Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
No nosso itinerário de catequeses sobre os Mandamentos, hoje chegamos à sexta Palavra, que se refere à dimensão afetiva e sexual, e recita: «Não cometerás adultério».
A exortação imediata é à fidelidade e, com efeito, nenhum relacionamento humano é autêntico sem fidelidade e lealdade.
Não se pode amar só enquanto for “conveniente”; o amor manifesta-se precisamente além do limite da própria vantagem, quando se doa tudo incondicionalmente. Como afirma o Catecismo: «O amor quer ser definitivo. Não pode ser “até nova ordem”» (n. 1.646). A fidelidade é a caraterística da relação humana livre, madura, responsável. Até um amigo se demonstra autêntico, porque permanece tal em qualquer eventualidade, caso contrário não é um amigo. Cristo revela o amor autêntico, Ele que vive do amor ilimitado do Pai, e em virtude disto é o Amigo fiel que nos acolhe mesmo quando erramos e quer sempre o nosso bem, até quando não o merecemos.
O ser humano tem necessidade de ser amado sem condições, e quem não recebe este acolhimento tem em si uma certa incompletude, muitas vezes sem o saber. O coração humano procura preencher este vazio com sucedâneos, aceitando compromissos e mediocridades que só têm um gosto vago do amor. O risco consiste em chamar “amor” a relações acerbas e imaturas, com a ilusão de encontrar luz de vida em algo que, no melhor dos casos, é apenas um seu reflexo.
Assim acontece, por exemplo, que sobrestimamos a atração física, a qual em si é uma dádiva de Deus, mas finalizada a preparar o caminho para uma relação autêntica e fiel com a pessoa. Como dizia São João Paulo II, o ser humano «é chamado à plena e madura espontaneidade dos relacionamentos», que «é o fruto gradual do discernimento dos impulsos do próprio coração». É algo que se conquista, uma vez que cada ser humano, «com perseverança e coerência, deve aprender qual é o significado do corpo» (cf. Catequese, 12 de novembro de 1980).
Portanto, a chamada à vida conjugal exige um discernimento atento sobre a qualidade da relação e um período de noivado para a averiguar. A fim de aceder ao Sacramento do Matrimónio, os noivos devem amadurecer a certeza de que no seu vínculo está a mão de Deus, que os precede e acompanha, permitindo-lhes dizer: «Com a graça de Cristo, prometo ser-te sempre fiel». Não podem prometer-se fidelidade «na alegria e na dor, na saúde e na doença», nem amar-se e honrar-se todos os dias da sua vida, unicamente com base na boa vontade ou na esperança de que “isto funcione”. Precisam de se fundamentar no terreno firme do Amor fiel de Deus. E per isso, antes de receber o Sacramento do Matrimónio, é necessária uma preparação atenta, diria um catecumenato, porque a vida inteira depende do amor, e com o amor não se brinca. Não se pode definir “preparação para o casamento” três ou quatro encontros realizados na paróquia; não, isto não é preparação: é falsa preparação. E a responsabilidade de quem faz isto cai sobre ele: sobre o pároco, sobre o bispo que permite tais situações. A preparação deve ser madura e leva tempo. Não é um ato formal: é um Sacramento. Mas deve-se preparar com um verdadeiro catecumenato.
Com efeito, a fidelidade é um modo de ser, um estilo de vida. Trabalha-se com lealdade, fala-se com sinceridade, permanecendo fiel à verdade nos próprios pensamentos, nas próprias ações. Uma vida tecida de fidelidade exprime-se em todas as dimensões e leva a ser homens e mulheres fiéis e confiáveis em todas as circunstâncias.
Mas para chegar a uma vida tão bonita não é suficiente a nossa natureza humana, é preciso que a fidelidade de Deus entre na nossa existência, nos contagie. Esta sexta Palavra chama-nos a dirigir o olhar para Cristo que, com a sua fidelidade, pode tirar de nós um coração adúltero e doar-nos um coração fiel. N’Ele, e somente n’Ele, existe o amor sem reservas nem arrependimentos, a doação completa, sem parênteses, e a tenacidade do acolhimento total.
A nossa fidelidade deriva da sua morte e ressurreição, a constância nos relacionamentos deriva do seu amor incondicional. A comunhão entre nós e o saber viver na fidelidade os nossos vínculos derivam da comunhão com Ele, com o Pai e com o Espírito Santo.
Papa Francisco
Audiência Geral 24 de outubro de 2018.
Catequese sobre os Mandamentos - 10
Gostaria de prosseguir a catequese sobre a Quinta Palavra do Decálogo, «não matar». Já sublinhamos como este mandamento revela que aos olhos de Deus a vida humana é precisa, sagrada e inviolável. Ninguém pode desprezar a vida alheia ou a própria; o ser humano, com efeito, traz consigo a imagem de Deus e é objeto do seu amor infinito, qualquer que seja a sua condição em que foi chamado à existência. (…)
Jesus revela-nos deste mandamento um sentido ainda mais profundo. Ele afirma que, diante do tribunal de Deus, até a ira contra um irmão é uma forma de homicídio. Por isso o apóstolo João escreverá: «Aquele que odeia o seu irmão é homicida». Mas Jesus não se fica por aqui, e na mesma lógica acrescenta que também o insulto e o desprezo podem matar. E nós estamos habituados a insultar, é verdade. E o insulto acontece-nos como se fosse uma respiração. E Jesus diz-nos: «Parai, porque o insulto faz mal, mata». O desprezo. «Esta gente desprezo». E esta é uma forma de matar a dignidade da pessoa. E belo seria que este ensinamento de Jesus entrasse na mente e no coração, e cada um de nós dissesse: «Não voltarei a insultar alguém». Seria um belo propósito, porque Jesus diz-nos: «Olha, se tu desprezas, se tu insultas, se tu odeias, isso é homicídio».
Nenhum códice humano equipara atos tão diferentes marcando-os com o mesmo grau de juízo. E coerentemente Jesus convida até a interromper a oferta do sacrifício no tempo se a pessoa se nos recordamos que um irmão foi por nós ofendido, de maneira a irmos procura-lo e reconciliarmo-nos com ele. Também nós, quando vamos à missa, devemos ter esta atitude de reconciliação com as pessoas com as quais tivemos problemas. Mesmo se pensamos mal delas, se as insultamos. Mas muitas vezes, enquanto esperamos que venha o sacerdote para dizer a missa, murmura-se um bocado e fala-se mal dos outros. Isto não se pode fazer. Pensemos na gravidade do insulto, do desprezo, do ódio: Jesus coloca-nos na linha da morte.
O que quer dizer Jesus ao estender até este ponto o campo da Quinta Palavra? O ser humano tem uma vida nobre, muito sensível, e possui um “eu” recôndito não menos importante que o seu ser físico. Com efeito, para ofender a inocência de uma criança, basta uma frase inoportuna. Para ferir uma mulher pode bastar um gesto frio. Para espezinhar o coração de um jovem é suficiente negar-lhe a confiança. Para aniquilar um homem basta ignorá-lo. A indiferença mata. É como dizer de outra pessoa: «Tu estás morta para mim», porque a mataste no teu coração. Não amar é o primeiro passo para matar; e não matar é o primeiro passo para amar.
Na Bíblia, ao início, lê-se aquela frase terrível saída da boca do primeiro homicida, Caim, depois de o Senhor lhe perguntar onde estava o seu irmão. Caim responde: «Não sei. Serei eu, porventura, o guardião do meu irmão?». Assim falam os assassinos: «Não me diz respeito», «é problema teu», e coisas semelhantes. Experimentemos responder a esta pergunta: somos nós os guardiões dos nossos irmãos? Sim, somos? Somos guardiões uns dos outros! E este é o caminho da vida, é o caminho do não matar.
A vida humana precisa de amor. E qual é o amor autêntico? É aquele que Cristo nos mostrou, isto é, a misericórdia. O amor de que não podemos prescindir é aquele que perdoa, que acolhe quem fez mal. Nenhum de nós pode sobreviver sem misericórdia, todos precisamos do perdão. Por isso, se matar significa destruir, suprimir, eliminar alguém, então não matar quererá dizer curar, valorizar, incluir. E também perdoar.
Ninguém pode iludir-se pensando: «Estou a postos porque não faço nada de mal». Um mineral ou uma planta têm este tipo de existência, mas um ser humano não. Uma pessoa – um homem ou uma mulher – não. A um homem ou a uma mulher é pedido mais. Há bem a fazer, preparado para cada um de nós, a cada um o seu, que nos torna nós mesmos até ao fundo. «Não matar» é um apelo ao amor e à misericórdia, é um chamamento a viver segundo o Senhor Jesus, que deu a vida por nós e por nós ressuscitou. Uma vez repetimos todos juntos, aqui na Praça de S. Pedro, uma frase de um santo sobre isto. Talvez nos ajude: «Não fazer mal é coisa boa. Mas não fazer o bem não é bom». Devemos sempre fazer o bem. Ir mais além.
Ele, o Senhor, que ao incarnar-se santificou a nossa existência; Ele, que com o seu sangue a tornou inestimável; Ele, o autor da vida, graças a quem cada um é um presente do Pai. Nele, no seu amor mais forte que a morte, e pelo poder do Espírito que o Pai nos dá, podemos acolher a Palavra «não matar» como o apelo mais importante e essencial: ou seja, não matar significa um chamamento ao amor.
Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: Rui Jorge Martins in: SNPC
Catequese sobre os Mandamentos - 10
Bom dia, estimados irmãos e irmãs!
A catequese de hoje é dedicada à quinta Palavra: não matarás. O quinto mandamento: não matarás. Já estamos na segunda parte do Decálogo, aquela que diz respeito às relações com o próximo; e este mandamento, com a sua formulação concisa e categórica, ergue-se como uma muralha em defesa do valor básico nos relacionamentos humanos. E qual é o valor fundamental nas relações humanas? O valor da vida.(1) Por isso, não matarás!
Poder-se-ia dizer que todo o mal cometido no mundo se resume nisto: o desprezo pela vida. A vida é agredida pelas guerras, pelas organizações que exploram o homem — lemos nos jornais ou vemos nos noticiários muitas coisas — a partir das especulações sobre a criação e da cultura do descarte, e de todos os sistemas que submetem a existência humana a cálculos de oportunidade, enquanto um número escandaloso de pessoas vive em condições indignas do homem. Isto significa desprezar a vida, ou seja, de certo modo, matar.
Uma abordagem contraditória permite também a supressão da vida humana no ventre materno, em nome da salvaguarda de outros direitos. Mas como pode ser terapêutico, civil ou simplesmente humano um ato que suprime a vida inocente e inerme no seu desabrochar? Pergunto-vos: é justo “eliminar” uma vida humana para resolver um problema? É correto contratar um sicário para resolver um problema? Não se pode, não é justo “eliminar” um ser humano, por mais pequenino que seja, para resolver um problema. É como pagar a um assassino para resolver um problema.
De onde vem tudo isto? No fundo, de onde nascem a violência e a rejeição da vida? Do medo. Com efeito, o acolhimento do outro é um desafio ao individualismo. Pensemos, por exemplo, em quando se descobre que uma vida nascente é portadora de deficiência, até grave. Nestes casos dramáticos, os pais precisam de verdadeira proximidade, de autêntica solidariedade, para enfrentar a realidade superando os compreensíveis temores. Ao contrário, muitas vezes recebem conselhos apressados para interromper a gravidez, ou seja, é um modo de dizer: “interromper a gravidez” significa “eliminar alguém” diretamente.
Uma criança doente é como qualquer necessitado da terra, como um idoso que precisa de assistência, como tantos pobres que têm dificuldade de ir em frente: aquele, aquela que se apresenta como um problema, na realidade constitui um dom de Deus, que pode tirar-me do egocentrismo e fazer-me crescer no amor. A vida vulnerável indica-nos a saída, o caminho para nos salvar de uma existência fechada em si mesma, e descobrir a alegria do amor. E aqui gostaria de parar para dar graças, agradecer a tantos voluntários, agradecer ao vigoroso voluntariado italiano, o mais forte que conheci. Obrigado!
E o que leva o homem a rejeitar a vida? São os ídolos deste mundo: o dinheiro — é melhor eliminar isto, porque custará — o poder, o sucesso. Estes são parâmetros errados para valorizar a vida. Qual é a única medida autêntica da vida? É o amor, o amor com que Deus a ama! O amor com o qual Deus ama a vida: esta é a medida. O amor com que Deus ama cada vida humana.
Com efeito, qual é o sentido positivo da Palavra: «Não matarás»? Que Deus é «amante da vida», como há pouco ouvimos da Leitura bíblica.
O segredo da vida é-nos revelado pelo modo como a tratou o Filho de Deus, que se fez homem a ponto de assumir na cruz a rejeição, a debilidade, a pobreza e a dor (cf. Jo 13, 1). Em cada criança enferma, em cada idoso débil, em cada migrante desesperado, em cada vida frágil e ameaçada, é Cristo que está à nossa procura (cf. Mt 25, 34-46), está em busca do nosso coração, para nos revelar a alegria do amor.
Vale a pena acolher todas as vidas, porque cada homem vale o sangue do próprio Cristo (cf. 1 Pd 1, 18-19). Não se pode desprezar o que Deus tanto amou!
Devemos dizer aos homens e às mulheres do mundo: não desprezeis a vida! A vida do próximo, mas inclusive a própria, porque também para ela é válido o mandamento: «Não matarás». É preciso dizer a tantos jovens: não desprezes a tua existência! Deixa de rejeitar a obra de Deus! Tu és uma obra de Deus! Não te subestimes, não te desprezes com as dependências, que te hão de arruinarão e te levarão à morte!
Que ninguém meça a vida segundo os enganos deste mundo, mas que cada qual se acolha a si mesmo e aos outros, em nome do Pai que nos criou. Ele é «amante da vida»: isto é bonito, “Deus é amante da vida”. E todos nós lhe somos tão queridos, que Ele enviou o seu Filho por nós. «Com efeito — diz o Evangelho — Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu único Filho, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16).
Papa Francisco
Catequese na audiência geral
10.10.2018
Catequese sobre os Mandamentos - 9
Bom dia, prezados irmãos e irmãs!
