasiado de ir ao altar, está enganado. Este não é o seu caminho. Esta harmonia entre serviço à Palavra e serviço à caridade representa o fermento que faz levedar o corpo eclesial.
E os Apóstolos criam sete diáconos, e entre os sete “diáconos”, destacam-se em particular Estêvão e Filipe. Estêvão evangeliza com força e parrésia, mas a sua palavra encontra as resistências mais obstinadas. Dado que não encontra outra maneira para o levar a desistir, o que fazem os seus adversários? Escolhem a solução mais mesquinha para aniquilar um ser humano: isto é, a calúnia, ou falso testemunho. E sabemos que a calúnia mata sempre. Este “tumor diabólico”, que deriva da vontade de destruir a reputação de uma pessoa, fere também o resto do corpo eclesial, danificando-o gravemente quando, por interesses desprezíveis ou para encobrir as suas próprias faltas, as pessoas unem-se para difamar alguém.
Conduzido ao Sinédrio e acusado por falsas testemunhas — fizeram o mesmo com Jesus e farão o mesmo com todos os mártires através de falsas testemunhas e calúnias — Estêvão proclama uma releitura da história sagrada, centrada em Cristo, para se defender. E a Páscoa de Jesus morto e ressuscitado é a chave de toda a história da aliança. Perante esta superabundância do dom divino, Estêvão denuncia corajosamente a hipocrisia com que os profetas e o próprio Cristo foram tratados. E recorda-lhes a história, dizendo: «Qual foi o profeta que os vossos pais não perseguiram? Eles mataram os que predisseram a vinda do Justo, a Quem agora traístes e assassinastes» (At 7, 52). Ele não usa meias-palavras, mas fala claramente, diz a verdade.
Isto provoca a reação violenta dos ouvintes, e Estêvão é condenado à morte, à lapidação. Mas ele manifesta o verdadeiro “talento” do discípulo de Cristo. Ele não procura subterfúgios, não apela a personalidades que o possam salvar, mas volta a colocar a sua vida nas mãos do Senhor e naquele momento a oração de Estêvão é muito bonita: «Senhor Jesus, recebe o meu Espírito» (At 7, 59), e morre como um filho de Deus, perdoando: «Senhor, não lhes atribuas este pecado» (At 7, 60).
Estas palavras de Estêvão ensinam-nos que não são os belos discursos que revelam a nossa identidade de filhos de Deus, mas somente o abandono da própria vida nas mãos do Pai e o perdão para aqueles que nos ofendem mostram-nos a qualidade da nossa fé.
Hoje há mais mártires do que nos primórdios da vida da Igreja, e os mártires estão em toda a parte. A Igreja de hoje é rica de mártires, é irrigada pelo seu sangue, que é «semente de novos cristãos» (Tertuliano, Apologeticum, 50, 13) e assegura crescimento e fecundidade ao Povo de Deus. Os mártires não são “santinhos”, mas homens e mulheres de carne e osso que — como diz o Apocalipse — «lavaram as suas túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro» (7, 14). Eles são os verdadeiros vencedores!
Peçamos também nós ao Senhor que, olhando para os mártires de ontem e de hoje, possamos aprender a levar uma vida plena, aceitando o martírio da fidelidade diária ao Evangelho e da conformidade com Cristo.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 25.09.2019
Catequese sobre os Atos dos Apóstolos - 8
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Continuamos a nossa catequese sobre os Atos dos Apóstolos. Diante da proibição dos judeus de ensinar em nome de Cristo, Pedro e os Apóstolos respondem com coragem que não podem obedecer àqueles que querem interromper o caminho do Evangelho no mundo.
Os Doze mostram assim que possuem aquela «obediência da fé» que depois quererão suscitar em todos os homens (cf. Rm 1, 5). Com efeito, a partir do Pentecostes já não são homens “sozinhos”. Eles experimentam aquela sinergia especial que os faz descentralizar de si mesmos e os leva a dizer: “nós e o Espírito Santo” (At 5, 32) ou “o Espírito Santo e nós”. (At 15, 28). Eles sentem que não podem dizer só “eu”, são homens descentralizados de si mesmos. Fortalecidos por esta aliança, os Apóstolos não se deixam intimidar por ninguém. Tiveram uma coragem impressionante! Pensamos que eram cobardes: todos fugiram, fugiram quando Jesus foi preso. Mas, de cobardes, tornaram-se tão corajosos. Porquê? Porque o Espírito Santo estava com eles. O mesmo acontece connosco: se tivermos o Espírito Santo em nós, teremos a coragem de ir em frente, a coragem de superar tantas lutas, não por nós mesmos, mas pelo Espírito que está em nós. Não retrocedem na sua marcha de intrépidas testemunhas de Jesus ressuscitado, como os mártires de todos os tempos, incluindo o nosso. Os mártires dão a sua vida, não escondem que são cristãos. Pensemos, há alguns anos — ainda hoje há muitos — mas pensemos, há quatro anos, naqueles cristãos coptas ortodoxos, verdadeiros trabalhadores, na praia da Líbia: todos foram degolados. Mas a última palavra que disseram foi “Jesus, Jesus”. Eles não desbarataram a fé, porque o Espírito Santo estava com eles. Estes são os mártires de hoje! Os Apóstolos são os “megafones” do Espírito Santo, enviados pelo Ressuscitado para difundir prontamente e sem hesitação a Palavra que dá a salvação.
E, de facto, esta determinação faz tremer o “sistema religioso” judaico, que se sente ameaçado e responde com violência e sentenças de morte. A perseguição dos cristãos é sempre a mesma: as pessoas que não querem o cristianismo sentem-se ameaçadas e por isso matam os cristãos. Mas, no meio do sinédrio, a voz diferente de um fariseu que opta por conter a reação dos seus: chamava-se Gamaliel, um homem prudente, «doutor da Lei, estimado por todo o povo». Na sua escola, São Paulo aprendeu a observar «a Lei dos Pais» (cf. At 22, 3). Gamaliel toma a palavra e mostra aos seus irmãos como praticar a arte do discernimento diante de situações que vão além dos esquemas usuais.
Ele prova, citando alguns personagens que se fizeram passar pelo Messias, que qualquer projeto humano pode inicialmente ser aprovado mas depois pode naufragar, enquanto tudo o que vem do alto e tem a “marca” de Deus está destinado a durar. Os projetos humanos falham sempre; têm um tempo, como nós. Pensai em tantos projetos políticos, e em como eles mudam de um lado para o outro, em todos os países. Pensai nos grandes impérios, pensai nas ditaduras do século passado: sentiam-se muito poderosas, pensavam que dominavam o mundo. E depois todas elas caíram. Pensai também hoje nos impérios atuais: eles desmoronarão, se Deus não estiver com eles, porque a força que os homens têm em si mesmos não é duradoura. Só a força de Deus dura. Pensai na história dos cristãos, também na história da Igreja, com tantos pecados, com tantos escândalos, com tantas coisas más nestes dois milénios. E por que não colapsou? Porque Deus está nela. Somos pecadores, e muitas vezes também damos escândalo. Mas Deus está connosco. E Deus salva primeiro a nós, e depois a eles; mas o Senhor salva sempre. A força é “Deus connosco”. Gamaliel demonstra, citando algumas personagens que se fizeram passar pelo Messias, que cada projeto humano pode primeiro ser aprovado e depois naufragar. Por isso Gamaliel conclui que, se os discípulos de Jesus de Nazaré acreditam num impostor, estão destinados a desaparecer; mas se eles seguem alguém que vem de Deus, é melhor desistir de lutar contra eles; e adverte: correreis “o risco de entrardes em guerra contra Deus!” (At 5, 39). Ele ensina-nos a fazer este discernimento.
São palavras serenas e clarividentes, que nos permitem ver o acontecimento cristão com uma nova luz e oferecem critérios que “sabem a Evangelho”, porque nos convidam a reconhecer a árvore pelos seus frutos (cf. Mt 7, 16). Elas tocam os corações e alcançam o efeito desejado: os outros membros do Sinédrio seguem o seu conselho e renunciam aos propósitos de morte, isto é, de matar os Apóstolos.
Peçamos ao Espírito Santo que aja em nós para que, pessoalmente e em comunidade, possamos adquirir o habitus do discernimento. Peçamos-lhe que seja sempre capaz de ver a unidade da história da salvação através dos sinais da passagem de Deus no nosso tempo e nos rostos dos que nos rodeiam, para que aprendamos que o tempo e os rostos humanos são mensageiros do Deus vivo.
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral 18.09.2019
Catequese sobre os Atos dos Apóstolos - 7
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
A comunidade eclesial descrita no livro dos Atos dos Apóstolos vive das muitas riquezas que o Senhor põe à sua disposição — o Senhor é generoso! — experimenta crescimento numérico e muita efervescência, apesar dos ataques externos. Para nos mostrar esta vitalidade, Lucas, no Livro dos Atos dos Apóstolos, indica-nos também lugares significativos, por exemplo o pórtico de Salomão (cf. At 5, 12), ponto de encontro dos crentes. O pórtico (stoà) é uma galeria aberta que serve de abrigo, mas também de ponto de encontro e testemunho. Lucas, de facto, insiste nos sinais e maravilhas que acompanham a palavra dos Apóstolos e no cuidado especial dos doentes aos quais eles se dedicam.
No capítulo 5 dos Atos, a Igreja nascente é mostrada como um «hospital de campo» que acolhe os mais débeis, isto é, os doentes. O sofrimento deles atrai os Apóstolos, que não possuem «nem prata nem ouro» (At 3, 6) — assim diz Pedro ao coxo — mas sentem-se fortes pelo nome de Jesus. Aos seus olhos, como aos olhos dos cristãos de todos os tempos, os doentes são destinatários privilegiados da boa nova do Reino, são irmãos nos quais Cristo está presente de modo especial, para que sejam procurados e encontrados por todos nós (cf. Mt 25, 36.40). Os doentes são privilegiados para a Igreja, para o coração sacerdotal, para todos os fiéis. Não devem ser descartados, pelo contrário, devem ser curados, devem ser cuidados: são objeto de preocupação cristã.
Entre os apóstolos, sobressai Pedro, que tem preeminência no grupo apostólico por causa do primado (cf. Mt 16, 18) e da missão recebida do Ressuscitado (cf. Jo 21, 15-17). É ele que inicia a pregação do querigma no dia de Pentecostes (cf. At 2, 14-41) e que no Concílio de Jerusalém desempenhará uma função diretiva (cf. At 15 e Gl 2, 1-10).
Pedro aproxima-se das macas e passa entre os doentes, tal como fizera Jesus, assumindo sobre si enfermidades e doenças (cf. Mt 8, 17; Is 53, 4). E Pedro, o pescador da Galileia, passa, mas deixa que seja Outro a manifestar-se: que seja o Cristo vivo e ativo! A testemunha, de facto, é aquela que manifesta Cristo, tanto por palavras como com a presença corpórea, que lhe permite relacionar-se e ser um prolongamento do Verbo feito carne na história.
Pedro é aquele que realiza as obras do Mestre (cf. Jo 14, 12): olhando para ele com fé, vê-se o próprio Cristo. Cheio do Espírito do seu Senhor, Pedro passa e, sem que ele faça nada, a sua sombra torna-se uma “carícia”, reparadora, uma comunicação de saúde, uma efusão da ternura do Ressuscitado que se inclina sobre os doentes e restaura a vida, a salvação e a dignidade. Deste modo, Deus manifesta a sua proximidade e faz das feridas dos seus filhos «o lugar teológico da sua ternura» (Meditação matutina, Santa Marta, 14.12.2017). Nas chagas dos doentes, nas doenças que impedem o avanço da vida, há sempre a presença de Jesus, as chagas de Jesus. Há Jesus que chama cada um de nós a cuidar deles, a sustentá-los, a curá-los.
A ação curadora de Pedro despertou o ódio e a inveja dos saduceus, que aprisionaram os apóstolos e, perturbados com a sua misteriosa libertação, proibiram-nos de ensinar. Estas pessoas viram os milagres que os apóstolos fizeram não por magia, mas em nome de Jesus; mas não quiseram aceitar isso e aprisionaram-nos, castigaram-nos. Foram depois libertados milagrosamente, mas os corações dos saduceus eram tão duros que não queriam acreditar no que viam. Então Pedro respondeu oferecendo uma chave da vida cristã: «Obedecer a Deus e não aos homens» (At 5, 29), porque eles — os saduceus — dizem: «Não deveis prosseguir com estas coisas, não deveis curar» — “Eu obedeço a Deus e não aos homens”: é a grande resposta cristã. Significa ouvir a Deus sem reservas, sem atrasos, sem cálculos; aderir a Ele para poder fazer aliança com Ele e com aqueles que encontramos no nosso caminho.
