Catequese sobre o Pai-Nosso - 12 «Perdoai-nos os nossos pecados assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido».
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
O dia não é muito agradável, mas não obstante bom dia!
Depois de ter pedido a Deus o pão de cada dia, a prece do “Pai-Nosso” entra no campo das nossas relações com os demais. E Jesus ensina-nos a pedir ao Pai: «Perdoai-nos os nossos pecados assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12). Assim como precisamos do pão, também precisamos do perdão. E isto, todos os dias.
O cristão que reza, antes de tudo, pede a Deus que sejam perdoados os seus pecados, ou seja, as suas faltas, as más ações que comete. Esta é a primeira verdade de cada oração: fôssemos até pessoas perfeitas, fôssemos até santos cristalinos que nunca se desviam de uma vida de bem, permanecemos sempre filhos que devem tudo ao Pai. Qual é a atitude mais perigosa de cada vida cristã? É o orgulho. É a atitude de quem se coloca diante de Deus pensando que tem sempre as contas em ordem com Ele: o orgulhoso pensa que está tudo bem consigo. Como o fariseu da parábola, que no templo pensa que reza mas na realidade louva-se a si mesmo diante de Deus: “Agradeço-te, Senhor, porque eu não sou como os outros”. E as pessoas que se sentem perfeitas, que criticam os outros, são pessoas orgulhosas. Ninguém é perfeito, ninguém. Ao contrário o publicano, que estava atrás, no templo, um pecador desprezado por todos, pára no limiar do templo, e não se sente digno de entrar e recomenda-se à misericórdia de Deus. E Jesus comenta: «Este voltou justificado para sua casa» (Lc 18, 14), ou seja, perdoado, salvo. Porquê? Porque não era orgulhoso, porque reconhecia os seus limites e os seus pecados.
Há pecados que se veem e pecados que não se veem. Há pecados evidentes que fazem barulho, mas há também pecados sutis, que se escondem no coração sem que nem sequer nos apercebamos. O pior deles é a soberba que pode contagiar também pessoas que vivem uma vida religiosa intensa. Havia outrora um convento de religiosas, no ano 1600-1700, famoso, no tempo do jansenismo: eram perfeitíssimas e dizia-se que eram puríssimas como os anjos, mas soberbas como os demônios. E isto é mau. O pecado divide a fraternidade, o pecado faz-nos presumir que somos melhores que os outros, o pecado faz-nos crer que somos semelhantes a Deus.
Mas ao contrário, diante de Deus somos todos pecadores e temos motivos para bater a mão no peito — todos! — como aquele publicano no templo. São João, na sua primeira Carta, escreve: «Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós» (1 Jo 1, 8). Se quiseres enganar-te a ti mesmo, diz que não pecaste: assim estás a enganar-te.
Somos devedores, antes de tudo, porque nesta vida recebemos tanto: a existência, um pai e uma mãe, a amizade, as maravilhas da criação... Mesmo se acontece a todos ter dias difíceis, devemos recordar-nos sempre que a vida é uma graça, é o milagre que Deus tirou do nada.
Em segundo lugar somos devedores porque, mesmo se conseguimos amar, nenhum de nós é capaz de o fazer unicamente com as suas forças. O amor verdadeiro é quando podemos amar, mas com a graça de Deus. Nenhum de nós brilha de luz própria. Há aquilo a que os teólogos antigos chamavam um “mysterium lunae” não só na identidade da Igreja, mas também na história de cada um de nós. O que significa este “mysterium lunae”? Que é como a lua, que não tem luz própria: reflete a luz do sol. Também nós, não temos luz própria: a luz que temos é um reflexo da graça de Deus, da luz de Deus. Se amares é porque alguém, ao teu redor, te sorriu quando eras uma criança, ensinando-te a responder com um sorriso. Se amas é porque alguém ao teu lado te despertou para o amor, fazendo-te compreender que nele reside o sentido da existência.
Procuremos ouvir a história de alguma pessoa que errou: um preso, um condenado, um drogado... conhecemos tantas pessoas que erram na vida. À exceção da responsabilidade, que é sempre pessoal, algumas vezes podemos perguntar quem deve ser culpado pelos seus erros, se unicamente a sua consciência, ou a história de ódio e de abandono que alguém carrega consigo.
E isto é o mistério da lua: amemos antes de tudo porque fomos amados, perdoemos porque fomos perdoados. E se alguém não foi iluminado pela luz do sol, torna-se gélido como o terreno no inverno.
Como não reconhecer, na corrente de amor que nos precede, também a presença providencial do amor de Deus? Nenhum de nós ama Deus quanto Ele nos amou. É suficiente pôr-se diante de um crucifixo para compreender a desproporção: Ele amou-nos e ama-nos sempre primeiro.
Portanto rezemos: Senhor, até o mais santo no meio de nós não deixa de ser teu devedor. Ó Pai, tem piedade de todos nós!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 10.04.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 11 «O pão nosso de cada dia nos dai hoje»
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje passamos a analisar a segunda parte do “Pai-Nosso”, aquela na qual apresentamos a Deus as nossas necessidades. Esta segunda parte começa com uma palavra que perfuma de dia a dia: o pão.
A oração de Jesus parte de uma pergunta impelente, que é muito semelhante à imploração de um mendigo: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje!”. Esta oração provém de uma evidência que muitas vezes esquecemos, ou seja, que não somos criaturas autossuficientes, e que todos os dias precisamos de nos alimentar.
As Escrituras mostram-nos que para muitas pessoas o encontro com Jesus se realizou a partir de uma pergunta. Jesus não pede invocações requintadas, aliás, toda a existência humana, com os seus problemas mais concretos e diários, se pode tornar prece. Nos Evangelhos encontramos uma multidão de mendigos que suplicam libertação e salvação. Há quem pede o pão, quem a cura; alguns a purificação, outros a vista; ou que uma pessoa querida possa reviver... Jesus nunca fica indiferente face a estes pedidos e padecimentos.
Por conseguinte, Jesus ensina a pedir ao Pai o pão de cada dia. E ensina-nos a fazê-lo juntamente com muitos homens e mulheres para os quais esta prece é um grito — muitas vezes abafado — que acompanha a ansiedade de todos os dias. Quantas mães e quantos pais, ainda hoje, vão dormir com o tormento de não ter no dia seguinte o pão suficiente para os próprios filhos! Imaginemos esta oração recitada não na segurança de um apartamento confortável, mas na precariedade de um ambiente ao qual se adapta, onde falta o necessário para viver. As palavras de Jesus assumem uma força nova. A oração cristã começa por este nível. Não é um exercício para ascetas; parte da realidade, do coração e da carne de pessoas que vivem em necessidade, ou que partilham a condição de quem não dispõe do necessário para viver. Nem sequer os místicos cristãos mais elevados podem prescindir da simplicidade deste pedido. “Pai, faz com que para nós e para todos, hoje, haja o pão necessário”. E “pão” significa água, medicamentos, casa, trabalho... Pedir o necessário para viver.
O pão que o cristão pede na oração não é o “meu” pão mas o “nosso”. Assim quer Jesus. Ensina-nos a pedi-lo não só para nós mesmos, mas para a inteira fraternidade do mundo. Se não se rezar deste modo, o “Pai-Nosso” deixa de ser uma oração cristã. Se Deus é o nosso Pai, como nos podemos apresentar a Ele sem nos darmos a mão? Todos nós. E se roubarmos uns aos outros o pão que Ele nos concede, como podemos dizer que somos seus filhos? Esta prece contém uma atitude de empatia, uma atitude de solidariedade. Na minha fome sinto a fome das multidões, e então rezarei a Deus enquanto o pedido delas não for ouvido. Assim Jesus educa a sua comunidade, a sua Igreja, a apresentar a Deus as necessidades de todos: “Todos somos Vossos filhos, tende piedade de nós!”. E agora far-nos-á bem pensar por alguns momentos nas crianças famintas. Pensemos nas crianças que vivem em países em guerra: nas crianças famintas do Iémen, nas crianças famintas na Síria, nas crianças famintas em muitos países onde não há pão, no Sudão do Sul. Pensemos nestas crianças e pensando nelas recitemos juntos, em voz alta, a prece: “Pai, o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Todos juntos.
O pão que pedimos ao Senhor na oração é o mesmo que um dia nos acusará. Repreender-nos-á o pouco hábito de o repartir com quem está próximo, o pouco hábito de o repartir. Era um pão oferecido à humanidade, e ao contrário foi comido só por alguns: o amor não pode suportar isto. O nosso amor não o pode suportar; nem sequer o amor de Deus pode suportar este egoísmo de não repartir o pão.
Certa vez havia uma grande multidão diante de Jesus; eram pessoas que tinham fome. Jesus perguntou se havia entre eles quem tivesse alguma coisa, e viu que só uma criança estava disposta a partilhar aquilo de que dispunha: cinco pães e dois peixes. Jesus multiplicou aquele gesto generoso (cf. Jo 6, 9). Aquele menino tinha compreendido a lição do “Pai-Nosso”: que os alimentos não são propriedade individual — convençamo-nos disto: os alimentos não são propriedade individual — mas providência a partilhar, com a graça de Deus.
O verdadeiro milagre realizado por Jesus naquele dia não foi tanto a multiplicação — que foi verdadeira — mas a partilha: dai-me o que tendes e eu farei o milagre. Ele mesmo, multiplicando aquele pão oferecido, antecipou a oferenda de Si no Pão eucarístico. Com efeito, só a Eucaristia é capaz de saciar a fome de infinito e o desejo de Deus que anima cada homem, até na busca do pão de cada dia.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 27.03.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 10
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Prosseguindo as nossas catequeses sobre o “Pai-Nosso”, hoje analisamos a terceira invocação: «Seja feita a vossa vontade». Ela deve ser lida em unidade com as primeiras duas — «santificado seja o vosso nome» e «venha a nós o vosso Reino» — de modo que o conjunto forme um tríptico: «santificado seja o vosso nome», venha a nós o vosso Reino», «seja feita a Vossa vontade». Hoje falaremos da terceira.
Antes do cuidado do mundo por parte do homem, há o cuidado incansável que Deus dedica ao homem e ao mundo. O inteiro Evangelho reflete esta inversão de perspectiva. O pecador Zaqueu sobe a uma árvore porque quer ver Jesus, mas não sabe que, muito antes, Deus se tinha posto à sua procura. Jesus, quando chega, diz-lhe: «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa». E no final declara: «pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19, 5.10). Eis a vontade de Deus, aquela que nós pedimos que seja feita. Qual é a vontade de Deus encarnada em Jesus? Procurar e salvar o que está perdido. E nós, na oração, pedimos que a busca de Deus tenha bom êxito, que o seu desígnio universal de salvação se realize, primeiro, em cada um de nós e depois em todo o mundo. Pensastes no que significa que Deus está à minha procura? Cada um de nós pode dizer: “Como, Deus procura-me?” — “Sim!” Procura-te! Procura a mim”: procura cada um de nós, pessoalmente. Deus é grande! Quanto amor há por detrás de tudo isto.
Deus não é ambíguo, não se esconde por detrás de enigmas, não planificou o futuro do mundo de maneira indecifrável. Não, Ele é claro. Se não compreendemos isto, corremos o risco de não compreender o sentido da terceira expressão do “Pai-Nosso”. Com efeito, a Bíblia está cheia de expressões que nos narram a vontade positiva de Deus em relação ao mundo. E no Catecismo da Igreja Católica encontramos uma recolha de citações que testemunham esta vontade divina fiel e paciente (cf. nn. 2821-2827). E São Paulo, na Primeira Carta a Timóteo, escreve: «Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade» (2, 4). Esta é, sem dúvida alguma, a vontade de Deus: a salvação do homem, dos homens, de cada um de nós. Deus bate à porta do nosso coração com o seu amor. Porquê? Para nos atrair; para nos atrair a Ele e nos levar em frente no caminho da salvação. Deus está próximo de nós com o seu amor, para nos levar pela mão à salvação. Quanto amor há por detrás disto!
Por conseguinte, rezando “seja feita a Vossa vontade”, não somos convidados a inclinar servilmente a cabeça, como se fôssemos escravos. Não! Deus nos quer livres; é o Seu amor que nos liberta. Com efeito, o “Pai-Nosso” é a oração dos filhos, não dos escravos; mas dos filhos que conhecem o coração do seu pai e têm a certeza do seu desígnio de amor. Ai de nós se, pronunciando estas palavras, levantarmos os ombros em sinal de rendição diante de um destino que nos repugna e que não conseguimos mudar. Ao contrário, é uma oração cheia de confiança fervorosa em Deus que quer para nós o bem, a vida, a salvação. Uma oração corajosa, até combativa, pois há no mundo muitas, demasiadas realidades que não são segundo os planos de Deus. Todos as conhecemos. Parafraseando o profeta Isaías, poderíamos dizer: “Aqui, Pai, há a guerra, a prevaricação, a exploração; mas sabemos que Vós quereis o nosso bem, por isso Vos suplicamos; seja feita a Vossa vontade! Senhor, invertei os planos do mundo, transformai as espadas em arados e as lanças em foices; que ninguém se exercite mais para a arte da guerra!” (cf. 2, 4). Deus deseja a paz.
O “Pai-Nosso” é uma oração que acende em nós o mesmo amor de Jesus por vontade do Pai, uma chama que estimula a transformar o mundo com o amor. O cristão não acredita num “facto” incontornável. Nada há de incerto na fé dos cristãos: ao contrário, há a salvação que aguarda para se manifestar na vida de cada homem e mulher e para se cumprir na eternidade. Se rezamos é por que acreditamos que Deus pode e quer transformar a realidade vencendo o mal com o bem. A este Deus tem sentido obedecer e abandonar-se até no momento da provação mais difícil.
