Continuamos com as catequeses sobre a Santa Missa. Para compreender a beleza da celebração eucarística desejo iniciar com um aspeto muito simples: a Missa é oração, aliás, é a oração por excelência, a mais elevada, a mais sublime, e ao mesmo tempo a mais “concreta”. Com efeito é o encontro de amor com Deus mediante a sua Palavra e o Corpo e Sangue de Jesus. É um encontro com o Senhor.
Mas primeiro temos que responder a uma pergunta. O que é realmente a oração? Antes de tudo, ela é diálogo, relação pessoal com Deus. E o homem foi criado como ser em relação pessoal com Deus que tem a sua plena realização unicamente no encontro com o seu Criador. O caminho da vida é rumo ao encontro definitivo com o Senhor.
O Livro do Gênesis afirma que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, o qual é Pai e Filho e Espírito Santo, uma relação perfeita de amor que é unidade. Disto podemos compreender que todos nós fomos criados para entrar numa relação perfeita de amor, num contínuo doar-nos e receber-nos para assim podermos encontrar a plenitude do nosso ser.
Quando Moisés, diante da sarça ardente, recebeu a chamada de Deus, perguntou-lhe qual era o seu nome. E o que respondeu Deus? «Eu sou Aquele que sou» (Êx 3, 14). Esta expressão, no seu sentido originário, manifesta presença e favor, e com efeito imediatamente a seguir Deus acrescenta: «O Senhor, o Deus dos vossos pais, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacob» (v. 15). Assim também Cristo, quando chama os seus discípulos, os chama para que estejam com Ele. Eis, por conseguinte, a maior graça: poder experimentar que a Missa, a Eucaristia é o momento privilegiado para estar com Jesus e, através d’Ele, com Deus e com os irmãos.
Rezar, como qualquer diálogo verdadeiro, significa saber também ficar em silêncio — nos diálogos há momentos de silêncio — em silêncio juntamente com Jesus. E quando vamos à Missa, talvez cheguemos cinco minutos antes e comecemos a falar com quem está ao nosso lado. Mas não é o momento para falar: é o momento do silêncio a fim de nos prepararmos para o diálogo. É o momento de se recolher no coração a fim de se preparar para o encontro com Jesus. O silêncio é tão importante! Recordai-vos do que disse na semana passada: não vamos a um espetáculo, vamos ao encontro com o Senhor e o silêncio prepara-nos e acompanha-nos. Permanecer em silêncio juntamente com Jesus. E do misterioso silêncio de Deus brota a sua Palavra que ressoa no nosso coração. O próprio Jesus nos ensina como é possível “estar” realmente com o Pai e no-lo demonstra com a sua oração. Os Evangelhos mostram-nos Jesus que se retira em lugares afastados para rezar; os discípulos, ao ver esta sua relação íntima com o Pai, sentem o desejo de poder participar nela, e pedem-lhe: «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1). Assim ouvimos há pouco, na primeira Leitura, no início da audiência. Jesus responde que a primeira coisa necessária para rezar é saber dizer “Pai”. Estejamos atentos: se eu não for capaz de dizer “Pai” a Deus, não sou capaz de rezar. Temos que aprender a dizer “Pai”, ou seja, de nos pormos na sua presença com confiança filial. Mas a fim de poder aprender, é preciso reconhecer humildemente que precisamos de ser instruídos, e dizer com simplicidade: Senhor, ensina-me a rezar.
Este é o primeiro ponto: ser humildes, reconhecer-se filhos, repousar no Pai, confiar n’Ele. Para entrar no Reino dos céus é necessário fazer-se pequeninos como as crianças. No sentido de que as crianças sabem confiar, sabem que alguém se preocupará com elas, com o que hão de comer, com o que vestirão e assim por diante (cf. Mt 6, 25-32). Esta é a primeira atitude: confiança e confidência, como a criança com os pais; saber que Deus se recorda de ti, cuida de ti, de ti, de mim, de todos.
A segunda predisposição, também ela própria das crianças, é deixar-se surpreender. A criança faz sempre muitas perguntas porque deseja descobrir o mundo; e admira-se até com coisas pequenas porque para ela tudo é novo. Para entrar no Reino dos céus é preciso deixar-se surpreender. Na nossa relação com o Senhor, na oração — eu pergunto — deixamo-nos surpreender ou pensamos que a oração é falar a Deus como fazem os papagaios? Não, é confiar e abrir o coração para se deixar surpreender. Deixamo-nos maravilhar por Deus que é sempre o Deus das surpresas? Porque o encontro com o Senhor é sempre um encontro vivo, não é um encontro de museu. É um encontro vivo e nós vamos à Missa e não a um museu. Vamos a um encontro vivo com o Senhor.
No Evangelho fala-se de um certo Nicodemos (cf. Jo 3, 1-21), um idoso, uma autoridade em Israel, que vai procurar Jesus para o conhecer; e o Senhor fala-lhe da necessidade de “renascer do alto” (cf. v. 3). Mas que significa isto? Pode-se “renascer”? Voltar a ter o gosto, a alegria, a maravilha da vida, é possível, mesmo face a tantas tragédias? Esta é uma pergunta fundamental da nossa fé e este é o desejo de qualquer crente verdadeiro: o desejo de renascer, a alegria de recomeçar. Nós temos este desejo? Cada um de nós tem vontade de renascer sempre para se encontrar com o Senhor? Tendes este desejo? Com efeito, pode-se perdê-lo facilmente porque, por causa de tantas atividades, de tantos projetos a concretizar, no final temos pouco tempo e perdemos de vista o que é fundamental: a nossa vida do coração, a nossa vida espiritual, a nossa vida que é encontro com o Senhor na oração.
Na verdade, o Senhor surpreende-nos ao mostrar-nos que Ele nos ama até com as nossas debilidades: «Jesus Cristo [...] é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo» (1 Jo 2, 2). Este dom, fonte de verdadeira consolação — mas o Senhor perdoa-nos sempre — conforta, é uma verdadeira consolação, é um dom que nos é concedido através da Eucaristia, aquele banquete nupcial no qual o Esposo encontra a nossa fragilidade. Posso dizer que quando recebo a comunhão na Missa, o Senhor encontra a minha fragilidade? Sim! Podemos dizê-lo porque isto é verdade! O Senhor encontra a nossa fragilidade para nos reconduzir à nossa primeira chamada: ser à imagem e semelhança de Deus. É este o ambiente da Eucaristia, é esta a oração.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 15.11.2017
Iniciamos hoje uma nova série de catequeses, que fixará o olhar no “coração” da Igreja, ou seja, na Eucaristia. Para nós cristãos, é fundamental compreender bem o valor e o significado da Santa Missa, a fim de viver cada vez mais plenamente a nossa relação com Deus.
Não podemos esquecer o grande número de cristãos que, no mundo inteiro, em dois mil anos de história, resistiram até à morte para defender a Eucaristia; e quantos, ainda hoje, arriscam a vida para participar na Missa dominical. No ano de 304, durante as perseguições de Diocleciano, um grupo de cristãos, do norte de África, foram surpreendidos a celebrar a Missa numa casa e foram aprisionados. O procônsul romano, no interrogatório, perguntou-lhes por que o fizeram, sabendo que era absolutamente proibido. E eles responderam: «Sem o domingo não podemos viver», que significava: se não podemos celebrar a Eucaristia, não podemos viver, a nossa vida cristã morreria.
Com efeito, Jesus disse aos seus discípulos: «se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia» (Jo 6, 53-54).
Aqueles cristãos do norte de África foram assassinados porque celebravam a Eucaristia. Deixaram o testemunho de que se pode renunciar à vida terrena pela Eucaristia, porque ela nos dá a vida eterna, tornando-nos partícipes da vitória de Cristo sobre a morte. Um testemunho que nos interpela a todos e exige uma resposta acerca do que significa para cada um de nós participar no Sacrifício da Missa e aproximarmo-nos da Mesa do Senhor. Estamos à procura daquela nascente da qual “jorra água viva” para a vida eterna?, que torna a nossa vida um sacrifício espiritual de louvor e de agradecimento e faz de nós um só corpo com Cristo? É este o sentido mais profundo da sagrada Eucaristia, que significa “agradecimento”: agradecimento a Deus Pai, Filho e Espírito Santo que nos abrange e nos transforma na sua comunhão de amor.
Nas próximas catequeses gostaria de responder a algumas perguntas importantes sobre a Eucaristia e a Missa, a fim de redescobrir, ou descobrir, como o amor de Deus resplandece através deste mistério da fé.
O Concílio Vaticano II foi fortemente animado pelo desejo de levar os cristãos a compreender a grandeza da fé e a beleza do encontro com Cristo. Por este motivo era necessário antes de mais realizar, com a ajuda do Espírito Santo, uma adequada renovação da Liturgia, porque a Igreja vive continuamente dela e renova-se graças a ela.
Um tema central que os Padres conciliares frisaram foi a formação litúrgica dos fiéis, indispensável para uma verdadeira renovação. E é precisamente esta também a finalidade deste ciclo de catequeses que hoje iniciamos: crescer no conhecimento do grande dom que Deus nos concedeu na Eucaristia.
A Eucaristia é um acontecimento maravilhoso no qual Jesus Cristo, nossa vida, se faz presente. Participar na Missa «é viver outra vez a paixão e a morte redentora do Senhor. É uma teofania: o Senhor torna-se presente no altar para ser oferecido ao Pai pela salvação do mundo» (Homilia, Santa Marta, 10 de fevereiro de 2014). O Senhor está ali connosco, presente. Muitas vezes nós vamos ali, olhamos para as coisas, falamos entre nós enquanto o sacerdote celebra a Eucaristia... e não celebramos ao lado d’Ele. Mas é o Senhor! Se hoje viesse aqui o Presidente da República ou qualquer pessoa muito importante do mundo, certamente todos estaríamos perto dela, e gostaríamos de a saudar. Mas repara: quando tu vais à missa, o Senhor está lá! E tu distrais-te. É o Senhor! Devemos pensar nisto. “Padre, mas as missas são tediosas" — “Que dizes, o Senhor é tedioso?" — Não, a Missa não, os sacerdotes" — "Ah, que os sacerdotes se convertam, mas é o Senhor quem está ali!”. Está claro? Não o esqueçais. «Participar na Missa é como viver outra vez a paixão e a morte redentora do Senhor».
Procuremos agora fazer-nos algumas perguntas simples. Por exemplo, por que fazemos o sinal da cruz e o ato penitencial no início da Missa? E aqui gostaria de fazer outro parêntese. Vistes como fazem as crianças o sinal da cruz? Não se sabe o que fazem, se é o sinal da cruz ou um desenho. Fazem assim [o Papa fez um gesto desajeitado]. É preciso ensinar bem às crianças a fazer o sinal da cruz. Assim começa a Missa, assim começa a vida, assim começa o dia. Isto significa que somos remidos com a cruz do Senhor. Olhai para as crianças e ensinai-lhes a fazer bem o sinal da cruz. E aquelas Leituras, na Missa, porque se fazem? Por que se lêem ao domingo três Leituras e nos outros dias duas? Por que estão ali, o que significa a Leitura da Missa? Por que se lêem e o que têm a ver? Ou então, por que a um certo ponto o sacerdote que preside à celebração diz: “Corações ao alto?”. Não diz: “Telefones ao alto para fazer fotografias!”. Não, não é agradável! E digo-vos que me causa muita tristeza quando celebro aqui na Praça ou na Basílica e vejo tantos telefones elevados, não só dos fiéis, mas até de alguns sacerdotes e bispos. Por favor! A Missa não é um espetáculo: significa ir encontrar a paixão e a ressurreição do Senhor. Por isso o sacerdote diz: “Corações ao alto”. Que significa isto? Recordai-vos: não levanteis os telefones.
É muito importante voltar aos fundamentos, redescobrir aquilo que é essencial, através do que se toca e se vê na celebração dos Sacramentos. O pedido do apóstolo São Tomé (cf. Jo 20, 25), para poder ver e tocar as chagas dos pregos no corpo de Jesus, é o desejo de poder de alguma forma “tocar” Deus para acreditar nele. O que São Tomé pede ao Senhor é aquilo de que todos nós precisamos: vê-lo e tocar nele para o poder reconhecer. Os Sacramentos vêm ao encontro desta exigência humana. Os Sacramentos, e a celebração eucarística de maneira especial, são os sinais do amor de Deus, os caminhos privilegiados para nos encontrarmos com Ele.
Assim, através destas catequeses que hoje começam, gostaria de redescobrir juntamente convosco a beleza que se esconde na celebração eucarística, e que, quando é revelada, dá pleno sentido à vida de cada um. Nossa Senhora nos acompanhe neste novo percurso. Obrigado.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 08.11.2017
Esta é a última catequese sobre o tema da esperança cristã, que nos acompanhou desde o início do presente ano litúrgico. E vou concluir falando do paraíso, como meta da nossa esperança.
«Paraíso» é uma das últimas palavras pronunciadas por Jesus na cruz, dirigida ao bom ladrão. Detenhamo-nos um momento sobre aquela cena. Na cruz, Jesus não está sozinho. Ao seu lado, à direita e à esquerda, há dois malfeitores.
Talvez, passando diante daquelas três cruzes erguidas no Gólgota, alguém suspirou aliviado, pensando que finalmente a justiça tinha sido feita entregando à morte pessoas como elas.
Ao lado de Jesus há também um réu confesso: alguém que reconhece ter merecido aquele terrível suplício. Chamamo-lo “bom ladrão”, o qual, opondo-se ao outro, diz: recebemos o que mereceram os nossos crimes (cf. Lc 23, 41)
No Calvário, naquela sexta-feira trágica e santa, Jesus chega ao extremo da sua encarnação, da sua solidariedade com nós pecadores. Ali realiza-se quanto o profeta Isaías tinha dito sobre o Servo sofredor: «E foi contado entre os malfeitores» (Is 53, 12; cf. Lc 22, 37).
É precisamente no Calvário que Jesus tem o último encontro com um pecador, para abrir de par em par as portas do seu Reino. Isto é interessante: é a única vez que a palavra “paraíso” aparece nos evangelhos. Jesus promete-o a um “pobre diabo” que no madeiro da cruz teve a coragem de lhe dirigir o mais humilde dos pedidos: «Lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino!» (Lc 23, 42). Não tinha boas obras para apresentar, nada possuía, mas confia-se a Deus, que reconhece como inocente, bom, tão diferente dele (v. 41). Foi suficiente aquela palavra de arrependimento humilde, para sensibilizar o coração de Jesus.