Na viagem no interior das Dez Palavras, hoje chegamos ao mandamento sobre o pai e a mãe. Fala-se da honra devida aos pais. Em que consiste esta “honra”? O termo hebraico indica a glória, o valor, à letra, o “peso”, a consistência de uma realidade. Não é questão de formas exteriores, mas de verdades. Nas Escrituras, honrar a Deus quer dizer reconhecer a sua realidade, fazer as contas com a sua presença; isto exprime-se também mediante os ritos, mas implica sobretudo atribuir a Deus o lugar certo na existência. Portanto, honrar o pai e a mãe significa reconhecer a sua importância até com gestos concretos, que manifestam dedicação, afeto e esmero. Mas não se trata apenas disto.
A Quarta Palavra tem uma sua caraterística: é o mandamento que contém um êxito. Com efeito, reza: «Honra teu pai e tua mãe, como te mandou o Senhor teu Deus, para que se prolonguem os teus dias e prosperes na terra que te deu o Senhor teu Deus» (Dt5, 16). Honrar os pais leva a uma vida longa e feliz. No Decálogo, a palavra “felicidade” só aparece ligada ao relacionamento com os pais.
Esta sabedoria multimilenária declara aquilo que as ciências humanas souberam elaborar só há pouco mais de um século: ou seja, que a marca da infância se reflete sobre a vida inteira. Muitas vezes pode ser fácil entender se alguém cresceu num ambiente saudável e equilibrado. Mas igualmente perceber se uma pessoa provém de experiências de abandono ou de violência. A nossa infância é um pouco como uma tinta indelével, exprime-se nos gostos, nos modos de ser, não obstante alguns procurem esconder as feridas das próprias origens.
Mas o quarto mandamento diz ainda mais. Não fala da bondade dos pais, não exige que os pais e as mães sejam perfeitos. Fala de um gesto dos filhos, prescindindo dos méritos dos pais, e diz algo extraordinário e libertador: embora nem todos os pais sejam bons e nem todas as infâncias sejam tranquilas, todos os filhos podem ser felizes, porque o êxito de uma vida plena e feliz depende do justo reconhecimento por aqueles que nos deram a vida.
Pensemos como esta Palavra pode ser construtiva para tantos jovens que provêm de histórias de dor e para todos aqueles que sofreram na própria juventude. Muitos santos — e numerosos cristãos — depois de uma infância dolorosa, levaram uma vida luminosa porque, graças a Jesus Cristo, se reconciliaram com a vida. Pensemos no jovem Sulprizio, hoje Beato e no próximo mês Santo, que com 19 anos concluiu a sua vida reconciliado com muitas dores, com tantas situações, porque o seu coração estava sereno e nunca tinha renegado os seus pais. Pensemos em São Camilo de Lellis que, de uma infância desordenada, construiu uma vida de amor e de serviço; em Santa Josefina Bakhita, que cresceu numa escravidão horrível; ou no Beato Carlos Gnocchi, órfão e pobre; e no próprio São João Paulo II, marcado pela perda da mãe em tenra idade.
Independentemente da história da sua proveniência, o homem recebe deste mandamento a orientação que conduz a Cristo: com efeito, é n’Ele que se manifesta o verdadeiro Pai, que nos oferece o “renascimento do Alto” (cf. Jo 3, 3-8). Os enigmas das nossas vidas iluminam-se quando se descobre que Deus nos prepara desde sempre para uma vida como seus filhos, onde cada gesto é uma missão recebida d’Ele.
As nossas feridas começam a ser potencialidades quando, por graça, descobrimos que o verdadeiro enigma já não é “porquê?”, mas “por quem?”, por quem me aconteceu isto. Em vista de qual obra Deus me forjou, através da minha história? Aqui tudo se inverte, tudo se torna precioso, tudo se torna construtivo. A minha experiência, ainda que seja triste e dolorosa, à luz do amor, como se torna para os outros, para quem, fonte de salvação? Então, podemos começar a honrar os nossos pais com liberdade de filhos adultos e com misericordiosa aceitação dos seus limites.[1]
Honrar os pais: eles deram-nos a vida! Se tu te afastaste dos teus pais, faz um esforço e regressa, volta para eles; talvez sejam idosos... Eles deram-te a vida. Além disso, temos o hábito de proferir expressões feias, até palavrões... Por favor, nunca, nunca, nunca insulteis os pais de outrem. Jamais! Nunca se insulta a mãe, nunca se insulta o pai. Jamais! Tomai vós mesmos esta decisão interior: doravante, nunca insultarei a mãe ou o pai de alguém. Foram eles que lhe deram a vida! Não devem ser insultados.
Esta vida maravilhosa é-nos oferecida, não imposta: renascer em Cristo é uma graça a acolher livremente (cf. Jo 1, 11-13), e constitui o tesouro do nosso Batismo no qual, por obra do Espírito Santo, um só é o nosso Pai, aquele que está no Céu (cf. Mt 23, 9; 1 Cor 8, 6; Ef 4, 6). Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral
19.09.2018
Catequese sobre os Mandamentos - 8
Na catequese de hoje regressamos ao terceiro mandamento, o do dia do repouso. O Decálogo, promulgado no livro [bíblico] do Êxodo, é repetido no livro [bíblico] do Deuteronômio de maneira quase idêntica, à exceção desta terceira palavra, onde surge uma diferença preciosa: enquanto que no Êxodo o motivo do repouso é a bênção da criação, no Deuteronômio, por seu lado, comemora o fim da escravidão. Nesse dia o escravo deve repousar como o dono, para celebrar a memória da Páscoa de libertação.
Os escravos, com efeito, por definição não podem repousar. Mas existem muitos gêneros de escravidão, seja exterior seja interior. Há as constrições externas como as opressões, as vidas sequestradas pela violência e por outros tipos de injustiça. Existem depois as prisões interiores, que são, por exemplo, os bloqueios psicológicos, os complexos, os limites relacionados com o carácter e outros.
Há repouso nestas condições? Um homem recluso ou oprimido pode permanecer mesmo assim livre? E uma pessoa atormentada por dificuldades interiores pode ser libré. Com efeito, há pessoas que, até na prisão, vivem uma grande liberdade de alma. Pensemos, por exemplo, em S. Maximiliano Kolbe ou no cardeal Van Thuan, que transformaram as escuras opressões em lugares de luz. Como também há pessoas marcadas por grandes fragilidades interiores que todavia conhecem o repouso da misericórdia e sabem-no transmitir. A misericórdia de Deus liberta-nos, quando a encontramos sentimo-nos livres.
O que é então a verdadeira liberdade? Consiste talvez na possibilidade de escolha? Com certeza que essa é uma parte da liberdade, e empenhamo-nos para que seja assegurada a cada homem e mulher. Mas sabemos bem que poder fazer aquilo que se deseja não chega para se ser verdadeiramente livre nem feliz. A verdadeira liberdade é muito mais.
De fato, há uma escravidão que encadeia mais do que uma prisão, mais do que uma crise de pânico, mais do que uma imposição de qualquer gênero: a escravidão do próprio ego. Aquelas pessoas que parece que se refletem o dia inteiro no espelho para ver o próprio ego. São escravos do ego. O ego pode tornar-se um tirano que tortura o homem onde quer que esteja e lhe dá a mais profunda opressão, essa que se chama “pecado”, que não é a banal violação de um código, mas fracasso da existência e condição de escravo. No fim de contas, pecado é dizer e fazer ego, fazer aquilo que se quer ignorando os limites, o amor, os mandamentos, isto é o pecado.
O guloso, o lascivo, o avarento, o colérico, o invejoso, o preguiçoso, o orgulhoso são escravos dos seus vícios, que os tiranizam e atormentam. Não há trégua para o guloso, porque a gula é a hipocrisia do estômago, que está cheio e faz-nos crer que está vazio, e para o lascivo, que têm de viver do prazer; a ansiedade da possessão destrói o avarento, sempre a acumular dinheiro e a fazer mal aos outros; o fogo da ira e o verme da inveja arruínam as relações, os escritores dizem que os invejosos têm o corpo e a alma amarelada porque a inveja destrói a alma; a preguiça que evita qualquer esforço torna a pessoa incapaz de viver; o egocentrismo soberbo escava um fosso profundo entre si e os outros.
Caros irmãos e irmãs, quem é por isso o verdadeiro escravo? Quem é aquele que não conhece repouso? O verdadeiro escravo é aquele que não conhece repouso e aquele que não é capaz de amar. Somos escravos de nós mesmos e não somos capazes de amar.
O terceiro mandamento, que convida a celebrar no repouso a libertação, para nós cristãos é profecia do Senhor Jesus, que rompe a escravidão interior do pecado para tornar o ser humano capaz de amar. O amor verdadeiro é a verdadeira liberdade; afasta da possessão, reconstrói as relações, sabe acolher e valorizar o próximo, transforma em dom de alegria cada fadiga e torna-nos capazes da comunhão. O amor torna-nos livres mesmo na prisão, mesmo se fracos e limitados. Esta é a liberdade que recebemos do nosso Redentor, nosso Senhor Jesus Cristo.
Audiência geral | Vaticano, 12.9.2018
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 12.09.2018
Catequese sobre os Mandamentos - 7
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
A viagem através do Decálogo leva-nos hoje ao mandamento sobre o dia do repouso. Parece um mandamento fácil de cumprir, mas é uma impressão errada. Descansar verdadeiramente não é simples, porque há o repouso falso e o repouso autêntico. Como podemos reconhecê-los?
A sociedade atual é sedenta de diversões e férias. A indústria da distração é deveras florescente e a publicidade desenha o mundo ideal como um grande parque de diversões onde todos se distraem. O conceito de vida hoje predominante não tem o baricentro na atividade e no empenho, mas na evasão. Ganhar para se divertir, para se satisfazer. A imagem-modelo é aquela de uma pessoa de sucesso, que pode permitir-se amplos e diferentes espaços de prazer. Mas esta mentalidade faz escorregar na insatisfação de uma existência anestesiada pela diversão, que não é repouso, mas alienação e fuga da realidade. O homem nunca descansou tanto como hoje, e no entanto o homem jamais experimentou tanto vazio como hoje! A possibilidade de se divertir, de sair, os cruzeiros, as viagens, muitas coisas não te proporcionam a plenitude do coração. Aliás, não te dão o repouso!
As palavras do Decálogo procuram e encontram o cerne do problema, lançando uma luz diferente sobre o que é o descanso. O mandamento tem um elemento peculiar: oferece uma motivação. O repouso em nome do Senhor tem um motivo específico: «Porque em seis dias o Senhor fez o céu, a terra, o mar e tudo o que eles contêm, e repousou no sétimo dia; e por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o consagrou» (Êx 20, 11).
Isto remete para o fim da criação, quando Deus diz: «Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom» (Gn 1, 31). E então começa o dia do repouso, que é a alegria de Deus por aquilo que criou. É o dia da contemplação e da bênção!
Portanto, no que consiste o repouso, segundo este mandamento? No momento da contemplação, no momento do louvor, não da evasão. Trata-se do tempo para olhar a realidade e dizer: como é bonita a vida! Ao descanso como fuga da realidade, o Decálogo opõe o repouso como bênção da realidade. Para nós, cristãos, o centro do dia do Senhor, o domingo, é a Eucaristia, que significa “ação de graças”. É o dia para dizer a Deus: Senhor, obrigado pela vida, pela sua misericórdia, por todos os teus dons. O domingo não é o dia para anular os outros dias, mas para os recordar, bendizer e fazer as pazes com a vida. Quantas pessoas têm muitas possibilidades de se divertir, e não estão em paz com a vida! O domingo é o dia para fazer as pazes com a vida, dizendo: a vida é preciosa; não é fácil, às vezes é dolorosa, mas é preciosa.
Ser introduzido no repouso autêntico é uma obra de Deus em nós, mas exige que nos afastemos da maldição e da sua fascinação (cf. Exort. Apost. Evangelii gaudium, 83). Com efeito, é extremamente fácil convencer o coração à infelicidade, ressaltando motivos de descontentamento. A bênção e a alegria implicam uma abertura ao bem, que é um movimento adulto do coração. O bem é amoroso e nunca se impõe. Deve ser escolhido!
A paz escolhe-se, não pode ser imposta e não se encontra por acaso. Afastando-se das dobras amargas do seu coração, o homem tem necessidade de fazer as pazes com aquilo do que foge. É preciso reconciliar-se com a própria história, com os factos que não se aceitam, com as partes difíceis da própria existência. Pergunto-vos: cada um de vós se reconciliou com a própria história? Uma pergunta sobre a qual pensar: reconciliei-me com a minha história? Com efeito, a verdadeira paz não consiste em mudar a própria história, mas em aceitá-la e valorizá-la tal como é!
Quantas vezes encontramos cristãos doentes que nos consolaram com uma serenidade que não se encontra nos foliões, nem nos hedonistas! E vimos pessoas humildes e pobres regozijar com pequenas graças, com uma felicidade com sabor de eternidade!
No Deuteronómio, o Senhor diz: «Ponho diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade» (30, 19). Esta opção é o “fiat” da Virgem Maria, é uma abertura ao Espírito Santo que nos coloca nos passos de Cristo, Aquele que se entrega ao Pai no momento mais dramático, empreendendo assim o caminho que conduz à Ressurreição.
Quando se torna bela a vida? Quando se começa a pensar bem dela, seja qual for a nossa história. Quando o dom de uma dúvida abre caminho: que tudo seja graça [Como nos recorda Santa Teresa do Menino Jesus, tirada de G. Bernanos, Diario di un curato di campagna [“Diário de um Pároco de Aldeia”] Milão 1965, p. 270] e aquele santo pensamento fragmenta o muro interior da insatisfação, inaugurando o repouso autêntico. A vida torna-se bela quando se abre o coração à Providência e se descobre que é verdade aquilo que reza o Salmo: «Só em Deus repousa a minha alma» (62, 2). Como é bonita esta frase do Salmo: «Só em Deus repousa a minha alma»!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral de 5.09.2018
Catequese sobre os Mandamentos - 6
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Continuemos as catequeses sobre os mandamentos, e hoje abordemos o mandamento «Não pronunciarás em vão o nome do Senhor, teu Deus» (Êx 20, 7). Lemos justamente esta Palavra como o convite a não ofender o nome de Deus e a evitar usá-lo inoportunamente. Este claro significado prepara-nos para aprofundar ulteriormente estas palavras preciosas, para não usar o nome de Deus em vão, inoportunamente.
