Percorrendo o caminho da leitura, vamos fazer uma pequena parada e refletir sobre uma das mais belas reflexões alegóricas que temos na Bíblia: a Aliança de amor de Deus com seu povo.
Desde os primeiros escritos bíblicos encontramos esse amor explícito de Deus para com seu povo. No princípio, ao criar todos os seres vivos: a natureza, os animais e o ser humano ele já deixa um sinal do seu amor: dá ao homem o direito de cuidar de toda a sua criação e ainda lhe oferece um dia de descanso: o sábado.
Depois, no caminhar da história, Deus, ao perceber que não agiu bem com seu povo, lhe faz uma promessa: a de não mais castigá-los com o dilúvio. E para não se esquecer dessa promessa coloca no céu um sinal: O arco-íris. E assim, no decorrer do texto bíblico vamos encontrar vários símbolos e sinais que podem ser lidos e colocados no chão da nossa existência. Vamos aos poucos descobrindo-os, através de nossas leituras.
Hoje vamos falar um pouco da experiência das primeiras comunidades cristãs.
As primeiras comunidades vivem a experiência do amor Deus e nos convidam a entrar na dinâmica da leitura simbólica para melhor compreender a Palavra de Deus, pois por trás de um texto bíblico tem sempre alguém ou uma comunidade falando de sua experiência com Deus.
Para as primeiras comunidades cristãs, sua experiência de fé tinha como fundamento as Escrituras. Elas sabiam que a relação de aliança entre Deus e o povo de Israel era considerada como um casamento. Assim podiam relacionar a relação de Jesus e a comunidade também como um matrimônio. Uma relação de amor entre Jesus e sua Igreja: a comunidade.
Olhando para as passagens bíblicas do Primeiro Testamento, podemos ver no do livro de Oséias, capítulos 1 e 2 como ele fala do relacionamento existente entre Deus e Israel. Ele fala da própria experiência de seu casamento com uma mulher infiel, para falar da aliança de Deus com seu povo que também lhe foi infiel. Encontramos nesse texto uma narrativa com linguagem simbólica da infidelidade conjugal utilizada pelo autor do texto para falar de como o povo foi infiel com Deus, esqueceu-se de sua aliança, mas Deus, que não se esquece de seus filhos, permanece fiel e misericordioso.
Também encontramos em Isaias (Is 62,1-12), no capítulo 16 de Ezequiel e em outros livros da bíblia, textos que falam da relação de amor entre Deus e seu povo como a relação de um grande amor conjugal.
Refletindo sobre os ensinamentos desses textos, a comunidade cristã também vai expressar suas experiências com Deus numa linguagem matrimonial. É a aliança de amor entre Jesus e seu povo apresentada no sentido alegórico como esposo. Essa relação de Cristo com a Igreja é refletida como o matrimônio que se inicia com a encarnação na qual ele assumiu a nossa humanidade, redimiu-a no Calvário, desposou-se com a Igreja e a perpetua no céu.
Neuza Silveira de Souza. Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
Catequizar é fazer ecoar a Palavra de Deus a todos que desejarem ouvir. Assim, “O catequista é, de certo modo, o intérprete da Igreja junto aos catequizandos e à comunidade. Ele lê e ensina a ler os sinais da fé, entre os quais o principal é a própria Igreja” (DCG 35).
O catequista desenvolve um verdadeiro ministério, um serviço à comunidade cristã, sustentado por um especial carisma de Espírito de Deus. Ao anunciar a Palavra de Deus ele ajuda a comunidade a interpretar criticamente os acontecimentos da vida, proporcionando-lhe a reflexão sobre a fé. Na Palavra encontramos o verdadeiro amor de Deus direcionado a cada pessoa. Um amor que para nós não basta apenas saber dele, mas experimentá-lo. Crer e experimentar o amor de Deus por nós. Um amor incondicional porque Deus é amor. Ele não exige que façamos algo para merecer sua atenção. Ele nos ama primeiro e nos escolhe para dar frutos. Nossa resposta a esse amor é testemunhá-lo ao mundo.
Uma boa forma de comunicação do catequista junto à comunidade é feita pelo testemunho, pois uma boa comunicação supõe uma experiência de vida na fé e de fé capaz de chegar ao coração daquele que se catequiza. Assim, o compromisso de evangelizar em nome da Igreja, na função de intérpretes dela, deve ser como o de Cristo: um compromisso com os mais necessitados (Lc 4,16-21). O Filho de Deus demonstrou a grandeza deste compromisso ao fazer-se homem, pois se identificou com eles, tornando-se um deles e solidário com eles.
Jesus, ao iniciar a sua comunicação/missão, segundo o Evangelista Lucas, lança seu projeto de vida quando lê nas Escrituras a passagem de Is. 61,1-2: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor”. Ao terminar de ler estas palavras disse aos que ali estavam em uma escuta atenta: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura”. Com estas palavras, Jesus assume em sua vida as Escrituras.
Assim também, nós catequistas, ao levarmos o anúncio da Palavra aos nossos catequizandos, devemos assumi-la como projeto de vida, para se fazer cumprir, antes de tudo, as exigências da justiça. Exigências estas que se caracterizam na preferência aos pobres. E aos catequizandos, devemos ajudá-los a assumir as atitudes de Cristo e a se sentirem Igreja, experimentando-a como lugar de comunhão e participação, contribuindo para sua edificação.
É tarefa do catequista apresentar os meios para ser cristão e mostrar a alegria de viver o Evangelho. O catequista é um pedagogo e um mistagogo de Deus. O Papa Francisco disse que o catequista é também um especialista na arte de acompanhamento (EG n. 169-173). É um acompanhador e um educador por excelência. Em virtude da fé e da unção batismal e como servo da ação do Espírito Santo ele é, ainda, testemunha da fé e guardião da memória de Deus.
Para que o catequista possa exercer suas tarefas do anúncio evangélico, torna-se importante participar das Escolas Catequéticas que são oferecidas a todos, em vários níveis, contribuindo para uma formação que além de desenvolver a capacitação didática e técnica do catequista, contribui para a vivência pessoal e comunitária da fé e seu compromisso com a transformação do mundo. É a prática da interação fé e vida.
Segundo o Papa Francisco, “ser catequista é uma vocação porque se compromete com a vida, guia-se para o encontro com Cristo, através das Palavras e da vida, através do testemunho”. Segundo o Pontífice, muitas vezes se pensa no catequista como naquele que se pôs ao serviço da Palavra de Deus, que frequenta diariamente essa Palavra para fazê-la e tornar-se alimento e assim poder comunica-la aos demais com eficácia e credibilidade.
O catequista sabe que essa Palavra é “viva” (Hb 4,12), pois constitui a regra de fé da Igreja (cf. Conc. Vat. II, Dei Verbum, 21; Lumen gentium, 15).
O Papa pede aos catequistas que não se esqueçam, sobretudo hoje em um contexto de indiferença religiosa, de que a sua palavra é um primeiro anúncio que chega a tocar o coração e a mente de muitas pessoas que estão à espera de encontrar Cristo.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-catequético de Belo Horizonte
Uma das preocupações que se deve ter ao anunciar a Palavra de Deus às outras pessoas, aos nossos catequizandos crianças, jovens e adultos é levar em consideração as exigências da realidade que hoje vivemos. A Bíblia traz consigo a mensagem que Jesus Cristo deixou para nós, expressa em palavras que se atualiza na realidade do nosso dia a dia.
Na Bíblia encontramos a narrativa da vida de Jesus e das primeiras comunidades cristãs. Estas primeiras comunidades apontam para nós suas experiências de vida; tudo aquilo que elas guardaram e refletiram sobre Jesus Cristo: sua pessoa, palavras, gestos, atitudes. Assim, estes escritos nos ajudam a fazer a nossa própria experiência de fé. Isto porque cada um desses escritos nasce de dentro de uma realidade social e histórica.
Quando a trazemos para nossa vida, necessitamos estar atentos às exigências das revelações expressas na própria Bíblia e na fé da Igreja, pois a Bíblia contém a Palavra de Deus e, por isso, tem as exigências que não dependem de nós e que devem ser respeitadas, para que ela possa ser realmente Bíblia para nós. Atender às exigências da realidade do povo é se colocar na escuta da voz do povo e assim, descobrir o que Deus tem a nos dizer.
A Bíblia é fonte e princípio da revelação de Deus. A catequese tem a missão de fazer ressoar na vida dos catequizandos a Palavra revelada.
A Bíblia não foi escrita em apenas um lugar, mas em muitos países diferentes por onde o povo de Deus andou, como na Palestina, na Babilônia, no Egito, na Síria, na Grécia e na Itália. Por isso, ela traz consigo a influência dos vários costumes, da cultura, da religião, da situação econômica, social e política de todos estes povos. No caminhar da história eles foram deixando suas marcas e influências na maneira de a Bíblia apresentar a mensagem de Deus aos homens.
Vários são os métodos e considerações que podem ser utilizados para fazer a leitura da Bíblia, pois a Bíblia retrata o itinerário da fé de um povo. Por isso, é nela que buscamos luz e inspiração para todo o processo da evangelização e da catequese, sobretudo quando se trata dos adultos. Ela é a fonte na qual a catequese busca a sua mensagem. Para uma leitura fiel da Bíblia um primeiro critério é crer que Bíblia é a Palavra de Deus e Palavra da vida
Assim, o primeiro passo para conhecer a palavra de Deus é ler a Bíblia. Chama-nos a atenção a possibilidade de encontrarmos várias portas que precisam ser abertas. À medida que vamos adentrando na casa e percorrendo seus corredores, vamos encontrando chaves que abrem a “casa” da Bíblia de forma libertadora, agradável e correta. Estas “chaves” são fáceis de lembrar, pois elas estão simbolizadas no nosso próprio corpo.
Com estas sete chaves podemos encontrar a Palavra de Deus que está na Bíblia e entenderemos melhor o sentido escondido por trás das palavras:
- Pés bem plantados na realidade – Para ler bem a Bíblia é preciso ler bem a vida. Conhecer a realidade pessoal, familiar e comunitária do país e do mundo. É preciso conhecer também a realidade na qual viveu o povo da Bíblia, pois ela nasceu das lutas, das alegrias, da esperança e da fé de um povo. (ver Ex. 3,7-10).
- Olhos bem abertos – Um olho sobre o texto da Bíblia e outro sobre o texto da vida. O que fala o texto da Bíblia? O que fala o texto da vida? A palavra de Deus está na Bíblia e está na vida. Precisamos ter olhos para enxergá-la.
- Ouvidos atentos, em alerta – Um ouvido para escutar o clamor do povo e outro para escutar o que Deus quer falar.
- Coração livre para amar – Ler a Bíblia com sentimento, com a emoção que o texto provoca. Só quem ama a Deus e ao próximo pode entender o que Deus fala na Bíblia e na vida. Coração pronto para converter-se.
- Boca – A boca para anunciar e denunciar aquilo que os olhos viram, os ouvidos ouviram e o coração sentiu sobre a Palavra de Deus e a vida.
- Mãos – as mãos nos ajudam a partilhar com os irmãos os maravilhosos dons que recebemos gratuitamente do Pai.
- Joelhos dobrados em oração – Só com muita fé e oração dá para entender a Bíblia e a vida. Pedir ajuda ao Espírito Santo para entender o “espírito” da Bíblia. Não podemos fazer uma leitura ao pé da letra, porque a letra mata e o espírito vivifica, como adverte São Paulo (ver 2Cor 3,6).
Certamente descobriremos outras chaves de leitura, mas estas são indispensáveis. Assim, é bom unir as chaves em um chaveiro forte e firme. Esse chaveiro é a família, o círculo bíblico ou sua comunidade. A Bíblia lida em comunidade se torna mais fácil, mais proveitosa, mais agradável. É um sinal da presença de Deus (Mt 18,20).
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-catequético de Belo Horizonte
02.06.2024
Ao proclamar a Palavra, deixemos que os acontecimentos da vida de Jesus se cruzem com os nossos: sangue e suor, sofrimentos e alegrias, realizações e projetos, tristezas e esperanças. Ao vivenciarmos e compartilharmos o anúncio das promessas do Senhor, possamos ser capazes de ler os sinais de salvação e de manifestação do Senhor na nossa vida e ao nosso redor.
Lembremo-nos das palavras do Evangelho quando João apresenta as Bodas de Caná e Maria, mãe de Jesus, atenta aos acontecimentos diz para Jesus: Filho, o vinho acabou. E olhando para os discípulos diz: faça tudo o que ele vos disser. E nós, também discípulos de Jesus, queremos fazer tudo o que o Senhor nos diz? Os ensinamentos de Jesus são palavras de vida que nos devolve a paz, suscita esperança, mas também nos desinstala, nos convoca sempre para enfrentar os desafios. Sem essa atitude de nossa parte, o anúncio não se propaga, a comunicação não acontece e a Palavra de Deus continua sendo apenas palavras de um livro e não Palavras da vida do Senhor e nossa.
