Esta reflexão nasceu de elaborações que tenho vindo a fazer a propósito da reação a uma proposta de abertura a formatos mistos presencial/digital, em dinamismo de comunidades cristãs. Embalado pela simpatia dos modelos mistos (presencial/digital) provocados, oferecidos, ensaiados e vividos em tempo de pandemia, parece-me um bom caminho tirar proveito e recomeçar criativamente, superando o mero “voltar ao que era antes”.
Diante da mudança e da novidade, em geral, há inércia e reatividade. Tudo compreensível, nos planos antropológico, psicológico e social. Mas pergunto-me se o Evangelho, nos detalhes e nas traves-mestras, não traz uma insinuação contrária, mais desafiante: precisamente a impressão digital da boa-Nova.
A pandemia trouxe novos formatos de possibilidade para algumas vivências comunitárias, mas há quem tenha receio da novidade que a novidade pode ter trazido. Nas entrelinhas da argumentação reativa, quase sempre, vejo sinais de medo: o medo de que venha a ‘ser uma balda’, o medo de perder o já conquistado, o medo de não ser como era dantes, o medo de perder o controlo, o medo da novidade…
O desinstalar-se…
Algumas reações a estas oportunidades são curiosas e até projetivas…
De todos os argumentos mais reativos aos formatos mistos presencial/digital na vida das comunidades cristãs, o que mais cócegas me faz é o que invoca a necessidade de nos desinstalarmos. Pode estar cheio de aparências de bem…
Aprecio a expressão ‘desinstalar-se’, neste sentido de evitar o sofá da vida humana… Entendo até (não sei se é consensual…) que é no plano da existencialidade mais profunda que o perigo da instalação se alimenta. Compreendo a instalação de Marta no fazedismo de muita coisa, mas é talvez no modelo de sua irmã Maria, que o convite à novidade da escuta aberta é mais radical. O que será desinstalar-se?
a) Subtilezas de certa teologia da cruz e do mérito
A ideia de que a experiência em sacrifício vale mais do que a menos dolorosa tem as suas razões, mas muitas sombras. Está claro que dar a vida (fundamento último da liberdade cristã) pode demandar esforço e dor (no limite dá morte de cruz…), mas o horizonte nunca é a cruz, é o amor que vai até à cruz. Por isto mesmo, no dia-a-dia, o que importa é o amor posto em cada gesto, não o que marca o ‘sacrifiquímetro’, esse aparelho imaginário que mede o grau de sacrifício com que cada atitude se desenvolve, que alguns de nós, crentes, teimamos em trazer no bolso… A par de certa desfocagem da cruz, vem quase sempre o mérito, a ideia de que colecionando sacrifícios, teremos as medalhas para ir para o Céu. Só que o Céu, mais ainda aquele Céu que se vive no tempo e no espaço oferecidos, é uma dádiva, apriorística e garantida. O mérito que a dádiva dá (redundância deliberada) pede à nossa liberdade o “sacrifício” da aceitação de tamanho amor.
E o que tem isto a ver com encontros mistos presencial/digitais? É que alguns argumentos de reatividade, mais ou menos explícitos, estão nas entrelinhas de um insinuante sacrificialismo: vens cá presencialmente e não digitalmente; vestes-te e não estás de pijama; vais meter a criança nos teus pais e não a deitas já na sua cama; vives na cidade e estás perto do ruído urbano, não no campo; abandonas o conforto do lar e desinstalas-te na saída de casa; sofres como eu sofri a logística para vires presencialmente a todos os encontros; não estás a ler um livro até cinco minutos antes da reunião e perdes uma hora no trânsito e poluis, etc. A metáfora “se dói muito, então vale mais” tem muito de criticável em sede de terreno cristão…
b) A presencialidade física como condição necessária pode ser fuga
Há depois uma outra nuance, com que cada um se poderá ver ao espelho, sem máscaras. Face a um dilema de estar presencialmente ou virtualmente numa reunião, a ida presencial é necessariamente mais virtuosa? Pode ser… mas pode não ser. Pode ser sinal de fuga, de quem não tem vida interior, de inquietude, de compulsão convivial. Não confundir nada disto, claro está, com a legítima saudade e positiva prática de encontro corpo-a-corpo, de abraço e de movimento, de toque e de cheiro. Quem escreve estas linhas, que fique claro, aprecia, pratica e promove tais encontros plenos de fisicalidade… mas admite que eles sejam intercalados com o encontro virtual, para benefício flexível de todos e para bem do planeta…
c) A tradição, mais uma vez a tradição…
Também de forma mais ou menos velada, aparecem argumentos reativos de certa tradição: sempre foi assim… E sempre nos sacrificamos pela fidelidade presencial. No passado assim foi, no presente e no futuro assim será… Compreendo o valor da tradição, mas sem leitura crítica não vamos lá. Uma boa analogia envolvendo a tradição misturada com o sacrificialismo seria a ideia de uma Mãe que, diante da sua filha grávida, prestes a dar à luz, lhe dissesse: no meu tempo não havia epidural, portanto trata de fazer nascer a criança com dor. Com mais ironia (embora eu mesmo veja valor e pratique o retorno à terra) pergunto-me se não seria de ponderar ter um porco na varanda em vez de ir comprar febras, para isto voltar ao que era…
Entre gente madura, é o discernimento na pluralidade que vale
Está claro que há necessidade do elemento presencial. Com alguma organização e agendamento, alguma da fisicalidade inexpurgável dos dinamismos comunitários (não só, mas também os cristãos) pode ser concentrada em determinadas circunstâncias. No entre-tanto, estou mesmo convencido disto, seria ótimo criar condições para os encontros mistos (presencial/digital) precisamente “à vontade do freguês”, diga-se sem receios. Claro que “à vontade do freguês”, numa versão madura, é o sagrado discernimento pessoal da melhor conveniência sistémica. E aqui, no melhor dos sentidos, cada um sabe de si, não havendo lugar a juízos mais ou menos morais sobre as respetivas justificações. A propósito de justificações, aliás, tenho uma versão muito própria e radical sobre justificações de ausências a encontros de comunidades cristãs: prescindo delas! Sou um admirador e julgo que praticante da assiduidade, mas confrontado com justificações de ausência, minhas ou dos outros, fico meio sem jeito e convoco aquela máxima que ainda sinto na pele: quanto mais te justificas mais te “enterras”, porque muitos ‘não posso’ são ‘não quero’. O caminho, claro está, é assumir as preferências.
Ainda a propósito de fidelidades a dinamismos grupais há uma nota curiosa que, embora pessoal, me parece merecer alguma consensualidade: a assiduidade e a pontualidade subiram radicalmente nos encontros virtuais em tempo de pandemia. Se assim é, pode ser auspicioso que assim continue nos formatos mistos de hoje e amanhã…
Uma referência assumidamente prática, mas importante: nos encontros mistos, há que tratar muito bem do aspecto tecnológico, para que quem está presencialmente escute e se faça entender junto de quem está mediado digitalmente. Do ponto de vista do som, há que cuidar de ter um bom celular ou computador, ou, melhor ainda, de dispositivos mediadores de som associados próprio para videoconferência. Sem este cuidado técnico, pode comprometer-se a funcionalidade dos encontros mistos, que são tecnologicamente mais desafiantes que os encontros digitalmente puros (zoom e companhia…).
Deverei fazer uma declaração de interesses, no sentido de assumir uma posição algo extremada na simpatia por algumas interações digitais, em virtude do meu estilo de vida (não urbano) e das possibilidades e aptidões tecnológicas que fui experimentando. Mas, descontando essa suspeição, fica o convite à pluralidade livre e discernida…
Uma referência última, algo sintética em si mesma, ao medo que a “a moda pegue” e que todos optem pelo “mais fácil do digital”. É isso mesmo, um medo… que pode conter uma insinuação moralista, mais ou menos consciente, de certo controlo, receio de novidade e falta de confiança.
Que cada um e cada comunidade encontrem o seu processo, sem tabus e sem moralismos. Que se abram e não fechem portas. Tudo com muita paciência e alegria!
João Paiva
In: pontosj.pt
13.08.21
Transmissões ao vivo de missas e cultos não são novidade. Nos primórdios do rádio nos Estados Unidos, em 1912, já se registra a transmissão de um ofício natalino. Nove anos depois, a primeira rádio comercial norte americana já conta com um programa em que o culto de domingo de uma igreja local é reproduzido. A resposta do público é positiva e se percebe, nos anos seguintes, um crescimento rápido e intenso no interesse pelo rádio e, posteriormente, pela televisão por parte das igrejas.
As décadas seguintes assistiram à entrada massiva das igrejas nestas duas mídias. Neste segundo momento, não mais apenas se “repetia” o culto presencial, mas construíam-se novos formatos pelos quais se fazia chegar a mensagem religiosa a um público disperso em diferentes lugares, fenômeno que ficou conhecido como “igreja eletrônica”. Em uma reportagem exibida no Fantástico em 1978, fala-se do sucesso dos televangelistas e do temor de representantes de igrejas tradicionais (católica e protestante): a igreja midiática viria a substituir a pequena igreja do bairro?
As igrejas locais não acabaram. Na verdade, muitas delas passaram a desenvolver suas próprias mídias, o que foi facilitado enormemente pela internet (sobretudo, pelas redes sociais digitais). A pequena paróquia que se temia desaparecer há algumas décadas criou uma página no Facebook e um blog em que não só informam aos fiéis os eventos da igreja, mas também desenvolvem suas ações de evangelização nestes espaços. Os próprios fiéis, por sua vez, elaboram ambientes online em que podem vivenciar a fé. Um grupo no WhatsApp é criado para orar, no Facebook responde-se a dúvidas teológicas, no Instagram postam-se as fotos do culto dominical ou da festa da padroeira. Vive-se a fé em ambiência midiática.
A pandemia do coronavirus acelerou este processo de midiatização das atividades religiosas. Quando a possibilidade de acesso à missa / ao culto se restringiu à mídia, as “pequenas” igrejas criaram nas últimas semanas páginas no Instagram, no Facebook, onde passaram a transmiti-los. Grupos de música, pastorais, grupos de oração que apenas usavam o WhatsApp para agendar encontros e o Facebook/ Instagram/ blog para divulgar junto à comunidade seus eventos, buscaram nestes espaços e em outros (sobretudo por meio de softwares de videoconferência) modos de realizar suas atividades digitalmente. Estar distante não significa estar separado. É possível rezar junto, mesmo isolado.