Ouçamo-las melhor. A versão «Não pronunciarás» traduz uma expressão que significa literalmente, tanto em hebraico como em grego, «não assumirás, não te responsabilizarás».
A expressão «em vão» é mais clara e quer dizer: «debalde, inutilmente». Faz referência a uma embalagem vazia, a uma forma sem conteúdo. É a caraterística da hipocrisia, do formalismo e da mentira, do uso das palavras ou do nome de Deus em vão, sem verdade.
Na Bíblia, o nome é a verdade íntima das coisas e sobretudo das pessoas. O nome representa muitas vezes a missão. Por exemplo, Abraão no Génesis (cf. 17, 5) e Simão Pedro nos Evangelhos (cf. Jo 1, 42) recebem um nome novo para indicar a mudança no rumo da sua vida. E conhecer verdadeiramente o nome de Deus leva à transformação da própria vida: a partir do momento em que Moisés conhece o nome de Deus, a sua história muda (cf. Êx 3, 13-15).
Nos ritos judaicos, o nome de Deus é proclamado solenemente no Dia do Grande Perdão, e o povo é perdoado porque por meio do nome se entra em contacto com a vida do próprio Deus, que é misericórdia.
Então, “tomar sobre si o nome de Deus” quer dizer assumir sobre nós a sua realidade, entrar num relacionamento forte, numa relação íntima com Ele. Para nós, cristãos, este mandamento é a exortação a recordar-nos que somos batizados «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo», como afirmamos cada vez que fazemos sobre nós o sinal da cruz, para viver as nossas ações quotidianas em comunhão sentida e real com Deus, ou seja, no seu amor. E sobre isto, de fazer o sinal da cruz, gostaria de repetir mais uma vez: ensinai as crianças a fazer o sinal da cruz. Vistes como as crianças o fazem? Se disserdes às crianças: “Fazei o sinal da cruz”, fazem algo que não sabem o que é. Não sabem fazer o sinal da cruz! Ensinai-as a fazer o nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. O primeiro ato de fé de uma criança. Dever para vós, tarefa a cumprir: ensinar as crianças a fazer o sinal da cruz.
Podemos interrogar-nos: é possível tomar sobre si o nome de Deus de maneira hipócrita, como uma formalidade, em vão? Infelizmente, a resposta é positiva: sim, é possível. Pode-se viver uma relação falsa com Deus. Jesus dizia-o referindo-se àqueles doutores da lei; eles faziam coisas, mas não cumpriam o que Deus queria. Falavam de Deus, mas não faziam a vontade de Deus. E o conselho que Jesus dá é: “Fazei aquilo que eles dizem, mas não o que eles fazem”. Pode-se viver uma relação falsa com Deus, como aquelas pessoas. E esta Palavra do Decálogo é precisamente o convite a uma relação com Deus que não seja falsa, sem hipocrisias, a uma relação em que nos confiamos a Ele com tudo o que somos. No fundo, enquanto não arriscarmos a existência pelo Senhor, tocando com a mão o fato de que nele se encontra a vida, faremos unicamente teorias.
Este é o cristianismo que sensibiliza os corações. Por que são os santos capazes de sensibilizar os corações? Porque os santos não só falam, movem! O nosso coração comove-se, quando uma pessoa santa nos fala, nos diz coisas. E são capazes, porque nos santos vemos aquilo que o nosso coração deseja profundamente: autenticidade, relacionamentos autênticos, radicalidade. E isto vê-se também naqueles “santos da porta ao lado” que são, por exemplo, os numerosos pais que dão aos filhos o exemplo de uma vida coerente, simples, honesta e generosa.
Se multiplicarmos os cristãos que assumem o nome de Deus sem falsidades — praticando assim o primeiro pedido do Pai-Nosso, «santificado seja o vosso nome» — o anúncio da Igreja é mais ouvido e resulta mais credível. Se a nossa vida concreta manifestar o nome de Deus, vê-se quanto é bonito o Batismo e que grande dádiva é a Eucaristia, quão sublime união existe entre o nosso corpo e o Corpo de Cristo: Cristo em nós, e nós nele! Unidos! Isto não é hipocrisia, é verdade. Isto não é falar nem rezar como um papagaio, isto é rezar com o coração, amar o Senhor.
A partir da cruz de Cristo, ninguém pode desprezar-se a si mesmo e pensar mal da própria existência. Ninguém e nunca! Independentemente daquilo que fez. Porque o nome de cada um de nós está sobre os ombros de Cristo. É Ele que nos carrega! Vale a pena tomar sobre nós o nome de Deus, porque Ele assumiu o nosso nome até ao fundo, inclusive o mal que existe em nós; Ele assumiu-o para nos perdoar, para infundir o seu amor no nosso coração. Por isso, neste mandamento Deus proclama: “Toma-me sobre ti, porque Eu te tomei sobre mim”.
Quem quer que seja pode invocar o santo nome do Senhor, que é Amor fiel e misericordioso, em qualquer situação que se encontre. Deus nunca dirá “não” a um coração que o invoca sinceramente. E voltemos às tarefas de casa: ensinar as crianças a fazer bem o sinal da cruz.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 22.08.2018
Catequese sobre os Mandamentos - 5
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje continuemos a meditar sobre o Decálogo, aprofundando o tema da idolatria, acerca da qual falamos na semana passada. Agora retomemos o tema, porque é muito importante conhecê-lo. E inspiremo-nos precisamente no ídolo por excelência, o bezerro de ouro, do qual fala o Livro do Êxodo (32, 1-8), acabamos de ouvir um trecho dele. Este episódio tem um contexto específico: o deserto, onde o povo está à espera de Moisés, que subiu ao monte para receber as instruções de Deus.
O que é o deserto? É um lugar onde reinam a precariedade e a insegurança — no deserto não há nada — onde faltam água, alimento, abrigo. O deserto é uma imagem da vida humana, cuja condição é incerta e não possui garantias invioláveis. Esta insegurança gera no homem ansiedades primárias, que Jesus menciona no Evangelho: «Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos?» (Mt 6, 31). São as ansiedades primárias. E o deserto provoca tais ansiedades.
E naquele deserto acontece algo que desencadeia a idolatria. «Moisés tardava a descer da montanha» (Êx 32, 1). Permaneceu ali quarenta dias e o povo perdeu a paciência. Falta o ponto de referência que era Moisés: o líder, o chefe, o guia tranquilizador, e isto torna-se insustentável. Então, o povo pede um deus visível — esta é a armadilha na qual o povo cai — para poder identificar-se e orientar-se. E dizem a Araão: «Faz-nos um deus que marche à nossa frente!», “Faz-nos um chefe, um líder!”. Para evitar a precariedade — a precariedade é o deserto — a natureza humana procura uma religião “descartável”: se Deus não se deixa ver, fazemos para nós um deus sob medida. «Diante do ídolo, não corremos o risco de uma possível chamada que nos faça sair das próprias seguranças, porque os ídolos “têm boca, mas não falam” (Sl 115, 5). Compreendemos assim que o ídolo é um pretexto para se colocar a si mesmo no centro da realidade, na adoração da obra das próprias mãos» (Enc. Lumen fidei, 13).
Araão não sabe opor-se ao pedido do povo e cria um bezerro de ouro. No próximo Oriente antigo o bezerro tinha um sentido duplo: por um lado, representava fecundidade e abundância e por outro, energia e força. Mas antes de tudo é de ouro, por isso é símbolo de riqueza, sucesso, poder e dinheiro. São estes os grandes ídolos: sucesso, poder e dinheiro. São as tentações de sempre! Eis o que é o bezerro de ouro: o símbolo de todos os desejos que dão a ilusão da liberdade e, ao contrário, escravizam, porque o ídolo escraviza sempre. Há o fascínio, e tu deixas-te levar. Aquele fascínio da serpente, que fita o passarinho, o passarinho não consegue mover-se e a serpente apanha-o. Araão não soube opor-se.
Mas tudo nasce da incapacidade de confiar sobretudo em Deus, de voltar a colocar as nossas seguranças n’Ele, de deixar que Ele confira verdadeira profundidade aos desejos do nosso coração. Isto permite sustentar até a debilidade, a incerteza e a precariedade. A referência a Deus fortalece-nos na debilidade, na incerteza e até na precariedade. Sem primado de Deus caímos facilmente na idolatria e contentamo-nos com garantias míseras. Mas esta é uma tentação que nós lemos sempre na Bíblia. E pensai bem nisto: para Deus, não foi muito difícil libertar o povo do Egito; fê-lo com sinais de poder, de amor. Mas a grande obra de Deus foi tirar o Egito do coração do povo, ou seja, tirar a idolatria do coração do povo. E Deus ainda continua a agir para a tirar dos nossos corações. Esta é a grande obra de Deus: tirar “aquele Egito” que nós temos dentro, que é o fascínio da idolatria.
Quando se acolhe o Deus de Jesus Cristo, que de rico se fez pobre por nós (cf. 2 Cor 8, 9), descobre-se então que reconhecer a própria fraqueza não é a desgraça da vida humana, mas a condição para se abrir Àquele que é verdadeiramente forte. Assim, a salvação de Deus entra pela porta da debilidade (cf. 2 Cor 12, 10); é em virtude da própria insuficiência que o homem se abre à paternidade de Deus. A liberdade do homem nasce do deixar que o verdadeiro Deus seja o único Senhor. E isto permite aceitar a própria fragilidade e rejeitar os ídolos do nosso coração.
Nós, cristãos, dirigimos o olhar para Cristo Crucificado (cf. Jo 19, 37), que é frágil, desprezado e despojado de qualquer posse. Mas é n’Ele que se revela o rosto do Deus verdadeiro, a glória do amor, e não a do engano cintilante. Isaías diz: «Fomos curados graças às suas chagas» (53, 5). Fomos sarados precisamente pela fraqueza de um homem que era Deus, pelas suas feridas. E a partir das nossas debilidades podemos abrir-nos à salvação de Deus. A nossa cura vem d’Aquele que se fez pobre, que aceitou a falência, que assumiu até ao fundo a nossa precariedade para a encher de amor e de força. Ele vem para nos revelar a paternidade de Deus; em Cristo a nossa fragilidade já não é uma maldição, mas um lugar de encontro com o Pai e nascente de uma nova força do alto.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 8.08.2018
Catequese sobre os Mandamentos - 4
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Ouvimos o primeiro mandamento do Decálogo: «Não terás outros deuses diante da minha face» (Êx 20, 3). É bom refletir sobre o tema da idolatria, que é de grande alcance e atualidade. A ordem proíbe que se façam ídolos[1] ou imagens[2] de qualquer tipo de realidade: [3] com efeito, tudo pode ser usado como ídolo. Referimo-nos a uma tendência humana, que não poupa nem crentes nem ateus. Por exemplo, nós cristãos podemos interrogar-nos: qual é verdadeiramente o meu Deus? É o Amor Uno e Trino ou então a minha imagem, o meu sucesso pessoal, talvez dentro da Igreja? «A idolatria não diz respeito apenas aos falsos cultos do paganismo. Continua a ser uma tentação constante para a fé. Ela consiste em divinizar o que não é Deus» (Catecismo da Igreja Católica, n. 2113).
O que é um “deus” no plano existencial? É aquilo que está no cerne da própria vida e do qual depende o que fazemos e pensamos.[4] Podemos crescer numa família cristã de nome, mas na realidade centrada em pontos de referência alheios ao Evangelho.[5] O ser humano não vive sem se centrar em algo. Eis, então, que o mundo oferece o “supermarket” dos ídolos, que podem ser objetos, imagens, ideias, papéis.
Por exemplo, inclusive a oração. Devemos rezar a Deus, nosso Pai. Recordo que certa vez fui a uma paróquia na diocese de Buenos Aires para celebrar uma Missa e depois devia fazer as crismas noutra paróquia, a 1 km de distância. Fui a pé e atravessei um bonito parque. Mas naquele parque havia mais de 50 mesinhas, cada uma com duas cadeiras e as pessoas sentadas uma em frente da outra. O que faziam? Jogo de cartas. Iam ali “para rezar” ao ídolo. Em vez de rezar a Deus, que é providência do futuro, iam ali porque liam as cartas para ler o futuro. Esta é uma idolatria dos nossos tempos. Pergunto-vos: quantos de vós fostes, para que vos lessem as cartas a fim de ver o futuro? Quantos de vós, por exemplo, fostes para que vos lessem as mãos a fim de ler o futuro, em vez de rezar ao Senhor? Esta é a diferença: o Senhor está vivo; os outros são ídolos, idolatrias que não servem.
Como se desenvolve uma idolatria? O mandamento descreve algumas fases: «Não farás para ti escultura, nem figura alguma [...] / Não te prostrarás diante delas / e não lhes prestarás culto» (Êx 20, 4-5). A palavra “ídolo” em grego deriva do verbo “ver”.[6] O ídolo é uma “visão” que tende a tornar-se uma fixação, uma obsessão. Na realidade, o ídolo é uma projeção de nós mesmos nos objetos ou nos projetos. Por exemplo, é desta dinâmica que se serve a publicidade: não vejo o objeto em si, mas concebo aquele automóvel, aquele smartphone, aquele papel — ou outras coisas — como um meio para me realizar e responder às minhas necessidades essenciais. E procuro isto, falo disso, penso naquilo; a ideia de possuir tal objeto ou de realizar aquele projeto, alcançar essa posição, parece uma via maravilhosa para a felicidade, uma torre para chegar ao céu (cf. Gn 11, 1-9), e tudo se torna funcional para esta meta.