Estar atentos à Palavra do Senhor, escutá-la e colocá-la em prática, esse é o convite que ele fez aos discípulos e continua nos fazendo através das palavras dos Evangelhos. Ele diz “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não dá fruto ele corta, mas todo ramo que dá fruto, ele limpa para que dê mais fruto ainda”. Assim ele age conosco nos ajudando sempre a frutificar sua Palavra no meio do povo. E nos pede: permanecei em mim e eu permaneço em você, pois aquele que permanece em mim e eu nele, esse produz muito fruto.
Todo anúncio de Jesus consiste em levar as pessoas a olharem não somente para si mesmas, mas também para o outro. Assim, quando respondemos positivamente ao plano de Deus em nossa vida, tudo se modifica. Permitindo que sua vontade seja a fonte de nossa realização humana, os acontecimentos na vida cotidiana se tornam mais fáceis.
Anunciar a Palavra de Deus aos outros requer um novo aprendizado e conversão. Antes, a nossa fé crescia em família: fazíamos as experiências das novenas, das festas dos padroeiros, das rezas do terço em famílias. A maioria das famílias assim se comportava e se tornava fácil crer em Cristo. Hoje já não é mais assim. Os costumes mudaram, existe um pluralismo de práticas religiosas, pode se vislumbrar uma verdadeira mudança de época. É uma situação geradora de crises e angústias na vida pessoal, nas instituições e nas várias dimensões da sociedade. As famílias já não transmitem a fé, especialmente para suas crianças.
Essas mudanças nos provocam para sair do comodismo e a viver uma vida cristã mais intensa e atuante. Anunciar Jesus e o seu Reino de maneira clara e convicta.
A sociedade que carregava consigo suas características mais rurais, agora se torna mais urbanizada e o estilo de vida na cidade muda. Também a compreensão da fé e sua prática passam por grandes mudanças. Muitas pessoas não valorizam mais a pertença à determinada religião, de forma ativa. O que se percebe na prática religiosa é uma fé subjetivista fechada em seus próprios raciocínios. A vivência da fé se baseia na busca de autossatisfação causando uma perda do sentido comunitário e do projeto de Jesus. Precisamos encontrar novas formas de evangelização, novas linguagens para o anúncio da palavra. Podemos continuar o anúncio através da nossa prática pastoral, catequética e litúrgica, do que vivenciamos em nossa comunidade, na oração e no confronto dos acontecimentos de nossa vida com a Palavra. O anúncio de nossa parte é fundamental para a Igreja cumprir sua missão de evangelizar.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
28.04.2024
Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” Mc 16,15.
Somos todos convidados a evangelizar, a partir de Jesus Cristo, na força do Espírito Santo, como Igreja discípula, missionária, profética e misericordiosa, alimentada pela Palavra de Deus e pela Eucaristia. Estes dizeres encontramos tanto nas Diretrizes da ação evangelizadora da Igreja no Brasil, que nos convocam a trabalhar no anúncio e na vivência da Palavra, como no documento de Aparecida que nos convida para a realização de ações que sejam transformadoras da Igreja e da sociedade. Nesse sentido somos todos chamados a avançar no caminho da conversão pastoral e missionária.
Quem prega a Palavra se faz instrumento da Palavra de Deus deixando ressoar o anúncio fundamental e comum e o faz com maior ou menor acerto, ensinando aquilo que lhe ensinaram. A Palavra chama à conversão e suscita a resposta da fé. A fé é dom que transforma o coração daquele que crê e o converte num novo ser.
A Palavra é sacramento salvífico. Pelo sacramento, o amor de Deus é experimentado a partir da humildade e da grandeza do sinal.
Na catequese, o servo da Palavra, o catequista, instrui e acompanha na fé, procura transformar a vida do catequizando ao estilo do evangelho. Assim, o anuncio da Palavra faz-se lenta e progressivamente, de acordo com os itinerários adequados a cada momento, etapa ou ocasião da vida do batizado ou do catecúmeno. Na catequese a Palavra é objeto de reflexão e estudo, de assimilação e consolidação no caminho cristão.
A mensagem cristã, explicada de maneira cordial, ajuda a estabelecer pontes com o passado cristão de nossas culturas.
Jesus apresenta-se no evangelho como enviado pelo Espírito (Lc 4,18) para proclamar a boa nova (Mc 1,14-15) e para dar a vida em resgate por muitos (Mc 10,45). Envia seus discípulos para pregar o Reino de Deus (Lc 9,2). Depois da ressurreição, enviou-os para fazerem discípulos todos os povos (Mt 18,19), pregarem, em seu nome, a todas as pessoas (Lc 24,47) e proclamarem o Evangelho (boa nova) a toda a criatura (Mc 16,5). A missão de Jesus é envio que procede do Pai e se realiza sob a ação do Espírito Santo. Esta é a mesma missão que Jesus comunica aos seus apóstolos com o objetivo de evangelizar a todos.
A missão que Jesus comunicou à Igreja tem sua fonte na Trindade. Nesse sentido, a Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária, visto que toma sua origem da missão do Filho e da missão do Espírito Santo, segundo a vontade do Deus Pai.
Evangelizar para a Igreja significa: levar a boa notícia a todos os ambientes da humanidade, procurando transformar a si mesma e renovar a própria humanidade. Naquele “Ide” de Jesus, estão presentes todos os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja e hoje todos nós somos chamados a esta nova ‘saída’ missionária. O Papa Francisco nos convoca para essa saída e nos alerta: “A saída exige prudência e audácia, coragem e ousadia”.
Somos chamados a ir ao encontro com Jesus e com ele viver uma intimidade itinerante que é a partilha da sua vida, da sua missão e dos seus sentimentos.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
Ao proclamar a Palavra, deixemos que os acontecimentos da vida de Jesus se cruzem com os nossos: sangue e suor, sofrimentos e alegrias, realizações e projetos, tristezas e esperanças. Ao vivenciarmos e compartilharmos o anúncio das promessas do Senhor, possamos ser capazes de ler os sinais de salvação e de manifestação do Senhor na nossa vida e ao nosso redor.
Lembremo-nos das palavras do Evangelho quando João apresenta as Bodas de Caná e Maria, mãe de Jesus, atenta aos acontecimentos diz para Jesus: Filho, o vinho acabou. E olhando para os discípulos diz: faça tudo o que ele vos disser. E nós, também discípulos de Jesus, queremos fazer tudo o que o Senhor nos diz?
Os ensinamentos de Jesus são palavras de vida que nos devolve a paz, suscita esperança, mas também nos desinstala, nos convoca sempre para enfrentar os desafios. Sem essa atitude de nossa parte, o anúncio não se propaga, a comunicação não acontece e a Palavra de Deus continua sendo apenas palavras de um livro e não Palavras da vida do Senhor e nossa.
Todo anúncio de Jesus consiste em levar as pessoas a olharem não somente para si mesmas, mas também para o outro. Assim, quando respondemos positivamente ao plano de Deus em nossa vida, tudo se modifica. Permitindo que sua vontade seja a fonte de nossa realização humana, os acontecimentos na vida cotidiana se tornam mais fáceis.
Anunciar a Palavra de Deus aos outros requer um novo aprendizado e requer conversão. Antes, a nossa fé crescia em família: fazíamos as experiências das novenas, das festas dos padroeiros, das rezas do terço em famílias. A maioria das famílias assim se comportava e se tornava fácil crer em Cristo. Hoje já não é mais assim. Os costumes mudaram, existe um pluralismo de práticas religiosas, pode-se vislumbrar uma verdadeira mudança de época. É uma situação geradora de crises e angústias na vida pessoal, nas instituições e nas várias dimensões da sociedade. As famílias já não transmitem a fé, especialmente para suas crianças. Essas mudanças nos provocam para sair do comodismo e a viver uma vida cristã mais intensa e atuante. Anunciar Jesus e o seu Reino de maneira clara e convicta.
A sociedade que carregava consigo suas características mais rurais, agora se torna mais urbanizada e o estilo de vida na cidade muda. Também a compreensão da fé e sua prática passam por grandes mudanças. Muitas pessoas não valorizam mais a pertença à determinada religião, de forma ativa. O que se percebe na prática religiosa é uma fé subjetivista fechada em seus próprios raciocínios. A vivência da fé se baseia na busca de auto satisfação causando uma perda do sentido comunitário e do projeto de Jesus.
Precisamos encontrar novas formas de evangelização, novas linguagens para o anúncio da Palavra. Podemos continuar o anúncio através da nossa prática pastoral, catequética e litúrgica, do que vivenciamos em nossa comunidade, na oração e no confronto dos acontecimentos de nossa vida com a Palavra. O anúncio de nossa parte é fundamental para a Igreja cumprir sua missão de evangelizar.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
Caminhando pelo Evangelho de Jesus Cristo, segundo a apresentação das comunidades, podemos ir, aos poucos, nos identificando com Jesus e assim assumindo nossos compromissos e trazendo para mais próximo de nós a grande experiência de participar do Mistério Pascal que dá fundamento à nossa fé cristã. Ele é o ponto de partida de nossa fé em Jesus Cristo. Se Cristo não tivesse ressuscitado, não haveria fé cristã.
O mistério da Páscoa, centro da nossa fé, é a passagem da morte para a vida. A vida cristã é passagem do egoísmo para a solidariedade, da indiferença para a participação, do ódio para o perdão, da divisão para a comunhão. O que aconteceu com Jesus deve acontecer conosco também. A Páscoa de Jesus é o ponto de partida da Páscoa de todos os seus seguidores. Conhecendo Jesus através da caminhada das primeiras comunidades descritas nos evangelhos, ajudam-nos a se colocar no seguimento de Jesus.
O Evangelho de Marcos
O Evangelho de Jesus segundo o Evangelista Marcos nos ajuda a nos colocar no caminho. Um caminho que se inicia com o caminhar de Jesus no sentido de doação de sua vida.
Marcos é o evangelho do Movimento e do Caminho. Jesus e seu movimento popular-religioso estão sempre se movimentando, sempre em missão, sempre a caminho. É o Profeta que prepara o caminho (Mc 1,2) e clama para o povo preparar o caminho (Mc 1,3). Jesus está quase sempre caminhando (Mc 1,16). Vai com os discípulos “a caminho do mar” (Mc 3,7) e também descreve o que acontece pelo caminho (Mc 8,3.27; 9,33-34; 10,32.52). Da mesma forma, quem aceita Jesus deve segui-lo e aceitar seu projeto, que é de libertação integral. As primeiras pessoas cristãs pertenciam ao Caminho (At 9,2; 18,25-26; 19,9-23).
Em Marcos, o Projeto de Jesus e seu Movimento trata-se de uma “boa notícia para todos, mas a partir dos empobrecidos”. Marcos faz opção pelos pobres. Por isso, nesse Evangelho são frequentes os contrastes e conflitos. Ou se está do lado de Jesus ou contra Ele.
Marcos concebeu seu Evangelho a partir da paixão de Jesus. Isto se comprova pelas repetidas condenações à morte sentenciadas pela hierarquia judaica. Percebemos que era um caminho difícil, árduo, acompanhado pela sombra da morte.
Marcos nos ajuda a compreender que Jesus é filho de Deus do início ao fim do seu Evangelho (Mc 1,1.11; 15,39), mas sempre visto como o servo que ama gratuitamente a todos a partir dos injustiçados. No caminho, Jesus percebe que irá passar por caminhos tortuosos que o levará ao martírio. Livremente, ele enfrenta as injustiças e se doa integralmente.
Evangelho de Mateus
O Evangelho de Mateus brota de comunidades diferentes, mas inseridas em um contexto de grandes conflitos também. Elas se encontravam fora de Jerusalém por causa da Guerra Judaica e a destruição do Templo. Essa comunidade era constituída de comunidades já existentes na Antioquia da Síria, dos judeus que sobreviveram da guerra Judaica e dos gentios convertidos. Era considerada uma comunidade viva. Para esta comunidade o evangelista Mateus apresenta Jesus como o Emanuel (Mt 1,23). É o Messias anunciado pelos profetas. Sua vida e prática era o cumprimento do plano determinado por Deus. Ele é o verdadeiro intérprete da Lei (Mt 5,1; 23,8) e por isso nos orienta que a Lei (ensinamento) deve estar a serviço da vida. Ele está sempre a nos convidar a viver a justiça e a misericórdia. Ele se faz presente no meio de todos nós, todos os dias, até a consumação dos séculos (28,20b).
