Catequese sobre os Atos dos Apóstolos - 11

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Partindo do episódio do apedrejamento de Estêvão, aparece uma figura que, ao lado de Pedro, é a mais presente e incisiva dos Atos dos Apóstolos: a de «um jovem chamado Saulo» (At 7, 58). Ele é descrito no início como aquele que aprova a morte de Estêvão e quer «destruir a Igreja» (cf. At 8, 3); mas depois tornar-se-á o instrumento escolhido por Deus para anunciar o Evangelho às nações (cf. At 9, 15; 22, 21; 26, 17).

Com a autorização do sumo sacerdote, Saulo perseguia os cristãos e capturava-os. Vós, que pertenceis a alguns povos que foram perseguidos por ditaduras, compreendeis bem o que significa perseguir pessoas e capturá-las. Foi o que o Saulo fez. E ele fez isso pensando que estava a servir a lei do Senhor. Lucas diz que Saulo “respirava” sempre «ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor» (At 9, 1): nele há um sopro que cheira a morte, não a vida.

O jovem Saulo é retratado como um intransigente, isto é, alguém que manifesta intolerância para com aqueles que pensam de modo diferente, absolutiza a sua identidade política ou religiosa e reduz o outro a um inimigo potencial a ser combatido. Um ideólogo. Em Saulo, a religião foi transformada em ideologia: ideologia religiosa, ideologia social, ideologia política. Só depois de ter sido transformado por Cristo, então ensinará que a verdadeira batalha «não é contra os seres humanos [...], mas contra [...] os Dominadores deste mundo de trevas, e contra os espíritos do mal» (Ef 6, 12). Ele ensinará que não se devem combater as pessoas, mas o mal que inspira as suas ações.

A condição raivosa — porque Saulo era raivoso — e conflituosa de Saulo convida todos a questionar-se: como vivo eu a minha vida de fé? Vou ao encontro dos outros ou ponho-me contra os outros? Pertenço à Igreja universal (bons e maus, todos) ou tenho uma ideologia seletiva? Adoro Deus ou adoro formulações dogmáticas? Como é a minha vida religiosa? A fé em Deus que professo torna-me amigável ou hostil àqueles que são diferentes de mim?

Lucas diz-nos que, enquanto Saulo se dedica totalmente a erradicar a comunidade cristã, o Senhor está nas suas pegadas para comover o seu coração e convertê-lo a si. É o método do Senhor: comove o coração. O Ressuscitado toma a iniciativa e manifesta-se a Saulo no caminho de Damasco, acontecimento narrado três vezes no Livro dos Atos (cf. At 9, 3-19; 22, 3-21; 26, 4-23). Através da combinação de “luz” e “voz”, típica das teofanias, o Ressuscitado aparece a Saulo e pede-lhe que responda pela sua fúria fratricida: «Saulo, Saulo, porque me persegues?» (At 9, 4). Aqui o Ressuscitado manifesta o seu ser um só com aqueles que crêem n'Ele: atacar um membro da Igreja é como atacar o próprio Cristo! Também quantos são ideólogos porque querem a “pureza” — entre aspas — da Igreja, atacam Cristo.

A voz de Jesus diz a Saulo: «Ergue-te, entra na cidade e dir-te-ão o que tens a fazer» (At 9, 6). Mas Saulo, quando se levanta, já não vê nada, está cego, e de homem forte, autoritário e independente, torna-se fraco, necessitado e dependente dos outros, porque não vê. A luz de Cristo ofuscou-o e tornou-o cego: «assim vê-se também exteriormente o que era a sua realidade interior, a sua cegueira em relação à verdade, à luz que é Cristo» (Bento xvi, Audiência Geral, 3 de Setembro de 2008).

Deste “corpo a corpo” entre Saulo e o Ressuscitado, tem início uma transformação que mostra a “páscoa pessoal” de Saulo, a sua passagem da morte para a vida: o que antes era glória torna-se «lixo» a ser rejeitado para adquirir o verdadeiro ganho que é Cristo e a vida nele (cf. Fl 3, 7-8).

Paulo é batizado. O batismo marca assim para Saulo, como para cada um de nós, o início de uma nova vida, e é acompanhado por um novo olhar sobre Deus, sobre Si mesmo e sobre os outros, que de inimigos se tornam irmãos em Cristo.

Peçamos ao Pai que faça experimentar também a nós, como Saulo, o impacto com o seu amor, o único que pode transformar um coração de pedra num coração de carne (cf. Ez 11, 15), capaz de acolher em si mesmo «os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus» (Fl 2, 5).

Papa Francisco

Catequese na audiência geral 9.10.2019