Foi assim para Jesus no jardim do Getsemani, quando experimentou a angústia e rezou: «Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua» (Lc 22, 42). Jesus está oprimido pelo mal do mundo, mas abandona-se confiante no oceano do amor à vontade do Pai. Também os mártires, na sua provação, não procuravam a morte, procuravam o pós-morte, a ressurreição. Deus, por amor, pode levar-nos a caminhar por veredas difíceis, a experimentar feridas e espinhos dolorosos, mas nunca nos abandona. Estará sempre connosco, ao nosso lado, dentro de nós. Para um crente esta é, mais do que uma esperança, uma certeza. Deus está comigo. A mesma que encontramos naquela parábola do Evangelho de Lucas dedicada à necessidade de rezar sempre. Jesus diz: «E Deus não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite, e há-de fazê-los esperar? Eu vos digo que lhes vai fazer justiça prontamente» (18, 7-8). Assim é o Senhor, é deste modo que ele nos ama, que gosta de nós. Mas eu sinto vontade de vos convidar, agora, todos juntos a rezar o Pai-Nosso. E quantos de vós não souberem o italiano, rezai-o na vossa língua. Rezemos juntos.
[Recitação do Pai-Nosso]
Catequese sobre o Pai-Nosso - 9
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Quando rezamos o “Pai-Nosso”, a segunda invocação com a qual nos dirigimos a Deus é «venha a nós o vosso Reino» (Mt 6, 10). Depois de ter rezado para que o seu nome seja santificado, o crente expressa o desejo de que se apresse a vinda do seu Reino. Este desejo brotou, por assim dizer, do próprio coração de Cristo, que deu início à sua pregação na Galileia proclamando: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15). Estas palavras não são minimamente uma ameaça, ao contrário, são um feliz anúncio, uma mensagem de alegria. Jesus não quer forçar as pessoas a converter-se semeando o medo do juízo iminente de Deus ou o sentimento de culpa pelo mal cometido. Jesus não faz proselitismo: simplesmente anuncia. Ao contrário, a que Ele traz é a Boa Nova da salvação, e a partir dela chama a converter-se. Cada um é convidado a acreditar no “evangelho”: o senhorio de Deus tornou-se próximo dos seus filhos. Este é o Evangelho: o senhorio de Deus fez-se próximo dos seus filhos. E Jesus anuncia esta maravilha, esta graça: Deus, o Pai, ama-nos, está próximo de nós e ensina-nos a andar pelo caminho da santidade.
Os sinais da vinda deste Reino são numerosos e todos positivos. Jesus começa o seu ministério cuidando dos doentes, quer no corpo quer no espírito, de quantos viviam uma exclusão social — por exemplo os leprosos — dos pecadores desprezados por todos, até por aqueles que eram mais pecadores do que eles mas se fingiam justos. E como os chama Jesus? “Hipócritas”. O próprio Jesus indica estes sinais, os sinais do Reino de Deus: «Os cegos vêem e os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres» (Mt 11, 5).
“Venha a nós o vosso Reino!”, repete com insistência o cristão quando reza o “Pai-Nosso”. Jesus veio; mas o mundo ainda está marcado pelo pecado, povoado por tantas pessoas que sofrem, por pessoas que não se reconciliam nem perdoam, por guerras e muitas formas de exploração, pensemos no tráfico de crianças, por exemplo. Todas estas realidades são a prova de que a vitória de Cristo ainda não se concretizou totalmente: muitos homens e mulheres ainda vivem com o coração fechado. É sobretudo nestas situações que aos lábios do cristão aflora a segunda invocação do “Pai-Nosso”: “venha a nós o vosso Reino!”. Que é como dizer: “Pai, precisamos de Ti! Jesus, precisamos de ti, temos necessidade de que em toda a parte e para sempre Tu sejas o Senhor no meio de nós!”. “Venha a nós o vosso Reino, que tu estejas entre nós”.
Por vezes perguntamo-nos: porque este Reino se realiza tão lentamente? Jesus gosta de falar da sua vitória com a linguagem das parábolas. Por exemplo, diz que o Reino de Deus é semelhante a um campo no qual crescem juntos o trigo e o joio: o pior erro seria querer intervir imediatamente extirpando do mundo aquelas que nos parecem ervas daninhas. Deus não é como nós, Deus tem paciência. Não é com a violência que se instaura o Reino no mundo: o seu estilo de propagação é a mansidão (cf. Mt 13, 24-30).
O Reino de Deus é certamente uma grande força, a maior que existe, mas não segundo os critérios do mundo; por isso parece nunca ter a maioria absoluta. É como o fermento que se mistura com a farinha: aparentemente desaparece, mas é precisamente isso que faz fermentar a massa (cf. Mt 13, 33). Ou então, é como um grão de mostarda, que é tão pequenino, quase invisível, mas tem em si a impetuosa força da natureza, e quando cresce torna-se a maior planta do horto (cf. Mt 13, 31-32). Neste “destino” do Reino de Deus pode-se intuir a trama da vida de Jesus: também Ele foi para os seus contemporâneos um sinal frágil, um evento quase desconhecido pelos historiadores da época. Um «grão de trigo», assim Ele mesmo se definiu, que morre na terra mas só assim pode dar «muito fruto» (cf. Jo 12, 24). O símbolo da semente é eloquente: um dia o camponês lança à terra (um gesto que parece uma sepultura), e depois «quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como» (Mc 4, 27). Uma semente que germina é mais obra de Deus do que do homem que semeou (cf. Mc 4, 27). Deus precede-nos sempre, Deus surpreende-nos sempre. Graças a Ele depois da noite da Sexta-feira Santa há uma alvorada de Ressurreição capaz de iluminar de esperança o mundo inteiro.
“Venha a nós o Vosso Reino!”. Semeemos esta palavra no meio dos nossos pecados e das nossas faltas. Ofereçamo-la às pessoas derrotadas e martirizadas pela vida, a quem conheceu mais ódio do que amor, a quem viveu dias inúteis sem nunca compreender porquê. Ofereçamo-la a quantos lutaram pela justiça, a todos os mártires da história, a quem se deu conta que combateu por nada e que neste mundo domina sempre o mal. Ouviremos então que a prece do “Pai-Nosso” responde. Repetirá mais uma vez aquelas palavras de esperança, as mesmas que o Espírito colocou como selo da inteira Sagrada Escritura: “Sim, venho depressa!”: esta é a resposta do Senhor. “Venho depressa”. Amém. E a Igreja do Senhor responde: “Vinde, Senhor Jesus” (cf. Ap 2, 20). “Venha a nós o vosso Reino” é como dizer “Vinde, Senhor Jesus”. E Jesus responde: “Virei depressa”. E Jesus vem, à sua maneira, mas todos os dias. Tenhamos confiança nisto. E quando rezarmos o “Pai-Nosso” digamos sempre: “Venha a nós o vosso Reino”, para sentir no coração: “Sim, sim, venho, e venho depressa”. Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 6.03.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 8
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Parece que o inverno está a ir embora e por conseguinte voltamos à praça. Bem-vindos à praça! No nosso percurso de redescoberta da oração do “Pai-Nosso”, hoje aprofundaremos a primeira das suas sete invocações, isto é, «santificado seja o vosso nome».
Os pedidos do “Pai-Nosso” são sete, facilmente divisíveis em dois subgrupos. Os primeiros três têm no centro o “Vós” de Deus Pai; os outros quatro têm no centro o “nós” e as nossas necessidades humanas. Na primeira parte Jesus faz-nos entrar nos seus desejos, todos dirigidos ao Pai: «santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade»; na segunda é Ele que entra em nós e se faz intérprete das nossas necessidades: o pão nosso de cada dia, o perdão dos pecados, o amparo na tentação e a libertação do mal.
Eis a matriz de cada oração cristã — diria de cada prece humana — que é sempre recitada, por um lado, como contemplação de Deus, do seu mistério, da sua beleza e bondade, e por outro, com sincero e corajoso pedido do que nos serve para viver, e viver bem. Deste modo, na sua simplicidade e essencialidade, o “Pai-Nosso” educa quantos o recitam a não multiplicar palavras vãs, porque — como diz o próprio Jesus — «o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de lho pedirdes» (Mt 6, 8).
Quando falamos com Deus, não o fazemos para revelar a Ele o que temos no coração: Ele conhece-o muito melhor do que nós. Se Deus é um mistério para nós, ao contrário, nós não somos um enigma aos seus olhos (cf. Sl 139, 1-4). Deus é como aquelas mães às quais é suficiente um olhar para compreender tudo dos filhos: se estão contentes ou tristes, se são sinceros ou escondem algo...
Portanto, o primeiro trecho da oração cristã é a entrega de nós mesmos a Deus, à sua providência. É como dizer: “Senhor, vós sabeis tudo, não há necessidade de que eu vos conte a minha dor, peço-vos só que estejais aqui ao meu lado: sois a minha esperança”. É interessante observar que Jesus, no sermão da montanha, imediatamente depois de ter transmitido o texto do “Pai-Nosso”, nos exorta a não nos preocupar nem nos aborrecer pelas situações. Parece uma contradição: primeiro ensina-nos a pedir o nosso pão de cada dia e depois recorda-nos: «Não vos preocupeis, dizendo: “Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?”» (Mt 6, 31). Mas a contradição é só aparente: os pedidos do cristão exprimem a confiança no Pai: e é precisamente esta confiança que faz com que peçamos aquilo de que precisamos sem afã nem agitação.
Por isso rezamos dizendo: “Santificado seja o vosso nome!”. Neste pedido — o primeiro! “Santificado seja o vosso nome!” — sente-se toda a admiração de Jesus pela beleza e grandeza do Pai, e o desejo de que todos o reconheçam e admirem pelo que deveras é. E ao mesmo tempo há a súplica para que o seu nome seja santificado em nós, na nossa família, na nossa comunidade, no mundo inteiro. É Deus que santifica, que nos transforma com o seu amor, mas, ao mesmo tempo, somos também nós que, com o nosso testemunho, manifestamos a santidade de Deus no mundo, tornando presente o seu nome. Deus é santo mas se nós, se a nossa vida não for santa, haverá uma grande incoerência! A santidade de Deus deve refletir-se nas nossas ações, na nossa vida. “Sou cristão, Deus é santo, mas faço muitas coisas negativas”, não, isto não serve. Isto faz até mal; escandaliza e não ajuda.
A santidade de Deus é uma força em expansão, e nós suplicamos a fim de que ela rompa depressa as barreiras do nosso mundo. Quando Jesus começa a pregar, o primeiro a pagar as consequências disto é precisamente o mal que aflige o mundo. Os espíritos malignos praguejam: «Que tens a ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus!» (Mc1, 24). Nunca se tinha visto uma santidade assim: não preocupada consigo mesma mas inclinada para fora. Uma santidade — a de Jesus — que se alarga em círculos concêntricos, como quando se lança uma pedra num lago. O mal tem os dias contados — o mal não é eterno — o mal não nos pode prejudicar: chegou o homem forte que toma posse da sua casa (cf. Mc 3, 23-27). E este homem forte é Jesus, que dá também a nós a força para tomar posse da nossa casa interior.
A oração afasta qualquer temor. O Pai ama-nos, o Filho ergue os braços apoiando-os aos nossos, o Espírito age em segredo pela redenção do mundo. E nós? Não vacilemos na incerteza. Tenhamos uma grande certeza: Deus ama-me; Jesus doou a vida por mim! O Espírito está dentro de mim. Esta é a grande verdade. E o mal? Tem medo. E isto é bom.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 27.02.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 7
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
A audiência de hoje realiza-se em dois lugares. Primeiro, encontrei-me com os fiéis de Benevento, que estavam em São Pedro, e agora convosco. E isto deve-se à delicadeza da Prefeitura da Casa Pontifícia que não quer que sintais frio: agradeçamos-lhe que pensou nisto. Obrigado.
Prossigamos as catequeses sobre o “Pai-Nosso”. O primeiro passo de cada prece cristã é ingresso num mistério, o da paternidade de Deus. Não se pode rezar como papagaio. Ou entras no mistério, na consciência de que Deus é o teu Pai, ou não rezas. Se eu orar a Deus, meu Pai, entro no mistério. Para compreender em que medida Deus é nosso pai, pensemos nas figuras dos nossos pais, mas devemos sempre até certo ponto “refiná-las”, purificá-las. O próprio Catecismo da Igreja Católica diz: «A purificação do coração tem em vista as imagens paternas ou maternas resultantes da nossa história pessoal e cultural, que influenciam o nosso relacionamento com Deus» (n. 2779).
Nenhum de nós teve pais perfeitos, nenhum: como nós, por nossa vez, nunca seremos pais ou pastores perfeitos. Todos temos defeitos, todos. Vivemos as nossas relações de amor sempre sob o sinal dos nossos limites e também do nosso egoísmo, portanto com frequência são manchadas por desejos de posse ou de manipulação do outro. Por isso às vezes as declarações de amor convertem-se em sentimentos de raiva e de hostilidade. Mas veja, estes dois amavam-se tanto na semana passada, hoje não se suportam: vemos isto todos os dias! É por isso, pois todos temos raízes amargas dentro, que não são boas, e às vezes saem e fazem sofrer.
Eis por que, quando falamos de Deus como “pai”, enquanto pensamos na imagem dos nossos pais, especialmente se nos amaram, ao mesmo tempo devemos ir além. Porque o amor de Deus é o do Pai que “está nos céus”, segundo a expressão que Jesus nos convida a usar: o amor total que nós experimentamos nesta vida só de maneira imperfeita. Os homens e as mulheres são eternamente mendigos de amor — somos mendigos de amor, precisamos de amor — procuram um lugar onde finalmente ser amados, mas não o encontram. Quantas amizades e quantos amores desiludidos há no nosso mundo; muitos!