Então, entramos na segunda da fase: «Não te prostrarás diante delas». Os ídolos exigem um culto, rituais; a eles as pessoas prostram-se e sacrificam tudo. Faziam-se sacrifícios humanos aos ídolos na antiguidade, mas também hoje: pela carreira sacrificam-se os filhos, descuidando-os ou simplesmente deixando de os gerar; a beleza exige sacrifícios humanos. Quantas horas diante do espelho! Certas pessoas, determinadas mulheres, quanto gastam para se pintar! Também esta é uma idolatria. Não é negativo pintar-se, mas de modo normal, não para se tornar uma deusa. A beleza exige sacrifícios humanos. A fama requer a imolação de si mesmo, da própria inocência e autenticidade. Os ídolos pedem sangue. O dinheiro rouba a vida e o prazer leva à solidão. As estruturas económicas sacrificam vidas humanas para obter maiores lucros. Pensemos em tantas pessoas desempregadas. Porquê? Porque às vezes acontece que os empresários daquela empresa, dessa firma, decidiram despedir as pessoas, para ganhar mais dinheiro. O ídolo do dinheiro. Vive-se na hipocrisia, fazendo e dizendo o que os outros esperam, porque é o deus da própria afirmação que o impõe. E arruínam-se vidas, destroem-se famílias e abandonam-se jovens nas mãos de modelos arrasadores, contanto que aumente o lucro. Também a droga é um ídolo. Quantos jovens estragam a saúde, até a vida, adorando este ídolo da droga.
Aqui chegamos à terceira e mais trágica fase: «...e não lhes prestarás culto», diz. Os ídolos escravizam. Prometem a felicidade, mas não a dão; e passamos a viver por aquela coisa, por essa visão, arrebatados num vórtice autodestruidor, à espera de um resultado que nunca chega.
Caros irmãos e irmãs, os ídolos prometem a vida, mas na realidade tiram-na. O Deus verdadeiro não pede a vida, mas doa-a, concede-a. O Deus verdadeiro não oferece uma projeção do nosso sucesso, mas ensina a amar. O Deus verdadeiro não pede filhos, mas dá o seu Filho por nós. Os ídolos projetam hipóteses futuras e fazem desprezar o presente; o Deus verdadeiro ensina a viver na realidade de cada dia, no concreto, não com ilusões sobre o porvir: hoje, amanhã e depois de amanhã, a caminho do futuro. A concretude do Deus verdadeiro contra a liquidez dos ídolos. Hoje convido-vos a pensar: quantos ídolos tenho, ou qual é o meu ídolo preferido? Pois reconhecer as próprias idolatrias é um início da graça, e põe no caminho do amor. Com efeito, o amor é incompatível com a idolatria: se algo se torna absoluto e intocável, então é mais importante que um cônjuge, um filho ou uma amizade. O apego a um objeto ou a uma ideia torna-nos cegos ao amor. E assim, para ir atrás dos ídolos, de um ídolo, podemos chegar a renegar o pai, a mãe, os filhos, a esposa, o esposo, a família... as coisas mais queridas. O apego a um objeto ou a uma ideia torna-nos cegos ao amor. Levai isto no coração: os ídolos roubam-nos o amor, os ídolos tornam-nos cegos ao amor, e para amar autenticamente é preciso libertar-se de todos os ídolos. Qual é o meu ídolo? Elimina-o e lança-o da janela!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 1.08.2018
[1] O termo Pesel indica «uma imagem divina originariamente esculpida na madeira ou na pedra, e sobretudo no metal» (L. Koehler — W. Baumgartner, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, vol. 3, p. 949).
[2] O vocábulo Temunah tem um significado muito vasto, reconduzível a “semelhança, forma”; portanto, a proibição é muito ampla e estas imagens podem ser de todos os tipos (cf. L. Koehler — W. Baumgartner, Op. cit., vol. 1, p. 504).
[3] O comando não proíbe as imagens em si mesmas — o próprio Deus ordenará a Moisés que realize os querubins de ouro para a tampa da arca (cf. Êx 25, 18) e uma serpente de bronze (cf. Nm 21, 8) — mas proíbe adorá-las e prestar-lhes culto, ou seja, todo o processo de deificação de algo, não só a reprodução.
[4] A Bíblia judaica refere-se às idolatrias cananeias com o termo Ba’al, que significa “senhorio, relação íntima, realidade da qual se depende”. O ídolo é o que domina, arrebata o coração e se torna eixo da vida (cf. Theological Lexicon of the Old Testament, vol. 1, pp. 247-251).
[5] Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2114: «A idolatria é uma perversão do sentido religioso inato no homem. Idólatra é aquele que “refere a sua indestrutível noção de Deus seja ao que for, que não a Deus” (Orígenes, Contra Celsum, 2, 40)».
[6] A etimologia do grego eidolon, derivada de eidos, é da raiz weid, que significa ver (cf. Grande Lessico dell’Antico Testamento, Bréscia 1967, vol. III, p. 127)..
Catequese sobre os Mandamentos - 3
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje, esta audiência terá lugar como na quarta-feira passada. Na Sala Paulo VI há muitos doentes, e para os proteger do calor, a fim de que estivessem mais confortáveis, estão ali. Mas acompanharão a audiência através do grande ecrã, e também nós com eles, ou seja, não há duas audiências. Há uma só. Saudemos os enfermos na Sala Paulo VI. E continuemos a falar dos mandamentos que, como dissemos, mais do que mandamentos, são as palavras de Deus ao seu povo, para que caminhe bem; palavras amorosas de um Pai. As dez Palavras começam assim: «Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão» (Êx 20, 2). Este início pareceria não estar relacionado com verdadeiras leis que seguem. Mas não é assim!
Qual o motivo desta proclamação que Deus faz de si mesmo e da libertação? Porque só se chega ao Monte Sinai depois de ter atravessado o Mar Vermelho: primeiro, o Deus de Israel salva, e depois pede confiança.[1] Ou seja: o Decálogo começa pela generosidade de Deus. Deus nunca pede sem dar primeiro. Jamais! primeiro salva, primeiro doa e depois pede. Assim é o nosso Pai, o bom Deus.
E compreendemos a importância da primeira declaração: «Eu sou o Senhor teu Deus». Há um possessivo, existe uma relação, uma pertença. Deus não é um estranho: é o teu Deus.[2] Isto ilumina o Decálogo inteiro e revela também o segredo do agir cristão, porque é a própria atitude de Jesus que diz: «Assim como o Pai me ama, também Eu vos amo» (Jo 15, 9). Cristo é o Amado do Pai e ama-nos com este amor. Ele não começa por si mesmo, mas pelo Pai. Muitas vezes as nossas obras falham, porque começamos por nós mesmos, e não pela gratidão. E onde chega quem começa por si mesmo? Chega a si próprio! É incapaz de progredir, volta para si mesmo. É exatamente aquela atitude egoísta que, brincando, as pessoas dizem: “Essa pessoa é um eu, eu comigo mesmo e para mim”. Sai de si e volta para si.
A vida cristã é antes de tudo a resposta grata a um Pai generoso. Os cristãos que seguem apenas “deveres” denunciam que não têm uma experiência pessoal daquele Deus que é “nosso”. Devo fazer isto, isso, aquilo... Somente deveres. Mas falta-te algo! Qual é o fundamento deste dever? O fundamento deste dever é o amor de Deus Pai, que primeiro dá, depois manda. Colocar a lei antes da relação não ajuda o caminho de fé. Como pode um jovem desejar ser cristão, se nós começamos pelas obrigações, compromissos, coerências, e não pela libertação? Mas ser cristão é um caminho de libertação! Os mandamentos libertam-te do teu egoísmo, e libertam-te porque há o amor de Deus que te faz ir em frente. A formação cristã não está baseada na força de vontade, mas no acolhimento da salvação, no deixar-se amar: primeiro o Mar Vermelho, depois o Monte Sinai. Primeiro a salvação: Deus salva o seu povo no Mar Vermelho; depois, no Sinai diz-lhe que deve fazer. Mas aquele povo sabe que Ele faz tais gestos porque foi salvo por um Pai que o ama.
A gratidão é um traço caraterístico do coração visitado pelo Espírito Santo; para obedecer a Deus é preciso, antes de tudo, recordar os seus benefícios. São Basílio diz: «Quem não deixa que tais benefícios caiam no esquecimento, orienta-se para a boa virtude e para todas as obras de justiça» (Regras breves, 56). Onde nos leva tudo isto? A fazer exercício de memória:[3] quantas maravilhas fez Deus por cada um de nós! Como é generoso o nosso Pai celestial! Agora gostaria de vos propor um pequeno exercício, em silêncio, cada qual responda no seu coração. Quantas maravilhas fez Deus por mim? Esta é a pergunta. Cada um de nós responda em silêncio. Quantas maravilhas fez Deus por mim? E esta é a libertação de Deus. Deus faz muitas maravilhas e liberta-nos.
E no entanto, alguém pode sentir que ainda não viveu uma verdadeira experiência da libertação feita por Deus. Isto pode acontecer. Pode ser que alguém olhe para dentro de si e só encontre sentido de dever, uma espiritualidade de servo, e não de filho. Que fazer em tal caso? Como faz o povo eleito. O livro do Êxodo diz: «Os israelitas, que ainda gemiam sob o peso da servidão, clamaram e, do fundo da própria escravidão, subiu o seu clamor até Deus. Deus ouviu os seus gemidos, lembrando-se da sua aliança com Abraão, Isaac e Jacob. Deus olhou para os israelitas e reconheceu-os» (Êx 2, 23-25). Deus pensa em mim!
A ação libertadora de Deus, inserida no início do Decálogo — ou seja, dos mandamentos — é a resposta a esta lamentação. Nós não nos salvamos sozinhos, mas de nós pode brotar um grito de ajuda: “Senhor, salvai-me; Senhor, ensinai-me o caminho; Senhor, acariciai-me; Senhor, concedei-me um pouco de júbilo”. Trata-se de um clamor que pede ajuda. Compete-nos isto: pedir para ser libertados do egoísmo, do pecado, das correntes da escravidão. Este brado é importante, é oração, é consciência daquilo que ainda existe de oprimido e não libertado em nós. Existem muitas coisas não libertadas na nossa alma. “Salvai-me, ajudai-me, libertai-me!”. Esta é uma bonita prece ao Senhor. Deus espera este grito, porque pode e quer quebrar as nossas correntes; Deus não nos chamou à vida para que permanecêssemos oprimidos, mas para ser livres, e para vivermos na gratidão, obedecendo com alegria Àquele que nos ofereceu tanto, infinitamente mais do que poderíamos dar-lhe. Isto é bonito! Que Deus seja sempre bendito por tudo o que fez, faz e há de fazer em nós!
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral
27 de junho de 2018
Notas
[1] Na tradição rabínica encontra-se um texto iluminador a este propósito: «Por que as dez palavras não foram proclamadas no início da Torá? [...] Com o que se pode comparar? A um tal que, assumindo o governo de uma cidade, perguntou aos habitantes: “Posso reinar sobre vós?”. Mas eles replicaram: “Que nos fizeste de bem, para que pretendas reinar sobre nós?”. Então, que fez? Construiu-lhes muros de defesa e uma canalização para abastecer a cidade de água; depois, combateu guerras a favor deles. E quando voltou a perguntar: “Posso reinar sobre vós?”, eles retorquiram-lhe: “Sim, sim!”. Assim também o Lugar fez Israel sair do Egito, dividiu o mar para eles, fez com que lhes descesse o maná e subisse a água do poço, levou até eles codornizes em voo e finalmente combateu para eles a guerra contra Amalec. E quando os interrogou: “Posso reinar sobre vós?”, eles responderam-lhe: “Sim, sim!”» (Il dono della Torah. Commento al decalogo di Es 20 nella Mekilta di R. Ishamael, Roma 1982, p. 49).
[2] Cf. Bento XVI, Carta Enc. Deus caritas est, 17: «A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo para mim mesmo de quanto o seja eu próprio. Cresce então o abandono em Deus, e Deus torna-se a nossa alegria».
[3] Cf. Homilia da Missa em Santa Marta, 7 de outubro de 2014: «[Que significa rezar?]. É fazer memória diante de Deus da nossa história. Porque a nossa história [é] a história do seu amor por nós». Cf. Detti e fatti dei padri del deserto, Milão 1975, p. 71: «O esquecimento é a raiz de todos os males».
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Esta audiência realiza-se em dois lugares: nós, aqui na praça; e na sala Paulo VI há mais de 200 doentes, que acompanham a audiência através do grande ecrã. Todos juntos formamos uma comunidade. Saudemos com um aplauso quantos estão na Sala.
Na quarta-feira passada demos início a um novo ciclo de catequeses sobre os mandamentos. Vimos que o Senhor Jesus não veio para abolir a Lei, mas para a cumprir. Contudo, devemos entender melhor esta perspetiva.
Na Bíblia, os mandamentos não vivem por si sós, mas fazem parte de um relacionamento, de uma relação. O Senhor Jesus não veio para abolir a Lei, mas para a cumprir. Existe esta relação da Aliança[1] entre Deus e o seu Povo. No início do capítulo 20 do livro do Êxodo lemos — e isto é importante — «Deus pronunciou todas estas palavras» (v. 1).
Parece uma abertura como outras, mas na Bíblia nada é banal. O texto não diz: “Deus pronunciou estes mandamentos”, mas «estas palavras». A tradição judaica chamará sempre ao Decálogo “as dez Palavras”. E o termo “decálogo” quer dizer exatamente isto.[2]Contudo, têm forma de leis, objetivamente são mandamentos. Portanto, por que o Autor sagrado usa, precisamente aqui, o termo “dez palavras”? Por que não diz “dez mandamentos”?
Que diferença existe entre um comando e uma palavra? O comando é uma comunicação que não requer o diálogo. A palavra, ao contrário, é o meio essencial do relacionamento como diálogo. Deus Pai cria por meio da sua palavra, e o seu Filho é a Palavra que se fez carne. O amor alimenta-se de palavras, como também a educação, ou a colaboração. Duas pessoas que não se amam, não conseguem comunicar-se. Quando alguém fala ao nosso coração, a nossa solidão acaba. Recebe uma palavra, verifica-se a comunicação, e os mandamentos são palavras de Deus: Deus comunica-se nestas dez Palavras e aguarda a nossa resposta.