Momentos de crise abalam as estruturas sobre as quais as práticas sociais historicamente foram moldadas, levando a ajustes e reconfigurações. Nenhuma instituição social é imune aos acontecimentos do mundo. No âmbito religioso, responde-se à necessidade com a experiência (pela presença anterior nas mídias) e criatividade. As experimentações são feitas de modo tentativo. “Falhas” acabam resultando em memes que podem gerar comentários de ridicularização ou podem até mesmo ter o efeito controverso de se captar mais audiência que se objetivava, gerando empatia. Os casos dos filtros de Instagram que surgiram acidentalmente em lives de padres são ilustrativos.
Nesta grande mudança que assistimos em virtude de um acontecimento de proporções planetárias o que era periférico se converteu em centro. O ofício litúrgico midiático, outrora complementar ou até mesmo visto com desconfiança, passou a ser o único disponível a multidões de fiéis. Tenho notado, inclusive, um curioso fenômeno: muitos dos que já estavam acostumados a acompanhar padres e pastores por canais midiáticos (rádio, tv e internet), têm demonstrado preferir acompanhar a missa/ o culto da igreja do bairro, mesmo com todas as dificuldades de transmissão das primeiras emissões. Resta saber se no mundo pós-coronavirus as comunidades religiosas que acolheram o midiático (sobretudo o online) em função da necessidade iminente verão nele uma potencialidade a se desdobrar e inovar em suas práticas e não mais como um velho adversário que se olhava com desconfiança ou como mero artigo acessório. O papel das lideranças e dos leigos será fundamental para determinar os rumos do midiático nas confissões religiosas. Cabe aos pesquisadores acompanhar estes próximos passos.
Marco Túlio de Sousa
In: www.midiareligiãoesociedade.com.br 13.04.2020
Olá, faz um tempo que não escrevo aqui na coluna de Catequese na era digital, mas neste cenário em que as pessoas no mundo inteiro são convidadas ao isolamento social e nossas igrejas estão de portas fechadas é impossível não refletir a esse respeito. Eu também estou em casa cumprindo as medidas preventivas, o que me possibilita a escrita desta breve reflexão. Desde 2015 dou formações para catequistas, agentes e líderes pastorais sobre catequese, evangelização e pastoral na era da conectividade, destacando a importância de refletir sobre este ambiente de comunicação que compartilhamos, que não substitui o encontro físico face-a-face, mas pode complementar e enriquecer a relação, ser um elo com a comunidade e um alimento diário para a vivência da fé cristã. Agora neste contexto de calamidade decorrente da pandemia do coronavírus, considerada a maior crise da humanidade desde a Segunda Guerra Mundial, todos os campos da sociedade precisam se remodelar, e o que era antes um ambiente complementar torna-se a base para se manter o funcionamento dos sistemas sociais que gerem a nossa vida cotidiana.
O processo de digitalização dos serviços públicos e privados, comerciais e sem fins lucrativos chega nesta demanda por isolamento físico das pessoas ao seu ultimato. A sociedade em rede não é apenas uma teoria sociológica de Manuel Castells, mas uma realidade compartilhada em todo o planeta. O que era uma possibilidade, potencialidade, ou serviço secundário, torna-se o principal e talvez o único meio de comunicação entre pessoas. Isso traz outras questões relacionadas, como a necessidade de inclusão digital a toda a população, de formação dos mais idosos sobre como utilizar os dispositivos eletrônicos, de tornar gratuito o acesso à internet e disponibilizar aparelhos digitais a famílias carentes.
O cenário eclesiológico também é totalmente transformado pelo fenômeno social que estamos vivendo. Há poucas semanas a participação de missas e bençãos através dos meios de comunicação não eram muito estimuladas, apenas em casos de impossibilidade eram consideradas uma ação benéfica. Hoje que todo o povo de Deus está impossibilitado de ir ao templo prestar culto, a participação da celebração eucarística midiatizada torna-se a norma padrão da Igreja. Quando não é possível a comunhão física do Corpo de Cristo, a comunhão espiritual torna-se acessível através da rede. Para manter a comunidade viva e unida e não deixar ninguém sentindo-se só e abandonado, o encontro no ambiente digital é amplamente incentivado. Mas atenção, precisamos ser conscientes de que isso traz uma grande mudança. Como Heidi Campbell salienta em suas pesquisas, o uso eclesial das mídias digitais não é apenas uma oportunidade de comunicação, mas modifica a identidade da própria Igreja.
O pensamento de alguns teólogos e teólogas que, como eu, estudam o fenômeno da cultura digital na vivência da fé tornam-se evidentes em tempos de COVID19. Deus pode habitar o ciberespaço através de cada um de nós que estamos ativamente presentes na rede, que buscam viver e testemunhar a sua comunhão no Espírito com Deus. E a natureza conectiva da rede mundial de pessoas, através de cada fiel, pode transformar-se em rede eucarística, no “Reino Conectado de Deus”, usando a expressão de Dwight Friesen. Atualmente, o Corpo Místico de Cristo é formado significativamente pelo Corpo Conectado de Cristo.
De um dia para o outro, igrejas e religiões no mundo todo precisaram se reinventar ou melhor, repensar a sua prática por causa das medidas preventivas contra a pandemia. Assim, num primeiro momento, ocorre a migração das práticas tradicionais da fé para o ambiente digital, precisando adequar-se as limitações e possibilidades que a rede oferece para a experiência religiosa e convivência humana. Dentro dessa perspectiva, podemos citar como exemplo as incontáveis “Lives”, transmissões ao vivo, que estão se proliferando nas redes sociais, tanto de celebrações eucarísticas ou somente da Palavra de Deus, quanto formações sobre inúmeros temas relevantes para a realidade atual. Numa segunda etapa de habitação do ciberespaço, começam a surgir iniciativas de práxis religiosa próprias das características da rede, essas ainda são poucas.
Da mesma maneira a Igreja Católica foi impelida pela situação atual a uma “nova saída missionária” nas “estradas digitais”, usando expressões do Papa Francisco, para manter acesa a chama do amor de Deus nos corações, trazendo esperança e calor à humanidade. Ao anunciar o Evangelho oportuna e inoportunamente, com inovação e criatividade, a Igreja muitas vezes “acidenta-se” pelo caminho com iniciativas equivocadas que viram até memes, mas preferimos essa Igreja que se arrisca, sai de si mesma e caminha com seu povo onde quer que ele esteja e necessite, sendo esse canal da graça divina e sinal visível da graça invisível, seja no ambiente físico ou digital, do que uma igreja fechada, inativa e “doente de auto-referencialidade”.
Diversas questões surgem dessa nova experiência de Igreja e sociedade, questões importantes para o agora do Cristianismo, mas também para seu futuro. Podemos aprender muito nesse tempo de quarentena. É um tempo de grandes desafios, medos, tragédias humanas, mas também um tempo favorável a reflexão, ao exame de consciência pessoal, comunitário e social. É um tempo de amadurecimento e revisão de vida, reavaliar como estamos vivendo, se estamos realmente priorizando o que e quem é essencial. Também em nossa prática da fé somos chamados a repensar o que nos é indispensável.
Nestes tempos emergenciais de participação digital das celebrações eucarísticas, somos compelidos a repensar a fisicalidade de nossas ações litúrgicas e sacramentais. Isso não significa afirmar que a comunhão espiritual através dos meios digitais substitui a comunhão física presencial. Porém, faz-nos pensar no real valor do ensinamento que Jesus revelou à samaritana: “Acredita-me, mulher, vem a hora em que nem nesta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai. [...] Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, pois tais são os adoradores que o Pai procura” (Jo 4, 21b e 23). Percebemos as diversas formas de oração e adoração ao Pai que podemos realizar em nossas casas com nossas famílias e no ambiente digital, e que a graça de Deus ultrapassa qualquer limite espaço-temporal que podemos imaginar.
Estamos aprendendo não apenas a viver bem nos tempos de COVID19 e de ser Igreja na era da conectividade, mas também o que significa e como ser Igreja digital. Os membros do povo de Deus, especialmente os sacerdotes, em meio a pandemia receberam a urgente missão da alfabetização digital, isto é, de nos esforçarmos a aprender as ferramentas digitais disponíveis para o serviço pastoral e ainda a desenvolver uma reflexão consistente sobre as tecnologias digitais. Todos nós estamos neste grande laboratório global, nesta pesquisa de campo, todos nós somos chamados a tarefa da ciberteologia ou teologia digital, isto é, pensar a fé cristã, sua vivência e ensinamentos, em tempos que a comunicação em rede se torna o principal meio de comunicação e relação humana.
Aline Amaro da Silva
Referências:
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2002.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2008. v.1.
CAMPBELL, Heidi A; OSTEEN, Sophia. Research Summaries and Lessons on Doing Religion and Church Online (Working Paper). Texas A&M University, 2020. Disponível em: https://oaktrust.library.tamu.edu/bitstream/handle/1969.1/187806/White%20Paper-Religion%20Online%20Research-FINAL-March%202020.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 02 de abr. de 2020.
FRANCISCO. Mensagem para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais: Comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro. Roma, 2014. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/papa-francesco_20140124_messaggio-comunicazioni-sociali.html. Acesso em: 02 de abr. de 2020.
FRIESEN, Dwight J. Thy Kingdom Connected: What the Church Can Learn from Facebook, the Internet, and Other Networks. Ada, MI: Baker Books, 2009.
SILVA, Aline Amaro da. Cibergraça: fé, evangelização e comunhão nos tempos da rede. Diss. (Mestrado em Teologia) – Faculdade de Teologia, PUCRS. Orientador: Prof. Dr. Érico João Hammes. Porto Alegre, 2015. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/5993/2/468444%20-%20Texto%20Completo.pdf. Acesso em: 02 de abr. de 2020.
A conectividade gratuita tem um preço. Atualmente, as grandes companhias de informação, como a Google, Facebook, Amazon, etc., sabem mais sobre nós do que nós sabemos sobre nós próprios. Eu pensava que apenas a Deus atribuía esta característica.
O documentário recente produzido pela Netflix, ”Nada é Privado”, leva-nos a pensar no relacionamento que temos com a tecnologia e como essa afeta o nosso comportamento. Ainda que te consideres ser parte do grupo de pessoas que não se deixa influenciar pelos anúncios e conteúdos que gratuitamente são oferecidos no Facebook, há uma parte significativa de pessoas que se deixa influenciar. E como vivemos numa sociedade democrática, o modo como o comportamento de uma parte das pessoas é influenciado pode afetar o modo como é narrada a nossa história. Não é preciso mais do que 0.1% para que um partido ganhe. Para a população Portuguesa de cerca de 10 milhões, isso significa apenas 10000 pessoas. Não é muito. Se uma empresa (spoiler) como a Cambridge Analytica, ou um grupo extremista com recursos econômicos (como no caso da Rússia), consegue “orientar” as intenções de voto de um país como os Estados Unidos, será que isto põe em causa a democracia?