Peçamos também ao Espírito Santo a força para não nos amedrontarmos diante daqueles que nos mandam calar, nos caluniam e até atentam contra a nossa vida. Peçamos-lhe que nos fortaleça interiormente para termos a certeza da presença amorosa e reconfortante do Senhor ao nosso lado.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 28.08.2019
Catequese sobre os Atos dos Apóstolos - 6
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
A comunidade cristã nasce da superabundante efusão do Espírito Santo e cresce graças ao fermento da partilha entre irmãos e irmãs em Cristo. Há um dinamismo de solidariedade que constrói a Igreja como família de Deus, onde a experiência da koinonia é central. Que significa esta palavra estranha? É uma palavra grega que significa «pôr em comum», «partilhar», ser uma comunidade, não se isolar. Esta é a experiência da primeira comunidade cristã, isto é, pôr em comum, «partilhar», «comunicar, participar», não isolar-se. Na Igreja das origens, esta koinonia, esta comunidade refere-se sobretudo à participação no Corpo e Sangue de Cristo. Por esta razão, quando fazemos comunhão declaramos, “comunicamos”, entramos em comunhão com Jesus e desta comunhão com Jesus chegamos à comunhão com os nossos irmãos e irmãs. E esta comunhão com o Corpo e Sangue de Cristo que se faz na Santa Missa, traduz-se em união fraterna, e portanto também com o que é mais difícil para nós: partilhar os bens e recolher dinheiro para a coleta a favor da Mãe Igreja de Jerusalém (cf. Rm 12, 13; 2 Cor 8-9) e para as outras Igrejas. Se quiserdes saber se sois bons cristãos, deveis orar, procurar aproximar-vos da comunhão, do sacramento da reconciliação. Mas o sinal de que o vosso coração se converteu é quando a conversão chega aos vossos bolsos, quando toca o vosso interesse: é nisso que se vê se alguém é generoso com os outros, se alguém ajuda os mais débeis, os mais pobres: quando a conversão chegar lá, tendes a certeza de que é uma verdadeira conversão. Se permanecer apenas em palavras, não é uma boa conversão.
A vida eucarística, as orações, a pregação dos Apóstolos e a experiência de comunhão (cf. At 2, 42) fazem dos crentes uma multidão de pessoas que têm — diz o Livro dos Actos dos Apóstolos — «um só coração e uma só alma» e que não consideram sua propriedade aquilo que possuem, mas conservam tudo em comum (cf. At 4, 32). É um modelo de vida tão forte que nos ajuda a ser generosos e não avarentos. Por isso, «entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras — diz o Livro — ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um conforme a necessidade que tivesse» (At 4, 34-35). A Igreja sempre teve este gesto dos cristãos que se despojavam das coisas que tinham a mais, das coisas que não eram necessárias para dar aos necessitados. E não apenas dinheiro, mas tempo. Quantos cristãos — vocês, por exemplo, aqui na Itália — quantos cristãos são voluntários! Mas isto é lindo! É comunhão, partilhar o meu tempo com os outros, ajudar os necessitados. E assim o voluntariado, as obras de caridade, as visitas aos doentes; devemos sempre partilhar com os outros, e não apenas procurar o nosso próprio interesse.
A comunidade, ou koinonia, torna-se assim o novo modo de relacionamento entre os discípulos do Senhor. Os cristãos experimentam um novo modo de estar entre si, de se comportar. E é o modo próprio do cristão, a ponto de os pagãos olharem para os cristãos e dizerem: «Vede como se amam»! O amor era o caminho. Mas não amor de palavras, não amor falso: amor de obras, de ajuda mútua, amor concreto, concretude do amor. O vínculo com Cristo estabelece um vínculo entre irmãos que converge e se expressa também na comunhão dos bens materiais. Sim, essa forma de estar juntos, esse amor que vai até aos bolsos, chega a despojar-se do dinheiro para o dar aos irmãos, indo contra o próprio interesse. Ser membros do Corpo de Cristo torna os crentes co-responsáveis uns pelos outros. Ser crentes em Jesus torna-nos todos co-responsáveis uns pelos outros. «Mas olha para aquele, o problema que tem, não me interessa, que se arranje». Não, entre cristãos não podemos dizer: «Pobre homem, tem um problema em casa, está a passar por esta dificuldade familiar». Mas, devo rezar, levo-o comigo, não fico indiferente». Isto é ser cristão. Por isso os fortes sustentam os fracos (cf. Rm 15, 1) e ninguém experimenta a pobreza que humilha e desfigura a dignidade humana, porque vivem esta comunidade: ter o coração em comum. Eles amam-se. Este é o sinal: amor concreto.
Tiago, Pedro e João, os três apóstolos que são as «colunas» da Igreja de Jerusalém, estabelecem de modo comum que Paulo e Barnabé evangelizem os pagãos enquanto evangelizam os judeus, e perguntam apenas a Paulo e Barnabé qual é a condição: não esquecer os pobres, recordar os pobres (cf. Gl 2, 9-10). Não só os pobres materiais, mas também os pobres espirituais, as pessoas que têm problemas e precisam da nossa proximidade. Um cristão parte sempre de si mesmo, do seu próprio coração, e aproxima-se dos outros como Jesus se aproximou de nós. Era assim a primeira comunidade cristã.
Um exemplo concreto da partilha e da comunhão dos bens vem-nos do testemunho de Barnabé: ele possui um campo e vende-o para entregar os proventos aos Apóstolos (cf. At 4, 36-37). Mas, ao lado do seu exemplo positivo, aparece outro, infelizmente negativo: Ananias e a sua esposa Safira, venderam um pedaço de terra, decidiram entregar apenas uma parte aos Apóstolos e guardar a outra para si mesmos (cf. At 5, 1-2). Este engano rompe a cadeia da partilha livre, da partilha serena, altruísta e as consequências são trágicas, fatais (At 5, 5.10). O apóstolo Pedro desmascarou a má conduta de Ananias e de sua esposa e disse-lhe: «Por que é que Satanás invadiu o teu coração, a ponto de te levar a mentir ao Espírito Santo e subtraíres uma parte do terreno? Não foi aos homens que tu mentiste, mas a Deus» (At 5, 3-4). Poderíamos dizer que Ananias mentiu a Deus por causa de uma consciência isolada, uma consciência hipócrita, isto é, por causa de uma pertença eclesial “negociada”, parcial e oportunista. A hipocrisia é o pior inimigo desta comunidade cristã, deste amor cristão: aquele fingir que se amam uns aos outros, mas procurar apenas o próprio interesse.
Falhar na sinceridade da partilha, de facto, ou falhar na sinceridade do amor, é cultivar a hipocrisia, distanciar-se da verdade, tornar-se egoísta, apagar o fogo da comunhão e destinar-se ao gelo da morte interior. Aqueles que se comportam assim passam pela Igreja como turistas. Há muitos turistas na Igreja que estão sempre de passagem, mas nunca entram na Igreja: é o turismo espiritual que os faz acreditar que são cristãos, enquanto são apenas turistas nas catacumbas. Não, não devemos ser turistas na Igreja, mas irmãos uns dos outros. Uma vida baseada unicamente em tirar proveito e vantagem de situações em detrimento de outros, provoca inevitavelmente a morte interior. E quantas pessoas dizem que frequentam a Igreja, que são amigos de sacerdotes, bispos, mas procuram apenas o seu próprio interesse. Estas são as hipocrisias que destroem a Igreja!
O Senhor — peço-o para todos nós — derrame sobre nós o seu Espírito de ternura, que supera qualquer hipocrisia e põe em circulação aquela verdade que alimenta a solidariedade cristã, a qual , longe de ser uma atividade de assistência social, é a expressão indispensável da natureza da Igreja, a terna mãe de todos, especialmente dos mais pobres.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 21.08.2019
Nos Atos dos Apóstolos, a pregação do Evangelho não é confiada unicamente às palavras, mas também a gestos concretos, que dão testemunho da verdade do anúncio. Trata-se de «prodígios e milagres» (At 2, 43) realizados pelos Apóstolos, confirmando a sua palavra e demonstrando que eles agem em nome de Cristo. Acontece, pois, que os Apóstolos intercedem e Cristo atua, agindo «com eles» e confirmando a Palavra com os sinais que a acompanham (cf. Mc 16, 20). Muitos prodígios, numerosos milagres que, realizados pelos Apóstolos, eram precisamente uma manifestação da divindade de Jesus.
Hoje deparamo-nos com a primeira narração de cura, diante de um milagre, que é a primeira narração de cura do Livro dos Atos. Ela tem uma clara finalidade missionária, que visa suscitar a fé. Pedro e João vão rezar no Templo, centro da experiência de fé de Israel, à qual os primeiros cristãos ainda estão fortemente ligados. Os primeiros cristãos rezavam no Templo de Jerusalém. Lucas indica a hora: é a hora nona, ou seja, três da tarde, quando o sacrifício era oferecido em holocausto, como sinal da comunhão do povo com o seu Deus; e também a hora em que Cristo morreu, imolando-se a si mesmo «uma vez para sempre» (Hb 9, 12; 10, 10). E à porta do Templo chamada “Formosa” — a porta Formosa — veem um mendigo, um paralítico de nascença. Por que razão aquele homem estava à porta? Porque a Lei mosaica (cf. Lv 21, 18) impedia a oferenda de sacrifícios por parte de quem tivesse deficiências físicas, consideradas como consequências de alguma culpa. Recordemos que diante de um cego de nascença, o povo tinha perguntado a Jesus: «Quem foi que pecou para que este homem nascesse cego, ele ou os seus pais?» (Jo 9, 2). De acordo com essa mentalidade, existe sempre uma culpa na origem de uma malformação. E em seguida foi-lhes negado até o acesso ao Templo. O coxo, paradigma dos numerosos excluídos e descartados da sociedade, está ali a pedir esmolas como todos os dias. Não pode entrar, mas está diante da porta. E eis que acontece algo inesperado: chegam Pedro e João, e desencadeia-se um jogo de olhares. O aleijado fita os dois para pedir uma esmola; os Apóstolos, ao contrário, olham para ele, convidando-o a fitá-los de maneira diversa, para receber outro dom. O coxo olha para eles e Pedro diz-lhe: «Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e caminha!» (At 3, 6). Os Apóstolos estabeleceram uma relação, porque este é o modo como Deus gosta de se manifestar, na relação, sempre no diálogo, sempre nas aparições, sempre com a inspiração do coração: trata-se de relações de Deus connosco; através de um encontro real entre as pessoas, que só pode verificar-se no amor.
Além de ser o centro religioso, o Templo era inclusive um lugar de intercâmbios econômicos e financeiros: a esta redução opuseram-se várias vezes os profetas e até o próprio Jesus (cf. Lc 19, 45-46). Mas quantas vezes penso nisto, quando vejo alguma paróquia onde se considera que o dinheiro é mais importante que os sacramentos! Por favor! Igreja pobre: peçamos isto ao Senhor! Quando se depara com os Apóstolos, aquele mendigo não recebe dinheiro, mas encontra o Nome que salva o homem: Jesus Cristo, o Nazareno. Pedro invoca o Nome de Jesus, ordena ao paralítico que se levante, que se ponha da posição dos vivos: de pé, e toca aquele doente, ou seja, pega-lhe pela mão e levanta-o, gesto no qual São João Crisóstomo vê «uma imagem da Ressurreição» (Homilias sobre os Atos dos Apóstolos, 8). E aqui aparece o retrato da Igreja, que vê quantos estão em dificuldade, não fecha os olhos, sabe encarar a humanidade para criar relações significativas, pontes de amizade e de solidariedade em vez de barreiras. Manifesta-se o rosto de «uma Igreja sem fronteiras que se sente mãe de todos» (Evangelii gaudium, 210), que sabe dar a mão e acompanhar para levantar, não para condenar. Jesus estende sempre a mão, sempre procura levantar, fazer com que as pessoas sarem, sejam felizes, encontrem Deus. Trata-se da «arte do acompanhamento», que se distingue pela delicadeza com a qual nos aproximamos da «terra sagrada do outro», dando ao caminho «o ritmo salutar da proximidade, com um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a amadurecer na vida cristã» (ibid., n. 169). E é o que estes dois Apóstolos fazem ao coxo: fitam-no, dizem “olhe para nós”, estendem-lhe a mão, fazem-no levantar e curam-no. Assim faz Jesus com todos nós. Pensemos nisto, quando enfrentarmos maus momentos, situações de pecado e de tristeza. Jesus diz-nos: “Olhai para mim: estou aqui!”. Peguemos na mão de Jesus e deixemo-nos levantar.
Pedro e João ensinam-nos a não confiar nos meios, que também são úteis, mas na verdadeira riqueza que é a relação com o Ressuscitado. Com efeito — como diria São Paulo — «somos julgados pobres, porém enriquecemos a muitos; sem posses, nós que tudo possuímos» (2 Cor 6, 10). O nosso tudo é o Evangelho, que manifesta o poder do Nome de Jesus que realiza prodígios.