Uma coisa é receber uma ordem, outra coisa é sentir que alguém procura falar conosco. Um diálogo é muito mais que a comunicação de uma verdade. Eu posso dizer-vos: “Hoje é o último dia de primavera, primavera quente, mas hoje é o último dia”. Esta é uma verdade, não um diálogo. Mas se eu vos disser: “Que pensais desta primavera?”, começo um diálogo. Os mandamentos são um diálogo. A comunicação realiza-se pelo prazer de falar e pelo bem concreto que se comunica entre aqueles que se amam por meio das palavras. É um bem que não consiste em coisas, mas nas próprias pessoas que doam reciprocamente no diálogo (cf. Exort. Apost. Evangelii gaudium, 142).
Mas esta diferença não é algo artificial. Vejamos o que aconteceu no início. O tentador, o diabo, quer enganar o homem e a mulher neste ponto: quer convencê-los de que Deus lhes proibiu comer o fruto da árvore do bem e do mal, para os manter submissos. O desafio consiste exatamente nisto: a primeira norma que Deus ofereceu ao homem foi a imposição de um déspota que proíbe e obriga, ou foi o esmero de um pai que cuida dos seus filhos e os protege contra a autodestruição? É uma palavra, ou um comando? A mais trágica das várias mentiras que a serpente diz a Eva é a sugestão de uma divindade invejosa — “Mas não, Deus é invejoso de vós” — de uma divindade possessiva — “Deus não quer que tenhais liberdade”. Os acontecimentos demonstram dramaticamente que a serpente mentiu (cf. Gn 2, 16-17; 3, 4-5), levando a crer que uma palavra de amor fosse uma ordem.
O homem está diante desta encruzilhada: Deus impõe-me as coisas, ou cuida de mim? Os seus mandamentos são apenas uma lei, ou contêm uma palavra, para cuidar de mim? Deus é patrão ou Pai? Deus é Pai: nunca vos esqueçais disto! Até nas situações mais negativas, pensai que temos um Pai que ama todos nós. Somos vassalos ou filhos? Este combate, dentro e fora de nós, apresenta-se continuamente: temos que escolher muitas vezes entre uma mentalidade de escravos e uma mentalidade de filhos. A ordem é do patrão, a palavra é do Pai.
O Espírito Santo é um Espírito de filhos, é o Espírito de Jesus. Um espírito de escravos não pode deixar de receber a Lei de modo opressivo, e pode produzir dois resultados opostos: ou uma vida feita de deveres e de obrigações, ou então uma reação violenta de rejeição. Todo o Cristianismo é a passagem da letra da Lei para o Espírito que vivifica (cf. 2 Cor 3, 6-17). Jesus é a Palavra do Pai, não a condenação do Pai. Jesus veio para salvar com a sua Palavra, não para nos condenar.
Vê-se quando um homem ou uma mulher viveram ou não esta passagem. As pessoas dão-se conta quando o cristão raciocina como filho ou como escravo. E nós mesmos recordamos que os nossos educadores cuidaram de nós como pais e mães, ou se somente nos impuseram regras. Os mandamentos são o caminho para a liberdade, porque constituem a palavra do pai que nos liberta neste caminho.
O mundo não tem necessidade de legalismo, mas de cuidado. Precisa de cristãos com coração de filhos.[3] Há necessidade de cristãos com coração de filhos: não vos esqueçais disto!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 20.06.2018
Catequese sobre os mandamentos - 2
[1] O cap. 20 do livro do Êxodo é precedido pela oferta da Aliança, no cap. 19, onde é central o pronunciamento: «Agora, pois, se obedecerdes à minha voz e guardardes a minha aliança, sereis o meu povo particular entre todos os povos. Toda a terra é minha, mas para mim vós sereis um reino de sacerdotes, uma nação consagrada» (Êx 19, 5-6). Esta terminologia encontra uma síntese emblemática em Lv 26, 12: «Caminharei no meio de vós: serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo» e chegará até ao nome prenunciado do Messias, em Isaías 7, 14 ou seja, Emanuel, que leva a Mateus: «Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que se chamará Emanuel, que significa: “Deus conosco”» (Mt 1, 23). Tudo isto indica a natureza essencialmente relacional da fé judaica e, ao máximo grau, da fé cristã.
[2] Cf. também Êx 34, 28b: «E o Senhor escreveu nas tábuas o texto da aliança, as dez palavras».
[3] Cf. João Paulo II, Carta Enc. Veritatis splendor, 12: «O dom do Decálogo é promessa e sinal da Nova Aliança, quando a lei for nova e definitivamente escrita no coração do homem (cf. Jr 31, 31-34), substituindo a lei do pecado, que aquele coração tinha deturpado (cf. Jr 17, 1). Então será dado “um coração novo”, porque nele habitará “um espírito novo”, o Espírito de Deus (cf. Ez 36, 24-28)».
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje é a festa de Santo Antônio de Pádua. Quem de vós se chama Antônio? Um aplauso a todos os “Antônios”. Hoje começamos um novo itinerário de catequeses sobre o tema dos mandamentos. Os mandamentos da lei de Deus. Para o introduzir, inspiramo-nos no trecho que acabamos de ouvir: o encontro entre Jesus e um homem — é um jovem — que, de joelhos, lhe pergunta como pode herdar a vida eterna (cf. Mc 10, 17-21). E naquela pergunta há o desafio de cada existência, também da nossa: o desejo de uma vida plena, infinita. Mas como fazer para a alcançar? Que caminho percorrer? Viver verdadeiramente, viver uma existência nobre... Quantos jovens procuram “viver” e depois destroem-se, indo atrás de coisas efémeras.
Alguns pensam que é melhor suprimir este impulso — o impulso de viver — porque é perigoso. Gostaria de dizer, especialmente aos jovens: o nosso pior inimigo não são os problemas concretos, por mais sérios e dramáticos que sejam: o maior perigo da vida é um mau espírito de adaptação, que não é mansidão nem humildade, mas mediocridade, pusilanimidade.[1] Um jovem medíocre tem futuro ou não? Não! Permanece ali, não cresce, não terá sucesso. A mediocridade ou a pusilanimidade. Aqueles jovens que têm medo de tudo: “Não, eu sou assim...”. Estes jovens não irão em frente. Mansidão, fortaleza e nenhuma pusilanimidade, nenhuma mediocridade. O Beato Pier Giorgio Frassati — que era um jovem — dizia que é preciso viver, não ir vivendo.[2] Os medíocres vão vivendo. Viver com a força da vida. É necessário pedir ao Pai celeste para os jovens de hoje o dom da saudável inquietação. Mas em casa, nos vossos lares, em cada família, quando se vê um jovem sentado o dia inteiro, às vezes a mãe e o pai pensam: “Mas ele está doente, tem algo”, e levam-no ao médico. A vida do jovem é ir em frente, ser desassossegado, a saudável inquietação, a capacidade de não se contentar com uma vida sem beleza, sem cor. Se os jovens não forem famintos de vida autêntica, pergunto-me, que fim terá a humanidade? Onde vai parar a humanidade com jovens quietos, e não inquietos?
A pergunta daquele homem do Evangelho que ouvimos ressoa dentro de cada um de nós: como se encontra a vida, a vida em abundância, a felicidade? Jesus responde: «Tu conheces os mandamentos» (v. 19), e cita uma parte do Decálogo. É um processo pedagógico, com o qual Jesus quer orientar para um lugar específico; com efeito, da sua pergunta já é claro que aquele homem não tem a vida plena, procura mais, está inquieto. Portanto, o que deve entender? Diz: «Mestre, «tenho observado tudo isto desde a minha mocidade!» (v. 20).
Como se passa da mocidade para a maturidade? Quando se começa a aceitar os próprios limites. Tornamo-nos adultos quando nos relativizamos e adquirimos a consciência daquilo «que falta» (cf. v. 21). Este homem é obrigado a reconhecer que tudo o que pode “fazer” não supera um “teto”, não vai além de uma margem.
Como é bom ser homens e mulheres! Como é preciosa a nossa existência! E no entanto, existe uma verdade que na história dos últimos séculos o homem rejeitou frequentemente, com consequências trágicas: a verdade dos seus limites.
No Evangelho, Jesus diz algo que nos pode ajudar: «Não julgueis que vim abolir a Lei ou os Profetas. Não vim para os abolir, mas sim para os levar a cumprimento» (Mt 5, 17). O Senhor Jesus concede o cumprimento, Ele veio para isto. Aquele homem devia chegar ao limiar de um salto, onde se abre a possibilidade de deixar de viver de si mesmo, das próprias obras, dos próprios bens e — precisamente porque falta a vida plena — deixar tudo para seguir o Senhor.[3] Analisando bem, no convite final de Jesus — imenso, maravilhoso — não há a proposta da pobreza, mas da verdadeira riqueza: «Só te falta uma coisa; vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!» (v. 21).
Quem, podendo escolher entre um original e uma cópia, escolheria a cópia? Eis o desafio: encontrar o original da vida, não a cópia. Jesus não oferece sucedâneos, mas vida verdadeira, amor verdadeiro, riqueza verdadeira! Como poderão os jovens seguir-nos na fé, se não nos virem escolher o original, se nos virem habituados às meias-medidas? É desagradável encontrar cristãos medianos, cristãos — permiti-me a palavra — “anões”; crescem até a uma certa estatura e depois não; cristãos com o coração reduzido, fechado. É desagradável encontrar isto. É necessário o exemplo de alguém que me convida a um “além”, a um “acréscimo”, a crescer um pouco. Santo Inácio denominava-o “magis”, «o fogo, o fervor da ação, que desperta os sonolentos».[4]
O caminho do que falta passa por aquilo que existe. Jesus não veio para abolir a Lei ou os Profetas, mas para levar a cumprimento. Devemos partir da realidade para dar o salto naquilo “que falta”. Temos que sondar o ordinário para nos abrirmos ao extraordinário.
Nestas catequeses pegaremos nas duas tábuas de Moisés como cristãos, de mãos dadas com Jesus, a fim de passar das ilusões da juventude para o tesouro que está no céu, caminhando atrás dele. Em cada uma daquelas leis, antigas e sábias, descobriremos a porta aberta pelo Pai que está nos céus para que o Senhor Jesus, que a cruzou, nos conduza à vida verdadeira. A sua vida. A vida dos filhos de Deus!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral de 13.06.2018
[1] Os Padres falam de pusilanimidade (oligopsychía). São João Damasceno define-a como «o receio de realizar uma ação» (Exposição exata da fé ortodoxa, II, 15), e São João Clímaco acrescenta que «a pusilanimidade é uma disposição pueril, numa alma que já não é jovem» (A Escada, XX, 1, 2).
[2] Cf. Carta a Isidoro Bonini, 27 de fevereiro de 1925.
[3] «O olho foi criado para a luz, o ouvido para os sons, cada coisa para a sua finalidade, e o desejo da alma para se lançar rumo a Cristo» (Nicolau Cabasilas, A vida em Cristo, II, 90).
[4] Discurso à XXXVI Congregação Geral da Companhia de Jesus, 24 de outubro de 2016: «Trata-se do “magis”, do plus que leva Inácio a inaugurar processos, a acompanhá-los e a avaliar a sua real incidência na vida das pessoas, em matéria de fé, ou de justiça, ou a misericórdia e caridade».
Bom dia, prezados irmãos e irmãs!
Prosseguindo a reflexão sobre o Sacramento da Confirmação, consideremos os efeitos que o dom do Espírito Santo faz amadurecer nos crismandos, levando-os a tornar-se, por sua vez, uma dádiva para os outros. O Espírito Santo é um dom! Recordemos que, quando nos dá a unção com o óleo, o bispo diz: “Recebe o Espírito Santo, que te é concedido como dom”. Aquele dom do Espírito Santo entra em nós e frutifica, para que nós o possamos transmitir aos demais. Receber sempre para oferecer: nunca receber e conservar as coisas dentro, como se alma fosse um armazém. Não: receber sempre para oferecer. Recebemos as graças de Deus para as dar aos outros. Esta é a vida do cristão. Portanto, é próprio do Espírito Santo descentrar-nos do nosso eu, abrindo-nos ao “nós” da comunidade: receber para dar. Nós não estamos no centro: somos um instrumento daquela dádiva para os outros.
Completando nos batizados a semelhança a Cristo, a Confirmação une-os mais fortemente como membros vivos ao Corpo místico da Igreja (cf. Rito da Confirmação, n. 25). A missão da Igreja no mundo procede através da contribuição de todos aqueles que fazem parte dela. Alguns pensam que na Igreja existem patrões: o Papa, os bispos, os sacerdotes e depois os outros. Não: todos nós somos Igreja! E todos temos a responsabilidade de nos santificarmos uns aos outros, de cuidarmos dos demais. Todos nós somos Igreja! Cada qual tem a sua função na Igreja, mas todos nós somos Igreja! Com efeito, devemos pensar na Igreja como num organismo vivo, composto por pessoas que conhecemos e com as quais caminhamos, e não como numa realidade abstrata e distante. A Igreja somos nós que caminhamos, a Igreja somos nós que hoje nos encontramos nesta praça. Nós: esta é a Igreja. A Confirmação vincula à Igreja universal espalhada pela terra inteira, mas compromete ativamente os crismandos na vida da Igreja particular à qual pertencem, tendo como cabeça o Bispo, que é o sucessor dos Apóstolos.
E por isso o Bispo é o ministro originário da Confirmação (cf. Lumen gentium, 26), porque insere o confirmado na Igreja. O facto de que, na Igreja latina, este sacramento seja normalmente conferido pelo Bispo põe em evidência o seu «efeito de unir mais estreitamente aqueles que o recebem à Igreja, às suas origens apostólicas e à sua missão de dar testemunho de Cristo» (Catecismo da Igreja Católica, n. 1313).