Ninguém quer saber. Por que razão haveria de abdicar de partilhar as minhas alegrias e tristezas com os meus amigos do Facebook, prescindir da dopamina que recebo com Likes, ou prescindir das buscas que faço no Google que me mostram cada vez mais e melhor o que procuro naquele momento? Não faz sentido e tudo parece apenas uma teoria da conspiração para animar o nosso dia. Será?
A tecnologia associada às redes sociais não surgiu com o intuito de controlar as pessoas, mas de as conectar. O ser humano é um ser relacional. Por isso, é normal que em tão pouco tempo milhares de milhões de pessoas tenham aderido às redes sociais como o Facebook, Twitter, Instagram (agora parte do Facebook), ou mesmo ferramentas de comunicação como o WhatsApp que estão numa categoria entre serem um chat e uma rede social através dos grupos que criamos. Mas se isso leva a que pessoas sem qualquer referência moral se apropriem dos nossos dados e usem a análise dos padrões de comportamento para os alterar no sentido que desejam, estamos diante de um cenário que antes fazia parte dos livros ou séries de ficção. Aliás, a alteração de comportamento através da análise dos dados pessoais de milhões de pessoas devia ser considerado como um arma de micro-destruição.
Como lidar com este cenário é o desafio que temos diante de nós.
De facto, quando me referia ao facto de Deus saber mais sobre nós do que nós sabemos sobre nós próprios, queria dizer que Deus conhece-nos intimamente. Mas ao dar-me conta de que o conhecimento e modelos que temos hoje sobre análise comportamental a partir dos dados pessoais que empresas como Facebook dispõem, permite-me dizer o mesmo, deixou-me um pouco confuso. O que é bom. Não há nada como algo que nos tira da zona de conforto para nos impelir a aprofundar melhor o pouco que conhecemos de Deus.
Deus conhece o nosso íntimo, mas não só. Deus compreende o nosso íntimo melhor do que nós o compreendemos. Dito de outra forma, Deus percepciona o nosso íntimo melhor do que a percepção que temos de nós próprios.
O modo como interpretamos a realidade depende do fluxo de informação que circula, e daí a capacidade que certas companhias têm de alterar o nosso comportamento através de anúncios e vídeos especialmente dirigidos a nós. Mas o modo como vivemos a realidade não depende apenas do modo como a interpretamos, incluindo, também, o modo como a percepcionamos. E a percepção depende do fluxo da consciência. Quanto mais nos damos conta, e estamos cientes, daquilo que nos envolve e afeta, mais conscientes nos tornamos de nós mesmos e das nossas escolhas, bem como do efeito que essas podem ter na narrativa humana.
Quando o fluxo da consciência é menor do que o fluxo de informação significa que nos tornamos mais consumidores de informação do que questionamos a informação que circula. E o resultado de qualquer excesso de consumo é a obesidade, neste caso, a obesidade digital que afeta a nossa personalidade. Tornamo-nos autômatos por sermos controlados pelo vídeo, anúncio, comentário, link que nos oferecem a seguir e clicamos. E gastamos um tempo sem fim no consumo de informação ficando com a sensação de estarmos em cima do acontecimento quando, na realidade, somos nós o acontecimento que alguém quis controlar.
Despertar a consciência é o que aumenta o seu fluxo. E isso consegue-se aprendendo a questionar o que lemos, a diminuir o consumo de informação, sobretudo através das redes sociais, e a dedicar mais tempo à escuta do nosso íntimo. E a razão é simples.
Deus habita no íntimo de cada um de nós.
É esse o motivo pelo qual Deus nos conhece e compreende bem, melhor do que qualquer empresa que domine os nossos dados. Pois, por mais que partilhemos, nunca partilhamos tudo ou da melhor forma. A percepção que as empresas de dados (Big Data) têm de nós pode-se alinhar com os nossos desejos, mas nem sempre o que desejamos é o que nos constrói, faz felizes, ou nos evolui como seres humanos. Porém, no íntimo está toda a verdade e o facto de Deus habitar o nosso íntimo é o que Lhe permite entrelaçar-se connosco, dando-nos a possibilidade de viver a Verdade.
Escutar o íntimo significa dar espaço à escuta d’Aquele que nele habita. Aquele que quer sempre o melhor para nós sem colidir com o melhor para os outros, apesar das diferenças, ou ainda com o melhor para o mundo que nos rodeia que faz, também, parte da Sua criação.
A nossa vida precisa de mais espaço para a quietude; do que tempo para as redes sociais. Aliás, no documentário que recomendo ao leitor está explícita parte da razão pela qual deixei as redes sociais: o direito humano à posse dos seus dados que não existe ainda.
A criação de espaço e tempo para estar com a nossa intimidade é a solidão que Jesus terá experimentado no deserto que precedeu o seu apostolado que mudou o curso da nossa História. Uma solidão que não isola como o nosso ecrã, mas liberta o nosso horizonte para sermos de novo livres para olhar em frente e à nossa volta.
Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
In: imissio.net 9.08.2019
Comunicar a fé: livro reflete sobre a ação pastoral em tempos midiáticos
Jornalista e pesquisador Moisés Sbardelotto publica nova obra dedicada à comunicação cristã, eclesial e pastoral
Comunicar é uma ação repleta de possibilidades, mas também de desafios. Assim como em todas as esferas sociais, no âmbito eclesial, a comunicação acaba se tornando uma condição para o êxito da ação evangelizadora. E para refletir sobre essa realidade, Moisés Sbardelotto, jornalista e pesquisador em Comunicação, lança, pela Editora Vozes, seu novo livro: “Comunicar a Fé: Por quê? Para quê? Com quem?”.
Com uma linguagem simples e acessível, a obra faz uma cuidadosa análise da práxis comunicacional da Igreja e busca compreender como a comunicação se tornou um dos núcleos de reflexão e ação eclesiais. “O livro nasceu a partir de um caminho de acompanhamento, escuta e diálogo sobre a missão e a pastoral de cristãs e cristãos em várias regiões do Brasil. Com isso, pude perceber a importância de aprofundar a reflexão sobre o agir da Igreja a partir do olhar da comunicação, para que ela seja o eixo articulador e propulsor das diversas pastorais e de suas expressões”, destaca Sbardelotto.
O livro está dividido em três partes. A primeira delas – “Comunicação e fé hoje: por quê? Para quê? Com quem” – reflete sobre as raízes da comunicação, a partir de uma releitura comunicacional da Criação do mundo e do relato da Anunciação-Encarnação, buscando entender a ação de um “Deus comunicativo”. Sbardelotto também analisa, nesta seção, a comunicação encarnada de Jesus e elementos de uma espiritualidade igualmente encarnada do comunicador cristão. E, para concluir, tece críticas à “mundanidade comunicacional” e a certas expressões de um “catolicismo de massa”, revelando que “evangelizar não é mercadejar”.
Na segunda parte, o foco é a “A alegria de comunicar: o Papa Francisco e a comunicação”. Nesses capítulos, o autor aprofunda o olhar sobre a comunicação do papa, seus gestos e palavras. Para isso, analisa os principais documentos do atual pontífice, a partir do olhar da comunicação.
Por fim, na terceira parte, o livro aborda o ambiente comunicacional contemporâneo, convidando a “Comunicar o Evangelho em tempos de rede”. Inspirando-se no pensamento comunicacional de Francisco, Sbardelotto convoca a uma “revolução da ternura” no âmbito da comunicação, desafiando os leitores e leitoras a serem “samaritanos comunicacionais” e a fazerem uma “opção comunicacional pelos pobres”. Analisa, também, o preocupante fenômeno das fake news e do ódio em rede, desafiando a pensar o “sentido relacional da verdade” e a pôr em prática uma “boa comunicação”, com tudo o que essa expressão implica.
“Comunicar a fé” conta, ainda, com o prefácio do jesuíta estadunidense James Martin, intitulado “Entender o discernimento é fundamental para entender a comunicação da fé hoje”. Martin é colunista da revista America, uma das principais publicações católicas dos Estados Unidos, e consultor do Dicastério para a Comunicação do Vaticano. É autor de vários livros sobre religião e espiritualidade, incluindo, em português, “Jesus: A Peregrinação” (Harper Collins) e o best-seller “A sabedoria dos jesuítas para (quase) tudo” (Sextante).
O livro “Comunicar a Fé: Por quê? Para quê? Com quem?” já está disponível para venda no site da Editora Vozes, aqui: https://www.livrariavozes.com.br/comunicar-a-fe8532663400/p.
Sobre o autor:
Moisés Sbardelotto é jornalista, palestrante, tradutor e consultor em Comunicação para diversos órgãos e instituições civis e religiosas. É também autor de outros dois livros: “E o Verbo se fez bit” (Santuário, 2012) e “E o Verbo se fez rede” (Paulinas, 2017), além de mais de uma centena de artigos, publicados em diversas publicações. Atualmente, é professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos (RS), onde realiza estágio pós-doutoral. É mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), com estágio doutoral na Università di Roma “La Sapienza”, na Itália. Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Colabora com o Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Foi membro da Comissão Especial para o “Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil”, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Serviço:
“Comunicar a Fé: Por quê? Para quê? Com quem?”
Autor: Moisés Sbardelotto
Editora: Vozes
Preço: R$ 30 (192 p.)
O fenômeno religioso na Internet possui características muito próprias e específicas. Podemos facilmente constatar através de uma pesquisa simples num motor de busca que as páginas religiosas na Internet são numerosas, porém, por vezes, encontramo-nos perante presenças online verdadeiramente consumistas e feitas à medida do homem de hoje, sem terem em atenção a mensagem. O fenômeno religioso na Internet possui três grandes características, às quais deveremos ter em atenção:
- Primeiramente existe um “secularismo virtual”. O secularismo já não se apresenta como ausência de elementos sagrados, mas sim como oferta quase comercial de religiões, sem referência ao sagrado ou com um conceito menos correto do que pertence ao sagrado, feito, isso sim, à medida do ser humano.
- Por outro lado, observamos o que podemos designar de “relativismo online”. Na Internet nada é absoluto, nem sequer é verdade. Ao entrar na rede, o utilizador encontra várias propostas de felicidade que se lhe oferecem, com argumentos muito atrativos, com múltiplas promessas de uma vida melhor, de superação pessoal, porém sem referência a uma verdade absoluta nos seus conteúdos.