E nós, cada um de nós, o que possuímos? Qual é a nossa riqueza, qual é o nosso tesouro? Como podemos enriquecer os outros? Peçamos ao Pai o dom de uma memória grata, recordando os benefícios do seu amor na nossa vida, para dar a todos o testemunho do louvor e da gratidão. Não nos esqueçamos: a mão sempre estendida para ajudar o outro a levantar-se; é a mão de Jesus que, através da nossa, ajuda o próximo a erguer-se!
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral - 07.08.2019
Catequese sobre os Atos dos Apóstolos: 4
Bom dia, prezados irmãos e irmãs!
O fruto do Pentecostes, a poderosa efusão do Espírito de Deus sobre a primeira comunidade cristã, foi que muitas pessoas sentiram o próprio coração trespassado pelo alegre anúncio — o querigma — da salvação em Cristo e aderiram livremente a Ele, convertendo-se, recebendo o batismo em seu nome e aceitando por sua vez o dom do Espírito Santo. Cerca de três mil pessoas começam a fazer parte daquela fraternidade, que é o habitat dos crentes e constitui o fermento eclesial da obra de evangelização. O fervor da fé destes irmãos e irmãs em Cristo faz da sua vida o cenário da obra de Deus, que se manifesta com prodígios e sinais através dos Apóstolos. O extraordinário faz-se ordinário e o dia a dia torna-se o espaço da manifestação de Cristo vivo!
O Evangelista Lucas narra-nos isto, mostrando-nos a Igreja de Jerusalém como o paradigma de todas as comunidades cristãs, como o ícone de uma fraternidade que fascina e que não deve ser mitificada, nem sequer minimizada. A narração dos Atos permite-nos olhar para dentro das paredes da domus onde os primeiros cristãos se reúnem como família de Deus, espaço da koinonia, ou seja, da comunhão de amor entre irmãos e irmãs em Cristo. Perscrutando no seu interior, podemos ver que eles vivem de uma forma muito específica: são «assíduos no ensinamento dos Apóstolos, na união fraterna, na fração do pão e nas orações» (At 2, 42). Os cristãos ouvem assiduamente a didaqué, ou seja, o ensinamento apostólico; praticam relacionamentos interpessoais de alta qualidade (inclusive através da comunhão dos bens espirituais e materiais); fazem memória do Senhor mediante a “fração do pão”, isto é, a Eucaristia, e dialogam com Deus na oração. São estas as atitudes do cristão, as quatro caraterísticas de um bom cristão.
Contrariamente à sociedade humana, onde se tende a perseguir os próprios interesses, prescindindo ou até em detrimento do próximo, a comunidade dos crentes afasta o individualismo para favorecer a partilha e a solidariedade. Não há lugar para o egoísmo na alma do cristão: se o teu coração for egoísta, não és cristão, és um mundano, que só procuras a tua vantagem, o teu benefício. E Lucas diz-nos que os crentes permanecem juntos (cf. At 2, 44). A proximidade e a unidade são o estilo dos crentes: próximos, preocupados uns pelos outros, não para falar mal do outro, não, para ajudar, para se aproximar.
Portanto, a graça do Batismo revela a íntima união entre os irmãos em Cristo, que são chamados a compartilhar, a identificar-se com os outros e a dar, «de acordo com as necessidades de cada um» (At 2, 45), ou seja, a generosidade, a esmola, preocupar-se pelo próximo, visitar os doentes, ir ao encontro dos necessitados, de quantos precisam de consolação.
E precisamente porque escolhe o caminho da comunhão e da atenção aos carentes, esta fraternidade que é a Igreja pode levar uma vida litúrgica verdadeira e autêntica. Lucas diz: «Frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo» (At 2, 46-47).
Enfim, a narração dos Atos recorda-nos que o Senhor garante o crescimento da comunidade (cf. 2, 47): a perseverança dos crentes na aliança genuína com Deus e com os irmãos torna-se força atrativa que fascina e conquista muitas pessoas (cf. Evangelii gaudium, 14), um princípio graças ao qual a comunidade de crentes de todos os tempos vive.
Oremos ao Espírito Santo a fim de que faça das nossas comunidades lugares onde receber e praticar a vida nova, as obras de solidariedade e de comunhão, lugares onde as liturgias sejam um encontro com Deus, que se torna comunhão com os irmãos e irmãs, lugares que sejam portas abertas para a Jerusalém celestial.
Papa Francisco
catequese na audiência geral 26.06.2019
Catequese sobre os Atos dos Apóstolos: 3.
Bom dia, caros irmãos e irmãs!
Cinquenta dias depois da Páscoa, naquele Cenáculo que já é a casa deles e onde a presença de Maria, Mãe do Senhor, constitui o elemento de coesão, os Apóstolos vivem um evento que supera as suas expetativas. Reunidos em oração — a prece é o “pulmão” que dá fôlego aos discípulos de todos os tempos; sem oração não se pode ser discípulo de Jesus; sem oração não podemos ser cristãos! Ela é o ar, o pulmão da vida cristã — são surpreendidos pela irrupção de Deus. Trata-se de uma irrupção que não tolera o fechamento: escancara as portas através da força de um vento que recorda a ruah, o sopro primordial, e cumpre a promessa da “força” feita pelo Ressuscitado antes da sua despedida (cf. At 1, 8). Chega inesperadamente, do alto: «De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde eles estavam» (At 2, 2).
Depois, ao vento acrescenta-se o fogo que evoca a sarça ardente e o Sinai, com o dom das dez palavras (cf. Êx 19, 16-19). Na tradição bíblica, o fogo acompanha a manifestação de Deus. No fogo Deus concede a sua palavra viva e enérgica (cf. Hb 4, 12) que abre ao futuro; o fogo exprime simbolicamente a sua função de aquecer, iluminar e testar os corações, a sua cura na provação da resistência das obras humanas, na sua purificação e revitalização. Enquanto no Sinai se ouve a voz de Deus, em Jerusalém, na festa de Pentecostes, quem fala é Pedro, a rocha sobre a qual Cristo quis edificar a sua Igreja. A sua palavra, frágil e capaz até de renegar o Senhor, atravessada pelo fogo do Espírito, adquire força, torna-se capaz de trespassar os corações e de impelir à conversão. Com efeito, Deus escolhe aquilo que é fraco no mundo para confundir os fortes (cf. 1 Cor 1, 27).
Por conseguinte, a Igreja nasce do fogo do amor e de um “incêndio” que arde no Pentecostes e que manifesta a força da Palavra do Ressuscitado, imbuída de Espírito Santo. A Aliança nova e definitiva já não está fundamentada numa lei escrita em tábuas de pedra, mas na ação do Espírito de Deus, que renova tudo e é gravado em corações de carne.
A palavra dos Apóstolos impregna-se do Espírito do Ressuscitado e torna-se uma palavra nova, diferente, que no entanto é compreensível, como se fosse traduzida simultaneamente em todas as línguas: com efeito, «cada um os ouvia falar na própria língua» (At 2, 6). Trata-se da linguagem da verdade e do amor, que é a língua universal: até os analfabetos podem entendê-la. Todos compreendem a linguagem da verdade e do amor. Se te apresentares com a verdade do teu coração, com sinceridade, com amor, todos te hão de entender. Mesmo que tu não possas falar, faz uma carícia que seja verídica e amorosa.
O Espírito Santo não só se manifesta mediante uma sinfonia de sons que une e compõe harmoniosamente as diversidades, mas apresenta-se como o maestro que faz executar as partituras dos louvores pelas «grandes obras» de Deus. O Espírito Santo é o artífice da comunhão, é o artista da reconciliação que sabe remover as barreiras entre judeus e gregos, entre escravos e livres, para fazer de todos um só corpo. Ele edifica a comunidade dos crentes, harmonizando a unidade do corpo e a multiplicidade dos membros. Faz crescer a Igreja, ajudando-a a ir mais além dos limites humanos, dos pecados e de qualquer escândalo.
O assombro é grande, e alguém pergunta se aqueles homens estão embriagados. Então, Pedro intervém em nome de todos os Apóstolos e volta a ler aquele acontecimento à luz de Joel 3, onde se anuncia uma nova efusão do Espírito Santo. Os seguidores de Jesus não estão inebriados, mas vivem aquela que Santo Ambrósio define «a sóbria embriaguez do Espírito» que, através de sonhos e visões, acende a profecia no meio do povo de Deus. Esta dádiva profética não está reservada apenas a alguns, mas a todos aqueles que invocam o nome do Senhor.
Dali por diante, a partir desse momento, o Espírito de Deus impele os corações a acolher a salvação que passa através de uma Pessoa, Jesus Cristo, Aquele que os homens pregaram no madeiro da cruz e que Deus ressuscitou dos mortos, «libertando-o dos grilhões da morte» (At 2, 24). Foi Ele quem infundiu aquele Espírito que orquestra a polifonia de louvores e que todos podem ouvir. Como dizia Bento XVI, «o Pentecostes é isto: Jesus, e através dele o próprio Deus, vem a nós e atrai-nos para dentro de si» (Homilia, 3 de junho de 2006). O Espírito realiza a atração divina: Deus seduz-nos com o seu Amor e deste modo envolve-nos, para mover a história e encetar processos através dos quais Ele filtra a vida nova. Com efeito, só o Espírito de Deus tem o poder de humanizar e fraternizar cada contexto, a partir de quantos o recebem.
Peçamos ao Senhor que nos deixe experimentar um novo Pentecostes, que dilate os nossos corações e sintonize os nossos sentimentos com os de Cristo, para anunciarmos sem vergonha a sua palavra transformadora e testemunharmos o poder do amor que chama à vida tudo o que encontra.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 19.06.2019
Catequese sobre os Atos dos Apóstolos: 2.
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Começamos um percurso de catequeses que seguirá a “viagem”: a viagem do Evangelho narrada pelo livro dos Atos dos Apóstolos, pois este livro mostra certamente a viagem do Evangelho, como o Evangelho foi além, além, além... Tudo parte da Ressurreição de Cristo. Com efeito, ele não é um evento entre outros, mas é a fonte da vida nova. Os discípulos sabem-no e — obedientes ao mandamento de Jesus — permanecem unidos, concordes e perseverantes na oração. Estreitam-se a Maria, a Mãe, e preparam-se para receber o poder de Deus não de maneira passiva, mas consolidando a comunhão entre eles.
Aquela primeira comunidade era composta por mais ou menos 120 irmãos e irmãs: um número que contém o 12, emblemático para Israel, pois representa as doze tribos, e emblemático para a Igreja, devido aos doze Apóstolos escolhidos por Jesus. Mas agora, depois dos eventos dolorosos da Paixão, os Apóstolos do Senhor já não são doze, mas onze. Um deles, Judas, já não existe: matou-se esmagado pelo remorso.
Já antes se tinha começado a separar da comunhão com o Senhor e com os demais, a fazer sozinho, a isolar-se, a apegar-se ao dinheiro chegando a instrumentalizar os pobres, a perder de vista o horizonte da gratuidade e da doação de si, chegando a permitir que o vírus do orgulho contaminasse a sua mente e o seu coração transformando-o de «amigo» (Mt 26, 50) em inimigo e em «guia dos que prenderam Jesus» (At 1, 16). Judas tinha recebido a grande graça de fazer parte do grupo dos íntimos de Jesus e de participar do seu ministério, mas a um certo ponto pretendeu “salvar” por si a sua vida com o resultado de a perder (cf. Lc 9, 24). Deixou de pertencer com o coração a Jesus e afastou-se da comunhão com Ele e com os seus. Deixou de ser discípulo e colocou-se acima do Mestre. Vendeu-o e com o «preço do seu crime» comprou um terreno, que não deu frutos mas ficou impregnado com o seu próprio sangue (cf. At 1, 18-19).
Se Judas preferiu a morte e não a vida (cf. Dt 30, 19; Eclo 15, 17) e seguiu o exemplo dos ímpios cuja via é como a obscuridade e cai em ruínas (cf. Pr 4, 19; Sl 1, 6), ao contrário os Onze escolhem a vida e a bênção, tornam-se responsáveis em fazê-la fluir por sua vez na história, de geração em geração, do povo de Israel para a Igreja.
O Evangelista Lucas mostra-nos que diante do abandono de um dos Doze, que causou uma ferida no corpo comunitário, é necessário que o seu cargo passe para outro. E quem o poderia assumir? Pedro indica uma exigência: o novo membro deve ter sido um discípulo de Jesus desde o início, ou seja, desde o Batismo no Jordão, até ao final, isto é, à ascensão ao Céu (cf. At 1, 21-22). É necessário reconstruir o grupo dos Doze. Inaugura-se a este ponto a praxe do discernimento comunitário, que consiste em ver a realidade com os olhos de Deus, na ótica da unidade e da comunhão.