E esta incorporação eclesial é bem significada pelo sinal de paz que conclui o rito da Crisma. Com efeito, a cada confirmado o Bispo diz: «A paz esteja contigo!». Recordando a saudação de Cristo aos discípulos na noite de Páscoa, cheia de Espírito Santo (cf. Jo 20, 19-23) — ouvimos — estas palavras iluminam um gesto que «manifesta a comunhão eclesial com o Bispo e com todos os fiéis» (cf.CIC, n. 1301). Na Crisma, nós recebemos o Espírito Santo e a paz: aquela paz que devemos transmitir aos outros. Mas pensemos: cada qual pense, por exemplo, na própria comunidade paroquial. Há a cerimônia da Crisma, e depois trocamos o gesto da paz: o Bispo oferece-a ao crismado e em seguida, na Missa, trocamo-la entre nós. Isto significa harmonia, quer dizer caridade entre nós, significa paz. Mas depois, o que acontece? Saímos e começamos a falar mal do próximo, a “esfolar” os outros. Começam as tagarelices. E as bisbilhotices são guerras. Isto não está certo! Se recebemos o sinal da paz com a força do Espírito Santo, devemos ser homens e mulheres de paz, e não destruir com a língua a paz instaurada pelo Espírito. Quanto trabalho tem o desventurado Espírito Santo connosco, com este hábito da bisbilhotice! Pensai bem: a tagarelice não é uma obra do Espírito Santo, não é uma obra da unidade da Igreja. A bisbilhotice destrói aquilo que Deus faz. Mas por favor: deixemos de tagarelar!
A Confirmação só se recebe uma vez, mas o dinamismo espiritual suscitado pela santa unção persevera no tempo. Nunca cessaremos de cumprir o mandato de propagar em toda a parte o bom perfume de uma vida santa, inspirada pela fascinante simplicidade do Evangelho.
Ninguém recebe a Confirmação somente para si mesmo, mas para cooperar no crescimento espiritual dos outros. Só assim, abrindo-nos e saindo de nós mesmos para ir ao encontro dos irmãos, podemos realmente crescer e não apenas iludir-nos que o fazemos. Com efeito, aquilo que recebemos como dom de Deus deve ser transmitido — o dom é para ser oferecido — a fim de que seja fecundo e não, ao contrário, enterrado por causa de temores egoístas, como ensina a parábola dos talentos (cf. Mt 25, 14-30). Até a semente, quando a temos na mão, não deve ser colocada ali, no armário, nem deixada de lado: é para ser semeada. Devemos transmitir à comunidade o dom do Espírito. Exorto os crismados a não “enjaular” o Espírito Santo, a não opor resistência ao Vento que sopra para os impelir a caminhar na liberdade, e não sufocar o Fogo ardente da caridade, que leva a consumir a vida por Deus e pelos irmãos. Que o Espírito Santo conceda a todos nós a coragem apostólica de comunicar o Evangelho, com obras e palavras, a quantos encontrarmos no nosso caminho. Com obras e palavras, mas com palavras boas, que edificam. Não com palavras de bisbilhotice, que destroem. Por favor, quando saírdes da igreja, pensai que a paz recebida é para ser oferecida aos outros; não para ser destruída com bisbilhotices. Não vos esqueçais disto!
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 7.06.2018
Prezados irmãos e irmãs!
Prosseguindo o tema da Confirmação ou Crisma, hoje desejo salientar a «íntima ligação deste sacramento com toda a iniciação cristã» (Sacrosanctum concilium, 71).
Antes de receber a unção espiritual que confirma e fortalece a graça do Batismo, os crismandos são chamados a renovar as promessas feitas um dia pelos pais e padrinhos. Agora são eles mesmos que professam a fé da Igreja, prontos para responder «creio» às perguntas dirigidas pelo Bispo; em particular, prontos para acreditar «no Espírito Santo, que é Senhor e dá a vida, e que hoje, mediante o sacramento da Confirmação, é conferido [a eles] de modo especial, assim como o foi aos Apóstolos no dia de Pentecostes» (Rito da Confirmação, n. 26).
Dado que a vinda do Espírito Santo exige corações recolhidos em oração (cf. At 1, 14), após a oração silenciosa da comunidade, o Bispo, impondo as mãos sobre os crismandos, suplica a Deus que lhes infunda o Santo Espírito Paráclito. Um só é o Espírito (cf. 1 Cor 12, 4), ao descer sobre nós traz consigo uma riqueza de dons: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e santo temor (cf. Rito da Confirmação, nn. 28-29). Ouvimos o trecho da Bíblia com estes dons que o Espírito Santo traz. Segundo o profeta Isaías (11, 2), trata-se das sete virtudes do Espírito, infundidas sobre o Messias para o cumprimento da sua missão. Também São Paulo descreve o fruto abundante do Espírito, que é «caridade, alegria, paz, magnanimidade, afabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e temperança» (Gl 5, 22). O único Espírito distribui os múltiplos dons que enriquecem a única Igreja: é o Autor da diversidade mas, ao mesmo tempo, o Criador da unidade. Assim o Espírito oferece todas estas riquezas, que são diversas mas, ao mesmo tempo, cria a harmonia, ou seja, a unidade de todas estas riquezas espirituais que nós cristãos temos.
Segundo a tradição atestada pelos Apóstolos, o Espírito que completa a graça do Batismo é comunicado através da imposição das mãos (cf. At 8, 15-17; 19, 5-6; Hb 6, 2). A este gesto bíblico, para melhor manifestar a efusão do Espírito que permeia quantos a recebem, acrescentou-se depressa uma unção de óleo perfumado, chamado crisma [eis um trecho da oração de bênção do crisma: «Por isso nós vos pedimos, Senhor, dignai-vos santificar e abençoar este óleo, dom da vossa Providência, e comunicar-lhe a virtude do Espírito Santo, pelo poder do vosso Cristo, de cujo santo Nome recebeu o nome de crisma; com ele ungistes os vossos sacerdotes, reis, profetas e mártires (...) recebida a unção santificante, e superada a corrupção do primeiro nascimento, que eles sejam templos da vossa majestade e exalem o perfume de uma vida santa» (Bênção dos óleos, n. 22)], que é usada até hoje, tanto no Oriente como no Ocidente (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1289).
O óleo — o crisma — é substância terapêutica e cosmética que, entrando nos tecidos do corpo, cura as ferias e perfuma os membros; devido a estas qualidades foi escolhido pelo simbolismo bíblico e litúrgico para expressar a ação do Espírito Santo que consagra e permeia o batizado, adornando-o de carismas. O Sacramento é conferido mediante a unção do crisma na testa, realizada pelo Bispo com a imposição da mão e mediante as palavras: «Recebe o selo do Espírito Santo que te é oferecido como dom». [A fórmula «receber o Espírito Santo» — «o dom do Espírito Santo» aparece em Jo 20, 22, At 2, 38 e 10, 45-47]. O Espírito Santo é o dom invisível concedido, e o crisma constitui o seu selo visível.
Portanto, recebendo na testa o sinal da cruz com o óleo perfumado, o confirmado recebe uma marca espiritual indelével, o “caráter”, que o configura mais perfeitamente com Cristo, concedendo-lhe a graça de difundir entre os homens o “bom perfume” (cf. 2 Cor 2, 15).
Voltemos a ouvir o convite de Santo Ambrósio aos neocrismados. Diz assim: «Recorda que recebeste o selo espiritual [...] e conserva aquilo que recebeste. Deus Pai marcou-te, Cristo Senhor confirmou-te e colocou no teu coração o penhor do Espírito» (De mysteriis 7, 42: CSEL 73, 106; cf. CIC, 1303). O Espírito é um dom imerecido, que deve ser recebido com gratidão, criando espaço para a sua criatividade inexaurível. É um dom a conservar com atenção, a secundar com docilidade, deixando-se plasmar como cera pela sua caridade inflamada, «para refletir Jesus Cristo no mundo de hoje» (Exort. Apost. Gaudete et exsultate, 23).
Papa Francisco
Catequese na audiência geral de 30.05.2018
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Depois das catequeses sobre o Batismo, estes dias que se seguem à solenidade de Pentecostes convidam-nos a refletir sobre o testemunho que o Espírito suscita nos batizados, pondo em movimento a sua vida, abrindo-a para o bem dos outros. Aos seus discípulos, Jesus confiou uma grande missão: «Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo» (cf. Mt 5, 13-16). Estas imagens fazem pensar no nosso comportamento, pois tanto a carência como o excesso de sal tornam desgostosa a comida, assim como a falta ou o excesso de luz impedem de ver. Somente o Espírito de Cristo nos pode oferecer verdadeiramente o sal que dá sabor e preserva contra a corrupção, e a luz que ilumina o mundo! E esta é a dádiva que recebemos no Sacramento da Confirmação, ou Crisma, sobre o qual desejo refletir convosco. Chama-se “Confirmação” porque confirma o Batismo, fortalecendo a sua graça (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1289); assim como a “Crisma”, porque recebemos o Espírito mediante a unção com o “crisma” — óleo misturado com o perfume consagrado pelo Bispo — termo que remete para “Cristo” o Ungido de Espírito Santo.
O primeiro passo é renascer para a vida divina no Batismo; em seguida, é preciso comportar-se como filho de Deus, ou seja, conformar-se com Cristo que age na santa Igreja, deixando-se engajar na sua missão no mundo. Para isto provê a unção do Espírito Santo: «Sem a sua força, nada existe no homem» (cf. Sequência de Pentecostes). Sem a força do Espírito Santo, nada podemos fazer: é o Espírito que nos dá a força para ir em frente. Do mesmo modo como toda a vida de Jesus foi animada pelo Espírito, assim também a vida da Igreja e de cada um dos seus membros está sob a guia do mesmo Espírito.
Concebido pela Virgem por obra do Espírito Santo, Jesus empreende a sua missão depois que, saindo da água do Jordão, é consagrado pelo Espírito que desce e paira sobre Ele (cf. Mc 1, 10; Jo 1, 32). Ele declara-o explicitamente na sinagoga de Nazaré: é bonito o modo como Jesus se apresenta, qual é o bilhete de identidade de Jesus na sinagoga de Nazaré! Ouçamos como o faz: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me consagrou com a unção; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres» (Lc 4, 18). Jesus apresenta-se na sinagoga do seu povoado como o Ungido, Aquele que foi ungido pelo Espírito.
Jesus está cheio de Espírito Santo e é a fonte do Espírito prometido pelo Pai (cf. Jo 15, 26; Lc 24, 49; At 1, 8; 2, 33). Na realidade, na noite de Páscoa o Ressuscitado sopra sobre os discípulos, dizendo-lhes: «Recebei o Espírito Santo» (Jo 20, 22); e no dia de Pentecostes a força do Espírito desce sobre os Apóstolos de forma extraordinária (cf. At 2, 1-4), como nós sabemos.
A “Respiração” de Cristo Ressuscitado enche de vida os pulmões da Igreja; e com efeito, a boca dos discípulos, «cheios de Espírito Santo», abrem-se para proclamar a todos as grandes obras de Deus (cf. At 2, 1-11).
O Pentecostes — que celebramos no domingo passado — é para a Igreja o que foi para Cristo a unção do Espírito recebida no Jordão, ou seja, o Pentecostes é o impulso missionário a consumar a vida pela santificação dos homens, para a glória de Deus. Se o Espírito age em cada sacramento, é de modo especial na Confirmação que «os fiéis recebem como Dom o Espírito Santo» (Paulo VI, Const. Apost. Divinae consortium naturae). E no momento de fazer a unção, o Bispo pronuncia estas palavras: “Recebe o Espírito Santo, que te foi concedido como dom”: é a grande dádiva de Deus, o Espírito Santo. E todos nós temos o Espírito dentro. O Espírito está no nosso coração, na nossa alma. E o Espírito guia-nos na vida, a fim de que nos tornemos bom sal e boa luz para os homens.
Se no Batismo é o Espírito Santo que nos imerge em Cristo, na Confirmação é Cristo que nos enche com o seu Espírito, consagrando-nos suas testemunhas, partícipes do mesmo princípio de vida e de missão, segundo o desígnio do Pai celeste. O testemunho prestado pelos confirmados manifesta a recepção do Espírito Santo e a docilidade à sua inspiração criativa. Pergunto-me: como se vê que recebemos o Dom do Espírito? Se cumprirmos as obras do Espírito, se proferirmos palavras ensinadas pelo Espírito (cf. 1 Cor 2, 13). O testemunho cristão consiste em fazer unicamente e tudo aquilo que o Espírito de Cristo nos pede, concedendo-nos a força para o realizar.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 23.05.2018
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje concluímos o ciclo de catequeses sobre o Batismo. Os efeitos espirituais deste sacramento, invisíveis aos olhos mas ativos no coração de quem se tornou criatura nova, são explicitados pela entrega da veste branca e da vela acesa.
Depois do lavacro de regeneração, capaz de recriar o homem segundo Deus na verdadeira santidade (cf. Ef 4, 24), pareceu natural, desde os primeiros séculos, revestir os recém-batizados com uma veste nova, cândida, à semelhança do esplendor da vida obtida em Cristo e no Espírito Santo. A veste branca, expressa simbolicamente o que aconteceu no sacramento e anuncia a condição dos transfigurados na glória divina.
Paulo recorda o que significa revestir-se de Cristo, explicando quais são as virtudes que os batizados devem cultivar: «Escolhidos por Deus, santos e amados, revesti-vos de sentimentos de ternura, de bondade, de humildade, de mansidão, de magnanimidade, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos reciprocamente. Mas acima de tudo, revesti-vos da caridade, que as une todas de modo perfeito» (Cl 3, 12-14).
Também a entrega ritual da chama acendida no círio pascal, recorda o efeito do Batismo: «Recebei a luz de Cristo», diz o sacerdote. Estas palavras recordam que não somos nós a luz, mas a luz é Jesus Cristo (Jo 1, 9; 12, 46), o qual, ressuscitando dos mortos, venceu as trevas do mal. Nós somos chamados a receber o seu esplendor! Assim como a chama do círio pascal acende cada uma das velas, também a caridade do Senhor Ressuscitado inflama os corações dos batizados, colmando-os de luz e calor. E por isso, desde os primeiros séculos, o Batismo chamava-se também “iluminação” e aquele que era batizado dizia-se que estava “iluminado”.
Com efeito, é esta a vocação cristã: «Caminhar sempre como filhos da luz, perseverando na fé (cf. Rito da iniciação cristã dos adultos, n. 226; Jo 12, 36).