O bom ladrão faz-nos lembrar a nossa verdadeira condição diante de Deus: que somos seus filhos, que Ele sente compaixão por nós, que Ele está desarmado todas as vezes que lhe manifestamos a nostalgia do seu amor. Nos quartos de muitos hospitais ou nas celas das prisões este milagre repete-se inúmeras vezes: não há pessoa alguma, por quanto tenha vivido mal, à qual só lhe resta o desespero e à qual seja proibida a graça. Diante de Deus apresentamo-nos todos de mãos vazias, um pouco como o publicano da parábola que tinha parado para rezar no fundo do templo (cf. Lc 18,13). E todas as vezes que um homem, fazendo o último exame de consciência da sua vida, descobre que as faltas superam de forma considerável as boas obras, não deve desanimar, mas entregar-se à misericórdia de Deus. E isto dá-nos esperança, abre-nos o coração!
Deus é Pai, e até ao último instante espera o nosso retorno. E ao filho pródigo, que regressando começa a confessar as suas culpas, o pai fecha-lhe a boca com um abraço (cf. Lc 15, 20). Este é Deus: ama-nos deste modo!
O paraíso não é um lugar de fábula, nem sequer um jardim encantado. O paraíso é o abraço com Deus, Amor infinito, e entramos nele graças a Jesus, que morreu na cruz por nós. Onde há Jesus, há misericórdia e felicidade; sem Ele há frio e trevas. Na hora da morte, o cristão repete a Jesus: “Recorda-te de mim”. E mesmo se não houvesse mais ninguém que se recorda de nós, Jesus está ali, ao nosso lado. Quer levar-nos para o lugar mais bonito que existe. Deseja levar-nos lá com aquele pouco ou tanto de bom que houve na nossa vida, para que nada seja perdido do que Ele já tinha redimido. E para a casa do Pai levará também tudo o que em nós ainda precisa de ser resgatado: as faltas e os erros de uma vida inteira. Esta é a meta da nossa existência: que tudo se cumpra, e seja transformado em amor.
Se acreditarmos nisto, a morte deixa de nos amedrontar, e podemos também ter a esperança de partir deste mundo de maneira serena, com muita confiança. Quem conheceu Jesus, já nada teme. E poderemos repetir também nós as palavras do Velho Simeão, também ele abençoado pelo encontro com Cristo, depois de uma vida inteira consumida em expetativa: «Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra. Porque os meus olhos viram a vossa salvação» (Lc 2, 29-30).
E naquele instante, finalmente, já não teremos necessidade de nada, já não veremos de maneira confusa. Já não choraremos inutilmente, porque tudo passou; também as profecias, inclusive o conhecimento. Mas o amor não, esse permanece. Porque «a caridade jamais acabará» (cf. 1 Cor 13,8).
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 25.10.2017
Hoje gostaria de pôr em confronto a esperança cristã com a realidade da morte, uma realidade que a nossa civilização moderna tende a cancelar cada vez mais. Assim, quando a morte chega, seja para quem está próximo seja para nós mesmos, não estamos preparados, privados até de um “alfabeto” adequado para esboçar palavras com sentido acerca do seu mistério, que contudo permanece. Mesmo se os primeiros sinais de civilização humana transitaram precisamente através deste enigma. Poderíamos dizer que o homem nasceu com o culto dos mortos.
Outras civilizações, antes da nossa, tiveram a coragem de a encarar. Era um acontecimento contado pelos idosos às novas gerações, como uma realidade iniludível que obrigava o homem a viver para algo absoluto. O salmo 90 recita: «Ensinai-nos a contar assim os nossos dias, para que guiemos o coração na sabedoria» (v. 12). Contar os próprios dias faz com que o coração se torne sábio! Palavras que nos reconduzem a um realismo sadio, afastando o delírio da omnipotência. O que somos? Somos «quase nada», diz outro salmo (cf. 88, 48); os nossos dias passam velozes: mesmo se vivêssemos cem anos, no final teremos a impressão de que tudo foi um sopro. Muitas vezes ouvi idosos dizerem: “Para mim a vida passou como um sopro...”.
Assim a morte põe a nossa vida a nu. Faz-nos descobrir que as nossas ações de orgulho, ira e ódio eram vaidade: pura vaidade. Apercebemo-nos, desapontados, que não amámos o suficiente e que não procuramos o que era essencial. E, ao contrário, vemos o que de verdadeiramente bom semeamos: os afetos pelos quais nos sacrificamos, e que agora nos levam pela mão.
Jesus iluminou o mistério da nossa morte. Com o seu comportamento, autoriza-nos a sentir-nos pesarosos quando uma pessoa querida falece. Ele ficou «profundamente» perturbado diante do túmulo do amigo Lázaro, e «desatou a chorar» (Jo 11, 35). Nesta sua atitude sentimos Jesus muito próximo, nosso irmão. Ele chorou pelo seu amigo Lázaro. E então Jesus reza ao Pai, fonte da vida, e ordena a Lázaro que saia do sepulcro. E assim acontece. A esperança cristã alimenta-se nesta atitude que Jesus assume contra a morte humana: mesmo estando presente na criação, ela é contudo uma cicatriz que deturpa o desígnio de amor de Deus, e o Salvador quer curar-nos dela.
Outros evangelhos narram acerca de um pai que tem a filha muito doente, e dirige-se com fé a Jesus para que a salve (cf. Mc 5, 21-24.35-43). E não há figura mais comovedora do que a de um pai ou de uma mãe com um filho doente. E Jesus encaminha-se imediatamente com aquele homem, que se chamava Jairo. A um certo ponto chega alguém da casa de Jairo, dizendo que a menina morreu, e que não há mais necessidade de incomodar o Mestre. Mas Jesus diz a Jairo: «Não tenhas receio, crê somente» (Mc 5, 36). Jesus sabe que aquele homem sente a tentação de reagir com raiva e desespero, porque a menina morreu, e recomenda-lhe que preserve a pequena chama que está acesa no seu coração: a fé. «Não tenhas receio, crê somente». “Não receies, unicamente continua a manter acesa aquela chama!”. E depois, quando chegaram a casa, despertará a menina da morte e restituí-la-á viva aos seus entes queridos.
Jesus põe-nos neste “ápice” da fé. Ao choro de Marta pela morte do irmão Lázaro contrapõe a luz de um dogma: «Eu sou a Ressurreição e a Vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em Mim nunca morrerá. Crês tu nisto?» (Jo 11, 25-26). É o que Jesus repete a cada um de nós, todas as vezes que a morte vem arrancar o tecido da vida e dos afetos. Toda a nossa existência se joga aqui, entre a vertente da fé e o precipício do medo. Jesus diz: “Eu não sou a morte, eu sou a ressurreição e a vida, crês tu nisto?, crês tu nisto?”. Nós, que hoje estamos aqui na Praça, cremos nisto?
Todos somos pequeninos e indefesos diante do mistério da morte. Contudo, que graça se naquele momento guardarmos no coração a pequena chama da fé! Jesus guiar-nos-á pela mão, assim como guiou pela mão a filha de Jairo, e repetirá mais uma vez: “Talitá kum”, “Menina, levanta-te!” (Mc 5, 41). Di-lo-á a nós, a cada um de nós: “Levanta-te, ressurge!”. Agora, eu convido-vos a fechar os olhos e a pensar naquele momento: da nossa morte. Cada um de nós pense na própria morte, e imagine aquele momento que acontecerá, quando Jesus nos pegará na mão e nos disser: “Vem, vem comigo, levanta-te”. Terminará ali a esperança e será a realidade, a realidade da vida. Refleti bem: o próprio Jesus virá ter com cada um de nós e pegar-nos-á pela mão, com a sua ternura, a sua mansidão, o seu amor. E cada um repita no seu coração a palavra de Jesus: “Levanta-te, vem. Levanta-te, vem. Levanta-te, ressurge!”.
Esta é a nossa esperança diante da morte. Para quem crê, é uma porta que se abre de par em par; para quem duvida é uma brecha de luz que filtra por uma porta que não se fechou completamente. Mas será para todos nós uma graça, quando esta luz, do encontro com Jesus, nos iluminar.
Papa Francisco
Audiência Geral 18.10.17
Hoje gostaria de refletir sobre aquela dimensão da esperança que é a expectativa vigilante. O tema da vigilância é um dos fios condutores do Novo Testamento. Jesus prega aos seus discípulos: «Estejam cingidos os vossos rins e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes a homens que esperam o seu senhor, ao voltar de uma festa, para que, quando vier e bater à porta, logo lha abram» (Lc 12, 35-36). Neste tempo que segue a ressurreição de Jesus, no qual se alternam em continuação momentos serenos e outros angustiados, os cristãos nunca repousam. O Evangelho recomenda que sejam como servos que nunca dormem, até que o patrão volte. Este mundo exige a nossa responsabilidade, e nós devemos assumi-la totalmente com amor. Jesus quer que a nossa existência seja laboriosa, que nunca abaixemos a guarda, para acolher com gratidão e admiração cada novo dia que Deus nos concede. Cada manhã é uma página branca que o cristão começa a escrever com obras de bem. Já fomos salvos pela redenção de Jesus, mas agora estamos à espera da manifestação plena do seu senhorio: quando finalmente Deus será tudo em todos (cf. 1 Cor15, 28). Nada é mais certo, na fé dos cristãos, do que este “encontro”, este encontro com o Senhor, quando Ele voltar. E quando este dia chegar, nós cristãos queremos ser como aqueles servos que passaram a noite com os rins cingidos e as lâmpadas acesas: é preciso estar prontos para a salvação que chega, prontos ao encontro. Pensastes como será aquele encontro com Jesus quando Ele vier? Mas será um abraço, uma alegria enorme, uma grande alegria! Devemos viver na expetativa deste encontro!
O cristão não é feito para o tédio: talvez para a paciência. Sabe que até na monotonia de certos dias sempre iguais está escondido um mistério de graça. Há pessoas que com a perseverança do seu amor se tornam como poços que irrigam o deserto. Nada acontece em vão e nenhuma situação na qual um cristão se encontra imerso é completamente refratária ao amor. Nenhuma noite é tão longa a ponto de fazer esquecer a alegria da aurora. E quanto mais escura é a noite, tanto mais próxima está a aurora. Se permanecermos unidos com Jesus, o frio dos momentos difíceis não nos paralisará; e se até o mundo inteiro pregar contra a esperança, se disser que o futuro trará só nuvens obscuras, o cristão sabe que naquele mesmo futuro sucederá o retorno de Cristo. Ninguém sabe quando acontecerá isto, mas o pensamento que no final da nossa história há Jesus Misericordioso é suficiente para manter a confiança e não maldizer a vida. Tudo será salvo. Tudo. Sofreremos, haverá momentos que suscitam raiva e indignação, mas a suave e poderosa memória de Cristo afastará a tentação de pensar que esta vida é errada.
Depois de ter conhecido Jesus, nós só podemos perscrutar a história com confiança e esperança. Jesus é como uma casa, e nós estamos dentro dela, e das janelas desta casa olhamos para o mundo. Portanto não nos fechemos em nós mesmos, não tenhamos saudades de um passado que se presume dourado, mas olhemos sempre para a frente, para um futuro que não é só obra das nossas mãos, mas que antes de tudo é uma preocupação constante da providência de Deus. Tudo o que é opaco um dia tornar-se-á luz.
E pensemos que Deus não se desmente a si mesmo. Nunca. Deus nunca desilude. A sua vontade em relação a nós não é enevoada, mas um projeto de salvação bem delineado: «Deus deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1 Tm 2, 4). Por conseguinte não nos abandonemos ao fluir dos eventos com pessimismo, como se a história fosse um comboio do qual se perdeu o controle. A resignação não é uma virtude cristã. Assim como não é dos cristãos encolher os ombros ou abaixar a cabeça diante de um destino que nos parece inevitável.
Quem anuncia esperança ao mundo nunca é uma pessoa remissiva. Jesus recomenda que o esperemos sem estar de braços cruzados: «Bem-aventurados os servos a quem o senhor achar vigiando, quando vier!» (Lc 12, 37). Não há construtor de paz que no fim de contas não tenha comprometido a sua paz pessoal, assumindo os problemas dos outros. A pessoa remissiva, não é um construtor de paz mas um preguiçoso, alguém que deseja a comodidade. Enquanto o cristão é construtor de paz quando arrisca, quando tem coragem de arriscar para levar o bem, o bem que Jesus nos doou, doou-nos como um tesouro.
E todos os dias da nossa vida, repitamos a invocação dos primeiros discípulos, que na língua aramaica, exprimiam com as palavras Maranatha, e que encontramos no último versículo da Bíblia: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 20). É o refrão de todas as existências cristãs: no nosso mundo só precisamos de uma carícia de Cristo. Que graça se, na oração, nos dias difíceis desta vida, sentirmos a sua voz que responde e nos tranquiliza: «Sim, venho depressa» (Ap 22, 7)!
Papa Francisco
Catequese da audiência Geral de 11.10.17
Desejo falar nesta catequese sobre o tema “Missionários de esperança hoje”. Sinto-me feliz por o fazer no início do mês de outubro, que na Igreja é dedicado de modo especial à missão, e também na festa de São Francisco de Assis, que foi um grande missionário de esperança!
Com efeito, o cristão não é um profeta de desventura. Nós não somos profetas de desventura. A essência do seu anúncio é o oposto, o contrário da desventura: é Jesus, morto por amor e que Deus ressuscitou na manhã de Páscoa. É este o núcleo da fé cristã. Se os Evangelhos se tivessem interrompido com a sepultura de Jesus, a história deste profeta iria juntar-se às tantas biografias de personagens heróicos que deram a vida por um ideal. Neste caso o Evangelho seria um livro edificante, até consolador, e não um anúncio de esperança.
Mas os Evangelhos não se encerram com a sexta-feira santa, vão além; e é precisamente este ulterior fragmento que transforma as nossas vidas. Os discípulos de Jesus estavam entristecidos naquele sábado depois da sua crucificação; aquela pedra colocada na entrada do sepulcro tinha fechado também os três anos entusiasmantes vividos por eles com o Mestre de Nazaré. Parecia que tudo tinha acabado, e alguns, desiludidos e amedrontados, já estavam a abandonar Jerusalém.