- Por último, a “liberdade e a Internet”, que é um aspeto particular do fenômeno religioso na Internet. A Internet é como o altar no qual se presta culto ao conceito de liberdade surgido na época da modernidade, onde esta palavra assumiu características muito diferentes.
A necessidade de evangelizar na Internet é mais do que uma opção, é um dever próprio de todo o cristão. Neste sentido, recordamos que o encontro pessoal com Cristo é a chave para uma autêntica evangelização. Por outro lado, a vida da Igreja online deverá ser um espelho daquilo que leve as pessoas a um encontro com o Ressuscitado e as encaminhe para uma liberdade que deve ser guiada pelo amor. A Igreja deverá ainda abrir as suas portas e mostrar o amor do Pai. Para isso, pode e deve fazê-lo também através da Internet, adaptando-se sempre aos novos meios tecnológicos e às novas linguagens, para que assim possa continuar o seu diálogo com a humanidade. Somente assim poderá estabelecer um verdadeiro diálogo com o homem de hoje num meio como é a Internet, essencialmente interativo.
Fernando José Cassola Marques
In: imissio.net 21.06.2019
É recomendável que os grupos ligados à Igreja que ainda não possuam presença na Internet, procurem informações e ideias com aqueles que já possuem experiência neste campo. A Internet transforma-se então num instrumento que pode ser posto claramente em prática também nos campos da administração e do governo eclesial. Deverá fazer parte dos programas formativos eclesiais o uso e as práticas da Internet. Ao nível dos programas pastorais, a Internet e as novas tecnologias deveriam possuir um espaço dedicado e próprio. Nomeadamente na pastoral juvenil, deveria ser proporcionada uma área formativa que estimulasse os jovens a serem o que a Comunnio et progressio preconiza para os outros meios: “Não só a comportarem-se como verdadeiros cristãos, quando são leitores, ouvintes ou espectadores, mas também a saber utilizar as possibilidades de expressão desta “linguagem total” que os meios de comunicação põem ao seu alcance. Sendo assim, os jovens serão verdadeiros cidadãos desta era das comunicações sociais, de que nós conhecemos apenas o início”. Os jovens têm necessidade de aprender não tanto ao nível técnico, mas sim como agir corretamente no ciberespaço e discernir os seus pensamentos de acordo com critérios morais sólidos a respeito daquilo que encontram à distância de um click.
Ao nível do estudo e reflexão, a Igreja deverá debruçar-se sobre alguns pontos fortes pertinentes e criar observatórios dos mais variados âmbitos dentro desta temática nomeadamente: elaborar uma verdadeira antropologia da comunicação com referência específica à Internet e novas tecnologias; elaborar programas pastorais específicos para o uso da Internet tanto na catequese como noutros sectores para que a possam utilizar como ferramenta de apoio e enriquecer as pessoas no seu verdadeiro compromisso cristão; estudar a dualidade, realidade virtual versus presença física, isto porque, “a realidade virtual não substitui a Presença Real de Cristo na Eucaristia, a realidade ritual dos outros sacramentos e o culto compartilhado no seio de uma comunidade humana feita de carne e de sangue. Na Internet não existem sacramentos e até mesmo as experiências religiosas nela possíveis pela graça de Deus são insuficientes, dado que se encontram separadas da interação do mundo real com outras pessoas na fé”, escreve o Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, no documento Igreja e Internet.
Fernando José Cassola Marques
In: imissio.net
Na primavera do 12º ano, recebi finalmente o meu primeiro celular. Enquanto muitos dos meus amigos já tinham o mítico Nokia 3310, eu tive de me contentar com jogar snake no 5120. Em quase vinte anos, a revolução nos celulares fez desses dias algo perdido no tempo. A iGen que povoa os corredores de qualquer escola do país lá se orienta com os seus iphones com os ecrãs mais ou menos partidos, as capas mais ou menos coloridas e a coitada da snake deu lugar a uma miríade de apps que vão muito além dos jogos.
Hoje, tudo acontece mais rápido e mais cedo e é fácil encontrar olhos postos nos ecrãs entre os dois polegares em salas do 5º ano. As mães e os pais estão descansados porque os filhos estão contactáveis a qualquer hora e sabem exatamente onde eles estão; e os filhos estão contentes, porque não perdem pitada do que acontece por esse mundo fora, além de terem aprendido uns com os outros como mandar a localização certa quando os pais lhes perguntam onde estão.
Este não é um artigo alarmista! A evolução da tecnologia trouxe muitos benefícios no entretenimento e na educação, ajuda à literacia e a explorar novos conhecimentos. Mas aqui ficam cinco perguntas para fazer aos adolescentes lá de casa, que podem ajudar a navegar um mundo em que esta geração está a crescer naturalmente e nós, X’s e Boomers, temos de estudar para chegar lá.
1. Quantos seguidores tens no Insta?
Por mais que nos custe a dizer, esta é a realidade: o Facebook é para cotas. Agora, quem importa está no Instagram. A imediatez da imagem superou as longas reflexões sobre política no feed do avô e os pseudo-memes passa-isto-a-10-amigas-para-teres-sorte-hoje que a avó partilha. E embora o Sr. Zuckerberg seja o dono disto tudo, as nossas crianças sabem muito bem que rede é para eles. Uma imagem vale mais que mil palavras e capturar o momento é o que importa. Além disso, a popularidade mede-se pelo número de seguidores e pelos interesses revelados pelas pessoas que se segue e os hashtags mais usados. A corrida pelos números pode levar a entrar em contato com pessoas que não se conhecem e a querer imitar hábitos novos.
Diz-me quem te segue, dir-te-ei quem és.
2. Que Youtubers andas a seguir?
Outro fenômeno das redes são os vídeos do Youtube. O que há uns anos eram tutoriais de videojogos, deu origem a uma legião de outros adolescentes que, cheios de “liberdade de expressão”, ensinam os menos destemidos a enfrentar a dura realidade que é a vida aos treze. Há conselhos para tudo: faltar às aulas e fazer cabulas, as melhores unhas de gel e dicas de maquilhagem, as diferenças idiomáticas entre o norte e o sul, ou – a preferida de muitos e com muitas variações – como explicar aos teus pais que eles não percebem nada disto e como enfrentá-los.
Claro que todos estes canais só são vistos pelos filhos dos outros, mas só para ter a certeza, o melhor é saber quem são esses “professores” de renome nacional que ensinam as últimas novidades de viver em sociedade a outros tantos miúdos quase da mesma idade.
3. Qual é o teu Influencer favorito?
Esta pergunta pode vir na sequência das anteriores. Influencers são esses mestres do mundo virtual seguidos por milhões de outras pessoas quase da mesma idade que dão os melhores conselhos de moda, parentalidade ou como sobreviver neste mundo cheio de adultos que não acompanham as tendências. E milhões não é uma força de expressão! Há Influencers em Portugal com mais de cinco milhões de seguidores. Lá estão eles no seu dia-a-dia, tendo como pano de fundo das suas “aulas” o roupeiro aberto, os Funko POP, os posters da MARVEL ou aquele quarto com ar clean e hip que qualquer rapariga devia ter.
4. Sabes que é fácil entrar em páginas que não são para a tua idade?
Eis a pergunta que envergonha, o elefante na sala sobre o qual é preciso falar! Se um adolescente tem um celular tem, igualmente, acesso a páginas com conteúdos para adultos. Numa sociedade hiper-erotizada e hiper-sexualizada, o acesso a pornografia é muito mais fácil. E, na internet, é fácil, anônimo e gratuito. Nenhum adolescente quer falar de sexo ou sexualidade com os seus pais, como nenhuma mãe ou pai se senta confortavelmente à primeira a falar sobre o tema. Mas quaisquer que sejam as voltas que se deem, o melhor é ter essa conversa antes que a curiosidade se transforme em rotina ou, em último caso, em vício.
5. Podias parar de mexer no celular enquanto falo contigo?
Finalmente, a pergunta que qualquer mãe ou pai só pode fazer se estiver realmente preparado para o que aí vem! Quem vive com adolescentes sabe que o celular é um dos muitos órgãos do corpo que os constitui e que, separar-se dele, é quase como uma amputação sem aviso prévio ou anestesia. Não é só que conversar com os mais velhos seja uma seca, é que a ansiedade de estar longe do que se passa nas redes é uma realidade com nome e tudo – FOMO (Fear Of Missing Out). Ou seja, medo de estar a perder algum evento nalgum lugar por não estar conectado. Não é que eles não queiram fazer parte das conversas de casa, é que perderam o contato com o seu mundo de amigos. E é importante gerir essa ansiedade, que pode tirar o sono, fazer baixar o rendimento escolar ou revelar-se nessas respostas inesperadas e violentas.
Felizmente, estes adolescentes ainda jogam à bola e sabem sentar-se a conversar, ainda combinam ir ao cinema ou a casa uns dos outros. Como em tudo no grande desafio da parentalidade, cada casa sabe como melhor ajudar os seus a crescer em liberdade e responsabilidade. No caso das redes sociais, como em tudo, talvez o melhor seja acompanhar em vez de proibir, e gerar espaços de confiança e verdade.
Como quando, nas tardes de verão, alguém nos queria ensinar um novo jogo de cartas e, antes do jogo, começava a explicar todas as regras. A resposta imediata dos novos jogadores era: vamos jogando e vais explicando. E o número interminável de regras reduzia-se às mínimas necessárias para começar a jogar. As outras aprendiam-se por intuição, imitação ou ao longo da tarde. É assim na arte de educar para o uso dos celulares e das redes: dar-lhes as regras mínimas não-negociáveis e, ao mesmo tempo que se os deixa crescer, acompanhar pacientemente o que vão fazendo.
Pe. Samuel Beirão, sj
Uma vez que o anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo implica uma cuidadosa atenção às características próprias dos meios de comunicação social, atualmente a Igreja precisa de compreender a Internet. Isto é extremamente necessário para que ela possa comunicar com a sociedade atual e de um modo muito especial com os jovens. Do ponto de vista religioso são inúmeros os benefícios que os meios de comunicação oferecem, mas as novas tecnologias requerem uma especial atenção, dado que oferecem às pessoas um acesso direto e imediato a importantes conteúdos e recursos religiosos, pastorais e espirituais.
A título de exemplo: “Livrarias grandiosas, museus e lugares de culto, os documentos do ensinamento do Magistério, os escritos dos Padres e dos Doutores da Igreja, assim como a sabedoria religiosa de todos os tempos”, conforme escreve o Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais no documento Igreja e Internet. A Internet possui uma capacidade extraordinária de ultrapassar a distância e o isolamento. Torna-se então num instrumento relevante para inúmeras atividades e programas eclesiais como “a evangelização, incluindo a re-evangelização e a nova evangelização, e a obra missionária tradicional ad gentes, a catequese e outros tipos de educação, notícias e informações, apologética, governo e administração, assim como algumas formas de conselho pastoral e de direção espiritual”.