Se se tratar de crianças, é tarefa dos pais, juntamente com os padrinhos e as madrinhas, ter o cuidado de alimentar a chama da graça batismal nas suas crianças, ajudando-as a perseverar na fé (cf. Rito do Batismo das Crianças, n. 73). «A educação cristã é um direito das crianças; ela tende a guiá-las gradualmente para o conhecimento do desígnio de Deus em Cristo: assim poderão ratificar pessoalmente a fé na qual foram batizadas» (ibid., Introdução, 3).
A presença viva de Cristo, que deve ser preservada, defendida e incrementada em nós, é lâmpada que ilumina os nossos passos, luz que orienta as nossas opções, chama que aquece os corações no caminho rumo ao Senhor, tornando-nos capazes de ajudar quem percorre o caminho connosco, até à comunhão inseparável com Ele. Naquele dia, diz ainda o Apocalipse, «não haverá mais noite, e não necessitarão de lâmpada nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os ilumina; e reinarão para todo o sempre» (cf. 22, 5).
A celebração do Batismo conclui-se com a recitação do Pai-Nosso, própria da comunidade dos filhos de Deus. Com efeito, as crianças renascidas no Batismo receberão a plenitude do dom do Espírito na Confirmação e participarão na Eucaristia, aprendendo o que significa dirigir-se a Deus chamando-lhe “Pai”.
No final destas catequeses sobre o Batismo, repito a cada um de vós o convite que expressei do seguinte modo na Exortação apostólica Gaudete et exsultate: «Deixa que a graça do teu Batismo frutifique num caminho de santidade. Deixa que tudo esteja aberto a Deus e, para isso, opta por Ele, escolhe Deus sem cessar. Não desanimes, porque tens a força do Espírito Santo para tornar possível a santidade e, no fundo, esta é o fruto do Espírito Santo na tua vida (cf. Gal 5, 22-23)» (n. 15).
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral de 16.05.2018
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
A catequese sobre o sacramento do Batismo leva-nos a falar hoje sobre o santo lavacro, acompanhado pela invocação à Santíssima Trindade, ou seja, o rito central que propriamente “batiza” — isto é, imerge — no Mistério pascal de Cristo (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1239). O sentido deste gesto é evocado por São Paulo aos cristãos de Roma, primeiro perguntando: «Ignorais que todos os que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte?», e depois respondendo: «Fomos, pois, sepultados com Ele na sua morte pelo Batismo para que, como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Pai, assim nós também vivamos uma vida nova» (Rm 6, 3-4). O Batismo abre-nos a porta para uma vida de ressurreição, não para uma vida mundana. Uma vida segundo Jesus.
A pia batismal é o lugar em que se faz a Páscoa com Cristo! O homem velho é sepultado com as suas paixões enganadoras (cf. Ef4, 22), para que renasça uma nova criatura; verdadeiramente, passou o que era velho; eis que tudo se fez novo (cf. 2 Cor 5, 17). Nas “Catequeses” atribuídas a São Cirilo de Jerusalém é explicado assim aos neófitos quanto lhes aconteceu na água do Batismo. É bonita esta explicação de São Cirilo: «No mesmo instante morreis e nasceis, e a mesma onda salutar torna-se para vós sepulcro e mãe» (n. 20, Mistagógica 2, 4-6: pg 33, 1079-1082). O renascimento do novo homem exige que seja reduzido a pó o homem corrompido pelo pecado. Com efeito, as imagens do túmulo e do ventre materno, referidas à fonte, são muito incisivas para expressar o que acontece de grandioso através dos simples gestos do Batismo. Apraz-me citar a inscrição que se encontra no antigo Batistério romano do Latrão onde se lê, em latim, esta expressão atribuída ao Papa Sisto III: «A Mãe Igreja dá à luz virginalmente mediante a água os filhos que concebe pelo sopro de Deus. Quantos de vós renascentes desta fonte, esperai o reino dos céus» («Virgineo fetu genitrix Ecclesia natos / quos spirante Deo concipit amne parit. / Caelorum regnum sperate hoc fonte renati»). É bonito: a Igreja que nos faz nascer, a Igreja que é um ventre, é a nossa Mãe através do Batismo.
Se os nossos pais nos geraram para a vida terrena, a Igreja regenerou-nos para a vida eterna no Batismo. Tornamo-nos filhos no seu Filho Jesus (cf. Rm 8, 15; Gl 4, 5-7). Também sobre cada um de nós, renascidos da água e do Espírito Santo, o Pai celestial faz ressoar com amor infinito a sua voz que diz: «Tu és o meu filho amado» (cf. Mt 3, 17). Esta voz paternal, impercetível ao ouvido mas bem audível pelo coração de quem crê, acompanha-nos durante a vida inteira, sem nunca nos abandonar. Durante toda a vida, o Pai diz-nos: “Tu és o meu filho amado, tu és a minha filha amada”. Deus ama-nos muito, como um Pai, e não nos deixa sozinhos. E isto, desde o momento do Batismo. Somos filhos de Deus renascidos para sempre! Com efeito, o Batismo não se repete, porque imprime um selo espiritual indelével: «Este selo não é apagado por pecado algum, embora o pecado impeça o Batismo de produzir frutos de salvação» (CIC, n. 1272). O selo do Batismo nunca se perde! “Padre, mas se alguém se torna um bandido, dos mais terríveis, que mata as pessoas, que comete injustiças, o selo desaparece?”. Não! Aquele filho de Deus, é o homem que faz estas coisas para a própria vergonha, mas o selo não se apaga. E ele continua a ser filho de Deus, que vai contra Deus, mas Deus nunca renega os seus filhos. Compreendestes? Deus nunca renega os seus filhos. Repitamo-lo todos juntos? “Deus nunca renega os seus filhos”. Um pouco mais alto, pois eu, ou sou surdo, ou não entendi: [repetem mais alto] “Deus nunca renega os seus filhos”. Então, assim está bem!
Por conseguinte, incorporados a Cristo por meio do Batismo, os batizados são conformados com Ele, «o primogênito entre uma multidão de irmãos» (Rm 8, 29). Mediante a ação do Espírito Santo, o Batismo purifica, santifica, justifica, para formar em Cristo, de muitos, um só corpo (cf. 1 Cor 6, 11; 12, 13). Exprime-o a unção crismal, «que é sinal do sacerdócio real do batizado e da sua agregação à comunidade do povo de Deus» (Rito do Batismo das Crianças, Introdução, n. 18, 3). Portanto, o sacerdote unge com o sagrado crisma a cabeça de cada batizado, depois de ter pronunciado estas palavras que explicam o seu significado: «É o próprio Deus quem vos consagra com o crisma de salvação para que, inseridos em Cristo, sacerdote, rei e profeta, sejais sempre membros do seu corpo para a vida eterna» (ibid., n. 71).
Irmãos e irmãs, a vocação cristã consiste totalmente nisto: viver unidos a Cristo na santa Igreja, partícipes da mesma consagração para desempenhar a mesma missão neste mundo, dando frutos que perduram para sempre. Com efeito, animado pelo único Espírito, todo o Povo de Deus participa das funções de Jesus Cristo, “Sacerdote, Rei e Profeta”, e assume as responsabilidades de missão e serviço que disto derivam (cf. CIC, 783-786). O que significa participar do sacerdócio real e profético de Cristo? Significa fazer de si uma oferta agradável a Deus (cf. Rm 12, 1), dando-lhe testemunho através de uma vida de fé e de caridade (cf. Lumen gentium, 12), colocando-a ao serviço dos outros, a exemplo do Senhor Jesus (cf. Mt 20, 25-28; Jo 13, 13-17). Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral de 09.05.2018
Jesus diz-nos: «Permanecei no meu amor. Não saiais do meu amor». E cada um de nós pode perguntar-se no coração - no próprio coração: «Eu permaneço no amor do Senhor? Ou saio, procurando outras coisas, outros divertimentos, outras condutas de vida?».
«Permanecer no amor» é fazer aquilo que Jesus fez por nós. Ele deu a vida. Ele foi o nosso servo: veio para servir-nos. «Permanecer no amor»significa servir os outros, estar ao serviço dos outros.
Que coisa é o amor? Queremos pensar em que coisa é o amor? «Ah, sim, eu vi um filme sobre o amor, era belo... E aquele casal de noivos... E depois acabou mal, que pena!». Não é assim. O amor é uma outra coisa.
O amor é encarregar-se dos outros. O amor não é tocar violinos, tudo romântico... O amor é trabalho. Quantas de vós sois mães, pensai quando os vossos filhos eram pequeninos: como amastes os vossos filhos? Com o trabalho. Tomastes conta deles. Eles choravam... era preciso dar-lhes leite; mudá-los; isto, aquilo...
O amor é sempre trabalho para os outros. Porque o amor faz-se ver nas obras, não nas palavras. Recordai quando se diz: «Palavras, palavras, palavras»; muitas vezes são só palavras. O amor, ao contrário, é concreto.
Cada um deve pensar: o meu amor pela minha família, no bairro, no trabalho: é serviço aos outros? Preocupo-me com os outros? (...) «Eu amo-te.» «E o que fazes por mim se me amas?» Cada um dos doentes do bairro pergunta: «O que fazes por mim?».
Na nossa família, se tu amas os teus filhos, sejam pequenos ou grandes, os pais, os idosos, que fazes por eles? Para ver como é o amor, pergunta-te sempre: que coisa faço?
«Mas padre, onde aprendemos isto?» De Jesus. E na segunda leitura [missa do 6.º Domingo da Páscoa, 1 João 4, 7-10 ou 1 João 4, 11-16] há uma frase que pode abrir-nos os olhos: «Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho». Nisto está o amor.
Não fomos nós a amar Deus; mas é Ele que nos amou primeiro. O Senhor ama sempre primeiro. Espera-nos com o amor. Também nós podemos fazer-nos a pergunta: eu espero com o amor os outros.
E depois fazer o elenco das perguntas. Por exemplo: os mexericos são amor? Aquele que diz mal dos outros... Não, não é amor. Falar mal das pessoas não é amor. «Oh... eu amo Deus. Faço cinco novenas por mês. Faço isto, aquilo...». Sim, mas... como é a tua língua? Como vai a tua língua? Esta é precisamente a pedra angular para ver o amor. Eu amo os outros? Pergunta-te: como está a minha língua? Dir-te-á se é verdadeiro amor.
Deus amou-nos primeiro. Espera-nos com o amor, sempre. Eu amo primeiro ou espero que me deem alguma coisa para amar? Como os cachorrinhos que esperam o presente, o alimento para comer e depois fazem festa ao dono. O amor é gratuito, em primeiro. Mas o termómetro para saber a temperatura do meu amor é a língua. Não vos esqueçais disto.
Quando estiverdes para fazer o exame de consciência, antes da confissão ou em casa, perguntai-vos: fiz aquilo que Jesus me disse - «permanecei no meu amor»? E como posso sabê-lo? Da maneira como a minha língua se comportou. Se falei mal dos outros, não amei.
Se esta paróquia conseguisse nunca falar mal dos outros, seria de a canonizar! Mas, ao menos, como disse outras vezes: fazei o esforço de não falar mal dos outros. «Padre, dê-nos um remédio para não falar mal dos outros.» É fácil. Está ao alcance de todos. Quando te vem a vontade de falar mal dos outros, morde a língua. Ficará inchada, mas de certeza que não voltarás a falar mal.
Peçamos ao Senhor para «permanecer no amor» e compreender que o amor é serviço, é encarregar-se dos outros. E a graça de compreender que o termómetro de como está o amor é a língua.
Excertos da homilia proferida na paróquia do Santíssimo Sacramento a Tor de'Schiavi, Roma, Itália, 6.5.2018
Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad. / edição: SNPC
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Prosseguindo a reflexão sobre o Batismo, hoje gostaria de meditar sobre os ritos centrais, que têm lugar ao pé da pia batismal.
Consideremos antes de tudo a água, sobre a qual é invocado o poder do Espírito, a fim de que tenha a força de regenerar e renovar (cf. Jo 3, 5 e Tt 3, 5). A água é matriz de vida e de bem-estar, enquanto a sua falta provoca o esmorecimento de toda a fecundidade, como acontece no deserto; mas a água pode ser também causa de morte, quando submerge entre as suas ondas, ou em grande quantidade devasta tudo; por fim, a água tem a capacidade de lavar, limpar e purificar.
A partir deste simbolismo natural, universalmente reconhecido, a Bíblia descreve as intervenções e as promessas de Deus através do sinal da água. No entanto, o poder de perdoar os pecados não está na água em si, como explicava Santo Ambrósio aos neófitos: «Viste a água, mas nem toda a água cura: só sara a água que tiver em si a graça de Cristo. [...] A ação é da água, mas a eficácia é do Espírito Santo» (De sacramentis 1, 15).
Por isso, a Igreja invoca a ação do Espírito sobre a água, «a fim de que, aqueles que nela receberem o Batismo, sejam sepultados com Cristo na morte e, com Ele, ressuscitem para a vida imortal» (Rito do Batismo das crianças, n. 60). A prece de bênção diz que Deus preparou a água «para ser sinal do Batismo», recordando as principais prefigurações bíblicas: sobre as águas primordiais pairava o Espírito, para as transformar em germe de vida (cf. Gn 1, 1-2); a água do dilúvio marcou o fim do pecado e o início da nova vida (cf. Gn 7, 6-8, 22); através da água do Mar Vermelho, os filhos de Abraão foram libertados da escravidão do Egito (cf. Êx14, 15-31). A propósito de Jesus, recorda-se o Batismo no Jordão (cf. Mt 3, 13-17), o sangue e a água derramados do seu lado (cf. Jo 19, 31-37), e o mandato dado aos discípulos, para batizar todos os povos em nome da Trindade (cf. Mt 28, 19). Revigorados por esta memória, pede-se a Deus que infunda na água da pia batismal a graça de Cristo morto e ressuscitado (cf. Rito do Batismo das crianças, n. 60). E assim, esta água é transformada em água que traz em si a força do Espírito Santo. E mediante esta água, com a força do Espírito Santo, batizamos as pessoas, os adultos, as crianças, todos.