São dois os candidatos: José Barsabás e Matias. Então toda a comunidade reza assim: «Senhor, Tu que conheces o coração de todos, indica-nos qual destes dois escolheste para ocupar... o lugar abandonado por Judas» (At 1, 24-25). E, através do destino, o Senhor indica Matias, que é associado aos Onze. Reconstrói-se assim o corpo dos Doze, sinal da comunhão, e a comunhão vence as divisões, o isolamento, a mentalidade que absolutiza o espaço do particular, sinal de que a comunhão é o primeiro testemunho que os Apóstolos oferecem. Jesus tinha dito: «Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35).
Os Doze manifestam nos Atos dos Apóstolos o estilo do Senhor. São as testemunhas acreditadas da obra de salvação de Cristo e não manifestam ao mundo a sua suposta perfeição mas, através da graça da unidade, fazem sobressair Outro que já vive num mundo novo no meio do seu povo. E quem é ele? É o Senhor Jesus. Os Apóstolos escolhem viver sob o senhorio do Ressuscitado na unidade entre os irmãos, que se torna a única atmosfera possível da doação autêntica de si.
Também nós temos necessidade de redescobrir a beleza de testemunhar o Ressuscitado, abandonando as atitudes autorreferenciais, renunciando a reter os dons de Deus e não cedendo à mediocridade. A recomposição do colégio apostólico mostra que no DNA da comunidade cristã existe a unidade e a liberdade de si mesmo, que permitem não temer a diversidade, não apegar-se às coisas nem aos dons e tornar-se martyres, ou seja, testemunhas luminosas do Deus vivo e ativo na história.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 12.06.2019
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Começamos hoje um percurso de catequeses sobre o Livro dos Atos dos Apóstolos. Este livro bíblico, escrito por São Lucas evangelista, fala-nos da viagem — de uma viagem: mas de qual viagem? Da viagem do Evangelho no mundo e mostra-nos a maravilhosa ligação entre a Palavra de Deus e o Espírito Santo que inaugura o tempo da evangelização. Os protagonistas dos Atos são precisamente um “casal” vivaz e eficaz: a Palavra e o Espírito.
Deus «envia a sua mensagem à terra» e «a sua palavra corre veloz» — diz o Salmo (147, 4). A Palavra de Deus corre, é dinâmica, irriga todo o terreno sobre o qual cai. E qual é a sua força? São Lucas diz-nos que a palavra humana se torna eficaz não graças à retórica, que é a arte de falar bem, mas graças ao Espírito Santo, que é a dýnamis de Deus, a dinâmica de Deus, a sua força, que tem o poder de purificar a palavra, de a tornar portadora de vida. Por exemplo, na Bíblia há histórias, palavras humanas; mas qual é a diferença entre a Bíblia e um livro de história? Que as palavras da Bíblia são tiradas do Espírito Santo o qual dá uma força muito grande, uma força diversa e ajuda-nos a fim de que aquela palavra seja semente de santidade, semente de vida, seja eficaz. Quando o Espírito visita a palavra humana ela torna-se dinâmica, como “dinamite”, isto é, capaz de acender os corações e de fazer saltar esquemas, resistências e muros de divisão, abrindo caminhos novos e dilatando os confins do povo de Deus. E veremos isto no percurso destas catequeses, no livro dos Atos dos Apóstolos.
Aquele que confere sonoridade vibrante e incisividade à nossa palavra humana tão frágil, capaz até de mentir e de se subtrair às próprias responsabilidades, é unicamente o Espírito Santo, por meio do qual o Filho de Deus foi gerado; o Espírito que o ungiu e amparou na missão; o Espírito graças ao qual escolheu os seus apóstolos e que garantiu ao seu anúncio a perseverança e a fecundidade, como as garante também hoje ao nosso anúncio.
O Evangelho conclui-se com a ressurreição e a ascensão de Jesus, e a narração dos Atos dos Apóstolos começa precisamente por aqui, pela superabundância da vida do ressuscitado infundida na sua Igreja. São Lucas diz-nos que Jesus «apareceu vivo depois da sua paixão e deu-lhes disso numerosas provas com as suas aparições, durante quarenta dias, e falando-lhes também a respeito do Reino de Deus» (At 1, 3). O Ressuscitado, Jesus Ressuscitado realiza gestos humaníssimos, como partilhar a refeição com os seus, e convida-os a viver confiantes na expetativa do cumprimento da promessa do Pai: «sereis batizados no Espírito Santo» (At 1, 5).
Com efeito, o batismo no Espírito Santo é a experiência que nos permite entrar numa comunhão pessoal com Deus e participar na sua vontade salvífica universal, adquirindo o talento da parresia, a coragem, ou seja, a capacidade de pronunciar uma palavra “como filhos de Deus”, não só como homens, mas como filhos de Deus: uma palavra límpida, livre, eficaz, cheia de amor a Cristo e aos irmãos.
Portanto, não é preciso lutar para conquistar ou merecer o dom de Deus. Tudo é concedido gratuitamente e no devido momento. O Senhor dá tudo de graça. A salvação não se compra, não se paga: é um dom gratuito. Diante da ansiedade de conhecer antecipadamente o tempo no qual acontecerão os eventos por Ele anunciados, Jesus responde aos seus: «Não vos compete saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou com a sua autoridade. Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo» (At 1, 7-8).
O Ressuscitado convida os seus a não viver com ansiedade o presente, mas a fazer aliança com o tempo, a saber esperar o desvendar-se de uma história sagrada que nunca se interrompeu mas que progride, que vai sempre em frente; a saber aguardar os “passos” de Deus, Senhor do tempo e do espaço. O Ressuscitado convida os seus a não “fabricar” sozinhos a missão, mas a aguardar que seja o Pai a dinamizar os seus corações com o seu Espírito, a fim de se poderem engajar num testemunho missionário capaz de se irradiar de Jerusalém até à Samaria e de ultrapassar os confins de Israel e alcançar as periferias do mundo.
Os Apóstolos vivem juntos esta expetativa, vivem-na como família do Senhor, na sala de cima ou cenáculo, cujas paredes ainda são testemunhas do dom com o qual Jesus se entregou aos seus na Eucaristia. E de que modo aguardam a força, a dýnamis de Deus? Rezando com perseverança, como se não fossem muitos mas um só. Rezando em unidade e com perseverança. Com efeito, é com a oração que se vence a solidão, a tentação, a suspeita e se abre o coração à comunhão. A presença das mulheres e de Maria, a mãe de Jesus, intensifica esta experiência: elas foram as primeiras que aprenderam do Mestre a testemunhar a fidelidade do amor e a força da comunhão que vence qualquer receio.
Peçamos também nós ao Senhor a paciência de aguardar os seus passos, de não querermos “fabricar” a sua obra e de permanecer dóceis rezando, invocando o Espírito e cultivando a arte da comunhão eclesial.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 29.05.2019
Catequese sobre o "Pai Nosso”: 16
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje concluímos o ciclo de catequeses sobre o “Pai-Nosso”. Podemos dizer que a oração cristã nasce da audácia de chamar Deus com o nome de “Pai”. Esta é a raiz da oração cristã: dizer “Pai” a Deus. Mas é preciso coragem! Não se trata tanto de uma fórmula, quanto de uma intimidade filial na qual somos introduzidos por graça: Jesus é o revelador do Pai e doa-nos a familiaridade com Ele. «Não nos deixa uma fórmula para ser repetida maquinalmente. Como em toda a oração vocal, é pela Palavra de Deus que o Espírito Santo ensina os filhos de Deus a orar ao seu Pai» (Catecismo da Igreja Católica, 2766). O próprio Jesus usou diversas expressões para rezar ao Pai. Se lermos com atenção os Evangelhos, descobrimos que estas expressões de oração que afloram aos lábios de Jesus evocam o texto do “Pai-Nosso”.
Por exemplo, na noite do Getsémani Jesus reza deste modo: «Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36). Já recordamos este texto do Evangelho de Marcos. Como não deixar de reconhecer nesta prece, mesmo sendo breve, um vestígio do “Pai-Nosso”? No meio das trevas, Jesus invoca Deus com o nome de “Abbá”, com confiança filial e, mesmo sentindo medo e angústia, pede que se cumpra a sua vontade.
Noutros trechos do Evangelho Jesus insiste com os seus discípulos, para que cultivem um espírito de oração. A prece deve ser insistente, e sobretudo deve incluir a recordação dos irmãos, sobretudo quando vivem relações difíceis com eles. Jesus diz: «Quando vos levantais para orar, se tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe primeiro, para que o vosso Pai que está no céu vos perdoe também as vossas ofensas» (Mc 11, 24-25). Como não reconhecer nestas expressões a concordância com o “Pai-Nosso”? E os exemplos poderiam ser numerosos, também para nós.
Nos escritos de São Paulo não encontramos o texto do “Pai-Nosso”, mas a sua presença emerge naquela síntese maravilhosa na qual a invocação do cristão se condensa numa só palavra: “Abbá!” (cf. Rm 8, 15; Gl 4, 6).
No Evangelho de Lucas, Jesus satisfaz plenamente o pedido dos discípulos que, vendo muitas vezes que Ele se afasta e se imerge na oração, um dia decidem-se a pedir-lhe: «Senhor, ensina-nos a orar, como João — o Batista — também ensinou os seus discípulos» (11, 1). E então o Mestre ensinou-lhes a oração ao Pai.
Considerando o Novo Testamento no seu conjunto, vê-se claramente que o primeiro protagonista de cada oração cristã é o Espírito Santo. Mas não esqueçamos isto: protagonista de cada oração cristã é o Espírito Santo. Nós nunca poderíamos rezar sem a força do Espírito Santo. É Ele que reza em nós e nos move a rezar bem. Podemos pedir ao Espírito que nos ensine a rezar, pois ele é o protagonista, aquele que faz a verdadeira oração em nós. Ele sopra no coração de cada um de nós, que somos discípulos de Jesus. O Espírito torna-nos capazes de rezar como filhos de Deus, como realmente somos mediante o Batismo. O Espírito faz-nos rezar no “sulco” que Jesus escavou para nós. Este é o mistério da oração cristã: por graça somos atraídos naquele diálogo de amor da Santíssima Trindade.
Jesus rezava assim. Algumas vezes usou expressões que certamente estão muito distantes do texto do “Pai-Nosso”. Pensemos nas palavras iniciais do salmo 22, que Jesus pronuncia na cruz: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Mt 27, 46). Pode o Pai celeste abandonar o seu Filho? Claro que não. Contudo o amor por nós, pecadores, levou Jesus até este ponto: até experimentar o abandono de Deus, a sua distância, pois assumiu sobre si todos os nossos pecados. Mas também no grito angustiado, permanece o «meu Deus, meu Deus». Naquele “meu” está o núcleo da relação com o Pai, está o fulcro da fé e da oração.
Eis por que, a partir deste fulcro, um cristão pode rezar em qualquer situação. Pode assumir todas as orações da Bíblia, especialmente dos Salmos; mas pode rezar também com tantas expressões que em milênios de história brotaram do coração dos homens. E ao Pai nunca deixemos de falar dos nossos irmãos e irmãs em humanidade, para que nenhum deles, sobretudo os pobres, permaneça sem uma consolação nem uma porção de amor.
No final desta catequese, podemos repetir aquela oração de Jesus: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos» (Lc 10, 21). Para rezar devemos fazer-nos pequeninos, para que o Espírito Santo venha em nós e seja Ele quem nos guia na oração.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 22.05.2019
Catequese sobre o "Pai Nosso”: 15
E eis que chegamos ao sétimo pedido do “Pai-Nosso”: «Livrai-nos do mal» (Mt 6, 13b).
Com esta expressão, quem reza não só pede para não ser abandonado no tempo da tentação, mas suplica também para ser libertado do mal. O verbo grego original é muito forte: evoca a presença do maligno que tende a agarrar-nos e a morder-nos (cf. 1 Pd 5, 8) e do qual se pede a Deus a libertação. O apóstolo Pedro diz também que o maligno, o diabo, está à nossa volta como um leão furioso, para nos devorar, e nós pedimos a Deus que nos liberte.
Com esta dúplice súplica “não nos deixeis cair em tentação” e “livrai-nos”, sobressai uma característica essencial da oração cristã. Jesus ensina aos seus amigos a colocar a invocação do Pai diante de tudo, até e sobretudo nos momentos nos quais o maligno faz sentir a sua presença ameaçadora. Com efeito, a oração cristã não fecha os olhos sobre a vida. É uma prece filial e não uma oração infantil. Não está encantada pela paternidade de Deus, a ponto de esquecer que o caminho do homem está cheio de dificuldades. Se não houvesse os últimos versos do “Pai-Nosso” como poderiam rezar os pecadores, os perseguidos, os desesperados, os moribundos? A última petição é precisamente o nosso pedido quando estivermos no limite, sempre.
Há um mal na nossa vida, que é uma presença incontestável. Os livros de história são o desolador catálogo de quanto a nossa existência neste mundo tem sido uma aventura muitas vezes fracassada. Há um mal misterioso, que certamente não é obra de Deus mas que penetra silenciosamente nas dobras da história. Silencioso como a serpente que leva o veneno sorrateiramente. Nalguns momentos parece que domina: em certos dias a sua presença parece até mais nítida do que a da misericórdia de Deus.