O deus grego do amor, na mitologia, é em absoluto o mais trágico: não se entende se é um ser angélico ou um demônio. A mitologia diz que é filho de Póros e Pênia, isto é da dissimulação e da pobreza, destinado a ter em si um pouco da fisionomia destes pais. Eis por que podemos pensar na natureza ambivalente do amor humano: capaz de florescer e de viver vigorosamente numa hora do dia, e de repente depois murchar e morrer; o que apanha, escapa-lhe sempre (cf. Platão, O Banquete, 203). Há uma expressão do profeta Oseias que enquadra de maneira impiedosa a fraqueza congênita do nosso amor: «O vosso amor é como a nuvem da manhã, como o orvalho matutino que logo se dissipa» (6, 4). Eis o que muitas vezes é o nosso amor: uma promessa com dificuldade para se manter, uma tentativa que depressa evapora e seca, quase como quando de manhã nasce o sol e enxuga o orvalho da noite.
Quantas vezes, nós homens, amamos desta maneira tão frágil e intermitente. Todos nós tivemos esta experiência: amamos mas depois aquele amor diminuiu ou tornou-se frágil. Desejosos de amar, depois entramos em conflito com os nossos limites, com a pobreza das nossas forças: incapazes de manter uma promessa que nos dias de graça nos parecia fácil de realizar. No fundo também o apóstolo Pedro teve medo e fugiu. O apóstolo Pedro não foi fiel ao amor de Jesus. Há sempre esta fragilidade que nos faz cair. Somos mendigos que no caminho corremos o risco de nunca encontrar completamente aquele tesouro que procuramos desde o primeiro dia da nossa vida: o amor.
Contudo, existe outro amor, o do Pai “que está nos céus”. Ninguém deve duvidar de que é destinatário deste amor. Ele ama-nos. “Ama-me”, podemos dizer. Se até o nosso pai e a nossa mãe não nos tivessem amado — uma hipótese histórica — há um Deus nos céus que nos ama como ninguém nesta terra jamais fez nem poderá fazer. O amor de Deus é constante. Diz o profeta Isaías: «Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria. Eis que Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos» (49, 15-16). Hoje a tatuagem está na moda: “Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos”. Fiz uma tatuagem de ti nas minhas mãos. Estou nas mãos de Deus e não a possa cancelar. O amor de Deus é como o amor de uma mãe, que nunca se esquece. E se uma mãe se esquecer? “Eu não me esquecerei”, diz o Senhor. Este é o amor perfeito de Deus, assim somos amados por Ele. Se também todos os nossos amores terrenos se despedaçassem e nas nossas mãos ficasse apenas pó, haverá sempre para todos nós, ardente, o amor único e fiel de Deus.
Na fome de amor que todos sentimos, não procuremos algo que não existe: ela é o convite a conhecer Deus que é pai. A conversão de Santo Agostinho, por exemplo, passou por este cume: o jovem e brilhante reitor buscava simplesmente entre as criaturas algo que nenhuma criatura lhe podia dar, até que um dia teve a coragem de erguer os olhos. E naquele dia conheceu Deus. Deus que ama.
A expressão “nos céus” não exprime distância mas uma diversidade radical de amor, outra dimensão de amor, um amor incansável, um amor que permanecerá para sempre, aliás, que está sempre ao alcance das mãos. É suficiente dizer “Pai nosso que estais nos Céus”, e aquele amor chega.
Portanto, não tenhais medo! Nenhum de nós está sozinho. Se por desventura o teu pai terreno se tiver esquecido de ti e tu sentires rancor contra ele, não te é negada a experiência fundamental da fé cristã: a de saber que és filho muito amado de Deus, e que nada na vida pode cancelar o seu amor apaixonado por ti.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 20.02.2019
Catequese sobre o Pai-Nosso - 6
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Continuemos o nosso percurso para aprender a rezar cada vez melhor como Jesus nos ensinou. Devemos orar como Ele nos ensinou.
Ele disse: quando rezas, entra no silêncio do teu quarto, retira-te do mundo e dirige-te a Deus chamando-o “Pai!”. Jesus quer que os seus discípulos não sejam como os hipócritas que rezam permanecendo de pé nas praças, para ser admirados pelo povo (cf. Mt 6, 5). Jesus não quer hipocrisia. A verdadeira oração é aquela que se faz no segredo da consciência, do coração: insondável, visível unicamente a Deus. Eu e Deus! Ela evita a falsidade: com Deus, é impossível fingir. É impossível, diante de Deus não há estratagema que possa funcionar, Deus conhece-nos assim, nus na consciência, e não se pode fingir. Na raiz do diálogo com Deus existe um diálogo silencioso, como o cruzamento de olhares entre duas pessoas que se amam: o homem e Deus cruzam os olhares, e isto é oração. Fitar Deus e deixar-se olhar por Deus: isto é rezar. “Mas padre, eu não pronuncio palavras...”. Olha para Deus e deixa-te fitar por Ele: é uma prece, uma bonita oração!
Contudo, não obstante a prece do discípulo seja totalmente confidencial, nunca decai no intimismo. No segredo da consciência, o cristão não deixa o mundo fora da porta do seu quarto, mas traz no coração as pessoas e as situações, os problemas, tantas questões, apresenta-as todas na oração.
Há uma ausência impressionante no texto do “Pai-Nosso”. Se eu vos perguntasse qual é a ausência impressionante no texto do “Pai-Nosso”? Não será fácil responder. Falta uma palavra. Pensai todos: o que falta no “Pai-Nosso”? Pensai, o que falta? Uma palavra. Uma palavra que nos nossos tempos — mas talvez sempre — todos têm em grande consideração. Qual é a palavra que falta no “Pai-Nosso”, que recitamos todos os dias? Para poupar tempo, di-la-ei: falta a palavra “eu”. Nunca se diz “eu”. Jesus ensina a rezar, tendo nos lábios antes de tudo o “Vós”, porque a oração cristã é diálogo: “santificado seja o vosso nome, venha o vosso reino, seja feita a vossa vontade”. Não o meu nome, o meu reino, a minha vontade. Eu não, não funciona. E depois passa para o “nós”. Toda a segunda parte do “Pai-Nosso” é declinada na primeira pessoa do plural: “dai-nos o nosso pão de cada dia, perdoai-nos as nossas ofensas, não nos deixeis cair em tentação, livrai-nos do mal”. Até os pedidos mais elementares do homem — como aquele de ter alimento para saciar a fome — são todos no plural. Na prece cristã, ninguém pede o pão para si mesmo: dai-me o pão de cada dia, não, dai-nos, suplica-o para todos, para todos os pobres do mundo. Não podemos esquecer isto, falta a palavra “eu”. Reza-se com o vós e com o nós. É um bom ensinamento de Jesus, não o esqueçais!
Porquê? Porque no diálogo com Deus não há espaço para o individualismo. Não há ostentação dos próprios problemas, como se fôssemos os únicos que sofremos no mundo. Não existe oração elevada a Deus, que não seja a prece de uma comunidade de irmãos e irmãs, o nós: vivemos em comunidade, somos irmãos e irmãs, constituímos um povo que reza, “nós”. Certa vez o capelão de um cárcere fez-me uma pergunta: “Diga-me, padre, qual é o contrário de ‘eu’?”. E eu, ingênuo, disse: “tu”. “Este é o início da guerra. A palavra oposta a ‘eu’ é ‘nós’, onde existe a paz, todos juntos”. Foi um bonito ensinamento que recebi daquele sacerdote.
Na oração, o cristão apresenta todas as dificuldades das pessoas que vivem ao seu lado: quando cai a noite, narra a Deus as dores com as quais se cruzou naquele dia; põe diante d’Ele muitos rostos, amigos e também hostis; não os afasta como distrações perigosas. Se não se der conta de que ao seu redor há tantas pessoas que sofrem, se não sentir pena pelas lágrimas dos pobres, se estiver habituado a tudo, então significa que o seu coração... como é? Murcho? Não, pior: é de pedra. Neste caso é bom suplicar ao Senhor que nos sensibilize com o seu Espírito e enterneça o nosso coração: “Senhor, enternecei o meu coração!”. É uma bonita oração: “Senhor, enternecei o meu coração, a fim de que eu possa entender e responsabilizar-me por todos os problemas, por todas as dores dos outros”. Cristo não passou incólume ao lado das misérias do mundo: cada vez que sentia uma solidão, uma dor do corpo ou do espírito, sentia uma forte compaixão, como as vísceras de uma mãe. Este “sentir compaixão” — não nos esqueçamos desta palavra tão cristã: sentir compaixão — é um dos verbos-chave do Evangelho: é isto que impele o bom samaritano a aproximar-se do homem ferido na beira da estrada, ao contrário dos outros que têm o coração duro.
Podemos interrogar-nos: quando rezo, abro-me ao clamor de tantas pessoas próximas e distantes? Ou então penso na oração como numa espécie de anestesia, para poder estar mais tranquilo? Faço a pergunta, cada um responda a si mesmo. Neste caso eu seria vítima de um equívoco terrível. Sem dúvida, a minha oração deixaria de ser cristã. Porque aquele “nós”, que Jesus nos ensinou, me impede de estar em paz sozinho, e me faz sentir responsável pelos meus irmãos e irmãs.
Existem homens que, aparentemente, não buscam Deus, mas Jesus faz-nos rezar também por eles, porque Deus procura acima de todos estas pessoas. Jesus não veio para os sadios, mas para os doentes, para os pecadores (cf. Lc 5, 31), ou seja, para todos, porque quem pensa que é sadio, na realidade não o é. Se trabalharmos pela justiça, não nos sintamos melhores do que os outros: o Pai faz nascer o seu sol tanto sobre os bons como sobre os maus (cf. Mt 5, 45). O Pai ama todos! Aprendamos de Deus, que é sempre bom para com todos, contrariamente a nós, que só conseguimos ser bons para com alguns, para com alguém que me agrada.
Irmãos e irmãs, santos e pecadores, somos todos irmãos amados pelo mesmo Pai. E, no crepúsculo da vida, seremos julgados sobre o amor, sobre o modo como amamos. Não com um amor apenas sentimental, mas compassivo e concreto, segundo a regra evangélica, não a esqueçais! «Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes» (Mt 25, 40). Assim diz o Senhor. Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 13.02.2019
Mensagem do Papa Francisco aos fiéis brasileiros por ocasião da Campanha da Fraternidade
Queridos irmãos e irmãs do Brasil!
Com o início da Quaresma, somos convidados a preparar-nos, através das práticas penitenciais do jejum, da esmola e da oração, para a celebração da vitória do Senhor Jesus sobre o pecado e a morte. Para inspirar, iluminar e integrar tais práticas como componentes de um caminho pessoal e comunitário em direção à Páscoa de Cristo, a Campanha da Fraternidade propõe aos cristãos brasileiros o horizonte das “políticas públicas”.
Muito embora aquilo que se entende por política pública seja primordialmente uma responsabilidade do Estado cuja finalidade é garantir o bem comum dos cidadãos, todas as pessoas e instituições devem se sentir protagonistas das iniciativas e ações que promovam «o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição» (Gaudium et spes, 74).
Cientes disso, os cristãos - inspirados pelo lema desta Campanha da Fraternidade «Serás libertado pelo direito e pela justiça» (Is1,27) e seguindo o exemplo do divino Mestre que “não veio para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28) - devem buscar uma participação mais ativa na sociedade como forma concreta de amor ao próximo, que permita a construção de uma cultura fraterna baseada no direito e na justiça. De fato, como lembra o Documento de Aparecida, «são os leigos de nosso continente, conscientes de sua chamada à santidade em virtude de sua vocação batismal, os que têm de atuar à maneira de um fermento na massa para construir uma cidade temporal que esteja de acordo com o projeto de Deus» (n. 505).
De modo especial, àqueles que se dedicam formalmente à política - à que os Pontífices, a partir de Pio XII, se referiram como uma «nobre forma de caridade» (cf. Papa Francisco, Mensagem ao Congresso organizado pela CAL-CELAM, 1/XII/2017) – requer-se que vivam «com paixão o seu serviço aos povos, vibrando com as fibras íntimas do seu etos e da sua cultura, solidários com os seus sofrimentos e esperanças; políticos que anteponham o bem comum aos seus interesses privados, que não se deixando intimidar pelos grandes poderes financeiros e mediáticos, sendo competentes e pacientes face a problemas complexos, sendo abertos a ouvir e a aprender no diálogo democrático, conjugando a busca da justiça com a misericórdia e a reconciliação» (ibid.).
Refletindo e rezando as políticas públicas com a graça do Espírito Santo, faço votos, queridos irmãos e irmãs, que o caminho quaresmal deste ano, à luz das propostas da Campanha da Fraternidade, ajude todos os cristãos a terem os olhos e o coração abertos para que possam ver nos irmãos mais necessitados a “carne de Cristo” que espera «ser reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente por nós» (Bula Misericordiae vultus, 15). Assim a força renovadora e transformadora da Ressurreição poderá alcançar a todos fazendo do Brasil uma nação mais fraterna e justa. E para lhes confirmar nesses propósitos, confiados na intercessão de Nossa Senhora Aparecida, de coração envio a todos e cada um a Bênção Apostólica, pedindo que nunca deixem de rezar por mim.
Vaticano, 11 de fevereiro de 2019.
imagem: site do Vaticano
Catequeses sobre o Pai Nosso: 5
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Prosseguindo as catequeses sobre o “Pai-Nosso”, hoje comecemos pela observação de que, no Novo Testamento, parece que a oração deseja chegar ao essencial, até se concentrar numa única palavra: Aba, Pai!