Santificada a água da pia batismal, é preciso dispor o coração para aceder ao Batismo. Isto acontece mediante a renúncia a Satanás e a profissão de fé, dois gestos estritamente ligados entre si. Na medida em que digo “não” às sugestões do diabo — aquele que divide — torno-me capaz de dizer “sim” a Deus, que me chama a conformar-me com Ele nos pensamentos e nas ações. O diabo divide; Deus une sempre a comunidade, as pessoas num único povo. Não é possível aderir a Cristo, impondo condições. É necessário desapegar-se de certos vínculos para poder realmente abraçar outros; ou estás de bem com Deus, ou com o diabo. Por isso, a renúncia e o ato de fé caminham juntos. É preciso eliminar pontes, deixando-as atrás, para empreender o novo Caminho, que é Cristo.
A resposta às perguntas — «Renunciais a Satanás, a todas as suas obras e a todas as suas seduções?» — é dada na primeira pessoa do singular: «Renuncio». E do mesmo modo é professada a fé da Igreja, dizendo: «Creio». Eu renuncio, eu creio: isto está na base do Batismo. É uma opção responsável, que deve ser traduzida em gestos concretos de confiança em Deus. O ato de fé supõe um compromisso que o próprio Batismo ajudará a manter com perseverança nas várias situações e provas da vida. Recordemos a antiga sabedoria de Israel: «Meu filho, se te apresentares para servir o Senhor, prepara-te para a tentação» (Eclo 2, 1), ou seja, prepara-te para o combate. E a presença do Espírito Santo concede-nos a força para lutar bem.
Estimados irmãos e irmãs, quando molhamos a mão na água benta — ao entrar numa igreja, tocamos a água benta — e fazemos o sinal da Cruz, pensemos com alegria e gratidão no Batismo que recebemos — esta água benta recorda-nos o Batismo — e renovemos o nosso “Amém” — “Estou feliz” — para viver imersos no amor da Santíssima Trindade.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 02.05.2018
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Continuemos a nossa reflexão sobre o Batismo, sempre à luz da Palavra de Deus.
É o Evangelho que ilumina os candidatos e suscita a adesão de fé: «O Batismo é, de modo totalmente particular, o “sacramento da fé”, uma vez que é a entrada sacramental na vida de fé» (Catecismo da Igreja Católica, 1236). E a fé é a entrega de nós mesmos ao Senhor Jesus, reconhecido como «nascente de água [...] para a vida eterna» (Jo 4, 14), «luz do mundo» (Jo 9, 5), «vida e ressurreição» (Jo 11, 25), como ensina o itinerário percorrido, ainda hoje, pelos catecúmenos já prestes a receber a iniciação cristã. Educados pela escuta de Jesus, pelo seu ensinamento e pelas suas obras, os catecúmenos voltam a viver a experiência da mulher samaritana sedenta de água viva, do cego de nascença que adquire a vista, de Lázaro que sai do sepulcro. O Evangelho traz em si a força de transformar quem o recebe com fé, arrancando-o do domínio do maligno, a fim de que aprenda a servir o Senhor com alegria e novidade de vida.
À pia batismal nunca vamos sozinhos, mas acompanhados pela oração da Igreja inteira, como recordam as ladainhas dos Santos que precedem a prece de exorcismo e a unção pré-batismal com o óleo dos catecúmenos. São gestos que, desde a antiguidade, asseguram a quantos se preparam para renascer como filhos de Deus, que a oração da Igreja os assiste na luta contra o mal, os acompanha no caminho do bem, os ajuda a libertar-se do poder do pecado, a fim de passar para o reino da graça divina. A prece da Igreja. A Igreja reza, e reza por todos, por todos nós! Nós, Igreja, oramos pelos outros. É bom rezar pelos outros. Quantas vezes, quando não temos uma necessidade urgente, não rezamos. Devemos orar pelos outros, unidos à Igreja: “Senhor, peço-vos pelas pessoas que estão em necessidade, por quantos não têm fé...”. Não vos esqueçais: a oração da Igreja está sempre em ação. Mas nós devemos entrar nesta prece e rezar por todo o povo de Deus, e por aqueles que precisam de orações. Por isso, o caminho dos catecúmenos adultos está marcado por reiterados exorcismos pronunciados pelo sacerdote (cf. cic, 1237), ou seja, por orações que invocam a libertação de tudo o que separa de Cristo e impede a íntima união com Ele. Pede-se a Deus até pelas crianças, para que as liberte do pecado original e as consagre como morada do Espírito Santo (cf. Rito do Batismo das crianças, n. 56). As crianças. Rezar pelas crianças, pela sua saúde espiritual e corporal. É um modo de proteger as crianças com a oração. Como testemunham os Evangelhos, o próprio Jesus combateu e expulsou os demônios para manifestar a vinda do reino de Deus (cf. Mt 12, 28): a sua vitória sobre o poder do maligno deixa espaço ao senhorio de Deus, que rejubila e reconcilia com a vida.
O Batismo não é uma fórmula mágica, mas um dom do Espírito Santo que torna quem o recebe capaz de «lutar contra o espírito do mal», acreditando que «Deus enviou ao mundo o seu Filho para destruir o poder de Satanás e transferir o homem das trevas para o seu Reino de luz infinita» (cf. Rito do Batismo das crianças, n. 56). Sabemos por experiência que a vida cristã está sempre sujeita à tentação, sobretudo à tentação de se separar de Deus, da sua vontade, da comunhão com Ele, para voltar a cair na rede das seduções mundanas. E o Batismo prepara-nos, dá-nos força para esta luta quotidiana, até para a luta contra o diabo que — como diz São Pedro — como um leão, procura devorar-nos, destruir-nos.
Além da oração, há a unção no peito com o óleo dos catecúmenos, os quais «dele recebem vigor para renunciar ao diabo e ao pecado, antes de se aproximarem da fonte e ali renascerem para a nova vida» (Bênção dos óleos, Premissas, n. 3). Devido à propriedade do óleo de penetrar nos tecidos do corpo, proporcionando-lhe benefício, os antigos lutadores costumavam ungir-se de óleo para tonificar os músculos e para ativar mais facilmente as garras do adversário. À luz deste simbolismo, os cristãos dos primeiros séculos adotaram o uso de ungir o corpo dos candidatos ao Batismo com o óleo benzido pelo do Bispo [Eis a prece de bênção, expressiva do significado deste óleo: «Ó Deus, sustentáculo e defesa do vosso povo, abençoai este óleo, no qual quisestes oferecer-nos um sinal da vossa fortaleza divina; concedei energia e vigor aos catecúmenos que serão por ele ungidos, a fim de que, iluminados pela vossa sabedoria, compreendam mais profundamente o Evangelho de Cristo; sustentados pelo vosso poder, assumam com generosidade os compromissos da vida cristã; e, tornando-se dignos da adoção de filhos, tenham a alegria de renascer e viver na vossa Igreja»: Bênção dos óleos, n. 21], com a finalidade de significar, mediante este «sinal de salvação», que o poder de Cristo Salvador fortalece para lutar contra o mal e para o derrotar (cf. Rito do Batismo das crianças, n. 105).
É cansativo combater contra o mal, escapar dos seus enganos, recuperar a força depois de uma luta extenuante, mas devemos saber que toda a vida cristã é um combate. Contudo, devemos saber também que não estamos sozinhos, que a Mãe Igreja reza a fim de que os seus filhos, regenerados no Batismo, não sucumbam às emboscadas do maligno, mas que as vençam pelo poder da Páscoa de Cristo. Fortalecidos pelo Senhor Ressuscitado, que derrotou o príncipe deste mundo (cf. Jo 12, 31), também nós podemos repetir com a fé de São Paulo: «Tudo posso n’Aquele que me dá força» (Fl 4, 13). Todos nós podemos vencer, vencer tudo, mas com a força que nos vem de Jesus.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 25.04.2018
Prezados irmãos e irmãs bom dia!
Prosseguimos, neste Tempo de Páscoa, as catequeses sobre o Batismo. O significado do Batismo sobressai claramente da sua celebração, por isso dirijamos a ela a nossa atenção. Considerando os gestos e as palavras da liturgia, podemos compreender a graça e o compromisso deste Sacramento, que deve ser sempre redescoberto. Fazemos memória dela na aspersão com a água benta, que se pode realizar no domingo, no início da Missa, assim como na renovação das promessas batismais, durante a Vigília pascal. Com efeito, quanto se verifica na celebração do Batismo suscita uma dinâmica espiritual que atravessa toda a vida dos batizados; é o início de um processo que nos permite viver unidos a Cristo na Igreja. Portanto, regressar à nascente da vida cristã leva-nos a compreender melhor o dom recebido no dia do nosso Batismo e a renovar o compromisso de lhe corresponder na condição em que estamos hoje. Renovar o compromisso, compreender melhor este dom, que é o Batismo, e recordar o dia do nosso Batismo. Na quarta-feira passada pedi para fazer os deveres de casa e, cada um de nós, recordar o dia do Batismo, em que dia fui batizado. Sei que alguns de vós o sabem, outros não; os que não o sabem, perguntem aos parentes, àquelas pessoas, aos padrinhos, às madrinhas... perguntem: “Qual é a data do meu Batismo?”. Porque o Batismo é um renascimento, é como se fosse o segundo aniversário. Entendestes? Cumprir este dever de casa, perguntar: “Qual é a data do meu Batismo?”.
Antes de tudo, no rito de acolhimento pergunta-se qual é o nome do candidato, porque o nome indica a identidade de uma pessoa. Quando nos apresentamos, dizemos imediatamente o nosso nome: “Chamo-me assim”, para sair do anonimato; anônimo é quem não tem um nome. Para sair do anonimato dizemos imediatamente o nosso nome. Sem um nome permanecemos desconhecidos, sem direitos nem deveres. Deus chama cada um pelo nome, amando-nos individualmente, na realidade da nossa história. O Batismo acende a vocação pessoal a viver como cristão, que se desenvolverá durante a vida inteira. E comporta uma resposta pessoal, não emprestada, com um “copia e cola”. Com efeito, a vida cristã é tecida com uma série de chamadas e respostas: Deus continua a pronunciar o nosso nome ao longo dos anos, fazendo ressoar de muitas maneiras a sua chamada a nos conformarmos com o seu Filho Jesus. Portanto, o nome é importante! É muito importante! Os pais pensam no nome que darão ao filho já antes do nascimento: também isto faz parte da espera de um filho que, no próprio nome terá a sua identidade original, inclusive para a vida cristã ligada a Deus.
Sem dúvida, tornar-se cristão é um dom que vem do alto (cf. Jo 3, 3-8). A fé não se pode comprar, mas sim pedir e receber como dom. “Senhor, concedei-me o dom da fé!”, é uma bonita oração! “Que eu tenha fé!” é uma bonita prece. Pedi-la como dom, mas não se pode comprá-la, pede-se. Com efeito, «o Batismo é o sacramento daquela fé, com a qual os homens, iluminados pela graça do Espírito Santo, respondem ao Evangelho de Cristo» (Rito do Batismo das Crianças, Introdução geral, n. 3). A formação dos catecúmenos e a preparação dos pais, assim como a escuta da Palavra de Deus na própria celebração do Batismo, tendem a suscitar e a despertar uma fé sincera, em resposta ao Evangelho.
Se os catecúmenos adultos manifestam pessoalmente aquilo que desejam receber como dom da Igreja, as crianças são apresentadas pelos pais, com os padrinhos. O diálogo com eles permite que exprimam a vontade de que os pequenos recebam o Batismo e, à Igreja, a intenção de o celebrar. «Expressão de tudo isto é o sinal da cruz, que o celebrante e os pais traçam na testa das crianças» (Rito do Batismo das Crianças, Introdução, n. 16). «O sinal da cruz... manifesta a marca de Cristo impressa naquele que vai passar a pertencer-lhe e significa a graça da redenção que Cristo nos adquiriu pela sua cruz» (Catecismo da Igreja Católica, n. 1.235). Na celebração fazemos o sinal da cruz nas crianças. Mas gostaria de retomar um tema do qual já vos falei. As nossas crianças sabem fazer bem o sinal da cruz? Muitas vezes vi crianças que não sabem fazer o sinal da cruz. E vós, pais, mães, avôs, avós, padrinhos e madrinhas, deveis ensinar a fazer bem o sinal da cruz, porque isto significa repetir o que se fez no Batismo. Entendestes bem? Ensinar as crianças a fazer bem o sinal da cruz. Se o aprenderem desde a infância, fá-lo-ão bem mais tarde, quando forem adultos.
A cruz é o distintivo que manifesta quem somos: o nosso falar, pensar, olhar e agir estão sob o sinal da cruz, ou seja, sob o sinal do amor de Jesus até ao fim. As crianças são marcadas na testa. Os catecúmenos adultos são marcados também nos sentidos, com estas palavras: «Recebei o sinal da cruz nos ouvidos, para ouvir a voz do Senhor»; «nos olhos, para ver o esplendor da face de Deus»; «nos lábios, para responder à palavra de Deus»; «no peito, para que Cristo habite nos vossos corações mediante a fé»; «nos ombros, para sustentar o jugo suave de Cristo» (Rito da iniciação cristã dos adultos, n. 85). Tornamo-nos cristãos na medida em que a cruz se imprime em nós como uma marca “pascal” (cf. Ap 14, 1; 22, 4), tornando visível, inclusive exteriormente, o modo cristão de enfrentar a vida. Fazer o sinal da cruz quando acordamos, antes das refeições, diante de um perigo, em defesa contra o mal, à noite antes de dormir, significa dizer a nós mesmos e aos outros a quem pertencemos, quem desejamos ser. Por isso é muito importante ensinar as crianças a fazer bem o sinal da cruz. E, como fazemos ao entrar na igreja, podemos fazê-lo também em casa, conservando num pequeno vaso adequado um pouco de água benta — algumas famílias fazem-no: assim, cada vez que entramos ou saímos, fazendo o sinal da cruz com aquela água recordamo-nos que somos batizados. Não vos esqueçais, repito: ensinai as crianças a fazer o sinal da cruz!
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 18.04.2018
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