Mas Jesus ressuscita! Este facto inesperado inverte e subverte a mente e o coração dos discípulos. Porque Jesus não ressuscita só para si, como se o seu renascimento fosse uma prerrogativa da qual ser ciumentos: eleva-se ao Pai porque deseja que a sua ressurreição seja comunicada a cada ser humano, e que arrebate para o alto todas as criaturas. E no dia de Pentecostes os discípulos são transformados pelo sopro do Espírito Santo. Não receberão apenas uma boa notícia para levar a todos, mas eles mesmos se sentirão diferentes em relação a antes, como renascidos para uma vida nova. A ressurreição de Jesus transforma-nos com a força do Espírito Santo. Jesus está vivo, está vivo entre nós, está vivo e tem aquela força transformadora.
Como é bom pensar que somos anunciadores da ressurreição de Jesus não só com palavras, mas com os factos e com o testemunho da vida! Jesus não quer discípulos capazes unicamente de repetir fórmulas aprendidas de cor. Deseja testemunhas: pessoas que propaguem esperança com o seu modo de acolher, de sorrir, de amar. Principalmente de amar: porque a força da ressurreição torna os cristãos capazes de amar mesmo quando parece que o amor perdeu as suas razões. Há um “a mais” que habita a existência cristã, e que não se explica apenas com a força de ânimo ou com mais otimismo. A fé, a nossa esperança não é simplesmente um otimismo; é outra coisa, é mais! É como se os crentes fossem pessoas com um “pedaço de céu” a mais em cima da cabeça. Isto é bonito: nós somos pessoas com um pedaço de céu a mais em cima da cabeça, acompanhados por uma presença que alguns nem conseguem intuir.
Por conseguinte, é dever dos cristãos, neste mundo, abrir espaços de salvação, como células regeneradoras capazes de restituir linfa ao que parecia estar perdido para sempre. Quando o céu está totalmente enevoado, quem sabe falar do sol é uma bênção. Eis, o verdadeiro cristão é assim: não é lamentoso nem zangado, mas convicto, pela força da ressurreição, de que mal algum é infinito, noite alguma é sem fim, homem algum está definitivamente errado, ódio algum é invencível pelo amor.
Claro, por vezes os discípulos pagaram muito caro esta esperança que Jesus lhe doou. Pensemos nos tantos cristãos que não abandonaram o seu povo, quando chegou o momento da perseguição. Ficaram ali, onde havia a incerteza até do amanhã, onde não se podia fazer nenhum tipo de projeto, permaneceram esperando em Deus. E pensemos nos nossos irmãos, nas nossas irmãs do Médio Oriente que dão testemunho de esperança e oferecem inclusive a vida por este testemunho. Estes são verdadeiros cristãos! Estes trazem o céu no coração, olham além, sempre além. Quem teve a graça de abraçar a ressurreição de Jesus ainda pode esperar no inesperado. Os mártires de todos os tempos, com a sua fidelidade a Cristo, contam que a injustiça não tem a última palavra na vida. Em Cristo ressuscitado podemos continuar a esperar. Os homens e as mulheres que têm um “por que” viver resistem mais nos tempos de desventura do que os outros. Mas quem tem Cristo ao seu lado nada teme realmente. E por isso os cristãos, os verdadeiros cristãos, nunca são homens fáceis e condescendentes. A sua mansidão não deve ser confundida com um sentido de insegurança ou de submissão. São Paulo encoraja Timóteo a sofrer pelo evangelho, e diz assim: «Porque Deus não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza, de amor e de moderação» (2 Tm 1, 7). Se caem, levantam-se sempre.
Eis, queridos irmãos e irmãs, o motivo pelo qual o cristão é um missionário de esperança. Não por seu mérito, mas graças a Jesus, o grão de trigo que, ao cair na terra, morreu e deu muito fruto (cf. Jo 12, 24).
Papa Francisco
Catequese da audiência Geral 04.10.2017
Neste tempo falamos sobre a esperança; mas hoje eu gostaria de refletir convosco sobre os inimigos da esperança. Pois a esperança tem os seus inimigos: como cada bem neste mundo, ela tem os seus inimigos.
E veio-me à mente o antigo mito da caixa de Pandora: a abertura da caixa desencadeia muitas desgraças para a história do mundo. No entanto, poucos se recordam da última parte da história, que abre uma espiral de luz: depois que todos os males saíram da caixa, um minúsculo dom parece ter a desforra diante de todo o mal que se propaga. Pandora, a mulher que conservava o jarro, vê-o por último: os gregos chamam-lhe elpís que significa esperança.
Este mito narranos por que razão a esperança é tão importante para a humanidade. Não é verdade que “enquanto houver vida, haverá esperança”, como se costuma dizer. Talvez o contrário: é a esperança que mantém em pé a vida, que a protege, que a conserva, que a faz crescer. Se os homens não tivessem cultivado a esperança, se não tivessem sido animados por esta virtude, nunca teriam saído das cavernas, nem teriam deixado vestígios na história do mundo. É o que de mais divino possa existir no coração do homem.
Um poeta francês — Charles Péguy — deixou-nos páginas maravilhosas sobre a esperança (cf. O pórtico do mistério da segunda virtude). Ele diz poeticamente que Deus não se admira tanto com a fé dos seres humanos, e nem sequer com a sua caridade; mas o que realmente o enche de admiração e emoção é a esperança das pessoas: «Que aqueles pobres filhos — escreve — vejam como vão as coisas e que acreditem que será melhor amanhã de manhã». A imagem do poeta evoca o rosto de muitas pessoas que passaram por este mundo — camponeses, pobres operários, migrantes em busca de um futuro melhor — que lutaram tenazmente, não obstante a amargura de um presente difícil, cheio de numerosas provações, mas animada pela confiança de que os filhos teriam uma vida mais justa e mais tranquila. Pelejavam pelos filhos, lutavam na esperança.
A esperança é o impulso no coração de quem parte, deixando a casa, a terra, às vezes familiares e parentes — penso nos migrantes — em busca de uma vida melhor, mais digna para si e para os próprios entes queridos. E é também o ímpeto no coração de quem acolhe: o desejo de se encontrar, de se conhecer, de dialogar... A esperança é o impulso a “compartilhar a viagem”, porque a viagem se faz em dois: aqueles que vêm à nossa terra, e nós que vamos rumo ao seu coração, para os entender, para compreender a sua cultura, a sua língua. É uma viagem em dois, mas sem esperança aquela viagem não se pode realizar. A esperança é o ímpeto a compartilhar a viagem da vida, como nos recorda a Campanha da Cáritas que hoje inauguramos. Irmãos, não tenhamos receio de compartilhar a viagem! Não tenhamos medo! Não temamos compartilhar a esperança!
A esperança não é uma virtude para pessoas de barriga cheia. Eis por que motivo, desde sempre, os pobres são os primeiros portadores de esperança. E neste sentido podemos dizer que os pobres, até os mendigos, são os protagonistas da História. Para entrar no mundo, Deus teve necessidade deles: de José e de Maria, dos pastores de Belém. Na noite do primeiro Natal havia um mundo que dormia, acomodado em tantas certezas adquiridas. Mas em segredo os humildes preparavam a revolução da bondade. Eram totalmente pobres, alguns flutuavam pouco acima do limiar da sobrevivência, mas eram ricos do bem mais precioso que existe no mundo, ou seja, a vontade de mudança.
Por vezes, ter tudo na vida é uma desventura. Pensai num jovem ao qual não foi ensinada a virtude da espera e da paciência, que não teve de suar por nada, que queimou etapas e com vinte anos “já sabe como vai o mundo”; foi destinado à pior condenação: não desejar mais nada. Eis a pior condenação, fechar a porta aos desejos, aos sonhos. Parece um jovem, mas no seu coração o outono já chegou. São os jovens de outono.
Ter uma alma vazia é o pior obstáculo para a esperança. Trata-se de um risco do qual ninguém se pode dizer excluído; porque podemos ser tentados contra a esperança até quando se percorre o caminho da vida cristã. Os monges da antiguidade denunciavam um dos piores inimigos do fervor. Diziam assim: aquele “demônio do meio-dia” que vai debilitar uma vida de compromissos, exatamente quando o sol arde lá no alto. Esta tentação surpreende-nos, quando menos esperamos: os dias tornam-se monótonos e tediosos, quase nenhum valor parece digno de esforço. Esta atitude chama-se preguiça, que corrói a vida a partir de dentro, até a deixar como um invólucro vazio.
Quando isto acontece, o cristão sabe que aquela condição deve ser combatida, nunca aceite passivamente. Deus criou-nos para a alegria e a felicidade, não para nos remoermos em pensamentos melancólicos. Eis por que razão é importante preservar o próprio coração, opondo-nos às tentações de infelicidade, que certamente não derivam de Deus. E quando as nossas forças parecem frágeis e a batalha contra a angústia particularmente árdua, podemos recorrer sempre ao nome de Jesus. Podemos repetir aquela oração simples, da qual encontramos vestígios inclusive nos Evangelhos, e que se tornou o fulcro de muitas tradições espirituais cristãs: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, tende piedade de mim, pecador!”. Uma linda oração! “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, tende piedade de mim, pecador!”. Trata-se de uma prece de esperança, porque me dirijo Àquele que pode abrir de par em par as portas e resolver o problema e levar-me a fitar o horizonte, o horizonte da esperança.
Irmãos e irmãs, não lutamos sozinhos contra o desespero. Se Jesus venceu o mundo, é capaz de derrotar em nós tudo aquilo que se opõe ao bem. Se Deus estiver conosco, ninguém nos roubará aquela virtude, da qual temos absolutamente necessidade para viver. Ninguém nos furtará a esperança. Vamos em frente!
Papa Francisco
Audiência Geral 28.09.2017
A catequese de hoje tem por tema: “educar para a esperança”. Por isso pronunciar-la-ei diretamente com o “tu”, imaginando que falo como educador, como pai a um jovem ou a qualquer pessoa aberta ao aprendizado.
Pensa, ali onde Deus te semeou, espera! Espera sempre.
Não te rendas à noite: recordas que o primeiro inimigo a vencer não está fora de ti: mas dentro. Por conseguinte, não concedas espaço aos pensamentos amargos, obscuros. Este mundo é o primeiro milagre que Deus realizou, Deus pôs nas nossas mãos a graça de novos prodígios. Fé e esperança procedem juntas. Crê na existência das verdades mais elevadas e bonitas. Confia no Deus Criador, no Espírito Santo que move tudo para o bem, no abraço de Cristo que espera cada homem no final da sua existência; crê, Ele espera-te. O mundo caminha graças ao olhar de tantos homens que abriram frestas, que construíram pontes, que sonharam e acreditaram; até quando ao redor deles ouviam palavras de escárnio.
Nunca penses que a luta que enfrentas na terra seja totalmente inútil. No final da existência não nos espera um naufrágio: em nós palpita uma semente de absoluto. Deus não desilude: se pôs uma esperança nos nossos corações, não a quer esmagar com frustrações contínuas. Tudo nasce para florescer numa primavera eterna. Também Deus nos criou para florescermos. Recordo aquele diálogo, quando o carvalho pediu à amendoeira: “Fala-me de Deus”. E a amendoeira floresceu.
Onde quer que estejas, constrói! Se estás no chão, levanta-te! Nunca permaneças caído, levanta-te, deixa-te ajudar para ficares em pé. Se estás sentado, começa a caminhar! Se o tédio te paralisa, derrota-o com as obras de bem! Se te sentes vazio ou desmoralizado, pede que o Espírito Santo possa encher de novo a tua carência.
Exerce a paz no meio dos homens e não escutes a voz de quem espalha ódio e divisões. Não escutes essas vozes. Os seres humanos, por mais que sejam diversos uns dos outros, foram criados para viver juntos. Nos contrastes, paciência: um dia descobrirás que cada um é depositário de um fragmento de verdade.
Ama as pessoas. Ama-as uma por uma. Respeita o caminho de todos, linear ou complicado que seja, porque cada um tem uma história para contar. Também cada um de nós tem a própria história para contar. Cada criança que nasce é a promessa de uma vida que de novo se demonstra mais forte do que a morte. Cada amor que brota é um poder de transformação que anseia pela felicidade.
Jesus entregou-nos uma luz que brilha nas trevas: defende-a, protege-a. Aquela luz única é a maior riqueza confiada à tua vida.
E sobretudo, sonha! Não tenhas medo de sonhar. Sonha! Sonha um mundo que ainda não se vê mas que certamente chegará. A esperança leva-nos a crer na existência de uma criação que se estende até ao seu cumprimento definitivo, quando Deus será tudo em todos. Os homens capazes de imaginação ofereceram ao homem descobertas científicas e tecnológicas. Sulcaram os oceanos, calcaram terras que ninguém jamais tinha pisado. Os homens que cultivaram esperanças são os mesmos que venceram a escravidão, e proporcionaram condições melhores de vida nesta terra. Pensai nestes homens.
Sê responsável por este mundo e pela vida de cada homem. Pensa que cada injustiça contra um pobre é uma ferida aberta, e diminui a tua dignidade. A vida não cessa com a tua existência, e neste mundo virão outras gerações que sucederão à nossa e muitas outras ainda. E todos os dias pede a Deus o dom da coragem. Recorda-te que Jesus venceu o medo por nós. Ele venceu o medo! O nosso inimigo mais pérfido nada pode contra a fé. E quando te encontrares amedrontado diante de alguma dificuldade da vida, recorda-te que não vives só por ti mesmo. No Batismo a tua vida já foi imersa no mistério da Trindade e tu pertences a Jesus. E se um dia te assustares, ou pensares que o mal é demasiado grande para ser derrotado, pensa simplesmente que Jesus vive em ti. E é Ele que, através de ti, com a sua mansidão quer submeter todos os inimigos do homem: o pecado, o ódio, o crime, a violência; todos os nossos inimigos.
Tem sempre a coragem da verdade, mas recorda-te: não és superior a ninguém. Recorda-te disto: não és superior a ninguém. Se tivesses permanecido o último a crer na verdade, não fujas por causa disso da companhia dos homens.
Mesmo se vivesses no silêncio de uma ermida, conserva no coração os sofrimentos de cada criatura. És cristão; e na oração restituis tudo a Deus.
Cultiva ideais. Vive por algo que supera o homem. E mesmo se um dia estes ideais apresentarem uma conta alta a pagar nunca deixes de os conservar no coração. A fidelidade obtém tudo.
Se erras, levanta-te: nada é mais humano do que cometer erros. E aqueles mesmos erros não se devem tornar para ti uma prisão. Não fiques preso nos teus erros. O Filho de Deus veio não para os sadios, mas para os doentes: portanto, veio também para ti. E se errares ainda no futuro, não temas, levanta-te! Sabes porquê? Porque Deus é teu amigo.