No Evangelho de Jesus segundo Mateus encontramos vários dos ensinamentos de Jesus que eram trabalhados naquelas comunidades que podemos deles tirar proveito para nossa realidade atual. Diante de grandes conflitos que viviam em relação à fé, as comunidades eram convidadas a levar em consideração a importância do perdão, da sensibilidade e da prática concreta da solidariedade. Sabemos que a correção fraterna e o perdão são fundamentais para consolidar a vida em comunidade.
A Campanha da Fraternidade deste ano nos chamam para o exercício da fraternidade social. Olhar para os que passam fome, encontra-se excluídos, nas periferias, fora do campo das realidades de ações fraternas e solidárias. Somos chamados a ir até eles, ver a realidade em que se encontram e tomarmos decisões concretas de um agir ético e amoroso, fortalecendo as relações, assim como Jesus fazia no desejo de instaurar o Reino de Deus.
A exemplo de Jesus, nós, continuadores de sua obra, somos convocados a também trabalhar nesse reino já instaurado por ele tornando-o visível pela prática da justiça e da misericórdia.
Depois falaremos de Jesus nos Evangelhos segundo as comunidades de Lucas, João e das experiências das comunidades Paulinas.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.
É oportuno ao ser humano que a Bíblia não seja apenas um livro de perguntas e respostas para as crises e questionamentos do mundo, como uma espécie de “google” compilado, isso a tornaria um livro comum a qualquer outro colocando-o em vista de respostas instantâneas e um entendimento relativista.
Além de ter sido escrito há muitos anos, fora do contexto em que vivemos, a finalidade do texto bíblico é gerar intimidade e proximidade com aqueles que com ele se relacionam e, certamente, a simples busca de respostas, com o intuito de sanar questionamentos não fomentaria tal relação. Por outro lado, sendo atualizado, o texto bíblico tem o poder, enquanto palavra divina, de iluminar a realidade humana em todo e qualquer contexto em que for utilizado, desde que intrínseco à busca do texto, esteja a experiência de fé.
Assim, se voltarmos o olhar acerca da história do povo da bíblia perceberemos a busca constante de Deus por seu povo, sempre firmada por um propósito: “Vós sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus” (Jr 30,22) uma relação de pertença e intimidade constituída na aliança entre Deus e o ser humano. Podemos dizer que esse seja o ponto alto da forte e inesquecível conexão do povo de Israel com Deus e o que gerou nesse povo uma experiência profunda e autêntica.
Fazendo uma comparação com o contexto em que vivemos, talvez possamos tomar como norte o Exílio vivido pelo povo da bíblia “o Exílio foi um desafio para o povo” (TILLESSE, 1984, p. 81) e diante deste desafio se fazia necessário compreender a presença e o zelo de Deus mesmo em meio àquele “castigo”.
É no Exílio que o povo da bíblia aprende uma nova maneira de viver sua fé, aprende a perceber que a presença de Deus não se restringe somente à terra, à Cidade Santa ou ao templo, mas está viva no povo cuja pertença a Deus fora estabelecida pela aliança. Deste modo, a aliança permanece viva “de uma maneira que o povo não entendia bem, mas que Deus, secretamente, lhe revela” (TILLESSE, 1986, p. 37).
Um período extremamente desafiador ao povo, mas profundamente fecundo onde este compreendeu sua real vocação e percebeu que sua identidade estava muito mais ligada a sua pertença a Deus do que a qualquer outra coisa. Em meio aos nossos simbólicos exílios, nos cabe igualmente, percebermos novos modos de viver nossa fé, entendermos que mesmo neste contexto diferenciado do povo de Israel, Deus se manifesta e se faz presente dentro de cada ser humano.
É oportuno também refletirmos sobre o modo como nos relacionamos com Deus, se apenas interessados em gestos e respostas açucaradas ou se estamos dispostos a assumir de fato, uma aliança que não nos isenta das crises internas ou externas que envolvem nossa realidade, mas que nos garante a certeza de que firmados em um laço concreto com Deus, não daremos espaço ao relativismo ou ao comodismo.
Kelviane Pontes Vieira – Leiga consagrada da Nova Jerusalém. Formada em Serviço Social – UECE. Especialista em Bíblia- Faculdade Católica de Fortaleza. Bacharelanda em Teologia- Faculdade Católica de Fortaleza. Residente em Maracanaú-CE.
Bibliografia
TILESSE, Caetano Minette de. Revista Bíblica Brasileira. Ano I, Nº III. Fortaleza, Nova Jerusalém, 1984.
TILESSE, Caetano Minette de.Nova Jerusalém, Eclesiologia: Livro Primeiro: Reino de Deus. Fortaleza: Editora Nova Jerusalém, 1986.
A missão abraçada pelos leigos tem transformado muitas realidades. Mudança que se percebe no jeito de catequizar, de fazer ecoar a Palavra de Deus na vida das pessoas, das portas que vão se abrindo para que o leigo, ou seja, todo aquele que é batizado, atue na sua comunidade, na sua casa junto à família.
Diante da pandemia vivida nos últimos anos , adultos, jovens, adolescentes e as crianças da catequese, impossibilitadas de irem presencialmente aos encontros, foram aprendendo um modo diferente de participar, em casa, tanto do jeito de fazer catequese, quanto do jeito de realizar estudos escolares, a pedido dos professores.
Fatos esses ocorridos que não podem ser esquecidos. Tempo que contribuiu para um aprendizado diferente, mas válido para uma convivência melhor junto à família; aprenderam e ensinaram a rezar e a viver melhor para Deus.
Aprendemos que a fé não caminha em linha reta. Ela participa no desenvolvimento da pessoa e, assim, influencia o caminho da fé. Isto acontece porque cada fase da vida de cada pessoa está exposta a desafios específicos e deve enfrentar as dinâmicas sempre novas da vocação cristã.
Nesse sentido, a catequese deve oferecer caminhos diferenciados para as diferentes realidades e de acordo com as diferentes exigências, idades das pessoas e estados de vida. Torna-se importante, ao desenvolver a pedagogia, no processo catequético, atribuir a cada etapa a sua devida importância e especificidade.
Diante da realidade atual é fundamental para nós, cristãos, unirmos forças para redescobrir a potencialidade do Evangelho e do cristianismo. Precisamos propor o Evangelho como força de vida, a interioridade como caminho para Deus, além da indispensável via do amor que liberta e promove vidas.
Percebe-se aqui a necessidade de assumir, de verdade, o anúncio querigmático, ou seja, o anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo. No horizonte do cristianismo, o querigma se identifica com o Evangelho, Boa Notícia, mensagem de salvação. Assim podemos dizer que Cristo não veio trazer uma norma ética de vida ou uma grande ideia, mas veio trazer para nós uma mensagem de salvação: proclamar o Reino de Deus.
Jesus começou esse anúncio do Reino dizendo: “Arrependei-vos porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt 4,17). Também dizia: “O Evangelho deve ser proclamado a todas as nações” (Mc 13,10). O anúncio da Boa Nova, o Evangelho, tornou-se o conteúdo necessário e essencial da missão evangelizadora confiada por Jesus a seus discípulos: ‘“Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura’ […] e os discípulos foram anunciar por toda parte. O Senhor cooperava, confirmando a palavra pelos sinais que a acompanhavam” (Mc 15,15.20).
A presença da Igreja no trabalho missionário inclui o fazer-se caminho para a dignidade da pessoa e promoção humana. A Igreja tem, ainda, como parte da missão a defesa da justiça, da integridade e da criação. Onde o povo estiver, a Igreja tem que se fazer presente. Sua presença ajuda o povo a amadurecer, crescer e assumir seu protagonismo local para que possa formar comunidades fiéis ao Evangelho.
Durante um longo período na história, a Igreja investia suas maiores e melhores forças na preparação de crianças e sempre em vista da recepção dos sacramentos, seja da eucaristia, seja da crisma, e, isso, com um cunho meramente doutrinal. Hoje, impõe-se um novo modo de fazer catequese, que leve em conta a colaboração e a participação efetiva dos pais. É urgente uma catequese que envolva toda a família.
O diretório para a catequese nos orienta para uma catequese familiar e que possa atingir primeiramente os pais, uma catequese adulta, familiar. É um longo caminho para as catequistas que tem a tarefa urgente, a ser desenvolvida com carinho e dedicação que é a formação para o fazer catequético da Igreja. A catequese familiar precede, acompanha e enriquece todas as outras formas de catequese (DGC, n. 226; CT, n. 68). Com a catequese familiar, a família vai se tornando um itinerário de fé de vida cristã para seus filhos e para a comunidade na qual pertence.
Nesse sentido, para a Igreja Católica, o anúncio querigmático tornou-se um desafio, o que requer anunciadores e evangelizadores convertidos e bem preparados. Destaca-se aqui no anúncio querigmático, a conversão e a dinâmica do mistério da Páscoa e da esperança pascal, porque seguir Jesus significa viver em vida pascal. Portanto, situa-se aqui a necessidade de uma liturgia também renovada por ser ela lugar privilegiado da comunhão da Palavra, da comunhão eclesial, da comunhão eucarística e do envio missionário. A liturgia precisa chegar ao coração e à emoção, ao gesto e ao corpo, à Palavra e ao “Verbo” para cumprir sua finalidade de ajudar a todos a fazer a experiência de Deus.
O diretório para a catequese nos fala da família como uma comunidade de amor e vida e nos números 224 a 235 nos oferece orientações para a catequese e família ressaltando a importância de uma catequese que deve acontecer, na família, com a família e da família. A Igreja, em seus cuidados maternos, acompanha seus filhos e filhas ao longo de sua existência, desejando construir com eles um itinerário de fé permanente e manter sempre viva a vida da comunidade Igreja. Essa tarefa é dos e das catequistas que devem prestar atenção às famílias, envolvendo-as, cada vez mais, no compromisso catequético e na construção comunitária.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.
A Bíblia é fruto de revelação ou inspiração? O que entendemos por isto? Como acontece a revelação?
A revelação manifesta-se nos eventos, nos fatos da vida, no cotidiano das pessoas.
Por inspiração entendemos a ação particular de Deus sobre algumas pessoas.
Deus inspirou algumas pessoas para Agir. Por exemplo: Abraão, Moisés e muitos outros. Inspirou outras pessoas para Falar, por exemplo: os profetas. E outras foram inspiradas para Escrever; esses são os Hagiógrafos, ou autores sagrados, que escreveram a Bíblia.
A Igreja herdou dos judeus a crença que seus livros sagrados foram escritos por inspiração divina.
Aprendemos que a Bíblia é um livro Divino e Humano. Deus é seu autor principal, mas é também humana, pois é fruto da ação humana. A inspiração divina incide sobre todas as faculdades do escritor: conhecimento, imaginação, memória, vontade e faculdades executivas.
A Bíblia quer ensinar uma verdade religiosa, importante para a nossa salvação. Assim, a verdade bíblica deve ser buscada na sua totalidade, porque Deus não se revela de uma só vez, mas aos poucos, à medida que o homem pode compreender.
Já constatamos que no Antigo Testamento usado pelos judeus e protestantes é diferente do nosso não somente pelo número de livros. Na Bíblia Hebraica há também diferenças na maneira de dividir os livros em grupos. Podemos falar, portanto, de uma divisão hebraica (Cf. Prólogo ao Eclo 1,1.8s.24; Lc 24,27.44) e uma divisão cristã da Bíblia.
Em relação aos livros da Bíblia, no Antigo Testamento, a Bíblia cristã católica contém 46 livros, diferente da Bíblia cristã hebraica e protestante que contém somente 39 livros. Os sete livros a mais contidos no Antigo testamento da Bíblia cristã católica, foram escritos depois do retorno do povo do exílio da babilônia e se estabeleceram na região da Judeia. Estes livros são por nós conhecidos como Livros Deuterocanônicos e só se encontram na Bíblia católica. São os livros cuja inspiração foi objeto de debates. São aceitos por uns e rejeitados por outros. São Eles: Tobias, Judite, Baruc, Sabedoria, Eclesiástico, 1 e 2 Macabeus. Alguns textos de: Ester 10,4-16-24; Daniel 3,24-90; 13-14.
Vamos caminhar um pouco mais com nosso aprendizado. Hoje vamos olhar como são lidas as citações bíblicas e estar atentos para identificar se é de um texto da Bíblia católica ou da Bíblia protestante.
As várias formas de citação, de um texto na Bíblia cristã católica
Citações das Bíblias católicas:
• A vírgula separa os versículos do capítulo.
Ex.: Mt 16,18 lê-se – Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus, capítulo 16, versículo 18.