Embora a realidade digital não possa substituir a comunidade concreta e real, pode, contudo, completar e complementar essa mesma comunidade, transportando as pessoas para uma experiência de fé mais integral. Oferece ainda métodos de comunicação extraordinários com grupos específicos e que podem ser “tocados por Deus”: os adolescentes, jovens, idosos e pessoas com necessidades especiais que se sintam obrigadas a ficarem nos seus lares e pessoas que vivam em zonas do mundo isoladas, que de outra maneira eram difíceis de alcançar. Já é enorme o número de instituições eclesiais que recorrem à Internet para as mais diversas finalidades. O Vaticano tem sido disso exemplo ao liderar e fomentar o uso das novas tecnologias, com presença nas mais diferentes plataformas virtuais.
Fernando José Cassola Marques
In: imissio.net
De cada vez que sabemos de um jovem que morre por causa (também) da tecnologia, somos trespassados por uma dor enorme. Depois de pensar na família, e depois de rezarmos por ela e pela vítima, dizemo-nos com angústia: a tecnologia está a matar os nossos jovens.
Segue-se uma onda de medo, inclusive físico, acompanhada por outro pensamento: poderia acontecer à minha filha ou ao meu filho (neto, etc.). Logo depois surgem duas perguntas. A primeira: o que podemos fazer, nós, adultos, para prevenir tudo isto? A segunda: como podemos parar tudo isto?
O primeiro instinto é o de desligar tudo. De fazer desaparecer tudo. De lançar pela janela os telemóveis e encerrar todos os nossos perfis nas redes sociais, e fazê-los fechar também aos nossos filhos e netos.
A 19 de março, chantageada por um adolescente por causa de algumas fotografias íntimas, uma jovem de 13 anos pensou suicidar-se numa escola italiana. Antes de o fazer, porém, deixou um bilhetinho a uma professora, e foi assim que se salvou.
Há dias, chegou a notícia de uma jovem que, na Malásia, se teria suicidado depois de ter lançado uma sondagem no Instagram, perguntando aos seus seguidores: D/L? (ou seja, vida ou morte?) (uso o condicional, como fizeram os meios de comunicação social daquele país, “detalhe” que não foi levado em conta no eco que o eventual acontecimento teve em Portugal).
Longe de mim querer subvalorizar a problemática e por vezes perigosa relação entre as crianças e os jovens e a tecnologia. Mas precisamente porque se trata de algo extremamente importante, devemos descrevê-lo com maior responsabilidade. Que não significa menosprezá-lo nem esconder-lhe os defeitos, mas também não fazer parangonas sem esperar a clarificação dos factos.
O medo, semeado em pequenas doses, pode aumentar a consciência. Mas em grandes doses só provoca estragos. E demasiados pais, perante o excessivo poder das tecnologias, ficam paralisados pelo medo. Com o resultado de não fazer nada, fazendo sua a frase «já não sabemos como nos havemos de defender desta deriva, a não ser com o silêncio». Um erro colossal.
Nunca como nestes casos temos o dever de não ficar em silêncio e de não nos deixarmos paralisar pelo medo. Temos o dever de ser adultos, antes de tudo aos olhos dos nossos filhos. Que não nos pedem para sermos peritos de tecnologia, mas de vida. É exigente? Sim, mas é cada vez mais necessário.
Assim é que demasiadas vezes nos esquecemos que muitos jovens, como a da escola italiana, decidem viver no último momento, porque encontraram um adulto a quem se confiar. Porque a palavra chave nestes casos não é tecnologia, mas confiança. Que se cria a escutar e a dialogar. O que é muito diferente do silêncio amedrontado ou resignado.
In Avvenire
Trad./adapt.: Rui Jorge Martins
Publicado em 24.05.2019 no SNCP
O termo “digital”, que genericamente descreve a época, ou a transição epocal, em que estamos imersos, vem do latim “digitus”, que se pode traduzir por “número”. É aquilo que está na sua base é a descoberta de que qualquer porção do real pode ser agora traduzida numericamente, transformada numa estrutura de dados, num algoritmo.
Esta tradução numérica representa um instrumento novo, e ao mesmo tempo uma forma diferente de vida: uma vida desmaterializada, aligeirada do peso das contingências, incrivelmente veloz, acessível a todos a qualquer hora (superando, assim, as restrições do tempo) e em todo o lugar (superando as restrições do espaço).
Definir, por exemplo, um computador como uma mediação tornou-se um modo de pensar arcaico. Os nativos digitais sabem que as novas máquinas são uma extensão de si próprios, como um elemento a todo o momento a eles indispensável para ativar a sua relação com as coisas.
Eu faço parte daqueles que consideram intrusivo o uso do celular quando se está à mesa, e daqueles que se alegram com a sua proibição na escola. Mas sei que isto é o século XX que combate com o século XXI uma batalha perdida.
Estamos no olho de uma tempestade, e temos, como indivíduos e como sociedade, encontrar uma via equilibrada que ainda não vemos claramente. Em todo o caso, já não podemos agir como se tudo continuasse como antes.
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 16.05.2019 no SNPC
« “Somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25): das comunidades de redes sociais à comunidade humana »
Queridos irmãos e irmãs!
Desde quando se tornou possível dispor da internet, a Igreja tem sempre procurado que o seu uso sirva o encontro das pessoas e a solidariedade entre todos. Com esta Mensagem, gostaria de vos convidar uma vez mais a refletir sobre o fundamento e a importância do nosso ser-em-relação e descobrir, nos vastos desafios do atual panorama comunicativo, o desejo que o homem tem de não ficar encerrado na própria solidão.
As metáforas da «rede» e da «comunidade»
Hoje, o ambiente dos mass-media é tão invasivo que já não se consegue separar do círculo da vida quotidiana. A rede é um recurso do nosso tempo: uma fonte de conhecimentos e relações outrora impensáveis. Mas numerosos especialistas, a propósito das profundas transformações impressas pela tecnologia às lógicas da produção, circulação e fruição dos conteúdos, destacam também os riscos que ameaçam a busca e a partilha duma informação autêntica à escala global. Se é verdade que a internet constitui uma possibilidade extraordinária de acesso ao saber, verdade é também que se revelou como um dos locais mais expostos à desinformação e à distorção consciente e pilotada dos factos e relações interpessoais, a ponto de muitas vezes cair no descrédito.
É necessário reconhecer que se, por um lado, as redes sociais servem para nos conectarmos melhor, fazendo-nos encontrar e ajudar uns aos outros, por outro, prestam-se também a um uso manipulador dos dados pessoais, visando obter vantagens no plano político ou económico, sem o devido respeito pela pessoa e seus direitos. As estatísticas relativas aos mais jovens revelam que um em cada quatro adolescentes está envolvido em episódios de cyberbullying.[1]
Na complexidade deste cenário, pode ser útil voltar a refletir sobre a metáfora da rede, colocada inicialmente como fundamento da internet para ajudar a descobrir as suas potencialidades positivas. A figura da rede convida-nos a refletir sobre a multiplicidade de percursos e nós que, na falta de um centro, uma estrutura de tipo hierárquico, uma organização de tipo vertical, asseguram a sua consistência. A rede funciona graças à comparticipação de todos os elementos.
Reconduzida à dimensão antropológica, a metáfora da rede lembra outra figura densa de significados: a comunidade. Uma comunidade é tanto mais forte quando mais for coesa e solidária, animada por sentimentos de confiança e empenhada em objetivos compartilháveis. Como rede solidária, a comunidade requer a escuta recíproca e o diálogo, baseado no uso responsável da linguagem.
No cenário atual, salta aos olhos de todos como a comunidade de redes sociais não seja, automaticamente, sinônimo de comunidade. No melhor dos casos, tais comunidades conseguem dar provas de coesão e solidariedade, mas frequentemente permanecem agregados apenas indivíduos que se reconhecem em torno de interesses ou argumentos caraterizados por vínculos frágeis. Além disso, na social web, muitas vezes a identidade funda-se na contraposição ao outro, à pessoa estranha ao grupo: define-se mais a partir daquilo que divide do que daquilo que une, dando espaço à suspeita e à explosão de todo o tipo de preconceito (étnico, sexual, religioso, e outros). Esta tendência alimenta grupos que excluem a heterogeneidade, alimentam no próprio ambiente digital um individualismo desenfreado, acabando às vezes por fomentar espirais de ódio. E, assim, aquela que deveria ser uma janela aberta para o mundo, torna-se uma vitrine onde se exibe o próprio narcisismo.
A rede é uma oportunidade para promover o encontro com os outros, mas pode também agravar o nosso autoisolamento, como uma teia de aranha capaz de capturar. Os adolescentes é que estão mais expostos à ilusão de que a social web possa satisfazê-los completamente a nível relacional, até se chegar ao perigoso fenômeno dos jovens «eremitas sociais», que correm o risco de se alhear totalmente da sociedade. Esta dinâmica dramática manifesta uma grave rutura no tecido relacional da sociedade, uma laceração que não podemos ignorar.
Esta realidade multiforme e insidiosa coloca várias questões de caráter ético, social, jurídico, político, econômico, e interpela também a Igreja. Enquanto cabe aos governos buscar as vias de regulamentação legal para salvar a visão originária duma rede livre, aberta e segura, é responsabilidade ao alcance de todos nós promover um uso positivo da mesma.
Naturalmente não basta multiplicar as conexões, para ver crescer também a compreensão recíproca. Então, como reencontrar a verdadeira identidade comunitária na consciência da responsabilidade que temos uns para com os outros inclusive na rede on-line?
«Somos membros uns dos outros»
Pode-se esboçar uma resposta a partir duma terceira metáfora – o corpo e os membros – usada por São Paulo para falar da relação de reciprocidade entre as pessoas, fundada num organismo que as une. «Por isso, despi-vos da mentira e diga cada um a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros» (Ef 4, 25). O facto de sermos membros uns dos outros é a motivação profunda a que recorre o Apóstolo para exortar a despir-se da mentira e dizer a verdade: a obrigação de preservar a verdade nasce da exigência de não negar a mútua relação de comunhão. Com efeito, a verdade revela-se na comunhão; ao contrário, a mentira é recusa egoísta de reconhecer a própria pertença ao corpo; é recusa de se dar aos outros, perdendo assim o único caminho para se reencontrar a si mesmo.