O orante não é cego, e vê claramente diante de si este mal tão pesado, e em contradição com o próprio mistério de Deus. Divisa-o na natureza, na história, até no seu coração. Pois não há ninguém entre nós que possa dizer que está livre do mal, ou que não se sente pelo menos tentado. Todos nós sabemos o que é o mal; todos sabemos o que é a tentação; todos experimentamos na nossa pele a tentação, de qualquer pecado. Mas é o tentador que nos move e nos leva ao mal, dizendo-nos: “faz isto, pensa isto, vai por aquele caminho”.
O último brado do “Pai-Nosso” é lançado contra este mal “com orlas amplas”, que mantém debaixo do seu guarda-chuva as experiências mais diversas: os lutos do homem, o sofrimento inocente, a escravidão, a instrumentalização do outro, o pranto das crianças inocentes. Todos estes eventos protestam no coração do homem e tornam-se voz na última palavra da oração de Jesus.
É precisamente nas narrações da Paixão que algumas expressões do “Pai-Nosso” encontram o seu eco mais impressionante. Jesus diz: «Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36). Jesus experimenta totalmente o trespasse do mal. Não só a morte, mas a morte de cruz. Não só a solidão, mas também o desprezo, a humilhação. Não só a má vontade mas também a crueldade, a perseguição contra Ele. Eis o que é o homem: um ser devotado à vida, que sonha o amor e o bem, mas que depois se expõe continuamente ao mal, a si mesmo e aos seus semelhantes, a ponto que podemos ser tentados a perder a esperança no homem.
Queridos irmãos e irmãs, assim o “Pai-Nosso” assemelha-se a uma sinfonia que pede para ser realizada em cada um de nós. O cristão sabe quanto é tentador o poder do mal, e ao mesmo tempo experimenta como Jesus, que nunca cedeu às suas lisonjas, está da nossa parte e vem em nossa ajuda.
Assim a oração de Jesus deixa-nos a herança mais preciosa: a presença do Filho de Deus que nos libertou do mal, lutando para o converter. Na hora do combate final, ordena a Pedro que enfie a espada na bainha, garante ao ladrão arrependido o paraíso, a todos os homens que estavam à sua volta, inconscientes da tragédia que estava a ser consumada, oferece uma palavra de paz: «Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem» (Lc 23, 34).
Do perdão de Jesus na cruz jorra a paz, a verdadeira paz vem da cruz: é dom do Ressuscitado, um dom que Jesus nos concede. Pensai que a primeira saudação de Jesus ressuscitado é “a paz esteja convosco”, a paz nas vossas almas, nos vossos corações, nas vossas vidas. O Senhor concede-nos a paz, dá-nos o perdão mas nós devemos pedir: “livrai-nos do mal”, para não cair no mal. Esta é a nossa esperança, a força que Jesus ressuscitado nos concede, que está aqui, no meio de nós: está aqui. Está aqui com aquela força que nos concede para irmos em frente, e promete que nos liberta do mal.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 15.05.2019
Catequese sobre o "Pai Nosso”: 14
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Prosseguimos a catequese sobre o “Pai-Nosso”, chegando hoje à penúltima invocação: «Não nos abandones à tentação» [versão em italiano]. Outra versão diz: «Não nos deixeis cair em tentação» (Mt 6, 13). O “Pai-Nosso” começa de maneira serena: faz-nos desejar que o grande projeto de Deus se possa realizar no meio de nós. Depois lança um olhar à vida, e faz-nos pedir aquilo de que precisamos todos os dias: o “pão de cada dia”. Em seguida, a oração concentra-se nas nossas relações interpessoais, muitas vezes poluídas pelo egoísmo: pedimos o perdão e comprometemo-nos a concedê-lo. Mas é com esta última invocação que o nosso diálogo com o Pai celeste entra, por assim dizer, vai ao cerne do drama, ou seja, ao âmbito do confronto entre a nossa liberdade e as ciladas do maligno.
Como se sabe, a expressão original grega contida nos Evangelhos é difícil de traduzir de maneira exata, e todas as traduções modernas são um pouco imprecisas. Mas sobre um elemento podemos convergir de maneira unânime: seja qual for a interpretação do texto, devemos excluir que é Deus o protagonista das tentações que ameaçam o caminho do homem. Como se Deus estivesse emboscado para armar ciladas e armadilhas aos seus filhos. Uma interpretação deste gênero antes de tudo está em contraste com o próprio texto, e longe da imagem de Deus que Jesus nos revelou. Não esqueçamos: o “Pai-Nosso” começa com “Pai”. E um pai não arma ciladas aos filhos. Os cristãos não têm que lidar com um Deus invejoso, em competição com o homem, ou que se diverte a pô-lo à prova. Estas são as imagens de tantas divindades pagãs. Lemos na Carta de Tiago apóstolo: «Ninguém diga, quando for tentado pelo mal: “É Deus que me tenta”. Porque Deus não é tentado pelo mal, nem tenta ninguém» (1, 13). No máximo é o contrário: o Pai não é o autor do mal, a nenhum filho que pede um peixe ele dá uma serpente (cf. Lc 11, 11) — como ensina Jesus — e quando o mal se insinua na vida do homem, combate ao seu lado, para que possa ser libertado. Um Deus que combate sempre por nós, não contra nós. É o Pai! É neste sentido que rezamos o “Pai-Nosso”.
Estes dois momentos — a prova e a tentação — estiveram misteriosamente presentes na vida de Jesus. Nesta experiência o Filho de Deus fez-se completamente nosso irmão, duma maneira que chega quase ao escândalo. E são precisamente estes excertos evangélicos que nos demonstram que as invocações mais difíceis do “Pai-Nosso”, aquelas que encerram o texto, já foram ouvidas: Deus não nos deixou sozinhos, mas em Jesus Ele manifesta-se como o “Deus-connosco” até às extremas consequências. Está connosco quando nos dá a vida, está connosco durante a vida, está connosco na alegria, está connosco nas provações, está connosco nas tristezas, está connosco nas derrotas, quando pecamos, mas está sempre connosco, porque é Pai e não nos pode abandonar.
Se formos tentados a praticar o mal, negando a fraternidade com os outros e desejando um poder absoluto sobre tudo e sobre todos, Jesus já combateu por nós esta tentação: confirmam-no as primeiras páginas dos Evangelhos. Logo depois de ter recebido o batismo pelas mãos de João, no meio da multidão dos pecadores, Jesus retira-se no deserto e é tentado por Satanás. Começa assim a vida pública de Jesus, com as tentações que vêm de Satanás. Satanás estava presente. Muitas pessoas dizem: “mas por que falar do diabo que é uma coisa antiga? O diabo não existe”. Repara no que te ensina o Evangelho: Jesus confrontou-se com o diabo, foi tentado por Satanás. Mas Jesus afasta qualquer tentação e sai vitorioso. O Evangelho de Mateus tem um aspeto interessante que encerra o duelo entre Jesus e o Inimigo: «Então, o diabo deixou-o e chegaram os anjos e serviram-no» (4, 11).
Mas também no tempo da provação suprema Deus não nos deixa sozinhos. Quando Jesus se retira para rezar no Getsemani, o seu coração é invadido por uma angústia indescritível — assim diz aos discípulos — e Ele experimenta a solidão e o abandono. Sozinho, com a responsabilidade de todos os pecados do mundo sobre os ombros; sozinho, com uma angústia inenarrável. A provação é tão dilacerante que acontece algo inesperado. Jesus nunca mendiga amor para si mesmo, contudo naquela noite sente a sua alma triste até à morte, e então pede a proximidade dos seus amigos: «ficai aqui e vigiai comigo» (Mt 26, 38). Como sabemos, os discípulos, sobrecarregados por um entorpecimento causado pelo medo, adormeceram. No tempo da agonia, Deus pede ao homem que não o abandone, e ao contrário o homem dorme. No tempo em que o homem conhece a sua provação, Deus vigia. Nos momentos mais difíceis da nossa vida, nos momentos de mais sofrimento, nos momentos mais angustiantes, Deus vigia connosco, Deus luta conosco, está sempre próximo de nós. Porquê? Porque é Pai. Começamos assim a oração: “Pai-Nosso”. E um pai não abandona os seus filhos. Aquela noite de dor e de luta são para Jesus o último selo da Encarnação: Deus desce para se encontrar connosco nos nossos abismos e nas aflições que constelam a história.
É o nosso conforto na hora da provação: saber que aquele vale, desde quando Jesus o atravessou, já não está desolado, mas está abençoado pela presença do Filho de Deus. Ele nunca nos abandonará!
Por conseguinte, ó Deus, afasta de nós o tempo da provação e da tentação. Mas quando chegar para nós este tempo, Pai nosso, mostra-nos que não estamos sozinhos. Tu és o Pai. Mostra-nos que Cristo já carregou sobre si também o peso daquela cruz. Mostra-nos que Jesus nos chama a carregá-la com Ele, abandonando-nos confiantes ao teu amor de Pai. Obrigado.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 01.05.2019
Catequese sobre o "Pai Nosso": 13
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje completamos a catequese sobre o quinto pedido do “Pai-Nosso”, analisando a expressão «assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12). Vimos que é próprio do homem ser devedor diante de Deus: d’Ele recebemos tudo, em termos de natureza e de graça. A nossa vida não só foi querida, mas foi amada por Deus. Deveras não há espaço para a presunção quando juntamos as mãos para rezar. Não existem na Igreja “self made man”, homens que se fizeram sozinhos. Todos somos devedores para com Deus e para com tantas pessoas que nos proporcionaram condições de vida favoráveis. A nossa identidade constrói-se a partir do bem recebido. O primeiro é a vida.
Quem reza aprende a dizer “obrigado”. E nós muitas vezes esquecemo-nos de dizer “obrigado”, somos egoístas. Quem reza aprende a dizer “obrigado” e pede a Deus para ser benévolo com o próximo. Por muito que nos esforcemos, permanece sempre uma dívida impagável diante de Deus, que nunca poderemos restituir: Ele ama-nos infinitamente mais de quanto nós o amamos. E depois, por muito que nos empenhemos para viver segundo os ensinamentos cristãos, na nossa vida haverá sempre alguma coisa da qual pedir perdão: pensemos nos dias passados na preguiça, nos momentos em que o rancor invadiu o nosso coração e assim por diante... São estas experiências, infelizmente não raras, que nos fazem implorar: “Senhor, Pai, perdoai-nos os nossos pecados”. Deste modo pedimos perdão a Deus.
Pensando bem, a invocação podia até limitar-se a esta primeira parte; teria sido bela. Ao contrário Jesus liquida-a com uma segunda expressão que é um todo com a primeira. A relação de benevolência vertical por parte de Deus desvia-se e é chamada a traduzir-se numa relação nova que vivemos com os nossos irmãos: uma relação horizontal. O Deus bom convida-nos a sermos todos bondosos. As duas partes da invocação ligam-se com uma conjunção impiedosa: pedimos ao Senhor que perdoe os nossos pecados, as nossas faltas, “como” nós perdoamos aos nossos amigos, às pessoas que vivem connosco, aos nossos vizinhos, a quem nos fez alguma coisa desagradável.
Cada cristão sabe que existe para ele o perdão dos pecados, isto todos o sabemos: Deus perdoa tudo e perdoa sempre. Quando Jesus conta aos seus discípulos o rosto de Deus, esboça-o com expressões de terna misericórdia. Diz que há mais alegria no céu por um pecador que se arrepende, do que por uma multidão de justos que não precisam de conversão (cf. Lc 15, 7-10). Nos Evangelhos nada deixa suspeitar que Deus não perdoa os pecados de quem está bem disposto e pede para ser reabraçado.
Mas a graça de Deus, tão abundante, é sempre exigente. Quem recebeu muito deve aprender a dar muito e a não reter só para si aquilo que recebeu. Quem recebeu muito deve aprender a dar muito. Não é ocasional que o Evangelho de Mateus, logo depois de ter oferecido o texto do “Pai-Nosso”, entre as sete expressões usadas frise precisamente a do perdão fraterno: «Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai não vos perdoará as vossas» (Mt 6, 14-15). Mas isto é forte! Eu penso: algumas vezes ouvi quem disse: “Nunca perdoarei aquela pessoa! Nunca perdoarei o que me fez!”. Mas se tu não perdoares, Deus nunca te perdoará. Fechas a porta. Pensemos se nós somos capazes de perdoar ou se não perdoamos. Um sacerdote, quando eu estava na outra diocese, contou-me angustiado que tinha ido conferir os últimos sacramentos a uma idosa que estava em ponto de morte. A pobre senhora não conseguia falar. E o sacerdote disse: “Senhora, arrepende-se dos pecados?”. A senhora acenou que sim; não os podia confessar mas acenou que sim. É suficiente. E depois ainda: “A senhora perdoa os demais?”. E a senhora, em ponto de morte acenou que não. O sacerdote ficou angustiado. Se tu não perdoares, Deus não te perdoará. Pensemos se nós cristãos, aqui, perdoamos, se somos capazes de perdoar. “Padre, eu não consigo, porque aquela gente fez-me tantas”. “Mas se tu não conseguires, pede ao Senhor que te conceda a força para conseguires: Senhor, ajuda-me a perdoar. Encontramos aqui a ligação entre o amor a Deus e o amor ao próximo. Amor chama amor, perdão chama perdão. Ainda em Mateus encontramos outra parábola muito intensa dedicada ao perdão fraterno (cf. 18, 21-35). Ouçamo-la.