Ex.: Gn 3,1 lê-se – Livro do Gênesis, cap. 3, v.1
• O hifen apresenta uma sequência de capítulos ou versículos.
Ex.: At 1-2 lê-se – Livro dos Atos dos Apóstolos, capítulos 1 e 2 (integrais).
Ex 15,2-5 lê-se – Livro do Êxodo, capítulo 15, versículos 2 a 5.
Ex.: Jo 3-5; 2Tm 2,1-6; Mt 1,5-12,9 lê-se – Evangelho de Jesus Cristo segundo João, capítulos de 3 a 5; 2ª carta a Timóteo, capítulo 2, versículos de 1 a 6; Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus, do capítulo 1, versículo 5 até capítulo 12, versículo 9
• O ponto apresenta capítulos e/ou versículos citados isoladamente.
Ex.: 1Cr 1.3 lê-se – Primeiro Livro das Crônicas, capítulos 1 e 3.
Ex.: Is 32,1.4.6 lê-se – Livro do Profeta Isaías, capítulo 32, versículos 1, 4 e 6.
Ex.: 2Mc 3,2.5.7-9 (2º Livro dos Macabeus, capítulo 3, versículos 2, 5 e de 7 a 9).
• O ponto e vírgula dispõe capítulos e versículos isolados, mas pertencentes ao mesmo livro.
Ex.: Jo 3,23-25; 6,1-4 lê-se – Evangelho de Jesus Cristo segundo João, capítulo 3, versículos de 23 a 25 e capítulo 6, versículos de 1 a 4.
Ex.: Gn 5,1-7;6,8; Ex 2,3 (Livro do Gênesis, capítulo 5, versículos de 1 a 7; capítulo 6, versículo 8; Livro do Êxodo, capítulo 2, versículo 3.
• A leitura de um versículo e apenas o seguinte.
Ex.: Mc 8,27s lê-se – Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos, capítulo 8, versículo 27 e 28.
• Leitura de um trecho completo da narração (perícope).
Ex.: Mc 8,27ss lê-se – Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos, capítulo 8, versículos de 27 ao 33.
1Sm16,1 – Sm24,25 lê-se – Primeiro Livro de Samuel, capítulo dezesseis, versículo um até o capítulo vinte e quatro, versículo vinte e cinco do segundo livro de Samuel.
• Às vezes encontramos um “a” ou um “b” após o versículo. Indicam se é a primeira ou a segunda parte do versículo. Isso acontece quando o versículo é formado por uma ou mais frases.
Mt 4 , 21a ou Mt 4, 21b – Versículo 21: Um pouco mais adiante, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago e João, filhos de Zebedeua . Eles estavam no barco junto com o pai, consertando as redes.
Com essas dicas de leitura das citações vamos fazer as leituras bíblicas desta semana com maior intensidade, considerando que celebraremos, no dia 30 de setembro, a grande festa do mês da Bíblia.
• Observação: Encontrando citações diferentes destas apresentadas, pode-se referir a uma citação da Bíblia cristã protestante que utiliza sinais diferentes. Vejamos esta citação da bíblia católica: Jo 3,23-25; 6,1-4 lê-se – Evangelho de Jesus Cristo segundo João, capítulo 3, versículos de 23 a 25 e capítulo 6, versículos de 1 a 4. Na bíblia cristã protestante se escreve assim: Jo 3:23.25, 6:1,4. A forma de ler é a mesma.
Neuza Silveira de Souza. Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-catequético de Belo Horizonte.
Bíblia – Palavra de Deus na vida dos jovens
Preparando o ambiente
Ao nos prepararmos para o nosso encontro de catequese, o ambiente deve levar à interiorização. Mas, em geral, não temos espaço apropriado. Uma sala de aula, por exemplo, não favorece a caminhada para o silêncio e a oração. Até os centros comunitários das paróquias não contribuem para se criar um ambiente onde se sinta o “sagrado”.
Mas, não tendo outra escolha, devemos preparar, com antecedência, o ambiente e, para isto, estar lá 15 minutos, meia hora, antes de começar. A sala esteja limpa, algum cartaz bonito sobre o tema a tratar. Símbolos bem pensados que ajude a refletir o tema. Coloquemos uma mesinha com toalha e alguma flor ou planta bonita, natural (!), uma estante para a Bíblia, com uma vela, cadeiras em círculo... A beleza é transmissora da fé, pois quando se faz uma experiência de beleza ela nos leva a Deus, a beleza por excelência.
A própria catequista faz parte deste ambiente. Dizem que ela se comunica com: 70% pela postura, 25% pelo tom de voz e 5% pelo conteúdo. Exigem-se da catequista postura, vestes e atitudes dignas. A voz muito alta irrita. Precisa-se falar baixo, mas com boa articulação.
Ver a realidade
Iniciar o encontro procurando conhecer que experiências os participantes têm sobre a leitura da Bíblia. E na sua casa? Na família? O que eles pensam sobre a Bíblia?
O que se percebe, hoje, é que a Bíblia não é um livro que faz parte do cotidiano das pessoas. De forma geral, não se tem o hábito da leitura, principalmente, os jovens.
Compreende-se que muitos católicos não receberam claramente o primeiro anúncio de Jesus Cristo, nem passaram pelo processo de crescimento pessoal da fé. Assim, também não adquiriram a cultura de ler a Bíblia e de perceber a importância da Palavra na vida. É através da vivência da Palavra que se coloca à disposição os dons que recebem de Deus para realizar a missão por ele confiada. Dizia o profeta Jeremias: “Bastava descobrir tuas palavras e eu já as devorava, tuas palavras para mim são prazer e alegria do coração, pois a ti sou consagrado” (Jr 15,16). Conversem um pouco sobre este assunto.
Ver com os olhos da fé - A Bíblia é um importante livro para a nossa vida de cristãos. Embora escrita haja muito tempo ela guarda a experiência de vida de muitas gerações e apresenta uma mensagem totalmente nova e original para nós, que hoje passamos a ler, rezar e estudar esta Palavra de Deus. Ela é profundamente humana, pois fala das coisas da vida. Nela descobrimos caminhos que nos ajudam a viver bem a vida. É muito importante descobrirmos como ler a Bíblia, e um dos caminhos é a própria vida. A Bíblia e a vida são inseparáveis. Lendo-a podemos conhecer o projeto de Deus para a humanidade. Um projeto apresentado por Jesus que não veio trazer a salvação como que em passe de mágica, mas nos mostrar e abrir o caminho da salvação. Somos libertos e salvos à medida que esforçamos por segui-lo, procurando viver conforme seu modo de ser e agir.
Como surgiu a Bíblia - A Bíblia nasceu da vontade do povo de deixar por escrito as suas experiências de Deus, do seu jeito e da sua vontade de ser fiel a Deus. Assim encontramos na Bíblia a história de um povo que foi encontrando Deus nos acontecimentos e fatos da vida e foi percebendo como Deus se comunicava com eles. Assim, muitas pessoas relatam suas histórias e de vários modos: narrativas, contos, poemas, sagas, crônicas, hinos, cantos e orações, etc.
A Bíblia, depois de pronta, apresenta-se em duas grandes partes: A primeira, chamada de Primeiro Testamento, contém 46 livros que narram a vida, a fé e a história do povo de Deus. Nestas histórias encontramos a nossa história da salvação. Na segunda parte, que contém 27 livros, encontramos a narrativa da vida de Jesus e das primeiras comunidades cristãs. Estas primeiras comunidades apontam para nós suas experiências de vida; tudo aquilo que elas guardaram e refletiram sobre Jesus Cristo: sua pessoa, palavras, gestos, atitudes. Assim, estes escritos nos ajudam a fazer a nossa própria experiência de fé. Isto porque cada um desses escritos nasce de dentro de uma realidade social e histórica.
Na catequese a Bíblia é o livro por excelência
O documento n. 26 da Catequese Renovada, em seu n. 154, no diz que a Bíblia é o “livro por excelência”. A Palavra de Deus deve ser o centro do encontro catequético. Ela é a palavra inspirada por Deus, útil para ensinar, para argumentar, para corrigir, para educar conforme a justiça. A Bíblia é a carta de amor de nosso Pai. Não podemos deixá-la fechada no envelope.
Como os textos bíblicos podem nos ajudar hoje?
Antes de levar a Palavra aos catequizandos, o catequista necessita conhecer a mensagem do texto, deixar que ela chegue ao coração, transformar a vida e aí falar com o coração.
Os nossos catequizandos precisam ir para o encontro com o coração aberto, os ouvidos atentos, desejosos de conhecer esta Palavra que encanta nossas vidas. Afinal de contas, ao irmos para o encontro, estamos indo ao encontro de uma pessoa muito especial: Jesus Cristo.
Vamos responder a este chamado. Deus está constantemente chamando e chama de diversos modos: através de um pedido, de um grito, convite, convocação, apelo, recado. O seu chamado não tira a liberdade das pessoas. Ajuda-as na transformação da vida. Catequistas e catequizandos precisam deixar-se contagiar pela Palavra de Deus.
Agir - Vamos nos deixar contagiar pela Palavra de Deus? Vamos fazer a experiência? Planejar um tempo para, em casa, ler a bíblia. Meia hora? Vinte minutos? 10 minutos? É assim que começamos. Aquilo que vocês não entenderem leve as questões para o encontro. Discutem com a catequista e os participantes.... Que tal começar? Leiam hoje Lc 24, 13-35. Percebam como Jesus vai nos instruindo com a leitura.
Reflitam:
Em Lc 24, 13-24 Jesus procura saber quais são os problemas que afligem aqueles dois caminhantes. Ele se põe a escutar.
Em Lc 24, 25-27 Jesus, depois de escutar os dois, ilumina a vida deles com a Palavra de Deus. Ao falar, Jesus os leva a compreender os fatos ou situação de vida.
Em Lc 24, 28-32 acontece a celebração, pois já se tornaram amigos, discutiram seus problemas, formaram um grupo e desta amizade nasce o convite, o cuidado com o outro. Jesus dá um ensinamento: é na comunidade, nas relações uns com os outros que crescemos na fé. É na comunidade que entendemos a Bíblia e descobrimos a vontade de Deus para nós.
Em Lc 24, 33-35 Jesus desperta naqueles dois uma transformação, uma mudança de atitude. Eles sentem animados e desejosos de relatar para todos os amigos, como foi a experiência que fizeram.
Oração - Ler Atos 2,42-47
Refletir: Jesus insistia muito na formação e reconstrução da vida comunitária. Como também nós podemos construir a nossa comunidade de jovens? Terminar o encontro cantando: A Bíblia é a Palavra de Deus.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.
As diversas configurações da Bíblia
Todos nós, povo de Deus, não temos muito conhecimento sobre a Palavra de Deus. Uma Palavra muito antiga que faz parte do nosso cotidiano, mas ao mesmo tempo, muito nova, pelo tempo que ela foi colocada nas mãos do povo, pela Igreja.
Sabemos que antes, e por muitos e muitos anos, somente a conhecíamos por meio da oralidade, das leituras nas Celebrações Eucarísticas e sermões dos padres. Foi a partir da década de 1980 que a Palavra escrita, a Bíblia, começa mesmo a se espalhar nas mãos do povo e ser estudada.
É nesse sentido que podemos dizer que nosso povo tem muitos problemas com as diferentes formas da Bíblia: a católica, a protestante, etc. Essas diferenças compreendem-se a partir da história. Vamos conversar um pouco sobre isso.
Primeiro ou Antigo Testamento
As diferenças entre as Bíblias se restringem ao chamado Antigo Testamento. As Escrituras aceitas pelo judaísmo hoje (a Bíblia hebraica) não são totalmente idênticas ao que nós chamamos o Antigo Testamento. No tempo de Jesus, o judaísmo transmitia suas Escrituras, quer na língua original, o hebraico, quer em tradução grega, porque o grego era a língua internacional e muitos judeus viviam fora de Jerusalém (nas cidades chamadas de “diáspora”). A tradução grega foi iniciada pelos anos 250 aC (Antes de Cristo), em Alexandria do Egito, grande centro de cultura helenista (= grega), onde viviam muitos judeus. É chamada Septuaginta (ou Bíblia dos Setenta, sigla: LXX), por ter sido atribuída a setenta escribas (número simbólico).
Ora, a tradução grega incluía alguns livros a mais que a Bíblia hebraica. Os primeiros cristãos – muitos deles judeus de língua grega – liam o Antigo Testamento na forma grega, mas os judeus não-cristãos, talvez por reação, valorizaram a forma hebraica, com o cânon mais restrito. Os cristãos adotaram a lista maior, da Bíblia grega (mesmo quando São Jerônimo traduziu diretamente do hebraico os livros escritos nessa língua). Por isso, o cânon cristão contém, para o Antigo Testamento, sete livros a mais que a Bíblia hebraica (1-2Mc, Jt, Tb, Eclo, Sb, Br), chamados “deuterocanônicos” (= incluídos no “cânon” num segundo momento; os protestantes os chamam de “apócrifos”).