Ouvimos o que São Paulo escreve na Carta aos Romanos: «Porquanto não recebestes um espírito de escravidão, para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: “Aba! Pai!”» (8, 15). E aos Gálatas, o Apóstolo diz: «A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “Aba, Pai!’’» (Gl 4, 6). Repete-se duas vezes a mesma invocação, na qual está condensada toda a novidade do Evangelho. Depois de ter conhecido Jesus e ouvido a sua pregação, o cristão já não considera Deus como um tirano que se deve temer, já não tem medo mas sente florescer no seu coração a confiança n’Ele: pode falar com o Criador chamando-o “Pai”! A expressão é tão importante para os cristãos, que muitas vezes se conservou intacta na sua forma originária: “Aba”!
É raro que no Novo Testamento as expressões aramaicas não sejam traduzidas em grego. Devemos imaginar que nestas palavras aramaicas tenha permanecido como que “gravada” a voz do próprio Jesus: respeitaram o idioma de Jesus! Na primeira palavra do “Pai-Nosso” encontramos imediatamente a novidade radical da oração cristã.
Não se trata apenas de usar um símbolo — neste caso, a figura do pai — relacionado com o mistério de Deus; ao contrário, trata-se de ter, por assim dizer, todo o mundo de Jesus derramado no próprio coração. Se realizarmos esta operação, poderemos recitar verdadeiramente o “Pai-Nosso”. Dizer “Aba” é algo muito mais íntimo e mais comovedor do que simplesmente chamar a Deus “Pai”. Eis por que motivo alguém propôs traduzir esta palavra aramaica original, “Aba” com “Papá” ou “Paizinho”. Em vez de dizer “Pai nosso”, dizer “Papá, Paizinho”. Nós continuamos a dizer “Pai nosso”, mas com o coração somos convidados a dizer “Papá”, a ter com Deus um relacionamento como o de uma criança com o seu pai, que diz “papá”, diz “paizinho”. Com efeito, estas expressões evocam afeto e calor, algo que nos projeta no contexto da infância: a imagem de uma criança completamente envolvida pelo abraço de um pai que sente ternura infinita por ela. E por isso, caros irmãos e irmãs, para rezar bem é necessário chegar a ter um coração de criança! Não um coração suficiente: assim não se pode rezar bem. Como uma criança no colo do seu pai, do seu papá, do seu paizinho.
Mas certamente são os Evangelhos que nos introduzem melhor no sentido desta palavra. O que significa para Jesus esta palavra? O “Pai-Nosso” adquire sentido e cor, se aprendermos a recitá-lo depois de ter lido, por exemplo, a parábola do pai misericordioso, no capítulo 15 de Lucas (cf. 15, 11-32). Imaginemos esta prece pronunciada pelo filho pródigo, depois de ter experimentado o abraço do seu pai, que tinha esperado por muito tempo, um pai que não se recorda das palavras ofensivas que ele lhe dirigira, um pai que agora lhe faz entender simplesmente a falta que tinha sentido dele. Assim descobrimos como aquelas palavras adquirem vida e força! E interrogamo-nos: como é possível que Tu, ó Deus, conheças unicamente o amor? Tu não conheces o ódio? Não — Deus responderia — Eu só conheço o amor. Onde se encontram em ti a vingança, a pretensão de justiça, a raiva pela tua honra ferida? E Deus responderia: Eu só conheço o amor!
O pai daquela parábola tem modos de agir que recordam muito o espírito de uma mãe. São sobretudo as mães que perdoam os filhos, que os defendem, que não interrompem a empatia em relação a eles, que continuam a amar, mesmo quando eles já não mereceriam mais nada.
É suficiente evocar esta expressão — Aba — para que se desenvolva uma prece cristã. E nas suas Cartas, São Paulo segue este mesmo caminho, e não poderia ser de outra forma, porque é a vereda ensinada por Jesus: esta invocação contém uma força que atrai o resto da oração.
Deus procura-te, mesmo que tu não o procures. Deus ama-te, ainda que tu o tenhas esquecido. Deus vislumbra em ti uma beleza, não obstante tu penses que desperdiçaste inutilmente todos os teus talentos. Deus é não só um pai, mas é como uma mãe que nunca deixa de amar a sua criatura. Por outro lado, há uma “gestação” que dura para sempre, muito além dos nove meses da gestação física; trata-se de uma gestação que gera um circuito infinito de amor.
Para o cristão, rezar significa dizer simplesmente “Aba”, dizer “Papá”, “Paizinho”, “Pai” mas com a confiança de uma criança.
Pode ser que também a nós aconteça percorrer sendas distantes de Deus, como aconteceu com o filho pródigo; ou então, precipitar numa solidão que nos faz sentir abandonados no mundo; ou ainda, errar e ficar paralisados por um sentido de culpa. Nestes momentos difíceis, ainda podemos encontrar a força para rezar, recomeçando pela palavra “Pai”, mas dita com o sentido terno de uma criança: “Aba”, “Papá”. Ele não nos esconderá o seu rosto. Recordai bem: talvez alguém tenha dentro de si coisas desagradáveis, que não sabe como resolver, tanta amargura por ter feito isto e aquilo... Ele não esconderá a sua face. Ele não se fechará no silêncio. Tu diz-lhe “Pai” e Ele responder-te-á. Tu tens um Pai. “Sim, mas eu sou um delinquente...”. Mas tens um Pai que te ama! Diz-lhe “Pai”, começa a rezar assim e, no silêncio, Ele dir-nos-á que nunca nos perdeu de vista. “Mas Pai, eu fiz isto...” — “Nunca te perdi de vista, vi tudo. Mas permaneci sempre ali, perto de ti, fiel ao meu amor por ti”. Esta será a resposta! Nunca vos esqueçais de dizer: “Pai”. Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral 16.01.2019
Catequese sobre o Pai Nosso: 4
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
A catequese de hoje refere-se ao Evangelho de Lucas. Com efeito, é sobretudo este Evangelho, desde as narrações da infância, que descreve a figura de Cristo numa atmosfera densa de oração. Ele contém os três hinos que cadenciam todos os dias a oração da Igreja: o Benedictus, o Magnificat e o Nunc dimittis.
E nesta catequese sobre o Pai-Nosso vamos em frente, e vemos Jesus como orante. Jesus reza! Por exemplo, na narração de Lucas o episódio da Transfiguração deriva de um momento de oração. Diz assim: «Enquanto orava, o seu rosto transformou-se e as suas vestes tornaram-se resplandecentes» (9, 29). Mas cada passo na vida de Jesus é como que impelido pelo sopro do Espírito que o guia em todas as ações. Jesus reza no batismo no Jordão, dialoga com o Pai antes de tomar as decisões mais importantes, retira-se muitas vezes na solidão para orar, intercede por Pedro que em breve o renegará. Diz assim: «Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos joeirar como o trigo; mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça» (Lc 22, 31-32). Isto consola: saber que Jesus reza por nós, ora por mim, por cada um de nós, a fim de que a nossa fé não desfaleça. E isto é verdade! “Mas padre, ainda o faz?”. Ainda o faz perante o Pai. Jesus reza por mim. Cada um de nós pode dizê-lo. E também podemos dizer a Jesus: “Tu oras por mim, continua a rezar porque preciso disto”. Assim: com coragem!
Até a morte do Messias está imersa num clima de oração, a ponto que as horas da Paixão parecem marcadas por uma calma surpreendente: Jesus consola as mulheres, reza pelos seus crucificadores, promete o paraíso ao bom ladrão e expira dizendo: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46). A prece de Jesus parece atenuar as emoções mais violentas, os desejos de vingança e de desforra, reconcilia o homem com a sua acérrima inimiga, reconcilia o homem com esta inimiga, que é a morte.
É ainda no Evangelho de Lucas que encontramos o pedido, expresso por um dos discípulos, de poderem ser instruídos na oração pelo próprio Jesus. E diz assim: «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1). Viam que Ele orava. “Ensina-nos — também nós o podemos dizer ao Senhor — Senhor. Bem sei que Tu rezas por mim, mas ensina-me a rezar, para que também eu possa orar”.
Deste pedido — «Senhor, ensina-nos a rezar» — nasce um ensinamento bastante amplo, através do qual Jesus explica aos seus com que palavras e com que sentimentos se devem dirigir a Deus.
A primeira parte deste ensinamento é precisamente o Pai-Nosso. Rezai assim: “Pai, que estais no céu”. “Pai”: esta palavra tão agradável de pronunciar. Nós podemos passar todo o tempo da oração unicamente com esta palavra: “Pai”! E sentir que temos um Pai: não um patrão, nem um padrasto. Não: um Pai! O cristão dirige-se a Deus, chamando-o antes de tudo “Pai”!
Neste ensinamento que Jesus oferece aos seus discípulos é interessante meditar sobre algumas instruções que coroam o texto da oração. Para nos dar confiança, Jesus explica algumas coisas. Elas insistem sobre as atitudes do crente que reza. Por exemplo, há a parábola do amigo importuno, o qual vai perturbar uma família inteira que dorme, porque uma pessoa chegou inesperadamente de uma viagem e ele não tem pão para lhe oferecer. O que diz Jesus àquele que bate à porta e acorda o amigo? «Digo-vos — explica Jesus — que embora não se levante para lhos dar por ser seu amigo, ao menos, levantar-se-á, devido à impertinência dele, e dar-lhe-á tudo quanto precisar» (Lc 11, 8). Com isto quer ensinar-nos a rezar e a insistir na oração. E imediatamente depois cita o exemplo de um pai que tem um filho faminto. Todos vós, pais e avós, que estais aqui, quando o filho ou o neto pede algo, quando tem fome e pede com insistência, depois chora, grita, tem fome: «Qual pai entre vós, se o filho lhe pedir um peixe, porventura lhe dará uma serpente?» (v. 11). E todos vós tendes a experiência, quando o filho pede algo, vós dais de comer aquilo que ele pede, para o seu bem.
Com estas palavras Jesus dá a entender que Deus responde sempre, que nenhuma oração deixará de ser ouvida, porquê? Porque Ele é Pai e não se esquece dos seus filhos que sofrem.
Sem dúvida, estas afirmações põem-nos em crise, porque parece que muitas das nossas preces não obtêm resultado algum. Quantas vezes pedimos e não fomos atendidos — todos nós fizemos esta experiência — quantas vezes batemos e encontramos uma porta fechada? Nestes momentos, Jesus recomenda-nos para insistir e não desistir. A oração transforma sempre a realidade, sempre. Se não mudam as coisas ao nosso redor, pelo menos nós mudamos, o nosso coração muda. Jesus prometeu o dom do Espírito Santo a cada homem e a cada mulher que reza.
Podemos estar certos de que Deus responderá. A única incerteza é em relação ao tempo, mas não temos dúvida que Ele responderá. Talvez tenhamos que insistir durante a vida inteira, mas Ele responderá! No-lo prometeu: Ele não é como um pai que dá uma serpente em vez de um peixe. Não há nada de mais certo: um dia realizar-se-á o desejo de felicidade que todos temos no coração. Jesus diz: «Porventura não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que clamam por Ele dia e noite?» (Lc 18, 7). Sim, fará justiça, ouvir-nos-á! Aquele dia será de glória e de ressurreição! Rezar é desde já a vitória sobre a solidão e o desespero. Rezar! A oração muda a realidade, não o esqueçamos. Ou muda as coisas ou transforma o nosso coração, mas muda sempre. Rezar é desde já a vitória sobre a solidão e o desespero. É como ver cada fragmento da criação que fervilha no torpor de uma história da qual por vezes não entendemos o porquê. Mas está em movimento, está a caminho, e no final de cada estrada, o que há no fim do nosso caminho? No fim da oração, no final de um tempo em que estamos a rezar, no fim da vida: o que há? Há um Pai que espera tudo e todos de braços abertos. Olhemos para este Pai!
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral 9.01.2019
Catequese sobre o Pai Nosso: 3
Amados irmãos e irmãs, bom dia e também bom ano!
Prosseguimos as nossas catequeses sobre o “Pai-Nosso”, iluminados pelo mistério do Natal que acabamos de celebrar.
O evangelho de Mateus coloca o texto do “Pai-Nosso” num ponto estratégico, no centro do sermão da montanha (cf. 6, 9-13). Entretanto observemos o cenário: Jesus sobe à colina junto do lago, senta-se; em seu redor, em círculo, estão os seus discípulos mais íntimos, e depois uma grande multidão de rostos anônimos. É esta assembleia heterogênea a primeira que recebe a recomendação do “Pai-Nosso”.
A colocação, como foi dito, é muito significativa; pois neste longo ensinamento, que está sob o nome de “sermão da montanha” (cf. Mt 5, 1-7, 27), Jesus condensa os aspectos fundamentais da sua mensagem. O começo é como um arco decorado para a festa: as Bem-aventuranças. Jesus coroa de felicidade uma série de categorias de pessoas que no seu tempo — mas também no nosso! — não eram muito consideradas. Bem-aventurados os pobres, os mansos, os misericordiosos, as pessoas humildes de coração... Esta é a revolução do Evangelho. Onde há o Evangelho há revolução. O Evangelho não nos deixa impassíveis, estimula-nos: é revolucionário. Ao contrário, todas as pessoas capazes de amor, os artífices de paz, que até então tinham acabado nas margens da história, são os construtores do Reino de Deus. É como se Jesus dissesse: ide em frente vós, que levais no coração o mistério de um Deus que revelou a sua omnipotência no amor e no perdão!
Desta porta de entrada, que inverte os valores da história, sobressai a novidade do Evangelho. A Lei não deve ser abolida mas precisa de uma nova interpretação, que a reconduza ao seu sentido originário. Se uma pessoa tem um coração bondoso, predisposto para o amor, então compreende que cada palavra de Deus deve ser encarnada até às suas últimas consequências. O amor não tem confins: pode-se amar o próprio cônjuge, o próprio amigo e até o próprio inimigo com uma perspectiva totalmente nova. Jesus diz: «Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores» (Mt 5, 44-45).