A metáfora do corpo e dos membros leva-nos a refletir sobre a nossa identidade, que se funda sobre a comunhão e a alteridade. Como cristãos, todos nos reconhecemos como membros do único corpo cuja cabeça é Cristo. Isto ajuda-nos a não ver as pessoas como potenciais concorrentes, considerando os próprios inimigos como pessoas. Já não tenho necessidade do adversário para me autodefinir, porque o olhar de inclusão, que aprendemos de Cristo, faz-nos descobrir a alteridade de modo novo, ou seja, como parte integrante e condição da relação e da proximidade.
Uma tal capacidade de compreensão e comunicação entre as pessoas humanas tem o seu fundamento na comunhão de amor entre as Pessoas divinas. Deus não é Solidão, mas Comunhão; é Amor e, consequentemente, comunicação, porque o amor sempre comunica; antes, comunica-se a si mesmo para encontrar o outro. Para comunicar connosco e Se comunicar a nós, Deus adapta-Se à nossa linguagem, estabelecendo na história um verdadeiro e próprio diálogo com a humanidade (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, 2).
Em virtude de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus, que é comunhão e comunicação-de-Si, trazemos sempre no coração a nostalgia de viver em comunhão, de pertencer a uma comunidade. Como afirma São Basílio, «nada é tão específico da nossa natureza como entrar em relação uns com os outros, ter necessidade uns dos outros».[2]
O panorama atual convida-nos, a todos nós, a investir nas relações, a afirmar – também na rede e através da rede – o caráter interpessoal da nossa humanidade. Por maior força de razão nós, cristãos, somos chamados a manifestar aquela comunhão que marca a nossa identidade de crentes. De facto, a própria fé é uma relação, um encontro; e nós, sob o impulso do amor de Deus, podemos comunicar, acolher e compreender o dom do outro e corresponder-lhe.
É precisamente a comunhão à imagem da Trindade que distingue a pessoa do indivíduo. Da fé num Deus que é Trindade, segue-se que, para ser eu mesmo, preciso do outro. Só sou verdadeiramente humano, verdadeiramente pessoal, se me relacionar com os outros. Com efeito, o termo pessoa conota o ser humano como «rosto», voltado para o outro, comprometido com os outros. A nossa vida cresce em humanidade passando do caráter individual ao caráter pessoal; o caminho autêntico de humanização vai do indivíduo que sente o outro como rival para a pessoa que nele reconhece um companheiro de viagem.
Do «like» ao «amen»
A imagem do corpo e dos membros recorda-nos que o uso da social web é complementar do encontro em carne e osso, vivido através do corpo, do coração, dos olhos, da contemplação, da respiração do outro. Se a rede for usada como prolongamento ou expetativa de tal encontro, então não se atraiçoa a si mesma e permanece um recurso para a comunhão. Se uma família utiliza a rede para estar mais conectada, para depois se encontrar à mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é um recurso. Se uma comunidade eclesial coordena a sua atividade através da rede, para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso. Se a rede é uma oportunidade para me aproximar de casos e experiências de bondade ou de sofrimento distantes fisicamente de mim, para rezar juntos e, juntos, buscar o bem na descoberta daquilo que nos une, então é um recurso.
Assim, podemos passar do diagnóstico à terapia: abrir o caminho ao diálogo, ao encontro, ao sorriso, ao carinho... Esta é a rede que queremos: uma rede feita, não para capturar, mas para libertar, para preservar uma comunhão de pessoas livres. A própria Igreja é uma rede tecida pela Comunhão Eucarística, onde a união não se baseia nos gostos [«like»], mas na verdade, no «amen»com que cada um adere ao Corpo de Cristo, acolhendo os outros.
Vaticano, na Memória de São Francisco de Sales, 24 de janeiro de 2019.
Franciscus
imagem: pexels.com
[1] Para circunscrever o fenómeno, será instituído um Observatório internacional sobre cyberbullying, com sede no Vaticano.
[2] Grandes Regras, III, 1: PG 31, 917. Cf. Bento XVI, Mensagem para o XLIII Dia Mundial das Comunicações Sociais (2009).
No dia 24 de janeiro, dia de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas e comunicadores, o Papa Francisco divulgou a sua sexta mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, intitulada“‘Somos membros uns dos outros’ (Ef 4, 25): das comunidades de redes sociais à comunidade humana”.
Em sua mensagem, o papa reconhece que “desde quando se tornou possível dispor da internet, a Igreja sempre procurou promover o seu uso a serviço do encontro entre as pessoas e da solidariedade entre todos”.
Os gestos pontifícios, nesse sentido, são um indicativo interessante. Ainda em 1995, enquanto a internet engatinhava em solo brasileiro, o Vaticano lançava o seu site oficial (vatican.va). Entre agosto 1998 e outubro de 1999, o Papa João Paulo II chegou a divulgar um endereço de e-mail pessoal, mas que foi fechado por excesso de e-mails recebidos. Em 2001, em um evento público, na Sala Clementina, no Vaticano, João Paulo II enviou o primeiro “e-mail papal”, dirigido a todos os bispos da Oceania, anexando a exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Oceania. E a sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2002 foi o primeiro documento pontifício a abordar diretamente a internet, intitulada justamente “Internet: um novo foro para a proclamação do Evangelho”.
Bento XVI, por sua vez, foi o primeiro papa a ter uma conta pessoal em uma plataforma sociodigital, o Twitter, com o usuário @Pontifex (em vários idiomas), criado em 2012.
E Francisco também inovou em muitos aspectos. Ele manteve as contas @Pontifex e, em 2017, foi o líder mundial mais seguido no Twitter (com mais de 33 milhões de seguidores), de acordo com o estudo Twiplomacy. Em 2014 e 2015, participou de duas videoconferências via Google Hangout, promovidas pela ONG Scholas Ocurrentes, com estudantes do mundo inteiro. Em 2016, criou uma conta pessoal no Instagram, com o nome de usuário @Franciscus, e incentivou o lançamento do projeto “O Vídeo do Papa”, que traduz as tradicionais intenções mensais do papa para a linguagem audiovisual do YouTube.
Hoje, portanto, afirma Francisco na mensagem, “o ambiente medial é tão invasivo a ponto de já ser indistinguível da esfera da vida cotidiana” – e também da vida eclesial e religiosa. Isso ficou comprovado no Ângelus do dia 20 de janeiro passado, em que Francisco apresentou ao mundo inteiro a plataforma oficial da Rede Mundial de Oração do Papa, Click To Pray. “Aqui – afirmou o pontífice – vou inserir as intenções e os pedidos de oração pela missão da Igreja. Convidou especialmente você, jovens, a baixarem o app Click To Pray, continuando a rezar junto comigo.”
Em todos esses casos, entrevê-se “o fundamento e a importância do nosso ser-em-relação”, como diz Francisco, que vai se manifestando e se traduzindo ao longo do tempo, dentro das lógicas e dinâmicas comunicacionais específicas de cada cultura e de cada patamar tecnológico.
Na mensagem, esse ser-em-relação é abordado pelo papa a partir de três metáforas principais: a rede, a comunidade e o corpo.
A metáfora da rede se destaca na contemporaneidade. Trata-se da “forma organizacional da Era da Informação” (M. Castells) e da “episteme da nossa época” (C. Scolari). O Papa Francisco a define como uma “multiplicidade de percursos e nós”, uma organização que não tem um centro e não é de tipo hierárquico nem vertical. Em vez disso, “a rede funciona graças à coparticipação de todos os elementos”. Ou seja, nenhum deles é fundamental, pois cada um depende dos outros, e são as suas inter-relações que determinam a estrutura da própria rede (F. Capra)
A comunidade, “rede solidária”
A partir da dimensão antropológica, Francisco traz à tona ainda “outra figura densa de significados”: a comunidade. Segundo o papa, esta será mais forte quanto mais for marcada por coesão, solidariedade, confiança e partilha. Como “rede solidária”, a comunidade requer “a escuta recíproca e o diálogo, baseado no uso responsável da linguagem”.
E aqui Francisco faz uma diferenciação entre essa noção de comunidade, por ele assim definida, e a chamada social network community (“comunidade de redes sociais”). Sua leitura se foca principalmente nos limites da segunda, ressaltando os aspectos “não comunitários” das redes. Francisco afirma que as comunidades em rede frequentemente são apenas “agregados de indivíduos” unidos por laços fracos, o que alimenta “grupos que excluem a heterogeneidade”, um “individualismo desenfreado”, o ciberbullying, o autoisolamento, gerando “eremitas sociais” e “espirais do ódio”.
Embora sejam limitações reais, o foco apenas nelas pode ignorar que tais lógicas deturpantes das relações humanas não são exclusividade do ambiente digital, mas também se fazem presentes em outros ambientes relacionais, para além de qualquer mediação tecnológica. Por outro lado, tal leitura pode deixar de perceber outros aspectos propriamente comunitários que emergem em rede.
Isto é, pode-se pressupor que a “verdadeira comunidade” só existiria fora das redes e que, em rede, “no melhor dos casos”, como afirma a mensagem, só seria possível construir aproximações de comunidade. Pois, segundo o papa, a social web, em geral, apresenta uma “realidade multiforme e insidiosa”, marcada muitas vezes por uma “dinâmica dramática”, que pode levar a “uma grave ruptura no tecido relacional da sociedade”.
Entretanto, na constante interação entre o online e o offline vivida atualmente – ou, mais propriamente, no caráter “onlife” (L. Floridi) da vida contemporânea (em que não importa tanto quando estamos conectados, mas sim se chegamos a estar em algum momento desconectados) – é mais produtivo compreender como as relações em rede possibilitam experiências comunitárias e de que nível elas são. E, a partir disso, perceber que o objeto instituído (a comunidade) só se institui e se mantém constituído mediante um constante processo instituinte e constituinte das relações entre as pessoas, na internet e fora dela, processo este que é principalmente comunicacional (como as próprias conexões em rede, pois o ambiente digital não é “uma rede de fios, mas de pessoas humanas”, como afirmou Francisco na mensagem de 2014).
Comunidades eclesiais digitais?
Hoje, no ambiente católico digital, manifestam-se modos tentativos e articulados de ir ao encontro de uma catolicidade menos heterônoma. Isso revela, muitas vezes, uma falta de espaços de partilha e de debate intraeclesiais em que determinadas questões possam ser levantadas, o que fomenta essa “migração” ao ambiente digital. Isso se dá especialmente no caso de minorias periféricas eclesiais conectadas em redes, como grupos de católicos divorciados em segunda união, de católicas que praticaram um aborto ou criam sozinhas os seus filhos, de católicos migrantes ou refugiados que se articulam em rede nos países de acolhimento, de católicos LGBT etc.