Havia um servo que tinha contraído uma dívida enorme com o seu rei: dez mil talentos! Uma quantia impossível de restituir; não sei quanto seria hoje, mas centenas de milhões. Mas aconteceu o milagre, e aquele servo não obtém um prazo mais longo para pagar, mas o perdão total. Uma graça inesperada! Mas eis que precisamente aquele servo, logo a seguir, se volta contra um seu irmão que lhe deve cem denários — pouca coisa — e, mesmo sendo esta uma quantia acessível, não aceita desculpas nem súplicas. Por isso, no final, o dono chama-o e condena-o. Pois se não te esforças por perdoar, não serás perdoado; se não te esforças por amar, também não serás amado.
Jesus insere nas relações humanas a força do perdão. Na vida nem tudo se resolve com a justiça. Não. Sobretudo onde se deve pôr um limite ao mal, alguém tem que amar além do devido, para recomeçar uma história de graça. O mal conhece as suas vinganças, e se ele não for interrompido corre o risco de se alastrar sufocando o mundo inteiro.
Jesus substitui a lei de talião — o que me fizeste, eu restituo-te — com a lei do amor: aquilo que Deus fez a mim, eu restituo-o a ti! Pensemos hoje, nesta semana de Páscoa tão bonita, se eu sou capaz de perdoar. E se não me sentir capaz, devo pedir ao Senhor que me conceda a graça de perdoar, pois saber perdoar é uma graça.
Deus concede a cada cristão a graça de escrever uma história de bem na vida dos seus irmãos, especialmente daqueles que fizeram algo desagradável e errado. Com uma palavra, um abraço, um sorriso, podemos transmitir aos outros aquilo que recebemos de mais precioso. Qual é a coisa preciosa que recebemos? O perdão, que devemos ser capazes de dar também aos demais.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 24.04.2019
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Estamos a refletir nestas semanas sobre a oração do «Pai-Nosso». Agora, na vigília do Tríduo pascal, detenhamo-nos sobre algumas palavras com as quais Jesus, durante a Paixão, rezou ao Pai.
A primeira invocação acontece depois da Última Ceia, quando o Senhor, «levantando os olhos ao céu, exclamou: “Pai, chegou a hora! Manifesta a glória do teu Filho — e depois — manifesta a minha glória junto de ti, aquela glória que Eu tinha junto de ti, antes de o mundo existir”» (Jo 17, 1.5). Jesus pede a glória, um pedido que parece paradoxal quando a Paixão está para acontecer. De qual glória se trata? A glória na Bíblia, indica o revelar-se de Deus, é o sinal distintivo da sua presença salvífica entre os homens. Pois bem, Jesus é Aquele que manifesta de modo definitivo a presença e a salvação de Deus. E fá-lo na Páscoa: erguido na cruz, é glorificado (cf. Jo 12, 23-33). Nela Deus finalmente revela a sua glória: tira o último véu e surpreende-nos como nunca. Com efeito, descobrimos que a glória de Deus é toda amor: amor puro, louco e impensável, além de qualquer limite e medida.
Irmãos e irmãs, façamos nossa a oração de Jesus: peçamos ao Pai para que tire os véus dos nossos olhos a fim de que nestes dias, olhando para o Crucificado, possamos aceitar que Deus é amor. Quantas vezes o imaginamos dono e não Pai, quantas vezes o consideramos juiz severo em vez de Salvador misericordioso! Mas na Páscoa Deus elimina as distâncias, mostrando-se na humildade de um amor que pede o nosso amor. Por conseguinte, nós o glorificamos quando vivemos tudo o que fazemos com amor, quando fazemos tudo de coração, como se fosse por Ele (cf. Cl 3, 17). A verdadeira glória é a glória do amor, pois é a única que dá a vida ao mundo. Claro, esta glória é o contrário da glória mundana, que chega quando somos admirados, louvados, aclamados: quando estamos no centro da atenção. A glória de Deus, ao contrário, é paradoxal: nenhum aplauso, nenhuma audiência. No centro não está o eu, mas o outro: com efeito, na Páscoa vemos que o Pai glorifica o Filho enquanto o Filho glorifica o Pai. Ninguém se glorifica a si mesmo. Nós hoje podemos questionar-nos: “Qual é a glória para a qual vivo? A minha ou a de Deus? Desejo unicamente receber dos outros ou também doar aos demais?».
Depois da Última Ceia Jesus entrou no jardim do Getsemani; também aqui reza ao Pai. Enquanto os discípulos não conseguem permanecer acordados e Judas está para chegar com os soldados, Jesus começa a sentir «medo e angústia». Sente toda a angústia por aquilo que o espera: traição, desprezo, sofrimento, fracasso. Sente-se «triste» e ali, no abismo, naquela desolação, dirige ao Pai a palavra mais terna e meiga: «Abbà», ou seja papá (cf. Mc 14, 33-36). Na provação Jesus ensina-nos a abraçar o Pai, porque na oração a Ele encontra-se a força para ir em frente no sofrimento. Na fadiga a oração é alívio, recomendação, conforto. No abandono de todos, na desolação interior Jesus não está sozinho, está com o Pai. Nós, ao contrário, nos nossos Getsemanis escolhemos com frequência permanecer sozinhos, em vez de dizer «Pai» e confiar-nos a Ele, como Jesus, recomendar-nos à sua vontade, que é o nosso verdadeiro bem. Mas quando na provação permanecemos fechados em nós mesmos escavamos um túnel dentro de nós, um doloroso percurso introverso que tem uma só direção: cada mais no fundo de nós mesmos. O maior problema não é a dor, mas a maneira como a enfrentamos. A solidão não tem saída; a oração sim, porque é relação, é recomendar-se. Jesus recomenda tudo e entrega-se ao Pai, levando-lhe aquilo que sente, apoiando-se n’Ele na luta. Quando entramos nos nossos Getsemanis — cada um de nós tem os próprios Getsemanis ou os teve ou os terá — recordemo-nos disto: quando entramos, quando entraremos no nosso Getsemani, recordemo-nos de rezar assim: “Pai”.
Por fim, Jesus dirige ao Pai uma terceira oração por nós: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34). Jesus reza por quem foi maléfico com Ele, pelos seus algozes. O Evangelho especifica que esta oração acontece no momento da crucificação. Provavelmente era o momento da dor mais aguda, quando cravaram os pregos nos pulsos e nos pés de Jesus. Aqui, no momento mais doloroso, o amor atinge o ápice: chega o perdão, ou seja, o dom extremo, que interrompe o círculo do mal.
Rezando nestes dias o “Pai-Nosso”, que possamos pedir uma destas graças: viver os nossos dias para glória de Deus, ou seja, viver com amor; saber confiar-nos ao Pai nas provações e dizer “papá” ao Pai e obter no encontro com o Pai o perdão e a coragem para perdoar. Estas duas coisas caminham juntas. O Pai perdoa-nos e infunde-nos a coragem para poder perdoar.
Papa Francisco
Audiência Geral 17.04.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 12 «Perdoai-nos os nossos pecados assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido».
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
O dia não é muito agradável, mas não obstante bom dia!
Depois de ter pedido a Deus o pão de cada dia, a prece do “Pai-Nosso” entra no campo das nossas relações com os demais. E Jesus ensina-nos a pedir ao Pai: «Perdoai-nos os nossos pecados assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12). Assim como precisamos do pão, também precisamos do perdão. E isto, todos os dias.
O cristão que reza, antes de tudo, pede a Deus que sejam perdoados os seus pecados, ou seja, as suas faltas, as más ações que comete. Esta é a primeira verdade de cada oração: fôssemos até pessoas perfeitas, fôssemos até santos cristalinos que nunca se desviam de uma vida de bem, permanecemos sempre filhos que devem tudo ao Pai. Qual é a atitude mais perigosa de cada vida cristã? É o orgulho. É a atitude de quem se coloca diante de Deus pensando que tem sempre as contas em ordem com Ele: o orgulhoso pensa que está tudo bem consigo. Como o fariseu da parábola, que no templo pensa que reza mas na realidade louva-se a si mesmo diante de Deus: “Agradeço-te, Senhor, porque eu não sou como os outros”. E as pessoas que se sentem perfeitas, que criticam os outros, são pessoas orgulhosas. Ninguém é perfeito, ninguém. Ao contrário o publicano, que estava atrás, no templo, um pecador desprezado por todos, pára no limiar do templo, e não se sente digno de entrar e recomenda-se à misericórdia de Deus. E Jesus comenta: «Este voltou justificado para sua casa» (Lc 18, 14), ou seja, perdoado, salvo. Porquê? Porque não era orgulhoso, porque reconhecia os seus limites e os seus pecados.
Há pecados que se veem e pecados que não se veem. Há pecados evidentes que fazem barulho, mas há também pecados sutis, que se escondem no coração sem que nem sequer nos apercebamos. O pior deles é a soberba que pode contagiar também pessoas que vivem uma vida religiosa intensa. Havia outrora um convento de religiosas, no ano 1600-1700, famoso, no tempo do jansenismo: eram perfeitíssimas e dizia-se que eram puríssimas como os anjos, mas soberbas como os demônios. E isto é mau. O pecado divide a fraternidade, o pecado faz-nos presumir que somos melhores que os outros, o pecado faz-nos crer que somos semelhantes a Deus.
Mas ao contrário, diante de Deus somos todos pecadores e temos motivos para bater a mão no peito — todos! — como aquele publicano no templo. São João, na sua primeira Carta, escreve: «Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós» (1 Jo 1, 8). Se quiseres enganar-te a ti mesmo, diz que não pecaste: assim estás a enganar-te.
Somos devedores, antes de tudo, porque nesta vida recebemos tanto: a existência, um pai e uma mãe, a amizade, as maravilhas da criação... Mesmo se acontece a todos ter dias difíceis, devemos recordar-nos sempre que a vida é uma graça, é o milagre que Deus tirou do nada.
Em segundo lugar somos devedores porque, mesmo se conseguimos amar, nenhum de nós é capaz de o fazer unicamente com as suas forças. O amor verdadeiro é quando podemos amar, mas com a graça de Deus. Nenhum de nós brilha de luz própria. Há aquilo a que os teólogos antigos chamavam um “mysterium lunae” não só na identidade da Igreja, mas também na história de cada um de nós. O que significa este “mysterium lunae”? Que é como a lua, que não tem luz própria: reflete a luz do sol. Também nós, não temos luz própria: a luz que temos é um reflexo da graça de Deus, da luz de Deus. Se amares é porque alguém, ao teu redor, te sorriu quando eras uma criança, ensinando-te a responder com um sorriso. Se amas é porque alguém ao teu lado te despertou para o amor, fazendo-te compreender que nele reside o sentido da existência.
Procuremos ouvir a história de alguma pessoa que errou: um preso, um condenado, um drogado... conhecemos tantas pessoas que erram na vida. À exceção da responsabilidade, que é sempre pessoal, algumas vezes podemos perguntar quem deve ser culpado pelos seus erros, se unicamente a sua consciência, ou a história de ódio e de abandono que alguém carrega consigo.
E isto é o mistério da lua: amemos antes de tudo porque fomos amados, perdoemos porque fomos perdoados. E se alguém não foi iluminado pela luz do sol, torna-se gélido como o terreno no inverno.
Como não reconhecer, na corrente de amor que nos precede, também a presença providencial do amor de Deus? Nenhum de nós ama Deus quanto Ele nos amou. É suficiente pôr-se diante de um crucifixo para compreender a desproporção: Ele amou-nos e ama-nos sempre primeiro.
Portanto rezemos: Senhor, até o mais santo no meio de nós não deixa de ser teu devedor. Ó Pai, tem piedade de todos nós!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 10.04.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 11 «O pão nosso de cada dia nos dai hoje»
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje passamos a analisar a segunda parte do “Pai-Nosso”, aquela na qual apresentamos a Deus as nossas necessidades. Esta segunda parte começa com uma palavra que perfuma de dia a dia: o pão.
A oração de Jesus parte de uma pergunta impelente, que é muito semelhante à imploração de um mendigo: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje!”. Esta oração provém de uma evidência que muitas vezes esquecemos, ou seja, que não somos criaturas autossuficientes, e que todos os dias precisamos de nos alimentar.