Eis o grande segredo que está na base de todo o sermão da montanha: sede filhos do vosso Pai que está nos céus. Aparentemente estes capítulos do Evangelho de Mateus parecem ser um sermão moral, parecem evocar uma ética tão exigente impossível de praticar, mas ao contrário descobrimos que são sobretudo um discurso teológico. O cristão não é alguém que se compromete a ser mais bondoso que os outros: sabe que é pecador como todos. O cristão é simplesmente um homem que pára diante da nova Sarça Ardente, da revelação de um Deus que não inclui o enigma de um nome impronunciável, mas que pede aos seus filhos que o invoquem com o nome de “Pai”, que se deixem renovar pelo seu poder e que reflitam um raio da sua bondade para este mundo tão sedento de bem, à espera de boas novas.
Eis portanto como Jesus introduz o ensinamento da oração do “Pai-Nosso”. Fá-lo afastando-se de dois grupos do seu tempo. Antes de tudo os hipócritas: «não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens» (Mt 6, 5). Há pessoas capazes de tecer orações ateias, sem Deus e fazem-no para serem admirados pelos homens. E quantas vezes nós vemos o escândalo daquelas pessoas que vão à Igreja e ficam lá o dia inteiro ou vão todos os dias e depois vivem odiando os demais ou falando mal das pessoas. Isto é um escândalo! É melhor não ir à igreja: vives assim, como se fosses ateu. Mas se vais à igreja, vive como filho, como irmão e dá um verdadeiro testemunho, não um contratestemunho. Ao contrário, a oração não tem outro testemunho crível a não ser a própria consciência, na qual se entrelaça um contínuo diálogo muito intenso com o Pai: «Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai» (Mt 6, 6).
Depois Jesus distancia-se da oração dos pagãos, «que usam de vãs repetições [...] porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos» (Mt 6, 7). Talvez aqui Jesus faça alusão àquela “captatio benevolentiae” que era a premissa necessária de tantas preces antigas: a divindade devia ser de qualquer forma acalmada com uma longa série de louvores, até de orações. Pensemos naquele cenário do Monte Carmelo, quando o profeta Elias desafiou os sacerdotes de Baal. Eles gritavam, dançavam, pediam muitas coisas para que o seu deus os ouvisse. E Elias, ao contrário, estava em silêncio e o Senhor revelou-se a Elias. Os pagãos pensam que falando, falando, falando, falando se reza. E também eu penso em tantos cristãos que creem que rezar é — desculpai — “falar a Deus como um papagaio”. Não! Rezar faz-se com o coração, de dentro. Ao contrário — diz Jesus — quando rezas, dirige-te a Deus como um filho ao seu pai, o qual sabe do que precisas ainda antes que tu lho peças (cf. Mt 6, 8). Poderia ser também uma prece silenciosa, o “Pai-Nosso”: no fundo é suficiente pôr-se sob o olhar de Deus, recordar-se do seu amor de Pai, e isto é suficiente para sermos ouvidos.
É bom pensar que o nosso Deus não precisa de sacrifícios para conquistar o seu favor! Não tem necessidade de nada, o nosso Deus: na oração pede unicamente que mantenhamos aberto um canal de comunicação com Ele para nos descobrirmos sempre seus filhos amadíssimos. E Ele ama-nos tanto.
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral 2.01.2019
Juntamente com Maria sua esposa, José subiu «à cidade de David, chamada Belém» (Lc 2, 4). Nesta noite, também nós subimos a Belém, para lá descobrir o mistério do Natal.
1. Belém: o nome significa casa do pão. Hoje, nesta «casa», o Senhor marca encontro com a humanidade. Sabe que precisamos de alimento para viver. Mas sabe também que os alimentos do mundo não saciam o coração. Na Sagrada Escritura, o pecado original da humanidade aparece associado precisamente com o ato de tomar alimento: «…agarrou do fruto, comeu» – diz o livro do Gênesis (3, 6). Agarrou e comeu. O homem tornou-se ávido e voraz. Para muitos, o sentido da vida parece ser possuir, estar cheio de coisas. Uma ganância insaciável atravessa a história humana, chegando ao paradoxo de hoje em que alguns se banqueteiam lautamente enquanto muitos não têm pão para viver.
Belém é o ponto de viragem no curso da história. Lá Deus, na casa do pão, nasce numa manjedoura; como se quisesse dizer-nos: Estou aqui ao vosso dispor, como vosso alimento. Não agarra, oferece de comer; não dá uma coisa, mas dá-Se a Si mesmo. Em Belém, descobrimos que Deus não é alguém que agarra a vida, mas Aquele que dá a vida. Ao homem, habituado desde os primórdios a agarrar e comer, Jesus começa a dizer: «Tomai, comei. Este é o meu corpo» (Mt 26, 26). O corpo pequenino do Menino de Belém lança um novo modelo de vida: não devorar e acumular, mas partilhar e dar. Deus faz-Se pequeno, para ser nosso alimento. Nutrindo-nos d’Ele, Pão de vida, podemos renascer no amor e romper a espiral da avidez e da ganância. A partir da «casa do pão», Jesus traz o homem de regresso a casa, para que se torne familiar do seu Deus e irmão do seu próximo. Diante da manjedoura, compreendemos que não são os bens que alimentam a vida, mas o amor; não a voracidade, mas a caridade; não a abundância ostentada, mas a simplicidade que devemos preservar.
O Senhor sabe que precisamos de nos alimentar todos os dias. Por isso, ofereceu-nos todos os dias da sua vida, desde a manjedoura de Belém até ao cenáculo de Jerusalém. E ainda hoje, no altar, faz-Se pão partido para nós: bate à porta, para entrar e cear connosco (cf. Ap 3, 20). No Natal, recebemos Jesus, Pão do céu na terra: trata-se de um alimento cuja validade é ilimitada, fazendo-nos saborear já agora a vida eterna.
Em Belém, descobrimos que a vida de Deus corre nas veias da humanidade. Se a acolhermos, a história muda a partir de cada um de nós; com efeito, quando Jesus muda o coração, o centro da vida já não é o meu «eu» faminto e egoísta, mas Ele, que nasce e vive por amor. Nesta noite, chamados a ir até Belém, casa do pão, interroguemo-nos: Qual é o alimento de que não posso prescindir na minha vida? É o Senhor ou outra coisa qualquer? Depois, entrando na gruta, ao vislumbrar na terna pobreza do Menino uma nova fragrância de vida, a da simplicidade, perguntemo-nos: Será verdade que preciso de tantas coisas, de receitas complicadas para viver? Quais são os contornos supérfluos de que consigo prescindir para abraçar uma vida mais simples? Em Belém, ao pé de Jesus, vemos pessoas que caminharam, como Maria, José e os pastores. Jesus é o Pão do caminho. Não Se compraz com as digestões lentas, longas e sedentárias, mas pede que nos levantemos rapidamente da mesa a fim de servir como pães partidos para os outros. Perguntemo-nos: No Natal, reparto o meu pão com aqueles que estão sem ele?
2. Depois de Belém, casa do pão, reflitamos sobre Belém, cidade de David. Lá David, na sua adolescência, era pastor e, como tal, foi escolhido por Deus, para ser pastor e guia do seu povo. No Natal, na cidade de David, são precisamente os pastores que acolhem Jesus. Naquela noite, quando «a glória do Senhor refulgiu em volta deles – diz o Evangelho –, tiveram muito medo» (Lc 2, 9), mas o anjo disse-lhes: «Não temais» (2, 10). Reaparece muitas vezes no Evangelho esta frase «não temais»: parece o refrão de Deus à procura do homem. Porque o homem desde o princípio, por causa do pecado, tem medo de Deus: «…cheio de medo, escondi-me» (Gn 3, 10) – diz Adão, depois do pecado. Belém é o remédio para o medo, porque lá, não obstante os «nãos» do homem, Deus diz para sempre «sim»: será para sempre Deus connosco. E, para que a sua presença não provoque medo, faz-Se um terno menino. A frase «não temais» não é dirigida a santos, mas a pastores, pessoas simples que então não primavam por garbo nem devoção. O Filho de David nasceu no meio dos pastores, para nos dizer que doravante ninguém estará sozinho; temos um Pastor que vence os nossos medos e nos ama a todos, sem exceção.
Os pastores de Belém mostram-nos também como ir ao encontro do Senhor. Velam durante a noite: não dormem, mas fazem aquilo que Jesus nos pedirá várias vezes: vigiar (cf. Mt 25, 13; Mc 13, 35; Lc 21, 36). Permanecem vigilantes; aguardam, acordados, na escuridão; e a glória de Deus «refulgiu em volta deles» (Lc 2, 9). O mesmo vale para nós. A nossa vida pode ser uma expetação, em que a pessoa, mesmo nas noites dos problemas, se confia ao Senhor e O deseja; então receberá a sua luz. Ou então uma pretensão, na qual contam apenas as próprias forças e meios; mas, neste caso, o coração permanece fechado à luz de Deus. O Senhor gosta de ser aguardado e não é possível aguardá-Lo no sofá, dormindo. De facto, os pastores movem-se: «foram apressadamente» – diz o texto (2, 16). Não ficam parados como quem sente ter chegado a casa e não precisa de nada; mas partem, deixam o rebanho indefeso, arriscam por Deus. E depois de terem visto Jesus, embora sem grande habilidade para falar, vão anunciá-Lo, de modo que «todos os que ouviram se admiravam do que lhes diziam os pastores»"(2, 18).
Esperar acordado, ir, arriscar, contar a beleza são gestos de amor. O bom Pastor, que vem no Natal para dar a vida às ovelhas, na Páscoa dirigirá a Pedro, e através dele a todos nós, a pergunta determinante: «Tu Me amas?» (Jo 21, 15). Da resposta, dependerá o futuro do rebanho. Nesta noite, somos chamados a responder, dizendo-Lhe também nós: «Sou deveras teu amigo». A resposta de cada um é essencial para todo o rebanho.
«Vamos a Belém…» (Lc 2, 15): assim disseram e fizeram os pastores. Também nós, Senhor, queremos vir a Belém. O caminho, ainda hoje, é difícil: é preciso superar os cumes do egoísmo, evitar escorregar nos precipícios da mundanidade e do consumismo. Quero chegar a Belém, Senhor, porque é lá que me esperas. E dar-me conta de que Tu, colocado numa manjedoura, és o pão da minha vida. Preciso da terna fragrância do teu amor, a fim de tornar-me, por minha vez, pão repartido para o mundo. Toma-me sobre os teus ombros, bom Pastor: amado por Ti, conseguirei também eu amar tomando pela mão os irmãos. Então será Natal, quando Te puder dizer: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu sou deveras teu amigo!» (Jo 21, 17).
SOLENE CELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA NA NOITE DO NATAL DO SENHOR
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Segunda-feira, 24 de dezembro de 2018
Daqui a seis dias será Natal. As árvores, os ornamentos e as luzes em todo o lado recordam que também este ano haverá festa. A máquina publicitária convida à troca de presentes sempre novos para fazer surpresa. Mas pergunto-me: é esta a festa que agrada a Deus? Que Natal gostaria Ele, que presentes e surpresas?
Olhemos para o primeiro Natal da história para descobrir os gostos de Deus. Esse primeiro Natal da história foi repleto de surpresas. Começa-se com Maria, que era noiva de José: chega o anjo e muda-lhe a vida. De virgem será mãe.
Prossegue com José, chamado a ser pai de um filho sem o gerar. Um filho que – golpe de cena – chega no momento menos indicado, isto é, quando Maria e José eram noivos, e segundo a Lei não podiam coabitar. Diante do escândalo, o bom senso do tempo convidava José a repudiar Maria e salvar o seu bom nome, mas ele, apesar do direito que tinha, surpreende: para não prejudicar Maria, pensa repudiá-la em segredo, com o custo de perder a reputação. Depois, outra surpresa: Deus, em sonhos, muda-lhe os planos e pede-lhe para tomar consigo Maria. Nascido Jesus, quando tinha os seus projetos para a família, igualmente em sonho é-lhe dito para se erguer e ir para o Egito.
Em resumo, o Natal traz mudanças de vida inesperadas (…). Mas é na noite de Natal que chega a surpresa: o Altíssimo é um pequenino bebé. A Palavra divina é um infante, que literalmente significa “incapaz de falar”. (…) A acolher o Salvador não estão as autoridades do tempo (…), mas simples pastores que, surpreendidos pelos anjos enquanto trabalhavam de noite, acorrem sem demora. Quem esperaria que assim fosse?
Natal é celebrar o inédito de Deus, ou melhor, um Deus inédito, que vira do avesso as nossas lógicas e as nossas expetativas.
Fazer Natal, então, é acolher na Terra as surpresas do Céu. Não se pode viver “terra a terra” quando o Céu trouxe a sua novidade ao mundo. O Natal inaugura um tempo novo, onde a vida não se programa, mas dá-se; onde já não se vive para si, com base nos próprios gostos, mas para Deus; e com Deus, porque desde o Natal Deus é o Deus-connosco.
Viver o Natal é deixar-se sacudir pela sua surpreendente novidade. O Natal de Jesus não oferece os reconfortantes calores da lareira, mas o frémito divino que sacode a história. O Natal é a desforra da humildade sobre a arrogância, da simplicidade sobre a abundância, do silêncio sobre o barulho, da oração sobre o “meu tempo”, de Deus sobre o meu eu.
Fazer Natal é fazer como Jesus, vindo para nós, necessitados, e descer para aqueles que necessitam de nós. É fazer como Maria: confiar, dóceis a Deus, ainda que sem compreender o que Ele fará. É fazer como José: erguer-se para realizar o que Deus quer, mesmo que não seja segundo os nossos planos. S. José é surpreendente: no Evangelho nunca fala (…), e o Senhor fala-lhe precisamente no silêncio, no sono. Natal é preferir a voz silenciosa de Deus aos tumultos do consumismo. Se soubermos estar em silêncio diante do presépio, o Natal será também para nós uma surpresa, não uma coisa já vista. (…)
Infelizmente, no entanto, pode falhar-se a festa, e preferir às novidades do Céu as coisas habituais da Terra. Se o Natal permanece apenas uma bela festa tradicional, onde no centro estamos nós e não Ele, será uma ocasião perdida. Por favor, não mundanizemos o Natal. Não coloquemos de parte o Festejado, como então, quando «veio para entre os seus, e os seus não o acolheram» (João 1, 11).