Se a amargura te atinge, crê firmemente em todas as pessoas que ainda trabalham pelo bem: na sua humildade está a semente de um mundo novo. Frequenta pessoas que conservaram o coração como o de uma criança. Aprende da maravilha, cultiva a admiração.
Vive, ama, sonha, crê. E, com a graça de Deus, nunca te desesperes.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 20.09.2017
Como sabeis, nos dias passados realizei a viagem apostólica à Colômbia. De todo o coração dou graças ao Senhor por este grande dom; e desejo renovar a expressão do meu reconhecimento ao Senhor Presidente da República, que me recebeu com tanta cortesia, aos Bispos colombianos que muito trabalharam — para preparar esta visita, assim como às Autoridades do país, e a quantos colaboraram com a realização desta visita. Transmito um agradecimento especial ao povo colombiano que me acolheu com muito afeto e tanta alegria! Um povo jubiloso entre os muitos sofrimentos, mas alegre; um povo com esperança. Um dos aspetos que mais me impressionaram em todas as cidades, no meio da multidão, foram os pais e as mães com os filhos, que os erguiam para que o Papa os abençoasse, mas também com orgulho mostravam os próprios filhos como se dissessem: “Este é o nosso orgulho! Esta é a nossa esperança”. Pensei: um povo capaz de ter filhos e de os mostrar com orgulho, como esperança: este povo tem futuro. Gostei muito disto.
De modo particular nesta viagem senti a continuidade com os dois Papas que antes de mim visitaram a Colômbia: o beato Paulo VI, em 1968, e São João Paulo II, em 1986. Uma continuidade fortemente animada pelo Espírito, que guia os passos do povo de Deus nos caminhos da história.
O lema da viagem foi “Demos el primer paso”, isto é, “Demos o primeiro passo”, referido ao processo de reconciliação que a Colômbia vive para sair de meio século de conflito interno, que semeou sofrimentos e inimizades, causando tantas feridas, difíceis de cicatrizar. Mas com a ajuda de Deus o caminho já começou. Com a minha visita quis abençoar o esforço daquele povo, confirmá-lo na fé e na esperança, e receber o seu testemunho, que é uma riqueza para o meu ministério e para toda a Igreja. O testemunho deste povo é uma riqueza para toda a Igreja.
A Colômbia — como a maior parte das nações latino-americanas — é um país no qual as raízes cristãs são fortíssimas. E se este facto torna ainda mais aguda a dor pela tragédia da guerra que o dilacerou, ao mesmo tempo constitui a garantia da paz, o firme fundamento da sua reconstrução, a linfa da sua esperança invencível. É evidente que o maligno quis dividir o povo para destruir a obra de Deus, mas também é evidente que o amor de Cristo, a sua infinita Misericórdia é mais forte do que o pecado e a morte.
Esta viagem levou a bênção de Cristo, a bênção da Igreja ao desejo de vida e de paz que transborda do coração daquela nação: pude observar isto nos olhos dos milhares e milhares de crianças, adolescentes e jovens que encheram a praça de Bogotá e que encontrei em toda parte; aquela força de vida que também a própria natureza proclama com a sua exuberância e a sua biodiversidade. A Colômbia é o segundo país do mundo pela biodiversidade. Em Bogotá pude encontrar-me com os Bispos do país e também com o Comitê Diretivo da Conferência Episcopal Latino-americana. Dou graças a Deus por os ter podido abraçar e lhes ter dado o meu encorajamento pastoral, para a sua missão ao serviço da Igreja, sacramento de Cristo nossa paz e nossa esperança.
O dia dedicado de modo particular ao tema da reconciliação, momento culminante de toda a viagem, foi realizado em Villavicencio. Na parte da manhã houve a grande celebração eucarística, com a beatificação dos mártires Jesús Emilio Jaramillo Monsalve, bispo, e Pedro María Ramírez Ramos, sacerdote; à tarde, a especial Liturgia de Reconciliação, simbolicamente orientada para o Cristo de Bocayá, sem braços nem pernas, mutilado como o seu povo.
A beatificação dos dois mártires recordou plasticamente que a paz se funda também e talvez sobretudo, no sangue de tantas testemunhas do amor, da verdade, da justiça, e de mártires verdadeiros, assassinados pela fé, como os dois que acabei de citar. Ouvir as suas biografias foi comovedor até às lágrimas: lágrimas de dor e de alegria ao mesmo tempo. Diante das relíquias e das suas imagens, o santo povo fiel de Deus sentiu com força a própria identidade, com dor, pensando nas muitas, demasiadas vítimas, e com alegria, pela misericórdia de Deus que se estende sobre os que o temem (cf. Lc 1, 50).
«Misericórdia e verdade encontrar-se-ão, / justiça e paz beijar-se-ão» (Sl 85, 11), escutamos no início. Este versículo do salmo contém a profecia do que aconteceu deveras na última sexta-feira na Colômbia; a profecia e a graça de Deus por aquele povo ferido, a fim de que possa ressurgir e caminhar numa vida nova. Vimos estas palavras proféticas cheias de graça encarnadas nas histórias das testemunhas, que falaram em nome de muitos e muitos que, a partir das suas feridas, com a graça de Cristo, saíram de si mesmos e abriram-se ao encontro, ao perdão, à reconciliação.
Em Medellín a perspectiva foi a da vida cristã como discipulado: a vocação e a missão. Quando os cristãos se esforçam até ao fim no caminho do seguimento de Jesus Cristo, tornam-se deveras sal, luz e fermento no mundo, e veem-se frutos abundantes. Um destes frutos são os Hogares, isto é as casas onde crianças e adolescentes feridos pela vida podem encontrar uma nova família na qual são amados, acolhidos, protegidos e acompanhados. Outros frutos, abundantes como cachos, são as vocações à vida sacerdotal e consagrada, que pude abençoar e encorajar com alegria num encontro inesquecível com os consagrados e os seus familiares.
Por fim, em Cartagena, a cidade de São Pedro Claver, apóstolo dos escravos, o “focus” foi sobre a promoção da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. São Pedro Claver, e também mais recentemente santa Maria Bernarda Bütler, deram a vida pelos mais pobres e marginalizados, mostrando assim a via da verdadeira revolução, a evangélica, não ideológica, que liberta deveras as pessoas e as sociedades das escravidões de ontem e, infelizmente, também de hoje. Neste sentido, “dar o primeiro passo” — o lema da viagem — significa aproximar-se, inclinar-se, tocar a carne do irmão ferido e abandonado. E fazê-lo com Cristo, o Senhor que se tornou escravo por nós. Graças a Ele há esperança, porque Ele é a misericórdia e a paz.
Novamente confio a Colômbia e o seu amado povo à Mãe, Nossa Senhora de Chiquinquirá, que pude venerar na catedral de Bogotá. Com a ajuda de Maria, cada colombiano todos os dias possa dar o primeiro passo em direção do irmão e da irmã, e assim construir juntos, dia após dia, a paz no amor, na justiça e na verdade.
Papa Francisco
Catequese da Audiência Geral 15.09.2017
imagem: site do Vaticano
Hoje gostaria de voltar a falar sobre um tema importante: a relação entre a esperança e a memória, com particular referência à memória da vocação. E tomo como ícone o chamado dos primeiros discípulos de Jesus. Esta experiência permaneceu tão impressa na sua memória que um deles até registou a hora: «Eram cerca das quatro da tarde» (Jo 1, 39), O evangelista João narra o episódio como uma recordação nítida de juventude, que permaneceu intacta na sua memória de idoso: porque João escreveu isto quando já era idoso.
O encontrou deu-se perto do rio Jordão, onde João Batista batizava; e aqueles jovens galileus tinham escolhido o Batista como guia espiritual. Um dia veio Jesus, e fez-se batizar no rio. No dia seguinte passou novamente e então o Batizador — isto é, João o Batista — disse a dois dos seus discípulos: «Eis o cordeiro de Deus!» (v. 36).
E para aqueles dois foi a “centelha”. Deixam o seu primeiro mestre e põem-se no seguimento de Jesus. No caminho, Ele volta-se para eles e formula a pergunta decisiva: «O que procurais?» (v. 38). Jesus aparece nos Evangelhos como um perito do coração humano. Naquele momento encontrara dois jovens em busca, sadiamente inquietos. Com efeito, não há uma juventude satisfeita, sem uma pergunta acerca do sentido? Os jovens que nada procuram não são jovens, estão na reforma, envelheceram antes do tempo. É triste ver jovens aposentados... E Jesus, no Evangelho inteiro, em todos os encontros que lhe aconteceram ao longo da estrada, aparece como um “incendiário” de corações. Eis aquela sua pergunta que procura fazer emergir o desejo de vida e de felicidade que cada jovem tem dentro: “o que buscas?”. Também eu hoje gostaria de perguntar aos jovens presentes na praça e aos que ouvem através dos meios de comunicação: “Tu, que és jovem, o que procuras? O que buscas no teu coração?”.
A vocação de João e de André começa assim: é o início de uma amizade com Jesus tão forte que impõe uma comunhão de vida e de paixões com Ele. Os dois discípulos começam a ficar com Jesus e de repente se transformam em missionários, porque quando acaba o encontro não voltam tranquilos para casa: de maneira que os seus respetivos irmãos — Simão e Tiago — logo são envolvidos no seguimento. Foram ter com eles e disseram: “Encontramos o Messias, encontramos um grande profeta”: dão a notícia. São missionários daquele encontro. Foi um encontro tão comovedor, tão feliz que os discípulos recordarão para sempre aquele dia que iluminou e orientou a sua juventude.
Como se descobre a própria vocação neste mundo? Ela pode ser descoberta de muitos modos, mas esta página do Evangelho diz-nos que o primeiro indicador é a alegria do encontro com Jesus. Matrimônio, vida consagrada, sacerdócio: cada vocação verdadeira tem início com um encontro com Jesus que nos oferece uma alegria e uma esperança nova; e nos conduz inclusive através de provações e dificuldades, a um encontro cada vez mais pleno, que cresce, torna-se maior, o encontro com Ele e a plenitude de alegria.
O Senhor não quer homens e mulheres que caminham atrás d’Ele de má vontade, sem ter no coração o vento da alegria. A vós, que estais na praça, pergunto — cada um responda a si mesmo — tendes o vento da alegria no coração? Cada um se questione: “Tenho dentro de mim, no coração, o vento da alegria?”. Jesus quer pessoas que sentiram o fato de que estar com Ele provoca uma felicidade imensa, que se pode renovar todos os dias da vida. Um discípulo do Reino de Deus que não é alegre não evangeliza este mundo, é alguém triste. Não nos tornamos pregadores de Jesus afinando as armas da retórica: podes falar, falar, falar mas se não tens algo... Como se tornar pregadores de Jesus? — Conservando nos olhos o brilho da felicidade verdadeira. Vemos muitos cristãos, até no meio de nós, que com os olhos nos transmitem a alegria da fé: com os olhos!
Por este motivo o cristão — assim como a Virgem Maria — conserva a chama do seu amor: apaixonados por Jesus. Certamente, há provações na vida, momentos em que é preciso ir em frente não obstante o frio e os ventos contrários, apesar de tantas amarguras. Contudo os cristãos conhecem a estrada que conduz àquele fogo sagrado que os acendeu de uma vez para sempre.
Mas por favor, recomendo: não nos deixemos levar por pessoas desiludidas e infelizes; não escutemos quem aconselha cinicamente não cultivar esperanças na vida; não confiemos em quem abafa o surgir de qualquer entusiasmo, dizendo que empreendimento algum vale o sacrifício de uma vida inteira; não escutemos os “velhos” de coração que sufocam a euforia juvenil. Vamos ter com velhos que têm os olhos brilhantes de esperança! Cultivemos utopias sadias: Deus quer que sejamos capazes de sonhar como Ele e com Ele, enquanto caminhamos muito atentos à realidade. Sonhar um mundo diferente. E se um sonho se apaga, voltar a sonhá-lo de novo, sorvendo com esperança da memória das origens, aquelas brasas, que talvez depois de uma vida não tão boa, se esconderam sob as cinzas do primeiro encontro com Jesus.
Portanto, eis uma dinâmica fundamental da vida cristã: recordar-se de Jesus. Paulo dizia ao seu discípulo: «Recorda-te de Jesus Cristo» (2 Tm 2, 8); este é o conselho do grande São Paulo: «Recorda-te de Jesus Cristo». Recordar-se de Jesus, do fogo de amor com o qual um dia concebemos a nossa vida como um projeto de bem, e com esta chama reavivar a nossa esperança.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral de 30.08.2017
Ouvimos a Palavra de Deus no livro do Apocalipse: «Eis que eu renovo todas as coisas» (21, 5). A esperança cristã baseia-se na fé em Deus que cria sempre novidades na vida do homem, cria novidades na história, cria novidades no cosmos. O nosso Deus é o Deus que cria novidades, porque é o Deus das surpresas.
Não é cristão caminhar cabisbaixo — como os porcos: eles caminham sempre assim — sem erguer os olhos rumo ao horizonte. Como se todo o nosso caminho acabasse aqui, no arco de poucos metros de viagem; como se na nossa vida não houvesse meta alguma, nenhum ponto de chegada, como se nós fôssemos obrigados a um perambular eterno, sem qualquer razão para todos os nossos cansaços. Isto não é cristão.
As páginas finais da Bíblia mostram-nos o derradeiro horizonte do caminho do crente: a Jerusalém do Céu, a Jerusalém celeste. Ela é imaginada antes de tudo como um imenso tabernáculo, onde Deus acolherá todos os homens para habitar definitivamente com eles (cf. Ap 21, 3). Esta é a nossa esperança. E o que fará Deus quando, finalmente, estivermos com Ele? Terá uma ternura infinita por nós, como um pai ao receber os seus filhos que se cansaram e sofreram prolongadamente. No Apocalipse, João profetiza: «Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens! [...Ele] enxugará todas as lágrimas de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição [...] Eis que eu renovo todas as coisas!» (21, 3-5). O Deus na novidade!