As Escrituras mostram-nos que para muitas pessoas o encontro com Jesus se realizou a partir de uma pergunta. Jesus não pede invocações requintadas, aliás, toda a existência humana, com os seus problemas mais concretos e diários, se pode tornar prece. Nos Evangelhos encontramos uma multidão de mendigos que suplicam libertação e salvação. Há quem pede o pão, quem a cura; alguns a purificação, outros a vista; ou que uma pessoa querida possa reviver... Jesus nunca fica indiferente face a estes pedidos e padecimentos.
Por conseguinte, Jesus ensina a pedir ao Pai o pão de cada dia. E ensina-nos a fazê-lo juntamente com muitos homens e mulheres para os quais esta prece é um grito — muitas vezes abafado — que acompanha a ansiedade de todos os dias. Quantas mães e quantos pais, ainda hoje, vão dormir com o tormento de não ter no dia seguinte o pão suficiente para os próprios filhos! Imaginemos esta oração recitada não na segurança de um apartamento confortável, mas na precariedade de um ambiente ao qual se adapta, onde falta o necessário para viver. As palavras de Jesus assumem uma força nova. A oração cristã começa por este nível. Não é um exercício para ascetas; parte da realidade, do coração e da carne de pessoas que vivem em necessidade, ou que partilham a condição de quem não dispõe do necessário para viver. Nem sequer os místicos cristãos mais elevados podem prescindir da simplicidade deste pedido. “Pai, faz com que para nós e para todos, hoje, haja o pão necessário”. E “pão” significa água, medicamentos, casa, trabalho... Pedir o necessário para viver.
O pão que o cristão pede na oração não é o “meu” pão mas o “nosso”. Assim quer Jesus. Ensina-nos a pedi-lo não só para nós mesmos, mas para a inteira fraternidade do mundo. Se não se rezar deste modo, o “Pai-Nosso” deixa de ser uma oração cristã. Se Deus é o nosso Pai, como nos podemos apresentar a Ele sem nos darmos a mão? Todos nós. E se roubarmos uns aos outros o pão que Ele nos concede, como podemos dizer que somos seus filhos? Esta prece contém uma atitude de empatia, uma atitude de solidariedade. Na minha fome sinto a fome das multidões, e então rezarei a Deus enquanto o pedido delas não for ouvido. Assim Jesus educa a sua comunidade, a sua Igreja, a apresentar a Deus as necessidades de todos: “Todos somos Vossos filhos, tende piedade de nós!”. E agora far-nos-á bem pensar por alguns momentos nas crianças famintas. Pensemos nas crianças que vivem em países em guerra: nas crianças famintas do Iémen, nas crianças famintas na Síria, nas crianças famintas em muitos países onde não há pão, no Sudão do Sul. Pensemos nestas crianças e pensando nelas recitemos juntos, em voz alta, a prece: “Pai, o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Todos juntos.
O pão que pedimos ao Senhor na oração é o mesmo que um dia nos acusará. Repreender-nos-á o pouco hábito de o repartir com quem está próximo, o pouco hábito de o repartir. Era um pão oferecido à humanidade, e ao contrário foi comido só por alguns: o amor não pode suportar isto. O nosso amor não o pode suportar; nem sequer o amor de Deus pode suportar este egoísmo de não repartir o pão.
Certa vez havia uma grande multidão diante de Jesus; eram pessoas que tinham fome. Jesus perguntou se havia entre eles quem tivesse alguma coisa, e viu que só uma criança estava disposta a partilhar aquilo de que dispunha: cinco pães e dois peixes. Jesus multiplicou aquele gesto generoso (cf. Jo 6, 9). Aquele menino tinha compreendido a lição do “Pai-Nosso”: que os alimentos não são propriedade individual — convençamo-nos disto: os alimentos não são propriedade individual — mas providência a partilhar, com a graça de Deus.
O verdadeiro milagre realizado por Jesus naquele dia não foi tanto a multiplicação — que foi verdadeira — mas a partilha: dai-me o que tendes e eu farei o milagre. Ele mesmo, multiplicando aquele pão oferecido, antecipou a oferenda de Si no Pão eucarístico. Com efeito, só a Eucaristia é capaz de saciar a fome de infinito e o desejo de Deus que anima cada homem, até na busca do pão de cada dia.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 27.03.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 10
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Prosseguindo as nossas catequeses sobre o “Pai-Nosso”, hoje analisamos a terceira invocação: «Seja feita a vossa vontade». Ela deve ser lida em unidade com as primeiras duas — «santificado seja o vosso nome» e «venha a nós o vosso Reino» — de modo que o conjunto forme um tríptico: «santificado seja o vosso nome», venha a nós o vosso Reino», «seja feita a Vossa vontade». Hoje falaremos da terceira.
Antes do cuidado do mundo por parte do homem, há o cuidado incansável que Deus dedica ao homem e ao mundo. O inteiro Evangelho reflete esta inversão de perspectiva. O pecador Zaqueu sobe a uma árvore porque quer ver Jesus, mas não sabe que, muito antes, Deus se tinha posto à sua procura. Jesus, quando chega, diz-lhe: «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa». E no final declara: «pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19, 5.10). Eis a vontade de Deus, aquela que nós pedimos que seja feita. Qual é a vontade de Deus encarnada em Jesus? Procurar e salvar o que está perdido. E nós, na oração, pedimos que a busca de Deus tenha bom êxito, que o seu desígnio universal de salvação se realize, primeiro, em cada um de nós e depois em todo o mundo. Pensastes no que significa que Deus está à minha procura? Cada um de nós pode dizer: “Como, Deus procura-me?” — “Sim!” Procura-te! Procura a mim”: procura cada um de nós, pessoalmente. Deus é grande! Quanto amor há por detrás de tudo isto.
Deus não é ambíguo, não se esconde por detrás de enigmas, não planificou o futuro do mundo de maneira indecifrável. Não, Ele é claro. Se não compreendemos isto, corremos o risco de não compreender o sentido da terceira expressão do “Pai-Nosso”. Com efeito, a Bíblia está cheia de expressões que nos narram a vontade positiva de Deus em relação ao mundo. E no Catecismo da Igreja Católica encontramos uma recolha de citações que testemunham esta vontade divina fiel e paciente (cf. nn. 2821-2827). E São Paulo, na Primeira Carta a Timóteo, escreve: «Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade» (2, 4). Esta é, sem dúvida alguma, a vontade de Deus: a salvação do homem, dos homens, de cada um de nós. Deus bate à porta do nosso coração com o seu amor. Porquê? Para nos atrair; para nos atrair a Ele e nos levar em frente no caminho da salvação. Deus está próximo de nós com o seu amor, para nos levar pela mão à salvação. Quanto amor há por detrás disto!
Por conseguinte, rezando “seja feita a Vossa vontade”, não somos convidados a inclinar servilmente a cabeça, como se fôssemos escravos. Não! Deus nos quer livres; é o Seu amor que nos liberta. Com efeito, o “Pai-Nosso” é a oração dos filhos, não dos escravos; mas dos filhos que conhecem o coração do seu pai e têm a certeza do seu desígnio de amor. Ai de nós se, pronunciando estas palavras, levantarmos os ombros em sinal de rendição diante de um destino que nos repugna e que não conseguimos mudar. Ao contrário, é uma oração cheia de confiança fervorosa em Deus que quer para nós o bem, a vida, a salvação. Uma oração corajosa, até combativa, pois há no mundo muitas, demasiadas realidades que não são segundo os planos de Deus. Todos as conhecemos. Parafraseando o profeta Isaías, poderíamos dizer: “Aqui, Pai, há a guerra, a prevaricação, a exploração; mas sabemos que Vós quereis o nosso bem, por isso Vos suplicamos; seja feita a Vossa vontade! Senhor, invertei os planos do mundo, transformai as espadas em arados e as lanças em foices; que ninguém se exercite mais para a arte da guerra!” (cf. 2, 4). Deus deseja a paz.
O “Pai-Nosso” é uma oração que acende em nós o mesmo amor de Jesus por vontade do Pai, uma chama que estimula a transformar o mundo com o amor. O cristão não acredita num “facto” incontornável. Nada há de incerto na fé dos cristãos: ao contrário, há a salvação que aguarda para se manifestar na vida de cada homem e mulher e para se cumprir na eternidade. Se rezamos é por que acreditamos que Deus pode e quer transformar a realidade vencendo o mal com o bem. A este Deus tem sentido obedecer e abandonar-se até no momento da provação mais difícil.
Foi assim para Jesus no jardim do Getsemani, quando experimentou a angústia e rezou: «Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua» (Lc 22, 42). Jesus está oprimido pelo mal do mundo, mas abandona-se confiante no oceano do amor à vontade do Pai. Também os mártires, na sua provação, não procuravam a morte, procuravam o pós-morte, a ressurreição. Deus, por amor, pode levar-nos a caminhar por veredas difíceis, a experimentar feridas e espinhos dolorosos, mas nunca nos abandona. Estará sempre connosco, ao nosso lado, dentro de nós. Para um crente esta é, mais do que uma esperança, uma certeza. Deus está comigo. A mesma que encontramos naquela parábola do Evangelho de Lucas dedicada à necessidade de rezar sempre. Jesus diz: «E Deus não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite, e há-de fazê-los esperar? Eu vos digo que lhes vai fazer justiça prontamente» (18, 7-8). Assim é o Senhor, é deste modo que ele nos ama, que gosta de nós. Mas eu sinto vontade de vos convidar, agora, todos juntos a rezar o Pai-Nosso. E quantos de vós não souberem o italiano, rezai-o na vossa língua. Rezemos juntos.
[Recitação do Pai-Nosso]
Catequese sobre o Pai-Nosso - 9
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Quando rezamos o “Pai-Nosso”, a segunda invocação com a qual nos dirigimos a Deus é «venha a nós o vosso Reino» (Mt 6, 10). Depois de ter rezado para que o seu nome seja santificado, o crente expressa o desejo de que se apresse a vinda do seu Reino. Este desejo brotou, por assim dizer, do próprio coração de Cristo, que deu início à sua pregação na Galileia proclamando: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15). Estas palavras não são minimamente uma ameaça, ao contrário, são um feliz anúncio, uma mensagem de alegria. Jesus não quer forçar as pessoas a converter-se semeando o medo do juízo iminente de Deus ou o sentimento de culpa pelo mal cometido. Jesus não faz proselitismo: simplesmente anuncia. Ao contrário, a que Ele traz é a Boa Nova da salvação, e a partir dela chama a converter-se. Cada um é convidado a acreditar no “evangelho”: o senhorio de Deus tornou-se próximo dos seus filhos. Este é o Evangelho: o senhorio de Deus fez-se próximo dos seus filhos. E Jesus anuncia esta maravilha, esta graça: Deus, o Pai, ama-nos, está próximo de nós e ensina-nos a andar pelo caminho da santidade.
Os sinais da vinda deste Reino são numerosos e todos positivos. Jesus começa o seu ministério cuidando dos doentes, quer no corpo quer no espírito, de quantos viviam uma exclusão social — por exemplo os leprosos — dos pecadores desprezados por todos, até por aqueles que eram mais pecadores do que eles mas se fingiam justos. E como os chama Jesus? “Hipócritas”. O próprio Jesus indica estes sinais, os sinais do Reino de Deus: «Os cegos vêem e os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres» (Mt 11, 5).
“Venha a nós o vosso Reino!”, repete com insistência o cristão quando reza o “Pai-Nosso”. Jesus veio; mas o mundo ainda está marcado pelo pecado, povoado por tantas pessoas que sofrem, por pessoas que não se reconciliam nem perdoam, por guerras e muitas formas de exploração, pensemos no tráfico de crianças, por exemplo. Todas estas realidades são a prova de que a vitória de Cristo ainda não se concretizou totalmente: muitos homens e mulheres ainda vivem com o coração fechado. É sobretudo nestas situações que aos lábios do cristão aflora a segunda invocação do “Pai-Nosso”: “venha a nós o vosso Reino!”. Que é como dizer: “Pai, precisamos de Ti! Jesus, precisamos de ti, temos necessidade de que em toda a parte e para sempre Tu sejas o Senhor no meio de nós!”. “Venha a nós o vosso Reino, que tu estejas entre nós”.
Por vezes perguntamo-nos: porque este Reino se realiza tão lentamente? Jesus gosta de falar da sua vitória com a linguagem das parábolas. Por exemplo, diz que o Reino de Deus é semelhante a um campo no qual crescem juntos o trigo e o joio: o pior erro seria querer intervir imediatamente extirpando do mundo aquelas que nos parecem ervas daninhas. Deus não é como nós, Deus tem paciência. Não é com a violência que se instaura o Reino no mundo: o seu estilo de propagação é a mansidão (cf. Mt 13, 24-30).