Em outro contexto semelhante, surgiu no Brasil, nos anos da ditadura militar, um dos principais frutos do Concílio Ecumênico Vaticano II na América Latina: as comunidades eclesiais de base (CEBs). Tratava-se de uma nova experiência de Igreja, de comunidade e de fraternidade, em que emergiu outra forma de ser Igreja. Em tempos de rede, podemos questionar se não estaríamos, hoje, diante da emergência de “comunidades eclesiais digitais” (ou CEDs), que atualizariam, em outros “meios” e em outros “ambientes” (agora midiáticos), a mesma busca e necessidade de experiência religiosa, de vínculo interpessoal, de cidadania eclesial, de autonomia para o apostolado leigo.
Não seriam tais formações em rede também “outra forma de ser Igreja”, que emergeria a partir da insuficiência das experiências comunitárias eclesiais existentes diante dos novos desafios contemporâneos, ou a partir da inexistência de ambientes comunitários eclesiais capazes de acolher e integrar as “periféricas existenciais”, como no caso das CEBs?
De modo mais específico, assim como as CEBs históricas, alguns ambientes digitais, entendidos como CEDs, também permitem, principalmente, que “as pessoas se conhe[çam] e reconhe[çam], [possam] ser elas mesmas em suas individualidades, [possam] dizer a sua palavra e ser acolhidas e acolher pelo nome próprio” (L. Boff). Assim, indo além das configurações espaço-temporais da estrutura eclesiástica local, tais ambientes apontam para uma busca de relações outras em ambientes outros, a partir de uma necessidade de “atualizar” as comunidades tradicionais, de “traduzi-las” às linguagens e às modalidades de comunicação contemporâneas e até de “criar/inventar” experiências inovadoras de vivência e comunicação da fé.
Diante da emergência das CEDs, que apontam para um “novo-ainda-não-experimentado” dentre as variações históricas das formas comunitárias da Igreja, é importante que a instituição eclesiástica e suas autoridades busquem – assim como em relação às CEBs históricas – “respeitar o caminho que se inaugurou; não querer logo enquadrar o fenômeno com categorias teológico-pastorais nascidas de outros contextos e de outras experiências eclesiais; colocar-se numa atitude de quem quer ver, compreender e aprender; manter a vigilância crítica para poder discernir verdadeiros de falsos caminhos” (L. Boff).
“Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, Eu estou aí no meio deles”(Mateus 18, 20). O “onde” – em rede ou fora dela; nas bases ou na internet – é quase irrelevante: o importante é reunir-se em comunidade no nome de Jesus Cristo, assumindo uma consciência-vivência cristã e eclesial.
Da rede-encontro à rede-armadilha
Apesar da limitação apresentada pela mensagem em sua leitura do fenômeno das comunidades em rede, o diagnóstico de Francisco é preciso quando aponta que, ao deixar de ser “uma oportunidade para promover o encontro com os outros”, a rede muitas vezes se converte no seu oposto, em “uma teia de aranha capaz de capturar”. Quando isso ocorre, “a identidade funda-se na contraposição ao outro, à pessoa estranha ao grupo: define-se mais a partir daquilo que divide do que daquilo que une, dando espaço à suspeita e à explosão de todo o tipo de preconceito (étnico, sexual, religioso e outros). (...) E, assim, aquela que deveria ser uma janela aberta para o mundo, torna-se uma vitrine onde se exibe o próprio narcisismo”.
Essa construção da identidade a partir da destruição da alteridade pode ser vista frequentemente em nossas redes pessoais e especialmente no mundo da política, da religião e da própria Igreja Católica. Na política, o período eleitoral de 2018 foi abundante em casos de desinformação, má-informação, distorção, difamação e calúnias em rede, com o objetivo de aniquilar o adversário transformado em opositor-inimigo. E o início dos mandatos dos novos representantes políticos – principalmente em nível federal – evidencia que essa tendência ao descrédito do outro e ao ciberbullying já fazem parte, na prática, infelizmente, das próprias estratégias de governo.
No caso intracatólico, frequentemente, a pessoa que está do outro lado da tela também não é percebida como um “irmão ou irmã na fé”, mas apenas como alguém sobre quem se descarrega toda a raiva e rancor pessoais e pseudorreligiosos, camuflados de defesa da tradição, da sã doutrina e da liturgia, com citações artificiosamente pinçadas da Bíblia e do Catecismo. Nada nem ninguém estaria acima desse “Tribunal da Santa Inquisição Digital”, nem mesmo o papa – e especialmente o Papa Francisco. Nessas “fogueiras digitais”, são condenados os supostos “hereges” atuais, expressão-agressão que circula abundantemente em certas páginas e grupos católicos nas redes, dirigida contra todos aqueles que têm uma visão de Igreja diferente da do agressor. Esses “linchamentos” simbólicos ocorrem a partir de condenações inapeláveis de grupelhos de leigos que se arrogam o direito – e até o dever – de atirar a primeira pedra. Pregam a exclusão de tudo o que seja “catolicamente diferente” e de todos os “catolicamente outros”.
Na exortação apostólica Gaudete et exsultate (2018), sobre o chamado à santidade no mundo atual, Francisco dedicou um parágrafo inteiro a esses “pecados digitais”:
“Pode acontecer também que os cristãos façam parte de redes de violência verbal através da internet e vários fóruns ou espaços de intercâmbio digital. Mesmo nas mídias católicas, é possível ultrapassar os limites, tolerando-se a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer ética e respeito pela fama alheia” (n. 150).
E nessa quinta-feira, 24, encontrando-se com os bispos da América Central, reunidos no Panamá para a Jornada Mundial da Juventude, o papa reiterou:
“Preocupa-me ver como a compaixão perdeu centralidade na Igreja, inclusive em grupos católicos – ou está perdendo, para não sermos tão pessimistas. Inclusive nos meios de comunicação social católicos, a compaixão não existe. Existe o cisma, a condenação, a crueldade, a valorização de si mesmo, a denúncia de heresia... Que não se perca a compaixão na nossa Igreja (...). A Igreja de Cristo é a Igreja da compaixão; e isso começa em casa.”
Nesse contexto, sem dúvida, “não basta multiplicar as conexões, para ver crescer também a compreensão recíproca”, como afirma o papa. O desejo quase ideal (ou até mesmo o sonho) de Francisco é de uma “rede livre, aberta e segura” para todos, e ele interpela os governos e a própria Igreja em relação a essa tarefa. Mas, para isso, a pergunta proposta pela mensagem deve ressoar constantemente em quem busca construir outras relações possíveis em rede: “Como reencontrar a verdadeira identidade comunitária na consciência da responsabilidade que temos uns para com os outros inclusive na rede online?”.
O corpo, relação de reciprocidade
E aqui, como esboço de resposta, surge a terceira metáfora de Francisco: o corpo e seus membros. Ou seja, uma “relação de reciprocidade entre as pessoas, fundada num organismo que as une”.
Trata-se de uma atualização daquilo que Paulo escreveu em sua Carta aos Efésios: “Por isso, despi-vos da mentira e diga cada um a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25). Segundo o papa, “o fato de sermos membros uns dos outros é a motivação profunda com a qual o Apóstolo exorta a despir-se da mentira e a dizer a verdade: a obrigação de preservar a verdade nasce da exigência de não negar a mútua relação de comunhão”.
Quem se recusa egoisticamente a entrar em relação com o outro, a fazer parte e a construir um mesmo corpo (comunidade, Igreja, nação etc.) habita a solidão da mentira. Ao contrário, “a verdade revela-se na comunhão” e, sem comunhão, não é possível buscar e encontrar a verdade. A própria identidade pessoal e coletiva “se funda sobre a comunhão e a alteridade”, afirma o papa. Não existe um “eu” sem um “tu”. Como afirma E. Lévinas, “nós” não é o plural de “eu”. Na linguagem da tradição africana do ubuntu, “eu sou porque nós somos”.
Francisco, por sua vez, relê essa “nostalgia” do ser humano de viver em comunhão e de pertencer a uma comunidade a partir da tradição cristã. Essa necessidade, afirma, surge “em virtude de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus que é comunhão e comunicação-de-Si”, um Deus que se comunica conosco “adaptando-se à nossa linguagem”. Ou seja, “da fé num Deus que é Trindade, segue-se que, para ser eu mesmo, preciso do outro. Só sou verdadeiramente humano, verdadeiramente pessoal, se me relaciono com os outros”.
Essa comunhão é mais do que uma mera interação entre indivíduos, mas se trata de uma relação entre pessoas, já que o próprio termo “pessoa” – afirma o papa em um belo jogo de palavras que se perde na tradução ao português – denota o ser humano como “rosto” (“volto”), voltado (“ri-volto”) ao outro, coenvolvido (“co-in-volto”) com os outros. Ainda segundo Lévinas, “o outro que me olha me afirma”.
Por isso, Francisco convoca – “com maior razão” – os cristãos a “manifestarem aquela comunhão que marca a nossa identidade de pessoas de fé”, porque “a própria fé é uma relação, um encontro”. Ou seja, ela nasce “sob o impulso do amor de Deus”, que, por sua vez, leva a pessoa a “comunicar, acolher e compreender o dom do outro e corresponder-lhe”.
Complementaridade
A partir dessa evolução metafórica da rede à comunidade e da comunidade ao corpo, o papa restabelece a complementaridade entre “redes e ruas” do ponto de vista das relações humanas. E o faz ressaltando, “também na rede e através da rede, o caráter interpessoal da nossa humanidade”.
“A imagem do corpo e dos membros recorda-nos que o uso da social web é complementar do encontro em carne e osso, vivido através do corpo, do coração, dos olhos, da contemplação, da respiração do outro. Se a rede for usada como prolongamento ou expectativa de tal encontro, então ela não trai a si mesma e permanece como um recurso para a comunhão”, afirma Francisco.
Essa complementaridade não está dada de antemão, mas é uma construção pessoal, comunitária e social: em termos digitais, é um “net-work”, um trabalho em rede. Assim, a rede pode ser construída “não para capturar, mas para libertar, para preservar uma comunhão de pessoas livres”. Francisco explicita isso em 3 grandes “se”, revelando a liberdade humana diante de possibilidades em rede que demandam escolhas, decisão, discernimento:
“Se uma família usa a rede para estar mais conectada, para depois se encontrar à mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é um recurso. Se uma comunidade eclesial coordena a sua atividade através da rede, para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso. Se a rede é uma oportunidade para me aproximar de histórias e experiências de beleza ou de sofrimento fisicamente distantes de mim, para rezar juntos e, juntos, buscar o bem na descoberta daquilo que nos une, então é um recurso.”