Procurai meditar sobre este trecho da Sagrada Escritura, não de maneira abstrata, mas depois de ter lido uma crônica dos nossos dias, depois de ter visto o telejornal ou a primeira página dos jornais, onde há muitas tragédias, onde se anunciam notícias tristes às quais todos nós corremos o risco de nos habituarmos. Saudei algumas pessoas de Barcelona: quantas notícias tristes vêm dali! Saudei algumas pessoas do Congo, e quantas notícias tristes chegam de lá! E muitas outras! Para mencionar apenas dois países, de vós que estais aqui... Procurai pensar no rosto das crianças apavoradas pela guerra, no pranto das mães, nos sonhos interrompidos de tantos jovens, nos refugiados que enfrentam viagens terríveis e muitas vezes são explorados... Infelizmente, a vida é também isto. Por vezes diríamos que é sobretudo isto.
Talvez. Mas há um Pai que chora conosco; existe um Pai que verte lágrimas de piedade infinita pelos seus filhos. Temos um Pai que sabe chorar, que chora conosco. Um Pai que nos espera para nos consolar, porque conhece os nossos sofrimentos e preparou para nós um futuro diverso. Esta é a grandiosa visão da esperança cristã, que se dilata ao longo de todos os dias da nossa existência e deseja consolar-nos.
Deus não quis a nossa vida por engano, obrigando-se a si mesmo e a nós a duras noites de angústia. Ao contrário, criou-nos porque nos quer felizes. É o nosso Pai, e se nós aqui e agora experimentamos uma vida diversa daquela que Ele desejou para nós, Jesus garante-nos que o próprio Deus realiza o seu resgate. Ele trabalha para nos resgatar.
Acreditamos e sabemos que a morte e o ódio não são as últimas palavras pronunciadas sobre a parábola da existência humana. Ser cristão implica uma nova perspetiva: um olhar cheio de esperança. Alguns julgam que a vida encerra todas as suas felicidades na juventude e no passado, e que o viver é uma lenta decadência. Outros ainda acham que as nossas alegrias são apenas episódicas e passageiras, e que na vida dos homens está inscrita a insensatez. Há aqueles que, diante de tantas calamidades, dizem: “Mas a vida não tem sentido. O nosso caminho é a insensatez”. Mas nós cristãos não acreditamos nisto. Ao contrário, cremos que no horizonte do homem existe um sol que ilumina para sempre. Acreditamos que os nossos dias mais bonitos ainda devem chegar. Somos pessoas mais de primavera do que de outono. Gostaria de perguntar agora — cada qual responda no seu coração, em silêncio, mas responda — “Sou um homem, uma mulher, um jovem, uma jovem de primavera ou de outono? A minha alma está na primavera ou no outono?”. Cada um responda a si mesmo. Vislumbramos os rebentos de um mundo novo, em vez de folhas amareladas nos ramos. Não nos embalemos em nostalgias, arrependimentos e lamentações: sabemos que Deus nos quer herdeiros de uma promessa e incansáveis cultivadores de sonhos. Não vos esqueçais daquela pergunta: “Sou uma pessoa de primavera ou de outono?”. De primavera, que espera a flor, que aguarda o fruto, que se põe à espera do sol que é Jesus, ou de outono, sempre cabisbaixo, amargurado e, como às vezes eu disse, com a cara de pimenta avinagrada.
O cristão sabe que o Reino de Deus, o seu Senhorio de amor continua a crescer como um grande campo de trigo, não obstante no meio haja o joio. Há sempre problemas, bisbilhotices, guerras, enfermidades... existem problemáticas. Mas o trigo cresce, e no final o mal será eliminado. O futuro não nos pertence, mas sabemos que Jesus Cristo é a maior graça da vida: é o abraço de Deus que nos espera no fim, mas que já agora nos acompanha e nos consola ao longo do caminho. Ele leva-nos ao grande “tabernáculo” de Deus com os homens (cf. Ap 21, 3), com muitos outros irmãos e irmãs, levaremos a Deus a recordação dos dias vividos aqui na terra. E naquele instante será bom descobrir que nada se perdeu, nenhum sorriso e nenhuma lágrima. Por mais longa que a nossa vida tiver sido, teremos a impressão de ter vivido num sopro. E que a criação não acabou no sexto dia do Gênesis, mas continuou sem se cansar, porque Deus sempre se preocupou conosco. Até ao dia em que tudo se completar, na manhã em que se extinguirem as lágrimas, no próprio instante em que Deus pronunciar a sua última palavra de bênção: «Eis — diz o Senhor — que eu renovo todas as coisas!» (v. 5). Sim, o nosso Pai é o Deus das novidades e das surpresas. E naquele dia nós seremos verdadeiramente felizes, e choraremos. Sim, mas choraremos de alegria!
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 24.08.2017
Ouvimos a reação dos comensais de Simão, o fariseu: «Quem é este homem que até perdoa os pecados?» (Lc 7, 49). Jesus acabou de fazer um gesto escandaloso. Uma mulher da cidade, que todos conheciam como uma pecadora, entrou na casa de Simão, inclinou-se aos pés de Jesus e derramou sobre os seus pés o óleo perfumado. Todos aqueles que estavam ali à mesa murmuravam: se Jesus é um profeta, não deveria aceitar gestos deste tipo de uma mulher como aquela. Estas mulheres, desventuradas, que só serviam para ser encontradas às escondidas, inclusive pelos chefes, ou para ser lapidadas. Segundo a mentalidade dessa época, entre o santo e o pecador, entre o puro e o impuro, a separação devia ser clara.
Mas a atitude de Jesus é diferente. Desde o início do seu ministério na Galileia, Ele aproxima-se dos leprosos, dos endemoninhados, de todos os doentes e dos marginalizados. Um comportamento deste tipo não era nada habitual, a ponto que esta simpatia de Jesus pelos excluídos, pelos “intocáveis”, será uma das atitudes que mais desconcertarão os seus contemporâneos. Onde há uma pessoa que sofre, Jesus cuida dela e aquele sofrimento torna-se seu. Jesus não apregoa que a condição de pena deve ser suportada com heroísmo, à maneira dos filósofos estoicos. Jesus compartilha a dor humana, e quando se depara com ela, do seu íntimo irrompe aquela atitude que caracteriza o cristianismo: a misericórdia. Diante da dor humana, Jesus sente misericórdia; o coração de Jesus é misericordioso. Jesus experimenta compaixão. Literalmente: Jesus sente tremer as suas entranhas. Quantas vezes nos Evangelhos encontramos reações deste género. O coração de Cristo encarna e revela o coração de Deus, e onde há um homem ou uma mulher que sofre, Ele quer a sua cura, a sua libertação, a sua vida plena.
É por isso que Jesus abre de par em par os braços aos pecadores. Quanta gente perdura ainda hoje numa vida errada, porque não encontra ninguém disposto a olhar para ele ou para ela de modo diverso, com os olhos, melhor, com o coração de Deus, ou seja, olhar para eles com esperança. Jesus, ao contrário, vê uma possibilidade de ressurreição até em quantos acumularam muitas escolhas equivocadas. Jesus está sempre ali, com o coração aberto; escancara aquela misericórdia que tem no coração; perdoa, abraça, compreende, aproxima-se: Jesus é assim!
Às vezes esquecemos que para Jesus não se tratou de um amor fácil, barato. Os Evangelhos frisam as primeiras reações negativas em relação a Jesus, precisamente quando Ele perdoa os pecados de um homem (cf. Mc 2, 1-12). Era um homem que sofria duplamente: porque não podia caminhar e porque se sentia “errado”. E Jesus entende que a segunda dor é maior do que a primeira, a ponto que o recebe imediatamente com um anúncio de libertação: «Filho, os teus pecados te são perdoados!» (v. 5). Liberta-o daquela sensação de opressão de se sentir errado. Então, alguns escribas — aqueles que se julgam perfeitos: penso em tantos católicos que se consideram perfeitos e desprezam os outros... isto é triste... — alguns escribas ali presentes escandalizam-se com aquelas palavras de Jesus, que soam como uma blasfémia, porque somente Deus pode perdoar os pecados.
Nós que estamos habituados a experimentar o perdão dos pecados, talvez “a um preço muito baixo”, deveríamos recordar-nos de vez em quando de quanto custamos ao amor de Deus. Cada um de nós custou bastante: a vida de Jesus! Ele tê-la-ia dado até por um só de nós. Jesus não vai para a cruz porque cura os enfermos, porque prega a caridade, porque proclama as bem-aventuranças. O Filho de Deus vai para a cruz sobretudo porque perdoa os pecados, porque quer a libertação total e definitiva do coração do homem. Porque não aceita que o ser humano consuma toda a sua existência com esta “tatuagem” indelével, com o pensamento de não poder ser recebido pelo coração misericordioso de Deus. E com estes sentimentos Jesus vai ao encontro dos pecadores, que somos todos nós.
Assim os pecadores são perdoados. Não só tranquilizados a nível psicológico, porque libertados do sentido de culpa. Jesus faz muito mais: oferece às pessoas que erraram, a esperança de uma vida nova. “Mas Senhor, eu sou um miserável” — “Olha para a frente e Eu dou-te um coração novo”. Esta é a esperança que Jesus nos oferece. Uma vida marcada pelo amor. Mateus, o publicano, torna-se apóstolo de Cristo: Mateus, que é um traidor da pátria, um explorador do povo. Zaqueu, rico corrupto — ele certamente tinha um diploma em suborno — de Jericó, transforma-se num benfeitor dos pobres. A mulher da Samaria, que teve cinco maridos e agora convive com outro, ouve a promessa da “água viva” que poderá jorrar para sempre dentro dela (cf. Jo 4, 14). Deste modo Jesus muda o coração; faz assim com todos nós.
É bom pensar que Deus não escolheu como primeira massa, para formar a sua Igreja, pessoas que nunca erravam. A Igreja é um povo de pecadores que experimentam a misericórdia e o perdão de Deus. Pedro entendeu mais verdades sobre si mesmo ao canto do galo, do que dos seus impulsos de generosidade, que lhe enchiam o peito, levando-o a sentir-se superior em relação aos outros.
Irmãos e irmãs, todos nós somos pobres pecadores, necessitados da misericórdia de Deus, que tem a força de nos transformar e restituir esperança, e isto todos os dias. E fá-lo! E às pessoas que entenderam esta verdade basilar, Deus confia a missão mais bonita do mundo, ou seja, o amor aos irmãos e às irmãs, e o anúncio de uma misericórdia que Ele não nega a ninguém. E esta é a nossa esperança. Vamos em frente com esta confiança no perdão, no amor misericordioso de Jesus.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 09.08.2017
Outrora as igrejas orientavam-se para o leste. Entrava-se no edifício sagrado por uma porta aberta para o ocidente e, caminhando pela nave, dirigia-se rumo ao oriente. Era um símbolo importante para o homem antigo, uma alegoria que ao longo da história decaiu progressivamente. Nós, homens da época moderna, muito menos habituados a captar os grandes sinais do cosmos, quase nunca nos damos conta de um pormenor deste tipo. O ocidente é o ponto cardeal do pôr do sol, onde a luz desfalece. O oriente, ao contrário, é o lugar onde as trevas são vencidas pela primeira luz da aurora, evocando-nos Cristo, Sol que surgiu do alto no horizonte do mundo (cf. Lc 1, 78).
Os antigos ritos do Batismo previam que os catecúmenos emitissem a primeira parte da sua profissão de fé, com o olhar voltado para o ocidente. E naquela postura, eram interrogados: “Renunciais a Satanás, ao seu serviço e às suas obras?” — E os futuros cristãos repetiam em coro: “Renuncio!”. Depois, iam rumo à abside, na direção do oriente, onde nasce a luz, e os candidatos ao Batismo eram novamente interrogados: “Acreditais em Deus Pai, Filho e Espírito Santo?”. E desta vez, respondiam: “Creio!”.
Nos tempos modernos perdeu-se parcialmente o fascínio deste rito: perdemos a sensibilidade à linguagem do cosmos. Naturalmente, permaneceu-nos a profissão de fé, feita segundo a interrogação batismal, que é própria da celebração de alguns sacramentos. Contudo, ela conserva-se intacta no seu significado. O que quer dizer ser cristão? Significa olhar para a luz, continuar a fazer a profissão de fé na luz, enquanto o mundo estiver envolvido pela noite e pelas trevas.
Os cristãos não estão isentos das trevas, externas e inclusive internas. Não vivem fora do mundo, mas pela graça de Cristo, recebida no Batismo, são homens e mulheres “orientados”: não acreditam na escuridão, mas na luminosidade do dia; não sucumbem à noite, mas esperam na aurora; não são derrotados pela morte, mas anseiam por ressuscitar; não são vencidos pelo mal, porque confiam sempre nas possibilidades infinitas do bem. E esta é a nossa esperança cristã. A luz de Jesus, a salvação que nos traz Jesus com a sua luz que nos salva das trevas.
Nós somos aqueles que acreditam que Deus é Pai: esta é a luz! Não somos órfãos, temos um Pai, e o nosso Pai é Deus. Cremos que Jesus desceu ao meio de nós, caminhou na nossa própria vida, tornando-se companheiro sobretudo dos mais pobres e frágeis: esta é a luz! Cremos que o Espírito Santo age incessantemente para o bem da humanidade e do mundo, e até as maiores dores da história serão superadas: esta é a esperança que nos desperta todas as manhãs! Cremos que cada afeto, cada amizade, cada desejo bom, cada amor, até os mais ténues e descuidados, um dia encontrarão o seu cumprimento em Deus: esta é a força que nos leva a abraçar com entusiasmo a nossa vida de todos os dias! E esta é a nossa esperança: viver na esperança, na luz, na luz de Deus Pai, na luz de Jesus Salvador, na luz do Espírito Santo que nos impele a ir em frente na vida.
Além disso, há outro sinal muito bonito da liturgia batismal que nos recorda a importância da luz. No final do rit0, aos pais — se se trata de uma criança — ou ao próprio batizado — se for um adulto — é entregue uma vela, cuja chama se acende no círio pascal. Trata-se do grande círio que, na noite de Páscoa, entra na igreja completamente escura para manifestar o mistério da Ressurreição de Jesus; daquele círio todos acendem a própria candeia e transmitem a chama aos vizinhos: neste sinal está a lenta propagação da Ressurreição de Jesus na vida de todos os cristãos. A vida da Igreja — direi uma palavra um pouco forte — é contaminação de luz. Quanto mais luz de Jesus nós cristãos tivermos, quanto mais luz de Jesus houver na vida da Igreja, tanto mais ela será viva. A vida da Igreja é contaminação de luz.