O Reino de Deus é certamente uma grande força, a maior que existe, mas não segundo os critérios do mundo; por isso parece nunca ter a maioria absoluta. É como o fermento que se mistura com a farinha: aparentemente desaparece, mas é precisamente isso que faz fermentar a massa (cf. Mt 13, 33). Ou então, é como um grão de mostarda, que é tão pequenino, quase invisível, mas tem em si a impetuosa força da natureza, e quando cresce torna-se a maior planta do horto (cf. Mt 13, 31-32). Neste “destino” do Reino de Deus pode-se intuir a trama da vida de Jesus: também Ele foi para os seus contemporâneos um sinal frágil, um evento quase desconhecido pelos historiadores da época. Um «grão de trigo», assim Ele mesmo se definiu, que morre na terra mas só assim pode dar «muito fruto» (cf. Jo 12, 24). O símbolo da semente é eloquente: um dia o camponês lança à terra (um gesto que parece uma sepultura), e depois «quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como» (Mc 4, 27). Uma semente que germina é mais obra de Deus do que do homem que semeou (cf. Mc 4, 27). Deus precede-nos sempre, Deus surpreende-nos sempre. Graças a Ele depois da noite da Sexta-feira Santa há uma alvorada de Ressurreição capaz de iluminar de esperança o mundo inteiro.
“Venha a nós o Vosso Reino!”. Semeemos esta palavra no meio dos nossos pecados e das nossas faltas. Ofereçamo-la às pessoas derrotadas e martirizadas pela vida, a quem conheceu mais ódio do que amor, a quem viveu dias inúteis sem nunca compreender porquê. Ofereçamo-la a quantos lutaram pela justiça, a todos os mártires da história, a quem se deu conta que combateu por nada e que neste mundo domina sempre o mal. Ouviremos então que a prece do “Pai-Nosso” responde. Repetirá mais uma vez aquelas palavras de esperança, as mesmas que o Espírito colocou como selo da inteira Sagrada Escritura: “Sim, venho depressa!”: esta é a resposta do Senhor. “Venho depressa”. Amém. E a Igreja do Senhor responde: “Vinde, Senhor Jesus” (cf. Ap 2, 20). “Venha a nós o vosso Reino” é como dizer “Vinde, Senhor Jesus”. E Jesus responde: “Virei depressa”. E Jesus vem, à sua maneira, mas todos os dias. Tenhamos confiança nisto. E quando rezarmos o “Pai-Nosso” digamos sempre: “Venha a nós o vosso Reino”, para sentir no coração: “Sim, sim, venho, e venho depressa”. Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 6.03.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 8
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Parece que o inverno está a ir embora e por conseguinte voltamos à praça. Bem-vindos à praça! No nosso percurso de redescoberta da oração do “Pai-Nosso”, hoje aprofundaremos a primeira das suas sete invocações, isto é, «santificado seja o vosso nome».
Os pedidos do “Pai-Nosso” são sete, facilmente divisíveis em dois subgrupos. Os primeiros três têm no centro o “Vós” de Deus Pai; os outros quatro têm no centro o “nós” e as nossas necessidades humanas. Na primeira parte Jesus faz-nos entrar nos seus desejos, todos dirigidos ao Pai: «santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade»; na segunda é Ele que entra em nós e se faz intérprete das nossas necessidades: o pão nosso de cada dia, o perdão dos pecados, o amparo na tentação e a libertação do mal.
Eis a matriz de cada oração cristã — diria de cada prece humana — que é sempre recitada, por um lado, como contemplação de Deus, do seu mistério, da sua beleza e bondade, e por outro, com sincero e corajoso pedido do que nos serve para viver, e viver bem. Deste modo, na sua simplicidade e essencialidade, o “Pai-Nosso” educa quantos o recitam a não multiplicar palavras vãs, porque — como diz o próprio Jesus — «o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de lho pedirdes» (Mt 6, 8).
Quando falamos com Deus, não o fazemos para revelar a Ele o que temos no coração: Ele conhece-o muito melhor do que nós. Se Deus é um mistério para nós, ao contrário, nós não somos um enigma aos seus olhos (cf. Sl 139, 1-4). Deus é como aquelas mães às quais é suficiente um olhar para compreender tudo dos filhos: se estão contentes ou tristes, se são sinceros ou escondem algo...
Portanto, o primeiro trecho da oração cristã é a entrega de nós mesmos a Deus, à sua providência. É como dizer: “Senhor, vós sabeis tudo, não há necessidade de que eu vos conte a minha dor, peço-vos só que estejais aqui ao meu lado: sois a minha esperança”. É interessante observar que Jesus, no sermão da montanha, imediatamente depois de ter transmitido o texto do “Pai-Nosso”, nos exorta a não nos preocupar nem nos aborrecer pelas situações. Parece uma contradição: primeiro ensina-nos a pedir o nosso pão de cada dia e depois recorda-nos: «Não vos preocupeis, dizendo: “Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?”» (Mt 6, 31). Mas a contradição é só aparente: os pedidos do cristão exprimem a confiança no Pai: e é precisamente esta confiança que faz com que peçamos aquilo de que precisamos sem afã nem agitação.
Por isso rezamos dizendo: “Santificado seja o vosso nome!”. Neste pedido — o primeiro! “Santificado seja o vosso nome!” — sente-se toda a admiração de Jesus pela beleza e grandeza do Pai, e o desejo de que todos o reconheçam e admirem pelo que deveras é. E ao mesmo tempo há a súplica para que o seu nome seja santificado em nós, na nossa família, na nossa comunidade, no mundo inteiro. É Deus que santifica, que nos transforma com o seu amor, mas, ao mesmo tempo, somos também nós que, com o nosso testemunho, manifestamos a santidade de Deus no mundo, tornando presente o seu nome. Deus é santo mas se nós, se a nossa vida não for santa, haverá uma grande incoerência! A santidade de Deus deve refletir-se nas nossas ações, na nossa vida. “Sou cristão, Deus é santo, mas faço muitas coisas negativas”, não, isto não serve. Isto faz até mal; escandaliza e não ajuda.
A santidade de Deus é uma força em expansão, e nós suplicamos a fim de que ela rompa depressa as barreiras do nosso mundo. Quando Jesus começa a pregar, o primeiro a pagar as consequências disto é precisamente o mal que aflige o mundo. Os espíritos malignos praguejam: «Que tens a ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus!» (Mc1, 24). Nunca se tinha visto uma santidade assim: não preocupada consigo mesma mas inclinada para fora. Uma santidade — a de Jesus — que se alarga em círculos concêntricos, como quando se lança uma pedra num lago. O mal tem os dias contados — o mal não é eterno — o mal não nos pode prejudicar: chegou o homem forte que toma posse da sua casa (cf. Mc 3, 23-27). E este homem forte é Jesus, que dá também a nós a força para tomar posse da nossa casa interior.
A oração afasta qualquer temor. O Pai ama-nos, o Filho ergue os braços apoiando-os aos nossos, o Espírito age em segredo pela redenção do mundo. E nós? Não vacilemos na incerteza. Tenhamos uma grande certeza: Deus ama-me; Jesus doou a vida por mim! O Espírito está dentro de mim. Esta é a grande verdade. E o mal? Tem medo. E isto é bom.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 27.02.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 7
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
A audiência de hoje realiza-se em dois lugares. Primeiro, encontrei-me com os fiéis de Benevento, que estavam em São Pedro, e agora convosco. E isto deve-se à delicadeza da Prefeitura da Casa Pontifícia que não quer que sintais frio: agradeçamos-lhe que pensou nisto. Obrigado.
Prossigamos as catequeses sobre o “Pai-Nosso”. O primeiro passo de cada prece cristã é ingresso num mistério, o da paternidade de Deus. Não se pode rezar como papagaio. Ou entras no mistério, na consciência de que Deus é o teu Pai, ou não rezas. Se eu orar a Deus, meu Pai, entro no mistério. Para compreender em que medida Deus é nosso pai, pensemos nas figuras dos nossos pais, mas devemos sempre até certo ponto “refiná-las”, purificá-las. O próprio Catecismo da Igreja Católica diz: «A purificação do coração tem em vista as imagens paternas ou maternas resultantes da nossa história pessoal e cultural, que influenciam o nosso relacionamento com Deus» (n. 2779).
Nenhum de nós teve pais perfeitos, nenhum: como nós, por nossa vez, nunca seremos pais ou pastores perfeitos. Todos temos defeitos, todos. Vivemos as nossas relações de amor sempre sob o sinal dos nossos limites e também do nosso egoísmo, portanto com frequência são manchadas por desejos de posse ou de manipulação do outro. Por isso às vezes as declarações de amor convertem-se em sentimentos de raiva e de hostilidade. Mas veja, estes dois amavam-se tanto na semana passada, hoje não se suportam: vemos isto todos os dias! É por isso, pois todos temos raízes amargas dentro, que não são boas, e às vezes saem e fazem sofrer.
Eis por que, quando falamos de Deus como “pai”, enquanto pensamos na imagem dos nossos pais, especialmente se nos amaram, ao mesmo tempo devemos ir além. Porque o amor de Deus é o do Pai que “está nos céus”, segundo a expressão que Jesus nos convida a usar: o amor total que nós experimentamos nesta vida só de maneira imperfeita. Os homens e as mulheres são eternamente mendigos de amor — somos mendigos de amor, precisamos de amor — procuram um lugar onde finalmente ser amados, mas não o encontram. Quantas amizades e quantos amores desiludidos há no nosso mundo; muitos!
O deus grego do amor, na mitologia, é em absoluto o mais trágico: não se entende se é um ser angélico ou um demônio. A mitologia diz que é filho de Póros e Pênia, isto é da dissimulação e da pobreza, destinado a ter em si um pouco da fisionomia destes pais. Eis por que podemos pensar na natureza ambivalente do amor humano: capaz de florescer e de viver vigorosamente numa hora do dia, e de repente depois murchar e morrer; o que apanha, escapa-lhe sempre (cf. Platão, O Banquete, 203). Há uma expressão do profeta Oseias que enquadra de maneira impiedosa a fraqueza congênita do nosso amor: «O vosso amor é como a nuvem da manhã, como o orvalho matutino que logo se dissipa» (6, 4). Eis o que muitas vezes é o nosso amor: uma promessa com dificuldade para se manter, uma tentativa que depressa evapora e seca, quase como quando de manhã nasce o sol e enxuga o orvalho da noite.
Quantas vezes, nós homens, amamos desta maneira tão frágil e intermitente. Todos nós tivemos esta experiência: amamos mas depois aquele amor diminuiu ou tornou-se frágil. Desejosos de amar, depois entramos em conflito com os nossos limites, com a pobreza das nossas forças: incapazes de manter uma promessa que nos dias de graça nos parecia fácil de realizar. No fundo também o apóstolo Pedro teve medo e fugiu. O apóstolo Pedro não foi fiel ao amor de Jesus. Há sempre esta fragilidade que nos faz cair. Somos mendigos que no caminho corremos o risco de nunca encontrar completamente aquele tesouro que procuramos desde o primeiro dia da nossa vida: o amor.
Contudo, existe outro amor, o do Pai “que está nos céus”. Ninguém deve duvidar de que é destinatário deste amor. Ele ama-nos. “Ama-me”, podemos dizer. Se até o nosso pai e a nossa mãe não nos tivessem amado — uma hipótese histórica — há um Deus nos céus que nos ama como ninguém nesta terra jamais fez nem poderá fazer. O amor de Deus é constante. Diz o profeta Isaías: «Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria. Eis que Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos» (49, 15-16). Hoje a tatuagem está na moda: “Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos”. Fiz uma tatuagem de ti nas minhas mãos. Estou nas mãos de Deus e não a possa cancelar. O amor de Deus é como o amor de uma mãe, que nunca se esquece. E se uma mãe se esquecer? “Eu não me esquecerei”, diz o Senhor. Este é o amor perfeito de Deus, assim somos amados por Ele. Se também todos os nossos amores terrenos se despedaçassem e nas nossas mãos ficasse apenas pó, haverá sempre para todos nós, ardente, o amor único e fiel de Deus.
Na fome de amor que todos sentimos, não procuremos algo que não existe: ela é o convite a conhecer Deus que é pai. A conversão de Santo Agostinho, por exemplo, passou por este cume: o jovem e brilhante reitor buscava simplesmente entre as criaturas algo que nenhuma criatura lhe podia dar, até que um dia teve a coragem de erguer os olhos. E naquele dia conheceu Deus. Deus que ama.
A expressão “nos céus” não exprime distância mas uma diversidade radical de amor, outra dimensão de amor, um amor incansável, um amor que permanecerá para sempre, aliás, que está sempre ao alcance das mãos. É suficiente dizer “Pai nosso que estais nos Céus”, e aquele amor chega.
Portanto, não tenhais medo! Nenhum de nós está sozinho. Se por desventura o teu pai terreno se tiver esquecido de ti e tu sentires rancor contra ele, não te é negada a experiência fundamental da fé cristã: a de saber que és filho muito amado de Deus, e que nada na vida pode cancelar o seu amor apaixonado por ti.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 20.02.2019
Página 10 de 16