Desde o primeiro Evangelho do Advento, o Senhor alertou-nos, pedindo para que não ficarmos pesados com «dissipações» e «afazeres da vida» (Lucas 21, 34). Nestes dias corre-se, talvez como nunca durante o ano. Mas assim faz-se o oposto daquilo que Jesus quer. Culpamos as muitas coisas que enchem o dia, o mundo que vai depressa. E todavia Jesus não culpou o mundo, pediu-nos para não sermos arrastados, para vigiar em cada momento orando.
Então, será Natal se, como José, dermos espaço ao silêncio; se, como Maria, dissermos «eis-me aqui» a Deus; se, como Jesus, estivermos próximos de quem está só; se, como os pastores, sairmos dos nossos redis para estar com Jesus.
Será Natal se encontrarmos a luz na pobre gruta de Belém.
Não será Natal se procurarmos os flashes ofuscantes do mundo, se nos enchermos de presentes, almoços e jantares mas não ajudarmos pelo menos um pobre, que se assemelha a Deus, porque no Natal Deus veio pobre.
Queridos irmãos e irmãs, desejo-vos um bom Natal, um Natal rico das surpresas de Jesus! Poderão parecer surpresas incômodas, mas são os gostos de Deus. Se os desposarmos, faremos a nós mesmos uma esplêndida surpresa. Cada um de nós tem oculta no coração a capacidade de deixar-se surpreender. Deixemo-nos surpreender por Jesus!
Audiência geral, 19.12.2018, Vaticano
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 19.12.2018 no SNPC (Portugal)
Catequese sobre o Pai Nosso - 2
Prossigamos o caminho de catequeses sobre o “Pai-Nosso”, iniciado na semana passada. Jesus põe nos lábios dos seus discípulos uma prece breve, audaz, formada por sete pedidos — um número que na Bíblia não é casual, indica plenitude. Digo audaz, porque se Cristo não a tivesse sugerido, provavelmente nenhum de nós — aliás, nenhum dos teólogos mais famosos! — ousaria rezar a Deus desta maneira.
Com efeito, Jesus convida os seus discípulos a aproximar-se de Deus e a fazer-lhe com confidência alguns pedidos: antes de tudo em relação a Ele e depois em relação a nós. Não há prefácios no “Pai-Nosso”. Jesus não ensina fórmulas para “adular” o Senhor, aliás, convida a pedir-lhe abatendo as barreiras da reverência e do medo. Não diz para se dirigir a Deus chamando-lhe “Onipotente”, “Altíssimo”, “Tu, que estás tão distante de nós, eu sou miserável”: não, não diz assim, mas simplesmente “Pai”, com toda a simplicidade, como as crianças se dirigem ao pai. E esta palavra “Pai", expressa a confidência e a confiança filial.
A oração do “Pai-Nosso” afunda as suas raízes na realidade concreta do homem. Por exemplo, faz-nos pedir o pão de cada dia: pedido simples mas essencial, o qual diz que a fé não é uma questão “decorativa”, separada da vida, que intervém quando todas as outras necessidades foram satisfeitas. No máximo, a oração começa com a própria vida. A prece — ensina-nos Jesus — não começa na existência humana quando o estômago está cheio: ao contrário, existe onde quer que haja um homem, um homem qualquer que tem fome, que chora, que luta, que sofre e se pergunta “porquê”. A nossa primeira prece, num certo sentido, foi o gemido que acompanhou o primeiro respiro. Naquele choro de recém-nascido anunciava-se o destino de toda a nossa vida: a nossa fome contínua, a nossa sede perene, a nossa busca de felicidade.
Jesus, na oração, não quer apagar o humano, não o quer anestesiar. Não quer que moderemos as perguntas nem os pedidos aprendendo a suportar tudo. Ao contrário, quer que cada sofrimento, qualquer preocupação, se projete rumo ao céu e se torne diálogo.
Ter fé, dizia uma pessoa, significa acostumar-se ao brado.
Todos deveríamos ser como o Bartimeu do Evangelho (cf. Mc 10, 46-52) — recordemos aquele excerto do Evangelho, Bartimeu, o filho de Timeu — aquele homem cego que mendigava às portas de Jericó. Tinha à sua volta tantas pessoas bondosas que lhe impunham o silêncio: “Cala-te! O Senhor passa. Cala-te. Não incomodes. O Mestre tem muitas coisas a fazer; não o aborreças. Tu importunas com os teus gritos. Não perturbes”. Mas ele não ouvia aqueles conselhos: com santa insistência, pretendia que a sua mísera condição pudesse finalmente encontrar Jesus. E bradava mais alto! E as pessoas educadas: “Não, é o Mestre, por favor! Ficas mal visto!”. E ele bradava porque queria ver, queria ser curado: «Jesus, tem piedade de mim!» (v. 47). Jesus restitui-lhe a vista e diz-lhe: «A tua fé te salvou» (v. 52), como que para explicar que o mais decisivo para a sua cura foi aquela prece, aquela invocação bradada com fé, mais forte que o “bom senso” de muitas pessoas que queriam que ele se calasse. A oração não só precede a salvação, mas de certa forma já a contém, pois liberta do desespero de quem não acredita numa saída para tantas situações insuportáveis.
Depois, certamente, os crentes sentem também a necessidade de louvar a Deus. Os evangelhos contêm a exclamação de júbilo que promana do Coração de Jesus, cheio de grata admiração pelo Pai (cf. Mt 11, 25-27). Os primeiros cristãos sentiram até a exigência de acrescentar ao texto do “Pai-Nosso” uma doxologia: «Porque teu é o poder e a glória nos séculos» (Didaqué, 8, 2).
Mas nenhum de nós é obrigado a aceitar a teoria que no passado alguém propôs, isto é, que a oração de pedido seja uma forma tíbia da fé, enquanto que a oração mais autêntica seria o louvor puro, aquele que procura Deus sem o peso de pedido algum. Não, isto não é verdade. A prece de pedido é autêntica, espontânea, é um ato de fé em Deus que é Pai, que é bom, omnipotente. Trata-se de um ato de fé em mim, que sou pequenino, pecador, necessitado. E por isso a oração para pedir algo é muito nobre. Deus é o Pai que tem imensa compaixão por nós, e deseja que os seus filhos lhe falem sem medo, chamando-lhe diretamente “Pai”; ou nas dificuldades dizendo: “Mas Senhor, o que me fizeste?”. Por isso podemos contar-lhe tudo, até aquilo que na nossa vida permanece distorcido e incompreensível. E prometeu-nos ficar conosco para sempre, até ao último dia que vivermos nesta terra. Rezemos o Pai-Nosso, começando assim, simplesmente: “Pai” ou “Papá”. E Ele compreende-nos e ama-nos muito.
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral
12.12.2018
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje iniciamos um ciclo de catequeses sobre o “Pai-Nosso”.
Os Evangelhos transmitiram-nos alguns retratos muito vivos de Jesus como homem de oração: Jesus rezava. Não obstante a urgência da missão e a premência de tantas pessoas que o reivindicavam, Jesus sentia a necessidade de se afastar na solidão e de orar. O Evangelho de Marcos narra-nos este pormenor desde a primeira página do ministério público de Jesus (cf. 1, 35). O dia inaugural de Jesus em Cafarnaum concluiu-se de modo triunfal. Ao anoitecer, uma multidão de doentes chegou à porta onde Jesus estava: o Messias prega e cura. Realizam-se as antigas profecias e as expetativas de muitos sofredores: Jesus é o Deus próximo, o Deus que nos liberta. Mas aquela multidão ainda é pequena se for comparada a muitas outras multidões que se reunirão em volta do profeta de Nazaré; em certos momentos trata-se de assembleias oceânicas, e Jesus permanece no centro de tudo, o esperado pelo povo, o êxito da esperança de Israel.
E no entanto ele afastava-se; não permanecia refém das expetativas de quem o elegeu líder. Este é um perigo para os líderes: apegar-se demasiado às pessoas, não manter as distâncias. Jesus dá-se conta disto e não permanece refém do povo. Desde a primeira noite de Cafarnaum demonstra que é um Messias original. Na última parte da madrugada, quando já se anunciava a aurora, os discípulos procuravam-no mas não conseguiam encontrá-lo. Onde está? Até que Pedro finalmente o encontra num lugar isolado, completamente absorto em oração. E diz-lhe: «Todos te procuram!» (Mc 1, 37). A exclamação parece ser a cláusula ligada a um sucesso plebiscitário, a prova do bom êxito de uma missão.
Mas Jesus diz aos seus discípulos que deve ir para outro lugar; que não é o povo que o procura mas, antes de tudo, é Ele que procura os outros. Por isso não pode ganhar raízes, mas permanece continuamente peregrino pelas estradas da Galileia (vv. 38-39). E peregrino também rumo ao Pai, isto é: rezando. A caminho em oração. Jesus reza. E tudo acontece numa noite de oração.
Nalgumas páginas da Escritura parece que principalmente é a oração de Jesus, a sua intimidade com o Pai, que governa tudo. Por exemplo, será assim sobretudo na noite do Getsemani. O último trecho do caminho de Jesus (absolutamente o mais difícil entre os que tinha percorrido) parece encontrar o seu sentido na escuta contínua que Jesus oferece ao Pai. Uma oração certamente não fácil, aliás, uma verdadeira “agonia”, no sentido agonístico dos atletas, e no entanto uma prece capaz de apoiar o caminho da cruz.
Eis o ponto essencial: ali Jesus rezava.
Jesus orava com intensidade nos momentos públicos, partilhando a liturgia do seu povo, mas procurava também lugares afastados, separados do turbilhão do mundo, lugares que permitissem entrar no segredo da sua alma: é o profeta que conhece as pedras do deserto e sobe aos cimos dos montes. As últimas palavras de Jesus, antes de expirar na cruz, foram palavras dos salmos, isto é da oração, da prece dos judeus: rezava com as orações que a mãe lhe ensinara.
Jesus orava como todos os homens do mundo. E no entanto, no seu modo de rezar, havia também um mistério, algo que certamente não escapava aos olhos dos seus discípulos, se nos Evangelhos encontramos aquela súplica tão simples e imediata: “Senhor, ensina-nos a rezar” (Lc 11, 1). Eles viam Jesus rezar e tinham vontade de aprender a orar: “Senhor, ensina-nos a rezar”. E Jesus não se recusou, não era ciumento da sua intimidade com o Pai, pois veio precisamente para nos introduzir nesta relação com o Pai. E assim torna-se mestre de oração dos seus discípulos, como certamente quer sê-lo para todos nós. Também nós devemos dizer: “Senhor, ensina-me a rezar. Ensina-me”.
Mesmo se rezamos há muitos anos, devemos aprender sempre! A oração do homem, este anseio que nasce de maneira tão natural da nossa alma, talvez seja um dos mistérios mais impenetráveis do universo. E não sabemos sequer se as preces que dirigimos a Deus são efetivamente aquelas que Ele quer que lhe dirijamos. A Bíblia dá-nos inclusive testemunho de orações inoportunas, que no fim são recusadas por Deus: é suficiente recordar a parábola do fariseu e do publicano. Somente este último, o publicano, volta justificado do templo para casa, porque o fariseu era orgulhoso e gostava que as pessoas o vissem rezar e fingia que orava: o coração era frio. E Jesus disse: este não é justificado «porque quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado» (Lc18, 14). O primeiro passo para rezar é ser humilde, ir ter com o Pai e dizer: “Olha para mim, sou pecador, débil, malvado”, cada um sabe o que dizer. Mas começa-se sempre com a humildade, e o Senhor ouve. A prece humilde é ouvida pelo Senhor.
Portanto, ao iniciar este ciclo de catequeses sobre a oração de Jesus, o melhor e mais correto que todos deveríamos fazer seria repetir a invocação dos discípulos: “Mestre, ensina-nos a rezar!”. Será bom, neste tempo de Advento, repetir: “Senhor, ensina-me a rezar”. Todos podemos ir além e rezar melhor; mas pedindo-o ao Senhor: “Senhor, ensina-me a rezar”. Façamos isto neste tempo de Advento e Ele certamente não deixará cair no vazio a nossa invocação.
Papa Francisco
Catequese da Audiência Geral 5.12.2018
Bom dia, queridos irmãos e irmãs!
Na catequese de hoje, que conclui o percurso sobre os Dez Mandamentos, podemos utilizar como tema-chave o dos desejos, que nos permite percorrer de novo o caminho trilhado e resumir as etapas alcançadas, lendo o texto do Decálogo, sempre à luz da plena revelação em Cristo.
Começamos pela gratidão, como base da relação de confiança e de obediência: como vimos, Deus, nada pede antes de ter dado muito mais. Ele convida-nos à obediência para nos resgatar do engano das idolatrias que têm um grande poder sobre nós. Com efeito, procurar a própria realização nos ídolos deste mundo esvazia-nos e escraviza-nos, enquanto o que confere estatura e consistência é a relação com Aquele que, em Cristo, nos torna filhos a partir da sua paternidade (cf. Ef 3, 14-16).
Isto implica um processo de bênção e de libertação, as quais são o descanso verdadeiro, autêntico. Como reza o Salmo: «Só em Deus repousa a minha alma, só dele me vem a salvação» (Sl 62 [61], 2).