A exortação mais bonita que podemos dirigir uns aos outros é a de nos recordarmos do nosso Batismo. Gostaria de vos perguntar: quantos de vós se recordam da data do seu Batismo? Não respondais, porque alguns terão vergonha! Pensai, e se não vos recordais, hoje tendes uma tarefa para fazer em casa: vai ter com a tua mãe, o teu pai, a tua tia, o teu tio, a tua avó, o teu avô e pergunta-lhes: “Qual é a data do meu Batismo?”. E não voltes a esquecê-la! Está claro? Fareis isto? O compromisso de hoje é aprender a recordar-se da data do Batismo, que é o dia do renascimento, é a data da luz, o dia em que — permiti-me esta palavra — fomos contaminados pela luz de Cristo. Nós nascemos duas vezes: a primeira, para a vida natural; a segunda, graças ao encontro com Cristo, na pia batismal. Ali morremos para a morte, a fim de vivermos como filhos de Deus neste mundo. Ali tornamo-nos humanos, como nunca o teríamos imaginado. Eis por que razão todos nós devemos propagar o perfume do Crisma, com o qual fomos marcados no dia do nosso Batismo. Em nós vive e age o Espírito de Jesus, primogénito de muitos irmãos, de todos aqueles que se opõem à inevitabilidade das trevas e da morte.
Como é grande a graça, quando um cristão se torna verdadeiramente um “cristo-foros”, ou seja, “portador de Jesus” no mundo! Sobretudo para aqueles que atravessam situações de luto, de desespero, de trevas e de ódio. E isto pode ser entendido a partir de muitos pequenos detalhes: da luz que o cristão conserva nos olhos, do fundo de serenidade que não é manchado nem sequer nos dias mais complicados, do desejo de recomeçar a amar, até quando experimentamos muitas desilusões. No futuro, quando for escrita a história dos nossos dias, o que se dirá de nós? Que fomos capazes de esperança, ou então que pusemos a nossa luz debaixo do alqueire? Se formos fiéis ao nosso Batismo, propagaremos a luz da esperança, o Batismo é o início da esperança, aquela esperança de Deus, e poderemos transmitir razões de vida às gerações vindouras.
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral de 2.08.2017
No dia do nosso Batismo ressoou para nós a invocação dos santos. Naquele momento, muitos de nós eram crianças, levados no colo dos pais. Pouco antes de fazer a unção com o Óleo dos catecúmenos, símbolo da força de Deus na luta contra o mal, o sacerdote convidou toda a assembleia a rezar por aqueles que estavam prestes a receber o Batismo, invocando a intercessão dos santos. Era a primeira vez que, durante a nossa vida, nos concediam esta companhia de irmãos e irmãs “mais velhos” — os santos — que passaram pelo nosso próprio caminho, que conheceram as nossas mesmas dificuldades e vivem para sempre no abraço de Deus. A Carta aos Hebreus define esta companhia que nos circunda, com a expressão «multidão de testemunhas» (12, 1). Assim são os santos: uma multidão de testemunhas.
Na luta contra o mal, os cristãos não se desesperam. O cristianismo cultiva uma confiança incurável: não acredita que as forças negativas e desagregadoras possam predominar. A última palavra sobre a história do homem não é o ódio, não é a morte, não é a guerra. Em cada momento da vida somos ajudados pela mão de Deus, e também pela presença discreta de todos os crentes que «nos precederam com o sinal da fé» (Cânone Romano). A sua existência diz-nos antes de tudo que a vida cristã não é um ideal inacessível. E ao mesmo tempo conforta-nos: não estamos sozinhos, a Igreja é composta por inúmeros irmãos, muitas vezes anónimos, que nos precederam e que mediante a ação do Espírito Santo participam nas vicissitudes de quantos ainda vivem aqui na terra.
A do Batismo não é a única invocação dos santos que marca o caminho da vida cristã. Quando dois noivos consagram o seu amor no sacramento do Matrimónio, invoca-se de novo para eles — desta vez como casal — a intercessão dos santos. E esta invocação é fonte de confiança para os dois jovens que partem para a “viagem” da vida conjugal. Quem ama verdadeiramente tem o desejo e a coragem de dizer “para sempre” — “para sempre” — mas sabe que tem a necessidade da graça de Cristo e da ajuda dos santos para poder levar a vida matrimonial para sempre. Não como alguns dizem: “enquanto o amor durar”. Não: para sempre! Caso contrário, é melhor que não te cases. Ou para sempre ou nada. Por isso, na liturgia nupcial invoca-se a presença dos santos. E nos momentos difíceis é preciso ter a coragem de elevar o olhar para o céu, pensando nos numerosos cristãos que passaram através das tribulações e conservaram brancas as suas vestes batismais, lavando-as no sangue do Cordeiro (cf. Ap 7, 14): assim reza o Livro do Apocalipse. Deus nunca nos abandona: cada vez que tivermos necessidade virá um dos seus anjos para nos animar e para nos infundir a consolação. “Anjos” às vezes com um rosto e um coração humanos, porque os santos de Deus estão sempre aqui, escondidos no meio de nós. Isto é difícil de entender e até de imaginar, mas os santos estão presentes na nossa vida. E quando alguém invoca um santo ou uma santa, é precisamente porque se encontra próximo de nós.
Inclusive os presbíteros conservam a recordação de uma invocação dos santos, pronunciada sobre eles. É um dos momentos mais emocionantes da liturgia da ordenação. Os candidatos deitam-se no chão, com o rosto virado para baixo. E toda a assembleia, presidida pelo Bispo, invoca a intercessão dos santos. Um homem ficaria esmagado sob o peso da missão que lhe é confiada, mas ouvindo que o Paraíso inteiro o protege, que a graça de Deus não faltará porque Jesus permanece sempre fiel, então ele pode partir sereno e encorajado. Não estamos sozinhos.
E o que somos nós? Somos pó que aspira ao céu. Frágeis nas nossas forças, mas é poderoso o mistério da graça que está presente na vida dos cristãos. Somos fiéis a esta terra, que Jesus amou em cada instante da sua vida, mas sabemos e queremos esperar na transfiguração do mundo, no seu cumprimento definitivo onde finalmente já não haverá lágrimas, maldade, sofrimento.
Que o Senhor conceda a todos nós a esperança de ser santos. Mas alguns de vós poderão perguntar-me: “Padre, é possível ser santo na vida de todos os dias?”. Sim, é possível. “Mas isto significa que devemos rezar o dia inteiro?” Não, quer dizer que tu deves cumprir o teu dever ao longo do dia: rezar, ir ao trabalho, proteger os teus filhos. Mas é preciso fazer tudo com o coração aberto a Deus, de modo que o trabalho, até na enfermidade e no sofrimento, inclusive no meio das dificuldades, permaneça aberto a Deus. E assim é possível ser santo. Que o Senhor nos dê a esperança de ser santos. Não pensemos que é algo difícil, que é mais fácil sermos delinquentes do que santos! Não. Podemos ser santos, porque o Senhor nos ajuda; é Ele que nos assiste.
É o grande presente que cada um de nós pode oferecer ao mundo. Que o Senhor nos conceda a graça de crer tão profundamente nele, a ponto de nos tornarmos imagem de Cristo para este mundo. A nossa história tem necessidade de “místicos”: de pessoas que rejeitam qualquer domínio, que aspiram à caridade e à fraternidade. Homens e mulheres que vivem, aceitando até um quinhão de sofrimento, porque assumem o cansaço do próximo. Mas sem estes homens e mulheres, o mundo não teria esperança. Por isso, faço votos a fim de que vós — e também eu — recebamos do Senhor o dom da esperança de sermos santos.
Obrigado!
Papa Francisco
Catequese da audiência Geral 21.06.2017
Hoje refletimos sobre a esperança cristã como força dos mártires. Quando, no Evangelho, Jesus convida os discípulos à missão, não os ilude com miragens de sucesso fácil; ao contrário, adverte-os claramente que o anúncio do Reino de Deus comporta sempre uma oposição. E usa também uma expressão extrema: «Sereis odiados — odiados — de todos por causa do meu nome» (Mt 10, 22). Os cristãos amam, mas nem sempre são amados. Jesus coloca-nos imediatamente diante desta realidade: numa medida mais ou menos forte, a confissão da fé ocorre num clima de hostilidade.
Portanto, os cristãos são homens e mulheres “contracorrente”. É normal: dado que o mundo está marcado pelo pecado, que se manifesta em várias formas de egoísmo e de injustiça, quem segue Cristo caminha em direção contrária. Não por espírito polémico, mas por fidelidade à lógica do Reino de Deus, que é uma lógica de esperança, e traduz-se no estilo de vida baseado nas indicações de Jesus.
E a primeira indicação é a pobreza. Quando Jesus envia os seus em missão, parece que presta mais atenção ao “despojá-los” do que ao “vesti-los”! Com efeito, o cristão que não é humilde e pobre, desapegado das riquezas e do poder e sobretudo desprendido de si mesmo, não se assemelha a Jesus. O cristão percorre o seu itinerário neste mundo com o que é essencial para o caminho, porém com o coração cheio de amor. A verdadeira derrota para ele ou para ela é cair na tentação da vingança e da violência, respondendo ao mal com o mal. Jesus diz-nos: «Eu envio-vos como ovelhas no meio de lobos» (Mt 10, 16). Por conseguinte, sem fauces, garras e armas. Pelo contrário, o cristão deverá ser prudente, por vezes inclusive astuto: estas são as virtudes aceites pela lógica evangélica. Mas nunca deve ceder à violência. Para derrotar o mal, não podemos compartilhar os métodos do mal.
A única força do cristão é o Evangelho. Nos momentos de dificuldade, devemos acreditar que Jesus está diante de nós, e não deixa de acompanhar os seus discípulos. A perseguição não é uma contradição ao Evangelho, mas faz parte dele: se perseguiram o nosso Mestre, como podemos esperar ser dispensados da luta? Porém, no meio do turbilhão, o cristão não deve perder a esperança, pensando que foi abandonado. Jesus tranquiliza os seus dizendo: «Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados» (Mt 10, 30). É como dizer que nenhum dos sofrimentos do homem, nem sequer os mais insignificantes e escondidos, são invisíveis aos olhos de Deus. Deus vê, e certamente protege; e concederá o seu resgate. De fato, há no meio de nós Alguém que é mais forte do que o mal, mais forte do que as máfias, do que as tramas obscuras, de quem se beneficia com as desgraças dos desesperados, de quem esmaga os outros com prepotência... Alguém que desde sempre ouve a voz do sangue de Abel que grita da terra.
Portanto, os cristãos devem deixar-se encontrar sempre “do outro lado” do mundo, o escolhido por Deus: não perseguidores, mas perseguidos; não arrogantes, mas mansos; não vendedores de fumaça, mas submetidos à verdade; não impostores, mas honestos.
Esta fidelidade ao estilo de Jesus — que é um estilo de esperança — até à morte, será chamada pelos primeiros cristãos com um nome belíssimo: “martírio”, que significa “testemunho”. Havia muitas outras possibilidades, oferecidas pelo vocabulário: poderia chamar-se heroísmo, abnegação, sacrifício de si mesmo. Mas, ao contrário, os cristãos da primeira hora chamaram-na com um nome que perfuma de discipulado. Os mártires não vivem para si mesmos, não combatem para afirmar as próprias ideias, e aceitam ter que morrer somente por fidelidade ao Evangelho. O martírio não é nem sequer o ideal supremo da vida cristã, porque acima dele há a caridade, ou seja, o amor a Deus e ao próximo. Explica-o muito bem o apóstolo Paulo no hino à caridade: «Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria» (1 Cor 13, 3). Os cristãos repugnam a ideia de que os bombistas suicidas possam ser chamados “mártires”: nada há na morte deles que se possa aproximar à atitude dos filhos de Deus.
Por vezes, lendo as histórias de muitos mártires de ontem e de hoje — que são mais numerosos do que os mártires dos primeiros tempos — ficamos surpreendidos perante a determinação com a qual enfrentaram a provação. Esta força é sinal da grande esperança que os animava: a esperança certa de que nada e ninguém os podia separar do amor de Deus que nos foi doado em Jesus Cristo (cf. Rm 8, 38-39).
Que Deus nos conceda sempre a força de ser suas testemunhas. Nos doe a força de viver a esperança cristã sobretudo no martírio escondido de cumprir bem e com amor os nossos deveres de cada dia. Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral 27.06.2017
Nenhum de nós pode viver sem amor. E uma terrível escravidão na qual podemos cair é considerar que o amor deve ser merecido. Talvez uma boa parte da angústia do homem contemporâneo deriva disto: acreditar que se não formos fortes, atraentes e bonitos, então ninguém se ocupará de nós. Muitas pessoas hoje só procuram a visibilidade para preencher o vazio interior: como se fôssemos pessoas eternamente necessitadas de confirmações. Contudo, podeis imaginar um mundo no qual todos mendigam motivos para chamar a atenção dos outros e, ao contrário, ninguém está disposto a amar gratuitamente outra pessoa? Imaginai um mundo assim: um mundo sem a gratuidade do querer bem! Parece um mundo humano, mas na realidade é um inferno.
Muitos narcisismos do homem nascem de um sentimento de solidão e de orfandade. Por detrás de tantos comportamentos aparentemente inexplicáveis esconde-se uma pergunta: é possível que eu não mereça ser chamado pelo nome, isto é, ser amado? Porque o amor chama sempre pelo nome...
Quando quem não é ou não se sente amado é um adolescente, então pode nascer a violência. Por detrás de muitas formas de ódio social e de brutalidade com frequência há um coração que não foi reconhecido. Não existem crianças más, assim como não existem adolescentes totalmente malvados, mas existem pessoas infelizes. O que nos pode tornar felizes, senão a experiência do amor dado e recebido? A vida do ser humano é uma troca de olhares: alguém que ao olhar para nós conquista primeiro o nosso sorriso, e nós que gratuitamente sorrimos para quem está fechado na tristeza, e deste modo abrimos-lhe uma saída. Troca de olhares: fitai nos olhos e abrir-se-ão as portas do coração.
O primeiro passo que Deus dá na nossa direção é de um amor antecipado e incondicional. Deus ama primeiro. Deus não nos ama porque em nós existe um motivo que suscita amor. Deus ama-nos porque Ele próprio é amor, e por sua natureza o amor tende a difundir-se, a doar-se. Deus não relaciona nem sequer a sua benevolência à nossa conversão: pode ser que esta seja uma consequência do amor de Deus. São Paulo diz de maneira perfeita: «Deus demonstra o seu amor para connosco no facto de que, enquanto ainda éramos pecadores, Cristo morreu por nós» (cf. Rm 5, 8). Enquanto ainda éramos pecadores. Um amor incondicional. Estávamos “distantes”, como o filho pródigo da parábola: «Quando estava ainda distante, o seu pai viu-o, sentiu compaixão...» (Lc 15, 20). Por amor a nós Deus realizou um êxodo de Si mesmo, para vir ter connosco nesta terra por onde era insensato que Ele transitasse. Deus amou-nos até quando estávamos enganados.