Mais tarde, por volta de 1500-1600 dC (depois de Cristo), os reformadores protestantes (Lutero, Calvino, os anglicanos etc.) criaram traduções em língua moderna. Para esse fim, voltaram ao original hebraico e adotaram, quanto aos livros do Antigo Testamento, a lista restrita (a hebraica), enquanto os católicos continuaram com a lista maior (a grega). Seja lembrado, contudo, que Lutero guardou os livros excedentes da lista maior, como anexo na sua edição da Bíblia.
Por essas razões existem diversas configurações da Bíblia do Antigo Testamento:
- a Bíblia hebraica: cânon restrito do AT;
- a Septuaginta: cânon amplo do AT;
- a Bíblia cristã na forma adotada pela Igreja Católica e pelas Igrejas Orientais (Igreja Ortodoxa etc.): cânon amplo do AT (incluindo os deuterocanônicos) mais o NT;
- a Bíblia cristã na forma das Igrejas protestantes: cânon restrito do AT, mais o NT.
O Antigo Testamento usado pelos judeus e protestantes é diferente do nosso não somente pelo número de livros. Na Bíblia Hebraica há também diferenças na maneira de dividir os livros em grupos. Podemos falar, portanto, de uma divisão hebraica (Cf. Prólogo ao Eclo 1,1.8s.24; Lc 24,27.44) e uma divisão cristã da Bíblia.
Divisão Hebraica- Divisão Cristã
Torah = Lei (5): corresponde ao nosso
Pentateuco (Gn, Ex, Lv, Nm e Dt)
Pentateuco = (5): Gn, Ex, Lv, Nm, Dt
Livros Históricos (16): Js, Jz, Rt, 1-2Sm, 1-2Rs, 1-2Cr, Esd, Ne,
Tb, Jt, Est, 1-2Mc
Nebi’im = Profetas (21)
- Profetas anteriores: Js, Jz, 1-2Sm, 1-2Rs
- Profetas posteriores: Is, Jr, Ez e os 12
Profetas Menores
Livros Sapienciais ou Didáticos (7):
Jó, Sl, Pr, Ecl, Ct, Sb, Eclo
Ketubim = Escritos (13): Sl, Pr, Jó, Ct, Rt,
Lm, Ecl, Est, Dn, Esd, Ne, 1-2Cr
Livros Proféticos (18):
- Profetas maiores: Is, Jr, Lm, Br, Ez., Dn.
- Profetas menores: Os, Jl, Am, Ab, Jn,
Mq, Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml
Por hoje vamos ficando por aqui. Pegue a sua Bíblia e vai dando uma olhada nas apresentações desses livros da Bíblia Cristã católica. Veja os livros que não constam nas bíblias protestantes. Sobre o que esses livros dizem? Quais novidades eles trazem?
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico Catequético de Belo Horizonte.
A Palavra de Deus na vida e nas mãos do povo (continuação)
Continuando o nosso texto da semana passada: A Palavra de Deus na vida e nas mãos do povo, vamos refletir um pouco mais sobre esse belíssimo Livro. As palavras do Papa Francisco, ao recebeu, no dia 07 de setembro, um grupo que se encontrava reunidos em Roma, membros da Associação Bíblica Italiana e docentes de Sagrada Escritura, para o encontro da XLVII Semana Bíblica Nacional, vem enriquecer e confirmar para nós a importância da Palavra de Deus em nossa vida. O Papa Francisco fez uma exortação sobre a Palavra de Deus. Disse a eles: “Prossigam em sua missão de ajudar o povo de Deus a se alimentar da Palavra, para que a Bíblia seja cada vez mais patrimônio de todos: livro do povo do Senhor que, na escuta, passa da dispersão e da divisão à unidade”.
Em comemoração ao mês da Bíblia, vamos aprofundar o conhecimento sobre a Palavra de Deus, fonte primeira da Nossa catequese, aprendendo a redescobrir Jesus como centro e coração da Sagrada Escritura, para bem sermos os seus discípulos missionários, fazendo ecoar a Palavra de Deus, no coração do povo.
A Bíblia é profundamente humana
Pode-se dizer que a Bíblia é profundamente humana, fala das coisas da vida, narra a experiência de vida de um povo que caminha, através de muitas gerações. Ela é assim: Palavra de vida eterna, sempre nova, provocante e iluminadora. Por detrás de suas palavras pode-se descobrir o segredo de Deus para viver bem a nossa vida. Ele está sempre nos falando. Fala por meio da natureza, da vida, dos atos, pelos acontecimentos da história na vida da humanidade. Deus continua se revelando nos fatos da vida.
São Paulo nos diz que a Bíblia foi escrita: para ensinar, refutar, para corrigir, para educar na justiça (2Tm 3,16). Lendo-a, nós entendemos melhor o projeto de Deus para a nossa vida humana.
Jesus deixa um grande exemplo, ensinando-nos através de sua pedagogia, como a palavra ilumina a vida. Dentre muitos, citamos (Lc 24,25-27). Depois de escutar os dois discípulos, Jesus ilumina suas vidas, a partir daquela realidade, ajudando-os a fazer memória das palavras da Bíblia que se encontra no livro de Moisés e dos profetas. Podemos nos lembrar da Samaritana, um ícone bíblico que nos inspira para uma catequese com adultos. Ela nos ajuda a refletir como um encontro com Jesus muda a própria vida e a de outras pessoas. Ao contrário, até mesmo o caso do jovem rico, seguido do diálogo de Jesus com os discípulos (Mt 19,16-30), lembrado como um caso de fracasso à iniciação ao seguimento e, assim, esta palavra orienta-os para compreender de modo diferente os fatos ou a situação vivida por eles. Com este ensinamento Jesus desperta nos discípulos uma nova atitude de fé que os conduz para o testemunho e a missão.
Percorrendo o caminho bíblico encontramo-nos com Jesus Cristo, o Mestre Mistagogo, aquele que desde sempre é o Filho de Deus o Proto-Sacramento de Deus para nós, o Educador da humanidade.
Redescobrir Jesus Cristo, hoje, se colocar no diálogo com Deus que se comunica continuamente conosco, se faz urgente conhecer a Boa-Nova, a Palavra de Deus, para assim experimentar a força do Evangelho. Não apenas conhecer as escrituras, mas redescobrir que o contato profundo e vivencial com a Palavra nos conduz para o encontro com a pessoa e a mensagem de Jesus Cristo e provoca em nós o desejo da adesão pessoal ao Reino.
Desse modo, Iniciação à Vida Cristã e Palavra de Deus estão intimamente ligadas. O iniciado na fé Cristã é aquele que recebeu da Igreja os sacramentos do Batismo, da Eucaristia e da Crisma. Se a pessoa começou o caminho de adesão por meio dos Pais, avós, e ou familiares que desejou fazer o seu Ingresso na família cristã pedindo o Sacramento do Batismo. Se, ainda cuidando para que permaneça firme e alimentado na fé, ajudou a pessoa a participar da festa da Eucaristia, vivenciando a partilha da mesa com os irmãos, a busca do Sacramento da Crisma é uma adesão pessoal. E esta busca produz frutos eficazes quando se deixa afetar pela Palavra de Deus, se apaixonar por ela e com ela, caminhar prestando a atenção na voz do Cristo que, dentre todas as vozes do mundo, faz ressoar mais forte no seu coração. Este é o desafio: conhecer a palavra e a mensagem que promovem o encontro com Jesus Cristo, deixar-se interpelar por ela, acolhê-la como dom, e saboreá-la na alteridade, na gratuidade e na eclesialidade, na certeza de que a Palavra de Deus é Luz para a vida (Sl 119,105).
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.
A Bíblia nas mãos e na vida do povo
A Palavra de Deus como lugar privilegiado de encontro com Jesus Cristo
A Igreja nos convida para dedicarmos mais às experiências da escuta da Palavra de Deus, ela, que deve fazer parte do nosso cotidiano, tem um mês especial para celebrarmos, e assim como Jesus, ao lê-la, poder dizer nas palavras do profeta Isaias, capítulo 61, versículos 1 e 2. O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu. Enviou-me para levar a boa nova aos pobres, para curar os de coração quebrantado, proclamar aos cativos a libertação, aos encarcerados a liberdade; para proclamar o ano da graça do Senhor.
Impelido pelo Espírito do Senhor, o profeta anuncia a libertação e a reconstrução do Templo para uma nova vida. Assim também Jesus se reconhece nessas palavras o cumprimento da ação de Deus e, pelo mesmo Espírito, é enviado em missão. Inicia-se assim, sua caminhada missionária, pela força da Palavra.
Também nós, batizados em Cristo, somos renovados, somos novas criaturas chamadas a proclamar a Palavra, à luz do Espírito do Ressuscitado. Lembremos a parábola do Semeador e preparemos nossos corações para que, sendo terra boa, possa ouvir a palavra e entender melhor, levando-a a produzir bons frutos (Mt 13,18-23).
Neste mês da Bíblia, vamos gastar um pouco mais do nosso tempo para melhor conhecer a Bíblia e aprofundar no sentido que a Palavra de Deus traz para nossa vida. Fazendo a experiência do estudo do livro da bíblia indicado para a reflexão, nesse mês (carta aos Efésios), com o seu lema: “Vestir-se da nova humanidade!” (Ef 4,24), uma exortação da própria carta, na qual o autor apresenta a todos os batizados em que consiste assumir a vida nova após a adesão ao Cristo e ao batismo, sobretudo em um contexto não cristão, onde viviam os destinatários da carta.
Trazendo para os nossos dias, diante de uma realidade marcada por um pluralismo religioso de diversas crenças e práticas religiosas, a exortação da carta nos traz uma veste bem da atualidade podendo utilizá-la no contexto atual. Assim, vamos olhar para além de nós mesmo para entender a extensão do que a carta quer dizer hoje. Como está a nossa vida de comunidade? Estamos vivendo conforme as orientações da Palavra de Deus? Estamos compreendendo o que é viver na liberdade e fraternidade? Entendemos o significado do nosso batismo quando nos traz a certeza de que somos revestidos de uma nova humanidade? Vamos rezar essa carta aos efésios e acolher seus ensinamentos, para bem celebrar o mês da Bíblia.
O que é a Bíblia?
Vamos conhecer um pouco o que nos conta a Bíblia. Saber das suas histórias verdadeiras ou das verdades de suas histórias.
A Bíblia é um livro da caminhada do povo de Deus que deixou sua experiência de vida retratada em livro para manter viva a memória de um povo que acreditou, sempre esperou e foi atendido no tempo certo por seu Deus. O povo mostra a história de Israel, a qual foi entendida, pelo próprio Israel, como história do agir de Deus com seu povo. No Antigo Testamento, a Palavra de Deus chegou a Abraão, a Moisés aos profetas. Palavras de Ânimo e de esperança. Palavras de Vida. Palavras de Aliança e de Amizade. Palavra que prepara o maior acontecimento de todos os tempos: Jesus Cristo. No Novo Testamento, os ensinamentos de Jesus tiveram início com a oralidade, e depois, passando para os escritos, a Palavra de Deus teve seu crescimento paulatinamente. Foi chamado, certa vez de “o livro que cresceu durante mil anos”. Seus escritos eram para lembrar ao povo de seu tempo e a nós, hoje, qual o projeto de Deus para a humanidade. Esse Deus que desejou se dar a conhecer a nós e se deu fazendo-se um de nós, nascendo do útero de uma mulher, crescendo no meio do povo e, junto com o povo, ajudando-os a conhecer o Pai.
A Palavra de Deus na vida do homem
A Bíblia, também conhecida como “Sagradas Escrituras” ou tão somente “Escrituras” fala do agir de Deus em nossa vida. Utilizou-se de várias formas: orações, rituais, história, sabedoria, exortações e até mesmo poesia... tudo em grande harmonia - já que inspirada por Deus - relaciona o homem com o único e verdadeiro Deus, e vice-versa. Nessa relação, onde Deus se comunica com o povo, e este o descobre nos acontecimentos da vida, faz chegar até nós esse livro que nos fala da aliança e o plano de salvação de Deus para com a humanidade.
Muitas pessoas contribuíram para que esta palavra chegasse até nós: homens, mulheres, jovens, idosos, pais, mães, agricultores, pescadores, sacerdotes, reis, profetas. A preocupação dos que escreveram não foi contar uma história, mas recuperar a memória, a identidade. Seus escritos trazem uma grande riqueza de experiências que contribuem para manter viva a fé no Deus que propõe justiça, fraternidade, amor e fidelidade.