Esta vida livre torna-se aceitação da nossa história pessoal e reconcilia-nos com aquilo que vivemos desde a infância até ao presente, tornando-nos adultos e capazes de atribuir a devida importância às realidades e às pessoas da nossa vida. Por este caminho entramos em relação com o próximo que, a partir do amor que Deus mostra em Jesus Cristo, é uma chamada à beleza da fidelidade, da generosidade e da autenticidade.
Mas para viver assim — ou seja, na beleza da fidelidade, da generosidade e da autenticidade — precisamos de um coração novo, habitado pelo Espírito Santo (cf. Ez 11, 19; 36, 26). Pergunto-me: como acontece este “transplante” de coração, do coração velho para o coração novo? Através da dádiva de desejos novos (cf. Rm 8, 6), que são semeados em nós pela graça de Deus, de maneira especial mediante os Dez Mandamentos, levados a cumprimento por Jesus, como Ele ensina no “sermão da montanha” (cf. Mt 5, 17-48). Com efeito, na contemplação da vida descrita pelo Decálogo, isto é, uma existência grata, livre, autêntica, abençoada, adulta, protetora e amante da vida, fiel, generosa e sincera, nós, quase sem nos darmos conta, voltamos a encontrar-nos diante de Cristo. O Decálogo é a sua “radiografia”, descreve-o como um negativo fotográfico que deixa transparecer a sua face, como no santo Sudário. E assim o Espírito Santo fecunda o nosso coração, inserindo nele os desejos que são seu dom, os desejos do Espírito. Desejar segundo o Espírito, desejar ao ritmo do Espírito, desejar com a música do Espírito.
Olhando para Cristo, vemos a beleza, o bem e a verdade. E o Espírito gera uma vida que, atendendo a estes seus desejos, desencadeia em nós a esperança, a fé e o amor.
Deste modo descobrimos melhor o que significa que o Senhor Jesus não veio para abolir a lei, mas para lhe dar cumprimento, para a fazer crescer, e enquanto a lei segundo a carne era uma série de prescrições e proibições, segundo o Espírito esta mesma lei torna-se vida (cf. Jo 6, 63; Ef 2, 15), porque já não é uma norma, mas a carne do próprio Cristo, que nos ama, procura, perdoa, consola e, no seu Corpo, volta a compor a comunhão com o Pai, perdida por causa da desobediência do pecado. E assim a negatividade literária, a negatividade na expressão dos mandamentos — “não roubarás”, “não insultarás”, “não matarás” — aquele “não” transforma-se numa atitude positiva: amar, abrir espaço para os outros no meu coração, todos desejos que semeiam positividade. E esta é a plenitude da lei que Jesus veio trazer-nos.
Em Cristo, e unicamente n’Ele, o Decálogo deixa de ser condenação (cf. Rm 8, 1), tornando-se a verdade autêntica da vida humana, ou seja, desejo de amor — aqui nasce um desejo de bem, de praticar o bem — desejo de alegria, desejo de paz, de magnanimidade, de benevolência, de bondade, de fidelidade, de mansidão e de temperança. Daqueles “nãos” passa-se para este “sim”: a atitude positiva de um coração que se abre com a força do Espírito Santo.
Eis para que serve procurar Cristo no Decálogo: para fecundar o nosso coração, a fim de que esteja repleto de amor e se abra à ação de Deus. Quando o homem atende ao desejo de viver segundo Cristo, então abre a porta à salvação, a qual não pode deixar de vir, porque Deus Pai é generoso e, como afirma o Catecismo, «tem sede de que nós tenhamos sede d’Ele» (n. 2560).
Se são os maus desejos que arruínam o homem (cf. Mt 15, 18-20), o Espírito insere no nosso coração os seus santos desejos, que constituem o germe da vida nova (cf. 1 Jo 3, 9). Efetivamente, a vida nova não é um esforço titânico para ser coerente com uma norma, mas a vida nova é o Espírito do próprio Deus, que começa a orientar-nos para os seus frutos, numa feliz sinergia entre a nossa alegria de sermos amados e a sua alegria de nos amar. Encontram-se as duas alegrias: a alegria de Deus de nos amar e a nossa alegria de sermos amados.
Eis no que consiste o Decálogo para nós, cristãos: contemplar Cristo a fim de nos abrirmos para receber o seu coração, para receber os seus desejos, para receber o seu Espírito Santo.
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral 28.12.2018
A Palavra de Deus apresenta-nos hoje uma alternativa. Na primeira leitura (Gênesis 3, 9-15. 20; Salmo 97, 1. 2-3ab. 3cd-4) é o ser humano que nas origens diz não a Deus. No Evangelho (Lucas 1, 26-38) está Maria que, na anunciação diz sim a Deus. Em ambas as leituras, é Deus que procura o ser humano. Mas no primeiro caso vai ao encontro de Adão, após o pecado, e pergunta-lhe: «Onde estás?»; e ele responde: «Escondi-me». No segundo caso, ao contrário, vai até Maria, sem pecado, que responde: «Eis a serva do Senhor». «Aqui estou» é o contrário de «escondi-me». O «aqui estou» abre a Deus, enquanto que o pecado fecha, isola, faz ficar a sós consigo próprio.
«Aqui estou» é a expressão-chave da vida. Marca a passagem de uma vida horizontal, centrada em si e nas próprias necessidades, para uma vida vertical, impelida para Deus. «Aqui estou» é estar disponível para o Senhor, é a cura para o egoísmo, o antídoto para uma vida insatisfeita, a que falta sempre alguma coisa. «Aqui estou» é o remédio contra o envelhecimento do pecado, é a terapia para permanecer jovem interiormente. «Aqui estou» é acreditar que Deus conta mais do que o meu eu. É escolher apostar no Senhor, dóceis às suas surpresas. Por isso, dizer-lhe «aqui estou» é o maior louvor que podemos oferecer-lhe.
Por que não começar assim o dia? Seria belo dizer a cada manhã: «Aqui estou, Senhor, cumpra-se hoje em mim a tua vontade». Vamos dizê-lo na oração do “Angelus”, mas podemos repeti-lo já, juntos: Aqui estou, Senhor, cumpra-se hoje em mim a tua vontade!
Maria acrescenta: «Aconteça em mim segundo a tua palavra». Não diz: «aconteça segundo eu», mas «segundo Tu». Não põe limites a Deus. Não pensa: «Dedico-me um pouco a Ele, despacho-me e depois faço aquilo que quero». Não, Maria não ama o Senhor aos soluços. Vive confiando-se a Deus em tudo e por tudo. Eis o segredo da vida. Pode tudo quem confia em Deus em tudo.
O Senhor, todavia, queridos irmãos e irmãs, sofre quando lhe respondemos como Adão: «Tive medo e escondi-me». Deus é Pai, o mais terno dos pais, e deseja a confiança dos filhos. Quantas vezes suspeitamos dele, suspeitamos de Deus, pensamos que pode enviar-nos alguma provação, privar-nos da liberdade, abandonar-nos. Mas este é um grande engano, é a tentação das origens, a tentação do diabo: insinuar a desconfiança em Deus. Maria vence esta primeira tentação com o seu «aqui estou». E hoje olhamos para a beleza de Nossa Senhora, nascida e vivida sem pecado, sempre dócil e transparente a Deus.
Isto não quer dizer que para ela a vida tenha sido fácil. Não, não! Estar com Deus não resolve magicamente os problemas. Recorda-o a conclusão do Evangelho de hoje: «O anjo afastou-se dela». Afastou-se: é um verbo forte. O anjo deixa a Virgem sozinha numa situação difícil. Ela conhecia de que maneira particular se tornaria Mãe de Deus, o anjo tinha-o dito, mas o anjo não o tinha explicado aos outros. E os problemas começaram desde logo: pensemos na situação irregular segundo a lei, no tormento de S. José, nos planos de vida acabados, no que as pessoas iriam dizer…
Mas Maria põe a confiança em Deus perante os problemas. Foi deixada pelo anjo, mas acredita que com ela, nela, permaneceu Deus. E confia. Confia em Deus. Está certa de que com o Senhor, ainda que de maneira inesperada, tudo correrá bem. Eis a atitude sábia: não viver dependendo dos problemas – terminado um, outro surgirá! –, mas fiando-se em Deus e confiando-se cada dia a Ele: «Aqui estou». «Aqui estou» é a frase, a oração. Peçamos à Imaculada a graça de viver assim.
Papa Francisco
Meditação antes da oração do "Angelus", Vaticano, 8.12.2018
Catequese sobre os Mandamentos - 14
Bom dia, prezados irmãos e irmãs!
Os nossos encontros sobre o Decálogo levam-nos hoje ao último mandamento. Ouvimo-lo na introdução. Estas não são as últimas palavras do texto, mas muito mais: são o cumprimento da viagem através do Decálogo, tocando o coração de tudo aquilo que nele nos é transmitido. Com efeito, vendo bem, não acrescentam um conteúdo novo: as indicações «não cobiçarás a mulher [...], nem coisa alguma que pertença ao teu próximo» estão pelo menos latentes nos mandamentos sobre o adultério e sobre o furto; então, qual é a função destas palavras? É um resumo? É algo mais?
Recordemos que todos os mandamentos têm a tarefa de indicar o confim da vida, o limite para além do qual o homem se destrói a si mesmo e ao próximo, danificando a sua relação com Deus. Se fores mais além, destruir-te-ás a ti mesmo, destruirás também a relação com Deus e o relacionamento com os outros. Os mandamentos indicam isto. Através desta última palavra põe-se em evidência o facto de que todas as transgressões nascem de uma comum raiz interior: os desejos maléficos. Todos os pecados nascem de um desejo maligno. Todos! É ali que o coração começa a mover-se; assim a pessoa entra naquela onda e acaba numa transgressão. Mas não numa transgressão formal, legal: numa transgressão que fere a si mesmo e ao próximo.
No Evangelho, o Senhor Jesus diz explicitamente: «É do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem» (Mc 7, 21-23).
Portanto, compreendemos que todo o percurso feito pelo Decálogo não teria utilidade alguma, se não chegasse a alcançar este nível, o coração do homem. De onde nascem todas estas perversidades? O Decálogo mostra-se lúcido e profundo a tal propósito: o seu ponto de chegada — o último mandamento — é o coração; e se ele, se o coração não for libertado, o resto de nada serve. Eis o desafio: libertar o coração de todas estas perversidades. Os preceitos de Deus podem reduzir-se unicamente à bonita fachada de uma vida que, contudo, permanece uma existência de escravos, não de filhos. Frequentemente, por detrás da máscara farisaica da retidão asfixiante esconde-se algo de perverso e não resolvido.
Pelo contrário, devemos deixar-nos desmascarar por estes mandamentos sobre a cobiça, porque nos mostram a nossa pobreza, para nos levar a uma santa humilhação. Cada um de nós pode interrogar-se: mas quais desejos malvados tenho com frequência? A inveja, a cobiça, as tagarelices? Todos estes vícios que procedem de dentro. Cada um pode questionar-se, e isto far-lhe-á bem. O homem precisa desta bendita humilhação, aquela pela qual descobre que não se pode libertar sozinho, aquela pela qual clama a Deus para ser salvo. São Paulo explica-o de modo insuperável, referindo-se exatamente ao mandamento não cobiçarás (cf. Rm 7, 7-24).
É inútil pensarmos que nos podemos corrigir a nós mesmos, sem o dom do Espírito Santo. É inútil pensarmos em purificar o nosso coração unicamente com o esforço titânico da nossa vontade: isto não é possível. É necessário abrir-se à relação com Deus, na verdade e na liberdade: só assim as nossas fadigas podem dar fruto, porque é o Espírito Santo que nos leva em frente.
A tarefa da Lei bíblica não consiste em iludir o homem que uma obediência literal o leva a uma salvação artificial e, de resto, inatingível. A tarefa da Lei consiste em conduzir o homem à sua verdade, ou seja, à sua pobreza, que se torna abertura autêntica, abertura pessoal à misericórdia de Deus, que nos transforma e nos renova. Deus é o único capaz de renovar o nosso coração, contanto que lhe abramos o coração: eis a única condição; Ele faz tudo, mas devemos abrir-lhe o coração.
As últimas palavras do Decálogo educam todos a reconhecer-se mendigos; ajudam a colocar-nos diante da desordem do nosso coração, para deixarmos de viver de modo egoísta e para nos tornarmos pobres de espírito, autênticos na presença do Pai, deixando-nos redimir pelo Filho e instruir pelo Espírito Santo. O Espírito Santo é o Mestre que nos guia: deixemo-nos ajudar. Sejamos mendigos, peçamos esta graça!
«Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus!» (Mt 5, 3). Sim, felizes aqueles que deixam de se iludir, julgando que se podem salvar da própria debilidade sem a misericórdia de Deus, a única que pode curar. Somente a misericórdia de Deus cura o coração. Ditosos aqueles que reconhecem os seus desejos malvados e, com um coração arrependido e humilhado, não se apresentam a Deus e aos outros homens como pessoas justas, mas como pecadores. É bonito o que Pedro disse ao Senhor: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador”. Como é bonito este pedido: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador”.
Estas pessoas sabem ter compaixão, misericórdia pelos outros, porque a experimentam em si mesmos.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral de 21.11.2018
Catequese sobre os Mandamentos - 13
Bom dia, queridos irmãos e irmãs!
Na catequese de hoje abordaremos a oitava Palavra do Decálogo: «Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo».
Este mandamento — reza o Catecismo — «proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem» (n. 2.464). Viver de comunicações não autênticas é grave, porque impede os relacionamentos e, por conseguinte, também o amor. Onde há mentira não há amor, não pode haver amor. E quando falamos de comunicação entre as pessoas, entendemos não apenas as palavras, mas inclusive os gestos, as atitudes, até os silêncios e as ausências. Uma pessoa fala com tudo aquilo que é e que faz. Todos nós estamos em comunicação, sempre. Todos nós vivemos comunicando e estamos continuamente em equilíbrio entre a verdade e a mentira.