Quem de nós ama desta maneira, exceto quem é pai ou mãe? Uma mãe continua a amar o seu filho até quando ele vai para o cárcere. Recordo-me de muitas mães, que faziam a fila para entrar nas prisões, na minha diocese precedente. E não se envergonhavam. O filho estava na prisão, mas era o seu filho. E sofriam muitas humilhações nas perquirições, antes de entrar, mas: “É o meu filho!”. “Mas, senhora, o seu filho é um delinquente!” — “É o meu filho!”. Só este amor de mãe e de pai nos leva a compreender como é o amor de Deus. Uma mãe não pede o cancelamento da justiça humana, porque cada erro exige uma redenção, mas uma mãe nunca deixa de sofrer pelo próprio filho. Ama-o até quando é pecador. Deus faz o mesmo connosco: somos os seus filhos amados! Mas pode acontecer que Deus tenha alguns filhos aos quis não ama? Não. Todos somos filhos amados de Deus. Não existe maldição alguma na nossa vida, só uma benévola palavra de Deus, que hauriu a nossa existência do nada. A verdade de tudo é a relação de amor que une o Pai com o Filho mediante o Espírito Santo, na qual somos acolhidos pela graça. N’Ele, em Jesus Cristo, fomos queridos, amados e desejados. Há Alguém que imprimiu em nós uma beleza primordial que pecado algum, que escolha errada alguma, nunca poderá cancelar totalmente. Nós, diante do olhar de Deus, somos sempre pequenas fontes feitas para jorrar água boa. Jesus disse à samaritana: «A água que Eu [te] der tornar-se-á [em ti] fonte de água que jorra para a vida eterna» (cf. Jo 4, 14).
Qual é o remédio para mudar o coração de uma pessoa infeliz? Qual é o remédio para mudar o coração de uma pessoa que não é feliz? [respondem: o amor]. Mais alto! [gritam: o amor!]. Excelente, excelente, parabéns a todos! E como se faz para sentir à pessoa que é amada? Antes de tudo, é preciso abraçá-la. Fazer com que se sinta desejada, que é importante, e deixará de ser triste. Amor chama amor, de modo mais forte do que o ódio chama a morte. Jesus não morreu e ressuscitou para si mesmo, mas para nós, para que os nossos pecados sejam perdoados. Portanto, é tempo de ressurreição para todos: tempo de erguer os pobres do desânimo, sobretudo os que jazem no sepulcro por um período muito mais longo do que três dias.
Sopra aqui, nos nossos rostos, um vento de libertação. Brota aqui o dom da esperança. A esperança de Deus Pai que nos ama assim como somos: ama-nos sempre e a todos. Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral 14.06.2017
Bom dia, caros irmãos e irmãs!
Havia algo de fascinante na prece de Jesus, tão fascinante que certo dia os seus discípulos pediram para ser iniciados nela. O episódio encontra-se no Evangelho de Lucas, que entre os Evangelistas é aquele que mais documentou o mistério de Cristo “orante”: o Senhor rezava. Os discípulos de Jesus ficam impressionados porque Ele, especialmente de manhã e à noite, se retira em solidão e se “imerge” em oração. E por isso um dia pedem-lhe que, também a eles, lhes ensine a rezar (cf. Lc 11, 1).
É então que Jesus transmite aquela que se tornou a oração cristã por excelência: o “Pai-Nosso”. Na verdade Lucas, em comparação com Mateus, restitui-nos a prece de Jesus de uma forma um pouco abreviada, que começa com a simples invocação: «Pai» (v. 2).
Todo o mistério da oração cristã está resumido aqui, nesta palavra: ter a coragem de chamar Deus com o nome de Pai. Afirma-o até a liturgia quando, convidando-nos à recitação comunitária da oração de Jesus, utiliza a expressão «ousamos dizer».
Com efeito, chamar Deus com o nome de “Pai” não é de modo algum algo óbvio. Seríamos levados a usar os títulos mais elevados, que nos parecem mais respeitadores da sua transcendência. Ao contrário, invocá-lo como “Pai” coloca-nos numa relação de familiaridade com Ele, como uma criança se dirige ao seu pai, consciente de ser amado e cuidado por ele. Esta é a grande revolução que o cristianismo imprime na psicologia religiosa do homem. O mistério de Deus, que sempre nos fascina e nos faz sentir pequenos, mas não nos assusta, não nos esmaga, não nos angustia. Esta é uma revolução difícil de aceitar na nossa alma humana; a tal ponto que até nas narrações da Ressurreição se diz que as mulheres, depois de ter visto o túmulo vazio e o anjo, «fugiram [...], trémulas e amedrontadas» (Mc 16, 8). Mas Jesus revela-nos que Deus é Pai bom e diz-nos: “Não tenhais medo!”.
Pensemos na parábola do pai misericordioso (cf. Lc 15, 11-32). Jesus narra de um pai que só sabe ser amor para os seus filhos. Um pai que não castiga o filho pela sua arrogância e que é capaz até de lhe confiar a sua parte de herança, deixando-o ir embora de casa. Deus é Pai, diz Jesus, mas não à maneira humana, pois não há pai algum neste mundo que se comportaria como o protagonista dessa parábola. Deus é Pai a seu modo: bom, indefeso diante do livre arbítrio do homem, só capaz de conjugar o verbo “amar”. Quando o filho rebelde, depois de ter desperdiçado tudo, finalmente volta para a casa natal, aquele pai não aplica critérios de justiça humana, mas sente antes de tudo a necessidade de perdoar, e com o seu abraço leva o filho a entender que durante todo aquele longo tempo de ausência lhe fez falta, fez dolorosamente falta ao seu amor de pai.
Que mistério insondável é um Deus que nutre este tipo de amor pelos seus filhos!
Talvez seja por esta razão que, evocando o centro do mistério cristão, o apóstolo Paulo não tem coragem de traduzir em grego uma palavra que Jesus, em aramaico, pronunciava “abá”. No seu epistolário (cf. Rm 8, 15; Gl 4, 6), São Paulo aborda duas vezes este tema, e por duas vezes deixa aquela palavra não traduzida, da mesma forma como brotou dos lábios de Jesus, “abá”, um termo ainda mais íntimo do que “pai”, e que alguns traduzem “papá, papai”.
Caros irmãos e irmãs, nunca estamos sós. Podemos estar longe, ser hostis, podemos até professar-nos “sem Deus”. Mas o Evangelho de Jesus Cristo revela-nos que Deus não consegue estar sem nós: Ele nunca será um Deus “sem o homem”; é Ele que não pode estar sem nós, e este é um grande mistério! Deus não pode ser Deus sem o homem: este é um grande mistério! E esta certeza é a fonte da nossa esperança, que encontramos conservada em todas as invocações do Pai-Nosso. Quando temos necessidade de ajuda, Jesus não nos diz para nos resignarmos e nos fecharmos em nós mesmos, mas para nos dirigirmos ao Pai, pedindo a Ele com confiança. Todas as nossas necessidades, das mais evidentes e diárias, como a comida, a saúde e o trabalho, até àquela de sermos perdoados e ajudados nas tentações, não são o espelho da nossa solidão: ao contrário, há um Pai que nos fita sempre com amor, e que certamente não nos abandona.
Agora faço-vos uma proposta: cada um de nós tem muitos problemas e tantas necessidades. Pensemos um pouco, em silêncio, nestes problemas e nestas dificuldades. Pensemos também no Pai, no nosso Pai, que não pode estar sem nós, e que neste momento está a olhar para nós. E todos juntos, com confiança e esperança, oremos: “Pai nosso, que estais no Céu...”. Obrigado!
Papa Francisco
Audiência Geral 7.06.2017
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Na iminência da solenidade de Pentecostes não podemos deixar de falar da relação que há entre a esperança cristã e o Espírito Santo. O Espírito é o vento que nos impele para a frente, que nos mantém no caminho, que nos faz sentir peregrinos e forasteiros, e não permite que descansemos sobre os nossos próprios louros e que nos tornemos um povo “sedentário”.
A Carta aos Hebreus compara a esperança a uma âncora (cf. 6, 18-19); a esta imagem podemos acrescentar a da vela. Se a âncora é o que dá à barca a segurança e a mantém “ancorada” entre as ondas do mar, ao contrário a vela é o que a faz caminhar e avançar sobre as águas. A esperança é deveras como uma vela; ela recolhe o vento do Espírito Santo e transforma-o em força motriz que impele a barca, dependendo das circunstâncias, ao largo ou à beira-mar.
O apóstolo Paulo conclui a sua Carta aos Romanos com estes votos: ouvi bem, escutai bem que auspício bonito: «O Deus da esperança vos encha de toda a alegria e de toda a paz na vossa fé, para que pela virtude do Espírito Santo transbordeis de esperança» (15, 13). Reflitamos um pouco sobre o conteúdo desta belíssima palavra.
A expressão “Deus da esperança” não significa somente que Deus é o objeto da nossa esperança, ou seja, Aquele que esperamos alcançar um dia na vida eterna; quer dizer também que Deus é Aquele que já neste momento nos faz esperar, aliás, nos torna «alegres na esperança» (Rm 12, 12): alegres agora por esperar, e não só esperar para ser alegres. É a alegria de esperar e não esperar para ter alegria, já hoje. “Enquanto houver vida, haverá esperança”, diz o ditado popular; e é verdade também o contrário: enquanto houver esperança, há vida. Os homens necessitam de esperança para viver e precisam do Espírito Santo para esperar.
São Paulo — ouvimos — atribui ao Espírito Santo a capacidade de nos fazer até “transbordar de esperança”. Transbordar de esperança significa nunca desanimar; significa esperar «contra qualquer esperança» (Rm 4, 18), ou seja, esperar até quando falta qualquer motivo humano para esperar, como aconteceu com Abraão no momento em que Deus lhe pediu para sacrificar o único filho, Isac, e como sucedeu também, ainda mais, com a Virgem Maria aos pés da cruz de Jesus.
O Espírito Santo torna possível esta esperança invencível dando-nos o testemunho interior de que somos filhos de Deus e seus herdeiros (cf. Rm 8, 16). Como poderia Aquele que nos entregou o seu único Filho não nos dar também com Ele todas as coisas? (cf. Rm 8, 32). «A esperança — irmãos e irmãs — não desilude: a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). Portanto, não desilude, porque há o Espírito Santo dentro de nós que nos impele a ir em frente, sempre! E por esta razão, a esperança não desilude.
Há mais: o Espírito Santo não nos torna somente capazes de esperar, mas inclusive de ser semeadores de esperança, de ser também nós — como Ele e graças a Ele — “paráclitos”, ou seja, consoladores e defensores dos irmãos, semeadores de esperança. Um cristão pode semear amarguras, pode semear perplexidades, e isto não é cristão, e quem faz isto não é um bom cristão. Semeia a esperança: semeia óleo de esperança, semeia perfume de esperança e não vinagre de amargura e de desesperança. O Beato cardeal Newman, num seu discurso, dizia aos fiéis: «Instruídos pelo nosso próprio sofrimento, pela nossa própria dor, aliás, pelos nossos próprios pecados, teremos a mente e o coração treinados para qualquer obra de amor em relação aos necessitados. Seremos, conforme a nossa capacidade, consoladores à imagem do Paráclito — ou seja, do Espírito Santo — e em todos os sentidos que esta palavra comporta: advogados, assistentes, portadores de conforto. As nossas palavras e os nossos conselhos, o nosso modo de fazer, a nossa voz, o nosso olhar, serão gentis e tranquilizadores» (Parochial and Plain Sermons, vol. v, Londres 1870, pp. 300 s.). E são sobretudo os pobres, os excluídos, os desamados a precisar de alguém que para eles se torne “paráclito”, ou seja, consolador e defensor, como o Espírito Santo faz com cada um de nós, que estamos aqui na praça, consolador e defensor. Nós devemos fazer o mesmo com os mais necessitados, com os mais descartados, com aqueles que mais precisam, aqueles que mais sofrem. Defensores e consoladores!
O Espírito Santo alimenta a esperança não só no coração dos homens, mas também na criação inteira. Diz o Apóstolo Paulo — parece um pouco estranho, mas é verdade: que também a criação “aguarda ansiosamente” com a esperança de ser também ela libertada e “geme e sofre” como que dores de parto (cf. Rm 8, 20-22). «A energia capaz de mover o mundo não é uma força anônima e cega, mas é a ação do Espírito de Deus que “pairava sobre as águas” (Gn 1, 2) no início da criação» (Bento XVI, Homilia, 31 de maio de 2009). Também isto nos impele a respeitar a criação: não se pode manchar um quadro sem ofender o artista que o criou.
Irmãos e irmãs, a próxima festa de Pentecostes — que é o aniversário da Igreja — nos encontre concordes na oração, com Maria, Mãe de Jesus e nossa. E o dom do Espírito Santo nos faça transbordar de esperança. Dir-vos-ei algo mais: que nos faça prodigalizar esperança a todos aqueles que mais necessitam, que são mais descartados e a todos aqueles que dela precisam. Obrigado.
Papa Francisco
Audiência Geral 31.05.2017
Hoje gostaria de analisar a experiência dos dois discípulos de Emaús, sobre a qual fala o Evangelho de Lucas (cf. 24, 13-35). Imaginemos a cena: dois homens caminham desiludidos, tristes, decididos a deixar para trás a amargura de um vicissitude mal sucedida. Antes daquela Páscoa estavam cheios de entusiasmo: convencidos de que aqueles dias teriam sido determinantes para as suas expetativas e para a esperança do povo inteiro. Jesus, ao qual tinham confiado a própria vida, parecia ter finalmente chegado à batalha decisiva: agora manifestaria o seu poder, depois de uma longa fase de preparação e de escondimento. Era isso o que eles esperavam. Mas não foi assim.
Os dois peregrinos cultivavam uma esperança somente humana, que agora desabava. Aquela cruz erguida no Calvário era o sinal mais eloquente de uma derrota que não tinham previsto. Se deveras aquele Jesus era segundo o coração de Deus, deviam chegar à conclusão que Deus estava inerme, indefeso nas mãos dos violentos, incapaz de opor resistência ao mal.