Ao ler a Bíblia, não se deve preocupar com a busca de uma história verdadeira, mas a verdade da história, da minha história, de todas as histórias. A história é o veículo, o lugar do conhecimento de Deus. Este Deus que, no seu dinamismo, impulsiona os homens e o mundo ao seu destino verdadeiro. Este Deus que nos impele para a realização, para a aceitação, para a doação. E nós, seres humanos, somos chamados a responder, por ações e atitudes a este apelo de Deus.
No Antigo Testamento, o centro da religião é a obediência cujo fundamento se encontra na aliança de Javé com Israel. Exemplos dessa obediência podem ver em Abraão. Javé disse: “Deixa teu país, tua parentela e a casa de teu Pai...” Abrão toma sua mulher Sarai e partem para a terra de Canaã (Gn 12,1-5), na certeza de que seu Deus caminha junto com ele.
No Novo Testamento, o centro da Religião é o seguimento a Jesus Cristo. Toda a história de Deus com Israel tem importância para nós cristãos uma vez que Deus se revela nela. Na revelação do projeto de Deus, a Ressurreição foi o selo que Deus colocou sobre a vida e a morte de Jesus, dizendo que o modo como ele viveu é a proposta de Deus para todas as pessoas.
Vamos continuar conversando sobre a Bíblia.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
O mês de outubro convoca-nos para uma reflexão maior sobre o que é ser missionário. Mas não se pode esquecer que missionariedade é compromisso de todos os dias de nossa vida.
Falar das missões, no mês de outubro, é trazer à memória dos cristãos a importância da oração e colaboração concreta para a realização da missão da Igreja no mundo. É considerado um mês missionário por causa do Dia Mundial das Missões, celebrado no terceiro domingo de outubro. Foi o Papa Pio XI que instituiu essa data como dia importante para realizar a coleta em favor da evangelização dos povos. É um despertar da consciência missionária de todos os batizados, para dar continuidade à missão a que Jesus foi enviada pelo Espírito Santo.
Jesus, ao se encarnar no mundo dos pobres, recebeu do Espírito Santo sua missão: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para que dê a Boa-Notícia aos pobres; enviou-me para anunciar a liberdade aos cativos e a visão aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e para proclamar o ano da graça do Senhor” Lc 4,18-19).
A Igreja de Jesus Cristo sempre foi e continua sendo chamada a ser missionária. Desde o início ela se colocou no seguimento de Jesus atendendo o seu pedido: “Ide a todas as nações e pregai o evangelho” (Mt 28,19). Ao colocar em prática a sua missionariedade, está propicia o encontro com o outro e realiza um resgate da beleza que existe dentro de cada um. Isto acontece por causa do anúncio da Pessoa de Jesus Cristo, gerador de relacionamentos que provocam vários tipos de sentimentos e possibilitam descobertas de valores e carismas.
A cada um de nós o Espírito Santo nos chama à responsabilidade para com o mundo, com a missão de salvá-lo. E salvá-lo de todas as formas de pecado: egoísmo, injustiça, opressão, discriminação, pobreza, riqueza. Em Jesus, os pobres continuam os destinatários da ação de Deus. Ação que é sempre uma re-ação aos clamores do povo e uma re-ação libertadora/salvífica.
Nesse sentido, testemunhar a vida de Jesus através do anúncio e da ação é ser testemunha do Reino de Deus.
Para falar de Jesus Cristo, primeiramente deve se preocupar com as exigências da realidade que hoje vivemos. Jesus Cristo é a Palavra encarnada. A Escritura é fonte e princípio da revelação de Deus, e a catequese tem a missão de fazer ressoar, na vida de todos aqueles que desejarem ouvir, a Palavra revelada. Na Bíblia e na vida está a mensagem de Jesus para nós.
Ao colocar a Palavra de Deus em nossa vida, também necessitamos estar atentos às exigências da revelação expressas na própria Bíblia e na fé da Igreja, pois a Bíblia contém a Palavra de Deus e, por isso mesmo, tem as exigências que não dependem de nós e que devem ser respeitadas, para que a Bíblia possa ser realmente Bíblia para nós. Atender às exigências da realidade do povo é se colocar na escuta da voz do povo e assim, descobrir o que Deus tem a nos dizer.
Ouvir, escutar e anunciar. Possibilitar aos outros a alegria de viver o Evangelho.
Todos são chamados a sair do comodismo e, na execução do trabalho missionário, contribuir para que aconteça atitudes cristãs, interação fé e vida, dar-se a conhecer Jesus Cristo, para que crianças, jovens e adultos vivam dele e com ele uma vida nova, uma vida de amor a Deus e aos outros. Como disse Santo Inácio de Antioquia, no século II: “Viver imitando os bons costumes de Deus”.
Nos evangelhos, por meio das narrativas, podemos nos encontrar com Jesus, o Cristo Ressuscitado. Iniciando com o Evangelho de Marcos, encontramos em Mc 8,27-30 uma pergunta de Jesus a seus discípulos: ‘Quem dizem as pessoas que eu sou?” E eles responderam: ” Uns dizem João Batista, outros, Elias; outros ainda, um dos profetas”. E Jesus perguntou a seus discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Cristo. Esta foi a consciência da comunidade dos discípulos depois da Páscoa.
Percorrendo o caminho dos evangelhos mais um pouco, vamos encontrar lá na comunidade Joanina (Jo 3,1-15) a proposta de Jesus. Aquela que ele faz a Nicodemos: nascer de novo. Mas como? O primeiro passo é abrir-se ao novo, deixar-se seduzir pelo Espírito que sopra onde quer, quando quer e como quer. Jesus Cristo é o centro da mensagem evangélica no conjunto da história da salvação. É por meio dele, em primeiro lugar, que Deus intervém no mundo e se manifesta a todos: crianças, jovens e adultos.
Cada um de nós também precisamos nos perguntar: Quem é Jesus para mim? Como devo anunciá-lo aos outros? Levar a mensagem de Jesus ao mundo, constitui tarefa dos cristãos.
Vamos nos preparar para celebrar bem, todos juntos, o Dia Mundial das Missões.
Para este ano, o Papa Francisco nos encaminha sua mensagem: «Sereis minhas testemunhas» (At 1, 8). Convida-nos a determos nas três expressões-chave que resumem os três alicerces da vida e da missão dos discípulos: «Sereis minhas testemunhas», «até aos confins do mundo» e «recebereis a força do Espírito Santo».
1. «Sereis minhas testemunhas» – A chamada de todos os cristãos a testemunhar Cristo. Diz: “Tal como Cristo é o primeiro enviado, ou seja, missionário do Pai (cf. Jo 20, 21) e, enquanto tal, a sua «Testemunha fiel» (Ap 1, 5), assim também todo o cristão é chamado a ser missionário e testemunha de Cristo. E a Igreja, comunidade dos discípulos de Cristo, não tem outra missão senão a de evangelizar o mundo, dando testemunho de Cristo”.
2. «Até aos confins do mundo» –“A atualidade perene duma missão de evangelização universal. A indicação «até aos confins do mundo» deverá interpelar os discípulos de Jesus de cada tempo, impelindo-os sempre a ir mais além dos lugares habituais para levar o testemunho d’Ele”.
3. «Recebereis a força do Espírito Santo» – “Deixar-se sempre fortalecer e guiar pelo Espírito. O mesmo Espírito, que guia a Igreja universal, inspira também homens e mulheres simples para missões extraordinárias”.
Neuza Silveira de Souza. Coordenadora do Secretariado Bíblico-Catequético da Arquidiocese de Belo Horizonte.
A Bíblia é um livro da caminhada do povo de Deus. É fruto da caminhada de um povo que quis deixar registradas suas experiências de vida. Partindo de suas reflexões, o povo mostra a história de Israel, a qual foi entendida, pelo próprio Israel, como história do agir de Deus com seu povo. No Antigo Testamento, a Palavra de Deus chegou a Abraão, a Moisés, aos profetas. Palavras de Ânimo e de esperança. Palavras de Vida. Palavras de Aliança e de Amizade. Palavra que prepara o maior acontecimento de todos os tempos: Jesus Cristo. Começando com a oralidade e depois passando para os escritos, ela teve seu crescimento paulatinamente. Foi chamado, certa vez de “o livro que cresceu durante mil anos”. Seus escritos eram para lembrar ao Povo de Deus seu tempo e a nós, hoje, qual o projeto de Deus para a humanidade. Esse Deus que desejou se dar a conhecer a nós e se deu fazendo-se um de nós, nascendo do útero de uma mulher, crescendo no meio do povo e, junto com o povo, ajudando-os a conhecer o Pai.
Bíblia – Palavra de Deus na vida do homem
A Bíblia, também conhecida como “Sagradas Escrituras” ou tão somente “Escrituras” fala do agir de Deus em nossa vida. Utilizou-se de várias formas: orações, rituais, história, sabedoria, exortações e até mesmo poesia… tudo em grande harmonia – já que inspirada por Deus – relaciona o homem com o único e verdadeiro Deus, e vice-versa. Nessa relação, onde Deus se comunica com o povo, e este o descobre nos acontecimentos da vida, faz chegar até nós esse livro que nos fala da aliança e o plano de salvação de Deus para com a humanidade.
Muitas pessoas contribuíram para que esta palavra chegasse até nós: homens, mulheres, jovens, idosos, pais, mães, agricultores, pescadores, sacerdotes, reis, profetas. A preocupação dos que escreveram não foi contar uma história, mas recuperar a memória, a identidade. Seus escritos trazem uma grande riqueza de experiências que contribuem para manter viva a fé no Deus que propõe justiça, fraternidade, amor e fidelidade.
Ao ler a Bíblia, não se deve preocupar com a busca de uma história verdadeira, mas a verdade da história, da minha história, de todas as histórias. A história é o veículo, o lugar do conhecimento de Deus. Este Deus que, no seu dinamismo, impulsiona os homens e o mundo ao seu destino verdadeiro. Este Deus que nos impele para a realização, para a aceitação, para a doação. E nós, seres humanos, somos chamados a responder, por ações e atitudes a este apelo de Deus.
No Antigo Testamento, o centro da religião é a obediência cujo fundamento se encontra na aliança de Javé com Israel. Exemplos dessa obediência podem ver em Abraão”. Javé disse: Deixa teu país, tua parentela e a casa de teu Pai…” Abrão toma sua mulher Sara e partem para a terra de Canaan (Gn 12,1-5), na certeza de que seu Deus caminha junto com ele.
No Novo Testamento, o centro da Religião é o seguimento a Jesus Cristo. Toda a história de Deus com Israel tem importância para nós cristãos uma vez que Deus se revela nela. Na revelação do projeto de Deus, a Ressurreição foi o selo que Deus colocou sobre a vida e a morte de Jesus, dizendo que o modo como ele viveu é a proposta de Deus para todas as pessoas.
A Bíblia é profundamente humana
Pode-se dizer que a Bíblia é profundamente humana, fala das coisas da vida, narra a experiência de vida de um povo que caminha, através de muitas gerações. Ela é assim: Palavra de vida eterna, sempre nova, provocante e iluminadora. Por detrás de suas palavras pode-se descobrir o segredo de Deus para viver bem a nossa vida. Ele está sempre nos falando. Fala por meio da natureza, da vida, dos atos, pelos acontecimentos, pela história da humanidade. Deus continua se revelando nos fatos da vida.
São Paulo nos diz que a Bíblia foi escrita: para ensinar, refutar, para corrigir, para educar na justiça (2Tm 3,16). Lendo-a, nós entendemos melhor o projeto de Deus para a nossa vida humana.
Jesus deixa um grande exemplo, ensinando-nos através de sua pedagogia, como a palavra ilumina a vida. Dentre muitos, citamos (Lc 24,25-27). Depois de escutar os dois discípulos, Jesus ilumina suas vidas, a partir daquela realidade, ajudando-os a fazer memória das palavras da Bíblia que se encontra no livro de Moisés e dos profetas e, assim, esta palavra orienta-os para compreender de modo diferente os fatos ou a situação vivida por eles. Com este ensinamento Jesus desperta nos discípulos uma nova atitude de fé que os conduz para o testemunho e a missão.
O que encontramos na Bíblia?
Nos seus primeiros cinco livros encontramos a Torá. É a lei Aliança, a Instrução, o Ensinamento. Nela encontramos a Aliança de Deus com Noé, com Abraão e com Moisés. É Deus insistindo com esse povo. É Deus fiel lutando firmemente para ajudar o povo a permanecer fiel.