Mas o que significa dizer a verdade? Significa ser sincero? Ou exato? Na realidade, isto não é suficiente, porque podemos estar sinceramente em erro, ou podemos ser exatos no detalhe, mas não entender o sentido do conjunto. Às vezes justificamo-nos dizendo: “Mas eu disse o que sentia!”. Sim, mas absolutizaste o teu ponto de vista. Ou então: “Eu simplesmente disse a verdade!”. Talvez, mas revelaste dados pessoais ou reservados. Quantas bisbilhotices destroem a comunhão por inoportunidade ou falta de delicadeza! Aliás, os mexericos matam, e quem o disse foi o Apóstolo Tiago na sua Carta. Os tagarelas, as tagarelas são pessoas que matam: matam o próximo, porque a língua mata como uma facada. Estai atentos! Um bisbilhoteiro ou uma bisbilhoteira é um terrorista, pois com a sua língua lança a bomba e vai embora tranquilo, mas aquilo que diz aquela bomba lançada destrói a reputação de outrem. Não vos esqueçais: mexericar significa matar.
Mas então: o que é a verdade? Eis a pergunta formulada por Pilatos, precisamente quando Jesus, diante dele, realizava o oitavo mandamento (cf. Jo 18, 38). Com efeito, as palavras «Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo» pertencem à linguagem forense. Os Evangelhos culminam na narração da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus; e esta é a narração de um processo, da execução da sentença e de uma consequência inaudita.
Interrogado por Pilatos, Jesus diz: «Foi para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo: para dar testemunho da verdade» (Jo 18, 37). E Jesus dá este «testemunho» mediante a sua Paixão e Morte. O Evangelista Marcos narra que «o centurião que estava diante de Jesus, ao ver que Ele tinha expirado assim, disse: “Este homem era realmente o Filho de Deus!”» (15, 39). Sim, porque era coerente, foi coerente: com esse seu modo de morrer, Jesus manifesta o Pai, o seu amor misericordioso e fiel.
A verdade encontra a sua plena realização na própria pessoa de Jesus (cf. Jo 14, 6), no seu modo de viver e de morrer, fruto da sua relação com o Pai. Ele, Ressuscitado, oferece também a nós esta existência de filhos de Deus, enviando o Espírito Santo, que é Espírito de verdade, o qual confirma ao nosso coração que Deus é nosso Pai (cf. Rm 8, 16).
Em cada um dos seus gestos, o homem, as pessoas afirmam ou negam esta verdade. Desde as pequenas situações diárias até às escolhas mais exigentes. Mas é a mesma lógica, sempre: aquele que os pais e os avós nos ensinam, quando nos dizem para não mentir.
Questionemo-nos: quais obras, palavras e escolhas de nós cristãos comprovam a verdade? Cada um pode perguntar-se: sou uma testemunha da verdade, ou sou mais ou menos um mentiroso disfarçado de verdadeiro? Cada qual se interrogue. Nós cristãos não somos homens e mulheres extraordinários. No entanto, somos filhos do Pai celestial, que é bom e não nos desilude, instilando no nosso coração o amor pelos irmãos. Esta verdade não se diz tanto com discursos, é um modo de existir, uma maneira de viver, que se vê em cada gesto (cf. Tg 2, 18). Este homem é verdadeiro, aquela mulher é verdadeira: vê-se! Mas como, se não abre a boca? Contudo, comporta-se como verdadeiro, como verdadeira. Diz a verdade, age de modo verdadeiro. Um bom modo de vivermos!
A verdade é a maravilhosa revelação de Deus, da sua Face de Pai, é o seu amor ilimitado. Esta verdade corresponde à razão humana mas supera-a infinitamente, porque constitui um dom que desceu sobre a terra e se encarnou em Cristo Crucificado e Ressuscitado; ela é revelada por quem lhe pertence e tem as suas mesmas atitudes.
Não levantarás falso testemunho significa viver como filho de Deus, que nunca, nunca se desmente, jamais diz mentiras; viver como filhos de Deus, deixando sobressair em cada gesto esta grande verdade: que Deus é Pai e que podemos confiar n’Ele. Eu confio em Deus: esta é a grande verdade. Da nossa confiança em Deus, que é Pai e me ama, nos ama, nasce a minha verdade, o ser verdadeiro e não mentiroso.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 14.11.2018
imagem: site do Vaticano
Catequese sobre os Mandamentos - 12
Bom dia, prezados irmãos e irmãs!
Continuando a explicação do Decálogo, hoje chegamos à sétima Palavra: «Não roubarás».
Ouvindo este mandamento, pensamos no tema do roubo e no respeito pela propriedade alheia. Não existe cultura na qual o furto e a prevaricação dos bens sejam lícitos; com efeito, a sensibilidade humana é muito suscetível relativamente à defesa da posse.
Mas vale a pena abrir-se a uma leitura mais ampla desta Palavra, focalizando o tema da propriedade dos bens à luz da sabedoria cristã.
Na doutrina social da Igreja fala-se de destino universal dos bens. Que significa? Ouçamos o que diz o Catecismo: «No princípio, Deus confiou a terra e os seus recursos à gestão comum da humanidade, para que dela cuidasse, a dominasse pelo seu trabalho e gozasse dos seus frutos. Os bens da criação são destinados a todo o gênero humano» (n. 2.402). E ainda: «O destino universal dos bens continua a ser primordial, embora a promoção do bem comum exija o respeito pela propriedade privada, pelo direito a ela e pelo respetivo exercício» (n. 2.403).(1)
No entanto, a Providência não dispôs um mundo “em série”; existem diferenças, variadas condições, diferentes culturas, de modo que se pode viver provendo uns aos outros. O mundo é rico de recursos para assegurar os bens primários a todos. E contudo, muitos vivem numa indigência escandalosa e os recursos, usados sem critério, vão-se deteriorando. Mas o mundo é um só! (2) A humanidade é única! Hoje, a riqueza do mundo está nas mãos da minoria, de poucos, e a pobreza, aliás, a miséria e o sofrimento atingem tantos, a maioria.
Se há fome na terra, não é porque falta alimento! Ao contrário, devido às exigências do mercado, às vezes chega-se a destruí-lo, a deitá-lo fora. O que falta é um empresariado livre e clarividente, que garanta uma produção adequada, e uma abordagem solidária, que garanta uma distribuição equitativa. O Catecismo diz ainda: «Quem usa esses bens, não deve considerar as coisas exteriores, que legitimamente possui, só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar, não só a si mesmo, mas também aos outros» (n. 2.404). Para ser boa, toda a riqueza deve ter uma dimensão social.
É nesta perspectiva que se revela o significado positivo e amplo do mandamento «não roubarás». «A propriedade de um bem faz do seu detentor um administrador da Providência» (ibid.). Ninguém é senhor absoluto dos bens: é um administrador dos bens. A posse é uma responsabilidade: “Mas eu sou rico de tudo...” — esta é uma responsabilidade que tens. E cada bem subtraído à lógica da Providência de Deus é atraiçoado, é traído no seu sentido mais profundo. O que realmente possuo é aquilo que sei doar. Esta é a medida para avaliar como consigo gerir as riquezas, se bem ou mal; esta palavra é importante: o que realmente possuo é aquilo que sei doar. Se eu souber doar, se for aberto, então sou rico não apenas daquilo que possuo, mas também em generosidade, generosidade inclusive como dever de distribuir a riqueza, a fim de que todos beneficiem dela. Com efeito, se não consigo doar algo é porque o bem que possuo tem poder sobre mim e sou escravo dele. A posse dos bens constitui uma ocasião para os multiplicar com criatividade e utilizá-los com generosidade, e assim crescer em caridade e liberdade.
Mesmo sendo Deus, o próprio Cristo «não considerou como uma usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo» (Fl 2, 6-7), enriquecendo-nos com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9).
Enquanto a humanidade fadiga para ter mais, Deus redime-a tornando-se pobre: aquele Homem Crucificado pagou por todos um resgate inestimável da parte de Deus Pai, «rico em misericórdia» (Ef 2, 4; cf. Tg 5, 11). O que nos torna ricos não são os bens, mas o amor. Ouvimos muitas vezes aquilo que o povo de Deus diz: “O diabo entra pelos bolsos”. Começa-se pelo amor ao dinheiro, pela fome de possuir; depois, vem a vaidade: “Ah, eu sou rico e tenho orgulho disto”; e, no final, o orgulho e a soberba. É assim que o diabo age em nós. Mas a porta de entrada são os bolsos!
Estimados irmãos e irmãs, Jesus Cristo revela-nos mais uma vez o pleno sentido das Escrituras. «Não roubarás» quer dizer: ama com os teus bens, tira proveito dos teus meios para amar como podes. Então, a tua vida torna-se boa e a posse torna-se verdadeiramente uma dádiva. Pois a vida não é o tempo para possuir, mas para amar. Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 7.11.2018
imagem: pexels.com
1 Cf. Enc. Laudato si’, 67: «Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Em última análise, “ao Senhor pertence a terra” (Sl 24 [23], 1), a Ele pertence “a terra e tudo o que nela existe” (Dt 10, 14). Por isso, Deus proíbe-nos toda a pretensão de posse absoluta: “Nenhuma terra será vendida definitivamente, porque a terra me pertence, e vós sois apenas estrangeiros e meus hóspedes” (Lv 25, 23)».
2 Cf. São Paulo VI, Enc. Populorum progressio, 17: «Mas cada homem é membro da sociedade: pertence à humanidade inteira. Não é apenas tal ou tal homem; são todos os homens, que são chamados a este pleno desenvolvimento [...] Herdeiros das gerações passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós para aumentar o círculo da família humana. A solidariedade universal é para nós não só um facto e um benefício, mas também um dever».
Catequese sobre os Mandamentos - 11/B
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje gostaria de completar a catequese sobre a Sexta Palavra do Decálogo — “Não cometerás adultério” — evidenciando que o amor fiel de Cristo é a luz para viver a beleza da afetividade humana. Com efeito, a nossa dimensão afetiva é uma chamada ao amor, que se manifesta na fidelidade, no acolhimento e na misericórdia. Isto é muito importante. Como se manifesta o amor? Na fidelidade, no acolhimento e na misericórdia.
Contudo, não se deve esquecer que este mandamento se refere explicitamente à fidelidade matrimonial, e portanto é bom refletir mais a fundo acerca do significado esponsal. Este trecho da Escritura, este excerto da Carta de São Paulo, é revolucionário! Refletir, com a antropologia daquele tempo, e dizer que o marido tem que amar a esposa como Cristo ama a Igreja: mas é uma revolução! Talvez, naquela época, seja o aspeto mais revolucionário que foi dito acerca do matrimônio. Sempre pelo caminho do amor. Podemos questionar-nos: a quem se destina este mandamento de fidelidade? Só aos esposos? Na realidade, este mandamento é para todos, é uma Palavra paterna de Deus dirigida a cada homem e mulher.
Recordemo-nos que o caminho da maturação humana é o próprio percurso do amor que vai do receber cuidados à capacidade de oferecer cuidados, do receber a vida à capacidade de dar a vida. Tornar-se homens e mulheres adultos significa chegar a viver a capacidade esponsal e parental, que se manifesta nas várias situações da vida como a capacidade de assumir sobre si o peso de outra pessoa e amá-la sem ambiguidades. Trata-se, por conseguinte, de uma atitude global da pessoa que sabe assumir a realidade e sabe entrar numa relação profunda com os demais.
Por conseguinte, quem é o adúltero, o luxurioso, o infiel? É uma pessoa imatura, que conserva para si a própria vida e interpreta as situações com base no seu bem-estar e satisfação. Portanto, para se casar, não é suficiente celebrar o matrimônio! É necessário percorrer um caminho do eu para o nós, do pensar sozinho para o pensar a dois, do viver sozinho para o viver a dois: é um bonito percurso, é um bonito percurso. Quando conseguimos descentralizar-nos, então cada ação é esponsal: trabalhamos, falamos, decidimos, encontramos os outros com a atitude acolhedora e oblativa.
Cada vocação cristã, neste sentido — agora podemos alargar um pouco a perspectiva e dizer que qualquer vocação cristã, neste sentido, é esponsal. É o caso do sacerdócio, porque é uma chamada, em Cristo e na Igreja, a servir a comunidade com todo o afeto, o cuidado concreto e a sabedoria que o Senhor concede. A Igreja não precisa de candidatos para desempenhar o papel de sacerdotes — não, não servem, é melhor que fiquem em casa — mas servem homens aos quais o Espírito Santo toca o coração com um amor sem reservas pela Esposa de Cristo. No sacerdócio ama-se o povo de Deus com toda a paternidade, a ternura e a força de um esposo e de um pai. Assim também a virgindade consagrada em Cristo deve ser vivida com fidelidade e alegria como relação esponsal e fecunda de maternidade e paternidade.
Repito: cada vocação cristã é esponsal, pois é fruto do vínculo de amor no qual todos somos regenerados, o vínculo de amor com Cristo, como nos recordou o trecho de Paulo lido no início. A partir da sua fidelidade, da sua ternura, da sua generosidade olhemos com fé para o matrimônio e para cada vocação, e compreendamos o sentido pleno da sexualidade.
A criatura humana, na sua inseparável unidade de espírito e corpo, e na sua polaridade masculina e feminina, é uma realidade muito boa, destinada a amar e a ser amada. O corpo humano não é um instrumento de prazer, mas o lugar da nossa chamada ao amor, e no amor autêntico não há espaço para a luxúria nem para a sua superficialidade. Os homens e as mulheres merecem mais do que isto!
Portanto, a Palavra «Não cometerás adultério», mesmo se em forma negativa, orienta-nos para a nossa chamada originária, ou seja, para o amor esponsal total e fiel, que Jesus Cristo nos revelou e doou (cf. Rm 12, 1).
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 31.10.2018
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