Assim, naquela manhã de domingo, os dois fogem de Jerusalém. Ainda tinham nos olhos os momentos da paixão, a morte de Jesus; e na alma o pensamento atormentado pelos acontecimentos, durante o repouso forçado do sábado. Aquela festa de Páscoa, que devia entoar o canto da libertação, transformou-se pelo contrário no dia mais doloroso da sua vida. Deixam Jerusalém para ir alhures, a uma aldeia tranquila. Têm toda a aparência de pessoas empenhadas em apagar uma recordação que magoa. Portanto, encontram-se numa estrada, andam, tristes. Este cenário — a estrada — já tinha sido importante nas narrações dos evangelhos; agora tornar-se-á cada vez mais relevante, no momento em que se começa a narrar a história da Igreja.
O encontro de Jesus com aqueles dois discípulos parece ser totalmente casual: assemelha-se a uma das numerosas encruzilhadas que se encontram na vida. Os dois discípulos prosseguem pensativos e um desconhecido caminha ao lado deles. É Jesus; mas os seus olhos não são capazes de o reconhecer. E então Jesus começa a sua “terapia da esperança”. O que acontece nesta estrada é uma terapia da esperança. Quem a faz? Jesus.
Em primeiro lugar pergunta e escuta: o nosso Deus não é um Deus intrometido. Embora já conheça o motivo da deceção dos dois, deixa-lhes o tempo para poder sondar profundamente a amargura que se apoderou deles. Daqui surge uma confissão que é um refrão da existência humana: «Nós esperávamos, mas... Nós esperávamos, mas...» (v. 21). Quantas tristezas, quantas derrotas, quantas falências há na vida de cada pessoa! No fundo somos todos um pouco como esses dois discípulos. Quantas vezes na vida esperamos, quantas vezes nos sentimos a um passo da felicidade e, no fim, ficamos desiludidos. Mas Jesus caminha com todas as pessoas desanimadas que procedem cabisbaixas. E caminhando com elas, de forma discreta, consegue restituir-lhes a esperança.
Jesus fala com eles sobretudo através das Escrituras. Quem pega o livro de Deus nas mãos não se cruza com histórias de fácil heroísmo, campanhas de conquista impetuosas. A verdadeira esperança nunca é pouco dispendiosa: passa sempre através das derrotas. A esperança de quem não sofre, talvez nem sequer seja tal. Deus não gosta de ser amado como poderíamos amar um general que leva o seu povo à vitória, aniquilando no sangue os seus adversários. O nosso Deus é uma chama esmorecida que arde num dia de frio e de vento, e não obstante a sua presença neste mundo possa parecer frágil, Ele escolheu o lugar que todos nós desdenhamos.
Em seguida Jesus repete também aos dois discípulos o gesto fulcral de cada Eucaristia: pegou no pão, abençoou-o e, depois de o partir, ofereceu-o. Nesta sequência de gestos, não há porventura toda a história de Jesus? E não há, em cada Eucaristia, também o sinal do que deve ser a Igreja? Jesus pega em nós, abençoa-nos, “parte” a nossa vida — porque não há amor sem sacrifício — e oferece-a aos outros, oferece-a a todos.
O encontro de Jesus com os dois discípulos de Emaús é rápido. Todavia, nele está todo o destino da Igreja. Narra-nos que a comunidade cristã não está fechada numa cidadela fortificada, mas caminha no seu ambiente mais vital, ou seja, a estrada. E ali encontra as pessoas com as suas esperanças e as suas desilusões, por vezes pesadas. A Igreja escuta as histórias de todos, assim como sobressaem do íntimo da consciência pessoal; para depois oferecer a Palavra de vida, o testemunho de amor, amor fiel até ao fim. E então o coração das pessoas volta a arder de esperança.
Todos nós, na nossa vida, tivemos momentos difíceis, obscuros; momentos nos quais caminhávamos tristes, pensativos, sem horizontes, somente com um muro à nossa frente. E Jesus sempre está ao nosso lado para nos dar esperança, para nos aquecer o coração e dizer: “Vai em frente, estou contigo. Vai em frente”. O segredo da estrada que conduz a Emaús resume-se inteiramente nisto: mesmo através das aparências contrárias, continuamos a ser amados, e Deus nunca deixará de nos querer bem. Deus caminhará sempre connosco, sempre, até nos momentos mais dolorosos, nos períodos mais difíceis, também nos momentos de derrota: ali está o Senhor. E esta é a nossa esperança. Vamos em frente com esta esperança! Porque Ele está ao nosso lado e caminha connosco, sempre!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 24.05.2017
Bom dia, amados irmãos e irmãs!
Durante estas semanas a nossa reflexão move-se, por assim dizer, na órbita do mistério pascal. Hoje encontramos aquela que, segundo os Evangelhos, foi a primeira que viu Jesus ressuscitado: Maria Madalena. Há pouco tinha terminado o repouso do sábado. No dia da paixão não houve tempo para completar os ritos fúnebres; por isso, naquela aurora cheia de tristeza, as mulheres vão ao sepulcro de Jesus com o bálsamo perfumado. A primeira que chega é ela: Maria de Magdala, uma das discípulas que tinham acompanhado Jesus desde a Galileia, colocando-se ao serviço da Igreja nascente. No seu trajeto rumo ao túmulo reflete-se a fidelidade de muitas mulheres que durante anos são devotas às vielas dos cemitérios, em recordação de alguém que já não está entre nós. Os vínculos mais autênticos não são interrompidos nem sequer pela morte: alguns continuam a amar, não obstante a pessoa amada tenha partido para sempre.
O Evangelho (cf. Jo 20, 1-2.11-18) descreve Maria Madalena, pondo de imediato em evidência que ela não era uma mulher que se entusiasmava facilmente. Com efeito, depois da primeira visita ao sepulcro, volta desiludida ao lugar onde os discípulos se escondiam; refere que a pedra foi removida da entrada do túmulo, e a sua primeira hipótese é a mais simples que se possa formular: alguém deve ter roubado o corpo de Jesus. Assim, o primeiro anúncio que Maria faz não é o da Ressurreição, mas de um furto perpetrado por pessoas desconhecidas, enquanto toda a Jerusalém dormia.
Em seguida, os Evangelhos descrevem uma segunda visita de Maria Madalena ao sepulcro de Jesus. Ela era teimosa! Foi, voltou... porque não se convencia! Desta vez o seu andar é lento, extremamente pesado. Maria sofre duplamente: antes de tudo pela morte de Jesus, e depois pelo inexplicável desaparecimento do seu corpo.
Enquanto está inclinada perto do túmulo, com os olhos rasos de água, Deus surpreende-a da maneira mais inesperada. O evangelista João sublinha como a sua cegueira é persistente: não se dá conta da presença de dois anjos que a interrogam, e nem sequer desconfia vendo o homem atrás de si, que ela julga ser o guardião do jardim. E, ao contrário, descobre o acontecimento mais surpreendente da história humana, quando finalmente é chamada por nome: «Maria!» (v. 16).
Como é bonito pensar que a primeira aparição do Ressuscitado — segundo os Evangelhos — teve lugar de um modo tão pessoal! Que há alguém que nos conhece, que vê o nosso sofrimento e a nossa desilusão, que se comove por nós e nos chama pelo nome. É uma lei que encontramos esculpida em muitas páginas do Evangelho. Em volta de Jesus há muitas pessoas que procuram Deus; mas a realidade mais prodigiosa é que, muito antes, há sobretudo Deus que se preocupa com a nossa vida, que a quer reanimar, e para fazer isto chama-nos pelo nome, reconhecendo o semblante pessoal de cada um. Cada homem é uma história de amor que Deus escreve nesta terra. Cada um de nós é uma história de amor de Deus. Deus chama cada um de nós pelo nome: conhece-nos pelo nome, olha para nós, está à nossa espera, perdoa-nos, tem paciência com cada um de nós. É verdade ou não? Cada um de nós vive esta experiência.
E Jesus chama-a: «Maria!». A revolução da sua vida, a revolução destinada a transformar a existência de cada homem e mulher, começa com um nome que ressoa no jardim do sepulcro vazio. Os Evangelhos descrevem-nos a felicidade de Maria: a Ressurreição de Jesus não é uma alegria concedida a conta-gotas, mas é uma cascata que abrange a vida inteira. A existência cristã não é constituída por pequenas felicidades, mas por ondas que subvertem tudo. Procurai pensar também vós, neste instante, com a bagagem de desilusões e de reveses que cada qual tem no seu coração, que há um Deus perto de nós que nos chama pelo nome, dizendo: «Ergue-te, para de chorar, porque Eu vim libertar-te!». Isto é bonito!
Jesus não é alguém que se adapta ao mundo, tolerando que nele perdurem a morte, a tristeza, o ódio, a destruição moral das pessoas... O nosso Deus não é inerte, mas o nosso Deus — permiti-me esta palavra — é um sonhador: sonha a transformação do mundo, tendo-a já realizada no mistério da Ressurreição.
Maria gostaria de abraçar o seu Senhor, mas Ele já está orientado para o Pai celestial, enquanto ela é enviada a levar o anúncio aos irmãos. E assim aquela mulher, que antes de encontrar Jesus estava à mercê do maligno (cf. Lc 8, 2), agora torna-se apóstola de uma esperança nova e maior. A sua intercessão nos ajude a viver, também nós, esta experiência: na hora do pranto e na hora do abandono, ouvir Jesus Ressuscitado que nos chama pelo nome e, com o coração repleto de júbilo, partir para anunciar: «Eu vi o Senhor!» (cf. Jo 20, 18). Mudei de vida porque vi o Senhor! Agora sou diferente de outrora, sou outra pessoa. Mudei porque vi o Senhor — esta é a nossa força e a nossa esperança.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 17.05.2017
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
No nosso itinerário de catequeses sobre a esperança cristã, hoje meditamos sobre Maria, Mãe da esperança. Maria atravessou mais de uma noite no seu caminho de mãe. Desde a primeira menção na história dos evangelhos, a sua figura destaca-se como se fosse o personagem de um drama. Não foi simples responder com um «sim» ao convite do anjo: e no entanto, ainda na flor da idade, ela respondeu com coragem, não obstante nada soubesse do destino que a esperava. Maria, naquele instante, parece uma das muitas mães do nosso mundo, corajosas até ao extremo quando se trata de acolher no próprio ventre a história de um novo homem que nasce.
Aquele «sim» foi o primeiro passo de uma longa lista de obediências — longa lista de obediências! — que acompanharão todo o seu itinerário de mãe. Assim, nos evangelhos Maria aparece como uma mulher silenciosa, que com frequência não compreende tudo o que acontece ao seu redor, mas medita cada palavra e acontecimento no seu coração.
Nesta perspetiva, podemos ver um perfil belíssimo da psicologia de Maria: não é uma mulher que se deprime face às incertezas da vida, especialmente quando nada parece correr bem. Nem sequer uma mulher que protesta com violência, que se enfurece contra o destino da vida que muitas vezes nos revela um semblante hostil. Ao contrário, é uma mulher que ouve: não vos esqueçais que existe sempre uma grande relação entre a esperança e a escuta, e Maria é uma mulher que ouve. Maria acolhe a existência do modo como se apresenta a nós, com os seus dias felizes, mas também com as suas tragédias que nunca gostaríamos de ter encontrado. Até à noite suprema de Maria, quando o seu Filho foi pregado na cruz.
Até àquele dia, Maria tinha quase desaparecido da trama dos evangelhos: os escritores sagrados deixam entender este lento escondimento da sua presença, o seu permanecer muda diante do mistério de um Filho que obedece ao Pai. Contudo, Maria reaparece precisamente no momento crucial: quando grande parte dos amigos fogem por terem medo. As mães não traem, e naquele instante, aos pés da cruz, nenhum de nós pode dizer qual tenha sido a paixão mais cruel: se a de um homem inocente que morre no patíbulo da cruz, ou a agonia de uma mãe que acompanha os últimos instantes da vida do seu filho. Os evangelhos são lacónicos e extremamente discretos. Mencionam com um simples verbo a presença da Mãe: «estava» (Jo 19, 25). Ela estava. Nada dizem sobre a sua reação: se chorou ou não... nada; nem uma pincelada para descrever a sua dor: sobre esses pormenores mais tarde teria irrompido a imaginação de poetas e pintores que nos deixaram imagens que entraram na história da arte e da literatura. Contudo, os evangelhos dizem só: ela «estava». Estava ali, no momento mais triste, mais cruel, e sofria com o filho. «Estava».
Maria «estava», simplesmente estava lá. Ei-la novamente, a jovem de Nazaré, agora com cabelos brancos pelo passar dos anos, ainda ocupada com um Deus que só deve ser abraçado, e com uma vida que chegou ao limiar da escuridão mais densa. Maria «estava» na escuridão mais espessa, mas «estava». Não foi embora. Maria está fielmente presente, cada vez que surge a necessidade de manter uma vela acesa num lugar de bruma e neblina. Nem ela conhece o destino de ressurreição que o seu Filho estava a abrir naquele instante para todos nós, homens: está ali por fidelidade ao plano de Deus do qual se proclamou serva no primeiro dia da sua vocação, mas também por causa do seu instinto de mãe que simplesmente sofre, cada vez que um filho atravessa uma paixão. Os sofrimentos das mães: todos nós conhecemos mulheres fortes que enfrentaram muitos sofrimentos dos filhos!
Encontrá-la-emos no primeiro dia da Igreja, ela, mãe de esperança, no meio daquela comunidade de discípulos tão frágeis: um negou, muitos fugiram, todos sentiram medo (cf. At 1, 14). Mas ela simplesmente estava ali, do modo mais normal, como se fosse algo totalmente natural: na primeira Igreja envolvida pela luz da Ressurreição, mas também pelos tremores dos primeiros passos que devia dar no mundo.
Por isso, todos nós a amamos como Mãe. Não somos órfãos: temos uma mãe no céu, que é a Santa Mãe de Deus. Porque nos ensina a virtude da esperança, até quando tudo parece sem sentido: ela permanece sempre confiante no mistério de Deus, até quando Ele parece desaparecer por culpa do mal do mundo. Que nos momentos de dificuldade, Maria, a Mãe que Jesus ofereceu a todos nós, possa sempre amparar os nossos passos e dizer ao nosso coração: «Levanta-te! Olha em frente, olha para o horizonte», porque Ela é Mãe de esperança. Obrigado.
Catequese do Papa Francisco na audiência Geral de 10.05.2017
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