Nos chamados livros históricos, encontramos as narrativas, a organização do povo, suas lutas, vitórias, festas e dificuldades, mostrando os trabalhos das grandes lideranças.
Nos chamados livros sapienciais, ou seja, de sabedoria, apresentam-nos as reflexões de sabedoria como: poesias, cantos, salmos, orações, hinos e provérbios.
Nos livros proféticos está a mensagem daqueles que foram chamados para anunciar, denunciar e indicar caminhos. No meio dos profetas encontramos Ezequiel que, ajudando o povo no exílio a refletir sobre Deus leva-os ao alcance de perceber uma nova aliança, pois Deus quer esse povo. Deus diz: Eu serei o seu Deus e vós sereis o meu povo.
Nos evangelhos está a grande Boa Notícia: Cristo ressuscitou. Neles encontramos as reflexões e experiências das primeiras comunidades sobre Jesus Cristo: sua pessoa, palavras, gestos e atitudes. Também as várias cartas que descrevem a vida e os conflitos das comunidades cristãs.
Percorrendo o caminho bíblico encontramo-nos com Jesus Cristo, o mistagogo, o pedagogo, aquele que é o primeiro Sacramento de Deus, o educador da humanidade.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte e membro da Comissão Bíblico-Catequética do Regional Leste 2
Mês de setembro. Mês que acolhe a beleza dos ipês que colorem a cidade com suas diversas cores e se preparam para acolher a primavera que vem perfumar e renovar as esperanças a partir do renascer das flores. Que elas possam trazer novo sentido para a vida, despertar a alegria de viver, mesmo diante de tantas dificuldades desse tempo. Que a primavera possa fazer florir e despertar corações para acordar, sair, preparar a terra, jogar sementes e fazer germinar frutos e sonhos. Frutos para alimentar o corpo e sonhos para alimentar a alma.
Esse mês de setembro também nos presenteia com outras maravilhas. Mesmo comemorando, todos os anos, o mês da Bíblia, este ano também é especial, pois estamos comemorando o 50º aniversário do “Mês da Bíblia” que nos convocam para fazermos a experiência de promover a Animação Bíblica das Pastorais. Não apenas uma pastoral bíblica, mas uma animação Bíblica que anima todas as Pastorais. É a vida da Igreja em missão se envolvendo em todas as dimensões: formação e interpretação, comunhão e oração, evangelização e missão. A Palavra, como mediação da Pessoa de Jesus Cristo será estudada, celebrada, vivenciada e experimentada na vida cotidiana de cada pessoa.
Nesse mês a Igreja nos convoca para estudar a carta de São Paulo aos Gálatas, trazendo para nossa realidade recordações de fatos e acontecimentos importantes pata nossa fé cristã. A finalidade da carta era tentar resolver na comunidade conflitos gerados por crise provocada por cristãos judaizantes que dizia ser importantes primeiro passar por algumas práticas judaicas para depois aderirem à pessoa de Jesus Cristo. Mas o mais importante para o nosso estudo é perceber como Paulo reafirma a importância do Batismo na vida do cristão e como ele contribui para superar divisões, isto porque pelo batismo somos revestidos de Cristo nos tornando um só em Cristo Jesus. Ajuda-nos, ainda, na reflexão de que a salvação das pessoas se dá por meio da fé em Cristo e não pelas “obras da Lei” (Gl 2,15-18).
Crer em Jesus Cristo, o ressuscitado, nos levam ao seu seguimento. Para segui-lo precisamos conhece-lo. Uma forma de saber sobre a vida de Jesus está na leitura da Bíblia, a palavra de Deus encarnado. Sua atualização e interpretação se faz necessário para compreendermos a mensagem de vida que traz para nós. Vamos entender um pouco como tudo isso acontece, conhecendo um pouco mais sobre a Bíblia. Vamos lá pegar a nossa bíblia e dar uma olhada.
Diversos modos de transmitir uma mensagem
Quando abrimos a Bíblia e olhamos o índice, logo descobrimos diversos estilos literários: O índice fala de livros históricos, proféticos, sapienciais, de evangelhos, cartas, apocalipse. Estes livros indicam determinados estilos como: Romance, contos, lendas, poemas, parábolas, histórias (de reis, de guerras), provérbios, cartas, homilias, sermão, orações, etc. A Bíblia não transmite dados exatos, ela quer transmitir uma mensagem que fala ao coração, que prolonga uma resposta.
Algumas observações gerais a respeito da linguagem da Bíblia
A Bíblia usa, muitas vezes, uma linguagem figurada, simbólica. Nós também o fazemos, mas estamos tão acostumados que nem percebemos mais. Dizemos “morremos de sede”, “entrei pelo cano”, “dei com os burros n’água”, “fulano perdeu a cabeça”, e assim por diante. Quando falamos assim, todo mundo entende.
Ao ler a Bíblia, lá se encontra muitas expressões figuradas, certos simbolismos, mas por serem de outros tempos, nós não os entendemos e os tomamos ao pé da letra.
Quando a Bíblia diz que Deus falou com o povo e pensamos que eles ouviram a vós de Deus, nos perguntamos por que Deus não nos fala mais assim, hoje. Mas a voz de Deus, na Bíblia, é usada de maneira simbólica.
Muitas vezes, também, o povo falava de Deus como se ele fosse uma pessoa humana. Deus não é corpóreo. A Bíblia fala da voz de Deus, dos olhos de Deus, dos seus braços, da sua mão direita; ele fica sentado no trono, nossos nomes estão escritos na palma de sua mão, etc.
A Bíblia tem seus simbolismos próprios: a nuvem simboliza a presença de Deus, a montanha é um lugar para rezar, pois lá se está mais próximo do céu, trovão e relâmpago são manifestações de Deus, o sangue é símbolo da vida, etc.
A Bíblia é um relato das experiências profundas do povo de Deus, que dificilmente se pode expressar numa linguagem objetiva e concreta.
Como entender melhor um determinado texto
Para entender bem a mensagem de um determinado texto, podemos fazer algumas perguntas:
Quem é o autor?
Quando escreveu? Em que época?
Onde foi escrito? contexto
A quem o autor se dirige?
O que o levou a escrever?
Quais são os personagens principais do texto?
Qual a mensagem central do texto?
Qual o gênero literário?
Qual é a nossa realidade atual?
Qual é a realidade de nossos interlocutores?
Como encarnar a Palavra no hoje da nossa vida?
Este método ajuda a descobrir a riqueza do texto, seu contexto e o pretexto e trazer para nossa realidade. Sabemos que a Bíblia não nos oferece respostas prontas. Para melhor compreender o que ela quer nos transmitir é preciso, primeiro, colocá-la no seu contexto histórico para depois, fazer a hermenêutica, ou seja, trazer a mensagem para o nosso dia. Não há pressa. É no passo-a-passo, pequenas leituras no dia-a-dia e assim, vamos percorrendo o caminho da Bíblia.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
O livro de Deuteronômio é o livro indicado para ser lido e refletido para a celebração do mês da bíblia. Deuteronômio que significa “segunda Lei” vai nos lembrar do grande amor de Deus por nós, insiste na fé em Deus que é bom e generoso em seus dons, fiel às suas promessas e zeloso na exigência de fidelidade total e de amor exclusivo. Um amor que nos precede, nos antecipa, pois ele amou primeiro.
Esse Deus que faz a Aliança com povo eleito, às portas da terra prometida, é o mesmo Deus que libertou o povo da escravidão do Egito, um Deus que o tempo todo cuidou do seu povo, no caminhar do deserto e agora, ao entregar a terra prometida, uma terra boa, que emana leite e mel, uma terra que é dom de Deus, nela Israel pode realizar sua vocação de povo eleito cumprindo assim sua parte na Aliança, sendo fiel aos mandamentos. Deus tem o compromisso de continuar ser o Deus do povo eleito.
A fidelidade do Senhor é constante e mesmo com a infidelidade do povo, Deus não os abandonará. Um Deus sempre ativo e atual
Amar é uma arte, e pode ser melhorada. Um amor que cuida, cura e faz bem.
Deus sempre expressou seu amor ao povo. O povo de Israel fez grandes experiências desse amor em meios aos conflitos da caminhada e soube expressá-lo, fazendo chegar até nós.
A aliança que Deus fez com seu povo foi uma expressão de amor “Sereis o meu povo e ei serei o vosso Deus”. Uma aliança que significa uma relação entre Deus e o povo, uma relação DE conteúdos que favorecem a vida de Israel. Essa aliança é produzida por meios de leis que indicam responsabilidades entre dois interlocutores (Deus e o povo de Israel) que assinam um contrato, ou seja uma proposta que se dá por um ato de amor: Da parte de Deus, ele se compromete com a vida de Israel, uma vida de liberdade. Da parte do povo, que ele viva de forma concreta a sua parte na Aliança se comprometendo com a obediência à lei, uma lei que não significa um legalismo, mas a vivência do amor, promovendo a justiça, pois cumprir os mandamentos de amar a Deus e ser fiel a ele são garantias de liberdade.
Viver esse amor é determinar uma melhor convivência com relação a Deus e os outros povos, recebendo a terra prometida como dom de Deus sabendo que a sua permanência na terra será fruto do cumprimento da fidelidade a Deus. Podemos ver o diz Dt 26-16-17, quanto a dinâmica da sua relação com Deus:
“Hoje o Senhor teu Deus te ordena cumprir esses estatutos e normas. Cuidarás em pô-los em prática com todo o teu coração e com toda a tua alma. Hoje fizeste o Senhor Deus declarar que ele seria o teu Deus, e que tu andarias em seus caminhos, observando seus estatutos, seus mandamentos e suas normas, obedecendo à sua voz. E Hoje o Senhor teu Deus te fez declarar que tu serias o seu povo próprio, conforme te falou, e que observaria todos os seus mandamentos; que ele te faria superior em honra, fama e glória a todas as nações que ele fez, e tu serias um povo consagrado ao Senhor teu Deus, conforme ele te falou”.
Essa citação bíblica do livro do Deuteronômio se refere ao final do discurso de Moisés ao povo, junto à porta de entrada da terra prometida. O importante desse texto para nós é justamente a utilização do “hoje” que tem como finalidade nos recordar que a Aliança que Deus fez outrora sobre a promessa da terra que emana leite e mel a Abraão e a promessa de libertação do povo da escravidão do Egito feita a Moisés, permanece atual e presente na vida de toda Israel e presente na nossa vida, nos nossos dias. Essas promessas é Palavra de Deus que fala para nós hoje”. Palavras que contém um amor infinito e incondicional. Podemos ver em Dt 7, 7-8 que diz: Se o Senhor teu Deus se afeiçoou a vós e vos escolheu, não é por serdes o mais numeroso de todos os povos, pelo contrário: sóis o menor dentre os povos! E sim por amor a vós e para manter a promessa que ele jurou a vossos pais. … O Senhor teu Deus é um Deus fiel, que mantém a Aliança e o amor por mil gerações, em favor daqueles que o amam e observam os seus mandamentos.
Esse é o amor incondicional de Deus. Ele que toma a iniciativa, cuida de todos e é sempre fiel.
Recordar quer significar para nós “retornar ao coração”
Ao nos recordar do amor de Deus e a sua fidelidade no cumprimento da Aliança, o que podemos observar nos eventos e acontecimentos da histórica salvífica e na vida diária, é que somos provocados a viver e responder a esse amor com nossas ações éticas e sociais.
Somos chamados a fazer escolhas. Ouvimos os mandamentos ordenados por Deus: amar a Deus, andar em seus caminhos e observar seus mandamentos, seus estatutos e suas normas. Se assim o fizemos, seremos abençoados por Deus na terra que habitamos.
Vamos descobrir na bíblia o que o texto bíblico nos diz. Leiamos a citação de Dt 30, 15-20. Esta citação vai nos faze recordar imagens vivas que carregamos conosco no dia-a-dia. É a imagem dos dois caminhos. No primeiro caminho encontramos diante de nós a vida e a felicidade, no outro a morte e a infelicidade.
Moisés, ao falar dos mandamentos de Deus para o povo que se encontrava às portas da entrada na terra prometida ele repete as palavras de Deus dizendo: “O mandamento que te ordeno hoje não é difícil para ti, nem está fora de teu alcance. Ele não está no céu para que digas: Quem poderá subir ao céu para que o alcance e nos faça ouvir, para o praticarmos? Não está do outro lado do mar para que digas: Quem atravessará o mar para nós, para que o alcance e nos faça ouvir, para o praticarmos? Pois esta Palavra está bem perto de ti, está em tua boca e em teu coração, para que a ponhas em prática. Assim, Moisés apresenta a Palavra de Deus ao povo e pede a eles que escolha, pois, a vida, para que vivam, eles e sua descendência, amando ao Senhor teu Deus, dando ouvido à sua voz.
Essa Aliança de Deus com seu povo chega até o tempo de Cristo. Jesus cita várias passagens do Deuteronômio. Podemos ver em Mt 4,4-11 como Jesus, utilizando-se dos ensinamentos do Dt ele rebate todas as investidas do diabo quando é provocado por ele, no deserto: Em Mt 4,4 com Dt 8,3: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. Em Mt 4,7 com Dt 6,16 – “Não tentarás o Senhor teu Deus”. Mt 4,10 com Dt 6,13 – “Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestará culto”. Jesus também fala de como apresentar a Deus o maior/primeiro mandamento (Mt22, 35-39 e Mc 12, 28-34).
Com Jesus a lei do amor de Deus chega até nós. A ação divina na história continua e será sempre lembrada para que o fiel não se esqueça que Deus ama, mas com um amor exigente, amor de Aliança, de relação onde as duas partes se encontram envolvidas. Um amor que exige estar sempre atentos ao irmão, ao órfão, à viúva e ao estrangeiro. Um amor de ordem moral e social na atualidade permanente do “hoje” de Deus. Um amor confiante que nos faz amar de todo coração, de toda alma e com toda a força do poder. Poder de possibilidades. Poder de partilhas.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
Mês da Bíblia – 2020
Tema: O livro do Deuteronômio
Lema: “Abre tua mão para teu irmão” (Dt 15,11)
A origem do livro
O livro do Deuteronômio é fruto de uma intensa reforma religiosa, ocorrida em Judá durante os reinados dos reis Ezequias e Josias. Durante os dez anos da menoridade do rei Josias, o grupo de regentes, que assumiu o governo, retomou uma reforma que tinha sido iniciada pelo rei Ezequias cerca de 60 anos antes (2Rs 18,1-8). Depois, aos 18 anos de idade, o próprio rei Josias deu continuidade à reforma, sobretudo a partir do ano 622, o ano em que foi encontrado no templo o assim chamado “Livro da Lei” (2Rs 22,8-10). É que nos trabalhos da restauração do prédio do templo, os sacerdotes encontraram o que eles chamaram o “Livro da Lei”. Provavelmente, este Livro da Lei era o rascunho do atual livro do Deuteronômio.
Eles levaram o “Livro da Lei” ao rei Josias e o leram diante dele. Diz a Bíblia: “Ao tomar conhecimento sobre o conteúdo do livro da Lei, o rei rasgou a roupa, e deu esta ordem para o sacerdote Helcias, para Aicam, filho de Safã, para Acobor, filho de Micas, para o secretário Safã e para o ministro Asaías: “Vão consultar Yhwh por mim e pelo povo, a respeito do conteúdo deste livro que foi encontrado. A ira de Yhwh deve ser grande contra nós, porque nossos antepassados não obedeceram às palavras deste livro, e não praticaram tudo o que nele está escrito” (2Rs 22,11-13). Eles então foram consultar a profetisa Hulda, que confirmou a veracidade do livro (2Rs 22,14-20).
O Livro da Lei encontrado no Templo era uma releitura atualizada da Lei de Deus feita, provavelmente, pelos levitas em vista da situação difícil que o povo estava enfrentando naquele momento. Assim, na origem do livro do Deuteronômio não existe uma pessoa determinada como autor ou escritor, mas existe todo este movimento de reforma, iniciado pelos profetas, aprovado pelo rei Ezequias e levado para a frente pelos levitas e pelo rei Josias.
A divisão
O Deuteronômio se apresenta como sendo o Testamento de Moisés. É que no fim dos quarenta anos de peregrinação pelo deserto, pouco antes de morrer, Moisés fez três discursos dando ao povo as instruções finais, alertando sobre os perigos, indicando os caminhos a seguir e pedindo fidelidade a Deus que os tinha acompanhado ao longo da travessia pelo deserto. Por isso, o livro do Deuteronômio se divide em três partes desiguais, conforme o tamanho dos três discursos de Moisés:
Primeiro Discurso: Dt 1,1 até 4,43: Discurso de introdução ao Livro da Lei
Segundo Discurso: Dt 4,44 até 28,68: A Lei propriamente dita
Terceiro Discurso: Dt 28,69 até 30,20: O objetivo da lei: escolher a vida (Dt 30,20)
Apêndice: Dt 31,1 até 34,12: O final da vida de Moisés e alguns cânticos
A Mensagem
O movimento Deuteronomista recolhe todo este espírito de renovação iniciada pela pregação dos profetas do reino do Norte, sobretudo dos profetas Elias, Eliseu, Amós e Oséias. Ele é o ponto de partida de toda uma releitura da história do povo de Deus que agora está relatada nos livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis. Este conjunto de livros, às vezes, é chamado História Deuteronomista. É no espírito do Deuteronômio que foi feita a redação final da história do Povo de Deus, registrada no Antigo Testamento.
O Deuteronômio é o livro do Antigo Testamento mais citado nos escritos do Novo Testamento, mais de 200 vezes! É com citações do livro do Deuteronômio, que Jesus vence as tentações do demônio no deserto:
* “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Dt 8,3; Mt 4,4).
* “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Dt 6,16; Mt 4,7).
* “Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto” (Dt 6,13; Mt 4,10).
Os sete temas centrais do Deuteronômio
O objetivo da reforma era este: levar o povo a observar melhor a Lei de Deus: “Hoje tomo o céu e a terra como testemunhas contra vós: eu te propus a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e a tua descendência, amando a Yhwh teu Deus, obedecendo à sua voz e apegando-te a ele. Porque disto depende a tua vida e o prolongamento dos teus dias” (Dt 30,19-20).
Ao redor deste objetivo central aparecem sete temas que concretizam o objetivo da lei. São como sete janelas diferentes para olhar para dentro da mesma casa e descobrir a mensagem do livro do Deuteronômio. Eis os sete temas ou as sete janelas:
- O perfume do amor: Ser a revelação do amor de Deus no meio dos povos.
O amor de Deus é a chave para interpretar os fatos da história. Tudo o que Deus nos faz, o faz por amor. Foi por amor que Deus tirou o povo do Egito: “7Se Yhwh se afeiçoou a vós e vos escolheu, não é por serdes o mais numeroso de todos os povos — pelo contrário: sois o menor dentre os povos! — 8e sim por amor a vós e para manter a promessa que ele jurou aos vossos pais; por isso Yhwh vos fez sair com mão forte e vos resgatou da casa da escravidão, da mão do Faraó, rei do Egito” (Dt 7,7-8).
- Memória: Quem perde a memória perde o rumo na vida.
Sem memória, o povo perde a sua identidade e o rumo da sua missão. Por isso, sem parar, do começo ao fim, o livro do Deuteronômio pede para o povo não esquecer nunca o seu passado: “Amanhã, quando o teu filho te perguntar: “Que são estes testemunhos e estatutos e normas que Yhwh nosso Deus vos ordenou?”, dirás ao teu filho: “Nós éramos escravos do Faraó no Egito, mas Yhwh nos fez sair do Egito com mão forte” (Dt 6,20-21). É quase um refrão que volta sempre: Dt 1,30; 4,20.34.37; 5,6.15; 6,12.21; 7,8.18; 8,14; 9,26; 11,3-4; 13,6.11; 15,15; 16,1.12; 20,1; 24,18.22; 26,8; 29,1; 34,11).
- Serviço: Pelo seu jeito de servir, o povo revela o rosto de Deus.
Libertado da escravidão no Egito, o povo recebeu a missão de ser a revelação do rosto deste Deus no meio dos outros povos: “Yhwh vos tomou e vos fez sair do Egito, daquela fornalha de ferro, para que fôsseis o povo da sua herança, como hoje se vê” (Dt 4,20), ou, como o próprio Deus falava ao povo através do profeta Isaías: “Eu, Yhwh, te chamei para o serviço da justiça, tomei-te pela mão e te modelei, eu te pus como aliança do povo, como luz das nações” (Is 42,6). Por isso, os que tem a função de governar, devem ser para o povo aquilo que o próprio povo deve ser para toda a humanidade: “Abre a mão em favor do teu irmão, do teu humilde e do teu pobre em tua terra” (Dt 15,11). Esta frase é o lema do mês da Bíblia deste ano de 2020. Ser o povo eleito de Deus não é privilégio, mas é serviço, é missão. Nosso privilégio é poder servir aos outros.
- Êxodo: Viver em estado permanente de Êxodo, de “Saída”
Constantemente, do começo ao fim, o livro do Deuteronômio manda lembrar o Êxodo: ”Recorda que foste escravo na terra do Egito, e que Yhwh teu Deus de lá te resgatou. É por isso que eu te ordeno agir deste modo” (Dt 24,18). Sem parar, falando ao povo, Moisés lembra e evoca o Êxodo. Para eles, o êxodo não era um fato só do passado. Era o Hoje deles. Era a experiência que eles estavam vivendo. Do começo ao fim, se repete: Hoje lhes ensino! Hoje ordeno! Hoje proclamo (cf. Dt 4,1.8.20. 38.40; 5,1. 3; 6,2.6.24; 7,11; 8,1.11.18; 10,13; 11,8.13.22.27.32; 13,19; 15,5.15; 19,9; etc.). O livro do Deuteronômio pede para o povo viver em estado permanente de Êxodo, pois a libertação não termina nunca, continua até hoje. Por isso, como diz o Papa Francisco, temos que “ser uma igreja em saída”.
- Comunidade: “Entre vocês não haverá nenhum pobre” (Dt 15,4).
A vida do povo deve ser um sinal da presença de Deus. Quando você vê cacos de vidro no chão, você conclui: “Alguém quebrou um copo!”. Naquele tempo, quando aparecia um pobre na comunidade, o profeta denunciava: “Alguém quebrou a aliança!” Pois a aliança era o compromisso solene de observar os Dez Mandamentos. Quando todos observam os Mandamentos de Deus, não surge pobre, nem poderia surgir. O povo responde à iniciativa de Deus vivendo em comunidade como irmãos e irmãs. Comunidade verdadeira é aquela que, na vivência da Palavra de Deus, revela igualdade, solidariedade e acolhida aos pobres: “Quando houver um pobre em teu meio, que seja um só dos teus irmãos numa só das tuas cidades, na terra que Yhwh teu Deus te dará, não endurecerás teu coração, nem fecharás a mão para com este teu irmão pobre; pelo contrário: abre-lhe a mão, emprestando o que lhe falta, na medida da sua necessidade” (Dt 15,7-8).
- Libertação: Deus nos libertou da escravidão no Egito.
O Deuteronômio revela que o verdadeiro Deus é aquele que libertou o seu povo da escravidão do Egito e lhe garantiu a vida. Por isso, Ele pede para o povo se libertar do culto aos ídolos e adorar só a Yhwh, o Deus verdadeiro, que prefere a misericórdia e a justiça aos cultos nos lugares altos: 6“Eu sou Yhwh teu Deus, aquele que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão- 7Não terás outros deuses diante de mim. 8Não farás para ti imagem esculpida, de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima, no céu, ou cá embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra”. (Dt 5,6-8). O motivo principal que os levava a transmitir a história do passado era o desejo de nunca esquecer a libertação que Deus realizou em favor do seu povo, tirando-o da escravidão do Egito. Parece até um refrão que sempre volta: “Não esqueça que Deus libertou você da escravidão do Egito
(cf. (Dt 1,30; 4,20.34.37.45; 5,6.15; 6,12.21-22; 7,8.18; 8,14; 9,7.12.26; 10,22; 13,6.11; 15,15; 16,1.3.12; 17,16; 20,1; 24,9.18.22; 26,5.8; 29,1.24; 34,11).
- Aliança: Compromisso mútuo entre Deus e o povo
O livro do Deuteronômio é o livro da Aliança de Deus com Israel. Foi Deus quem tomou a iniciativa da Aliança. Escrito vários séculos depois do Êxodo, o livro do Deuteronômio afirma: ”O Senhor nosso Deus fez aliança conosco em Horeb. Não foi com os nossos pais que o Senhor fez essa aliança, mas conosco que aqui estamos, todos vivos, hoje!” (Dt 5,2-3). Isto significa que, após mais de 600 anos, o Êxodo continuava sendo o Hoje deles! Na lembrança do povo, os tempos se misturam. O povo volta ao tempo do Êxodo, e traz o Êxodo para o hoje deles. Nós fazemos o mesmo. Cantamos: “O Povo de Deus no deserto andava”, e acrescentamos: ”Também sou teu povo Senhor e estou nesta estrada”.
Carlos Mesters e Francisco Orofino
In: site portaldascebs.org.br 31.08.2020
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