As limitações do “uso”
Aqui, entretanto, reforça-se uma certa leitura utilitarista, instrumental e funcionalista das redes, pautada pelo “uso”. Isso permeia toda a mensagem (e até, se poderia dizer, o pensamento comunicacional da Igreja dos últimos tempos) e impede de perceber, efetivamente, as inter-relações complexas (a complementaridade, justamente) entre os fenômenos digitais e socioantropológicos mais amplos.
Pensar a rede apenas como “recurso do nosso tempo” e buscar promover um mero “uso positivo” dela não permitem compreender o ambiente digital em sua complexidade, pois a simplificam e a enquadram como um mero instrumento ou ferramenta à disposição da “comunidade humana”.
Se efetivamente podemos falar, como Francisco faz na mensagem, de um “ambiente medial” (a tradução oficial em português de Portugal enfraquece a expressão, ao dizer “ambiente dos mass-media”), que é “indistinguível da esfera da vida cotidiana”, as redes não podem ser vistas somente como algo ao nosso dispor, ao qual podemos “recorrer” (“recurso”) quando necessário. Trata-se de algo mais amplo, que nos envolve e nos transforma: uma ambiência (P. Gomes).
Os dispositivos digitais (em suas virtualidades e potencialidades, assim como em suas materialidades e tecnicidades) não podem ser vistos como meros utensílios a serviço do humano, porque o próprio humano se constitui – especialmente hoje e principalmente em relação à identidade, como afirma a mensagem –, em sua inter-relação com tais dispositivos. Os processos sociodigitais contemporâneos trazem consigo inclusive novas corporalidades e socialidades que geram mundos-espaço e mundos-tempo inéditos na história humana (D. Holmes).
Existe um arriscado hábito, especialmente na reflexão eclesial, de pensar que a influência da tecnologia na vida humana seja somente um problema no “modo de usar” (R. Marchesini). Ao contrário, a tecnologia não é uma “escrava” a serviço do humano, mas é “teleonômica”, ou seja, ressignifica e modifica o próprio humano. Como afirma T. Lenoir, as linguagens, as mídias e as tecnologias podem ser consideradas como “espécies companheiras que dependem de nós, mas também nos moldam poderosamente através de uma espiral coevolutiva”.
No caso do ambiente digital, portanto, as redes não são apenas “fruto” das relações humanas, mas também geram e fomentam relações humanas características da contemporaneidade, que, nesse sentido, também são “fruto” da digitalização. Segundo M. Castells, a cultura digital faz surgir “novas formas de relação social, que são fruto de uma série de mudanças históricas, mas que não poderiam desenvolver-se sem a internet”. Bento XVI já alertava para isso na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2013: “As redes sociais são o fruto da interação humana, mas, por sua vez, dão formas novas às dinâmicas da comunicação que cria relações”. Portanto, é essa complexificação e hibridização humano-digital que merece atenção, na indeterminação e imprevisibilidade de tais processos.
“Que as redes se transformem em comunidade”
As redes, neste período histórico, estão em profunda inter-relação com a construção de comunidades e com a constituição de um corpo. Rede, comunidade e corpo, hoje, para além das metáforas, se inter-relacionam em um mesmo “multiprocesso retroativo” (E. Morin), em que não há corpo sem relações comunitárias, nem comunidade sem comunicação em rede (seja ela digital ou não).
O mais importante, em termos eclesiais, não é tanto “como” construir relações em rede no ambiente digital – dominar estratégias, linguagens, técnicas, tecnologias. Mas sim “por que”, “para que” e “com quem” construir tais relações.
Uma possibilidade de resposta foi oferecida por Francisco na carta dirigida aos bispos do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam), por ocasião do jubileu de 300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida e da celebração dos 10 anos da Conferência de Aparecida.
“Na história de Aparecida (...) Maria aparece onde os pescadores lançam as redes (...) As redes não se encheram de peixes, transformaram-se em comunidade.”
E em outra carta, enviada aos jovens brasileiros no encerramento do projeto “Rota 300”, por ocasião do mesmo jubileu, o papa retomou a mesma reflexão e completou:
“Convido a que vocês também deixem que seus corações sejam transformados pelo encontro com Nossa Mãe Aparecida. Que Ela transforme as ‘redes’ da vida de vocês – redes de amigos, redes sociais, redes materiais e virtuais –, realidades que tantas vezes se encontram dividas, em algo mais significativo: que se convertam numa comunidade! Comunidades missionárias ‘em saída’! Comunidades que são luz e fermento de uma sociedade mais justa e fraterna. Assim integrados nas suas comunidades, não tenham medo de arriscar-se e comprometer-se na construção de uma nova sociedade, permeando com a força do Evangelho os ambientes sociais, políticos, econômicos e universitários!”
Este é o maior desafio: construir um corpo eclesial que não se baseie apenas em “curtidas”, como afirma Francisco, mas sim em um “amém” manifestado com o testemunho de uma vida cristã, especialmente “acolhendo os outros” – nas várias redes das quais fazemos parte.
Moisés Sbardelotto
É jornalista. Mestre e doutor em Ciências da Comunicação, autor dos livros“E o Verbo se fez rede: religiosidades em reconstrução no ambiente digital”(Paulinas, 2017) e “E o Verbo se fez bit: a comunicação e a experiência religiosas na internet” (Santuário, 2012).
Nas redes não se dorme nem se descansa. Há sempre quem fale, quem comente, quem ponha like ou not like. Os likes desdobraram-se em semi-emoções que são tudo menos isso. Alegria, amor, tristeza ou raiva. Tudo se divide nestas quatro categorias. O que não couber em nenhuma delas, não existe. É nesta espiral que voamos sem sair do mesmo sítio. São voos de quem perdeu, há muito, as asas e a noção. Parecemos pássaros que confundem o brilho de uma janela com a liberdade verdadeira. Parecemos dotados de uma teimosia que nos faz bater, constantemente, contra um vidro.
Nas redes não se dorme nem se descansa. Há sempre novas polêmicas, dilemas ou debates sustentados por uma ciência bastante conhecida e aclamada: o senso comum. Ou a falta dele. As vozes que se acendem do lado de lá do ecrã são sábias. Donas de uma verdade incontestável e fortalecida pela falta de coragem. Pela falta de argumentos sérios e válidos. Pela falta de compaixão. De atenção. De compreensão. Toda a gente parece ter-se especializado e pós-graduado em todo e qualquer assunto. Nas redes, tudo se sabe. Tudo se controla. Tudo pertence a todos.
Nas redes não se dorme nem se descansa. Perturba-me a facilidade com que se insulta, enxovalha e humilha. Quem seremos os que estão atrás do ecrã e do teclado? Serão apenas os outros ou serei, também, eu? Que direito tenho de julgar o que não conheço e de opinar sobre livros e histórias que não conheço para além da capa? Quem sou eu para falar de liberdade de expressão se a uso para expressar veneno, ódio e fel?
Já vai sendo tempo de apagar a luz às redes. O que está aceso, meus amigos, não é bom. Faz mal. Faz ferida e é muito, muito feio.
Já vai sendo tempo de construir redes que valham a pena e que nos sustentem com palavras boas e livres de rancores.
Já vai sendo tempo de ter mais coragem para ficar mais vezes calado. Para falar apenas do que se sabe. Para ver, apenas, o que lá está.
Já vai sendo tempo de usar o coração como trampolim para sair deste emaranhado. São redes muito pouco sociais, estas… Saltamos?
Marta Arrais
Excetuando talvez os eremitas, quase todos usam hoje algum tipo de redes sociais. O Facebook, Instagram, Twitter, Snapchat, LinkedIn e outras plataformas são meios para estar em contato com família e amigos, fazer novas amizades e aprender e dar a aprender algo de novo. São também apropriados para fazer chegar o Evangelho a muitas pessoas em todo o mundo.
Todavia nem sempre têm impacto positivo na nossa vida. Sabemos todos o que se sente quando as redes sociais, ou melhor, pessoas que as utilizam, nos fazem enlouquecer. Se permitirmos às redes sociais que nos controlem, podem influir negativamente em nós a nível espiritual e emotivo. Por isso é importante proteger o nosso coração, refletir e estar atento à vida “online”.
Eis algumas sugestões que nos podem ajudar a usufruir das redes sociais, mas também a encontrar maior equilíbrio e paz na nossa vida na internet.
1. Não seguir pessoas enraivecidas
Não encha a cabeça com postagens e comentários de pessoas que atacam outras, que são pessimistas, provocadoras, enraivecidas ou que tendem a dividir, ou cujos pontos de vista não têm compaixão, cambiantes ou reflexões.
2. Decidir seguir pessoas santas e inspiradoras
Siga as pessoas cujas publicações revelam regularmente os frutos do Espírito Santo: caridade, alegria, paz, paciência, gentileza, bondade, generosidade, fidelidade, modéstia, autocontrole e castidade. Procure pedir sempre inspiração e orientação do Espírito Santo na ação na internet.
3. Desligue-se quando for necessário
Quando sentir que a sua frequência cardíaca aumenta em demasia, desligue-se e pondere deixar de seguir as pessoas cujas postagens o fazem sentir desolação, raiva, desespero ou ansiedade supérflua.
4. Antes de responder a alguém que o deixou zangado, aguarde pelo menos um momento, ainda melhor uma hora ou um dia
Se sentir a necessidade de responder imediatamente, levante-se e dê uma volta, respire lentamente dez vezes e peça ao Espírito Santo para inspirar a resposta.
5. Todos erramos
Quando responder a alguém com raiva em excesso, peça desculpa, confesse-se e faça tudo o que for possível para voltar à normalidade, mas não pense continuamente na situação e não a faça reviver na sua mente. Não serve de nada. Afaste-se alguns dias das redes sociais, e no regresso evite as pessoas e páginas que são uma tentação para o pecado.
6. Fazer pausas
Programe longas pausas das redes sociais. Não só um fim de semana ou alguns dias, mas pelo menos uma semana pelo menos uma vez por ano. Equacione também fazer pequena paragens ao longo do dia. Escolha a cada dia momentos de “blackout”, quer seja bem cedo pela manhã ou antes de ir dormir. Esforce-se verdadeiramente para cumprir esses momentos e verá que lhe darão paz e criatividade, ajudando também as suas relações na vida real.
7. Por vezes é melhor bloquear sem procurar compreender o que está a acontecer
Não imagine o contexto em que alguém disse alguma coisa, na tentativa de discutir com a pessoa ou dar um sentido a um comportamento abusivo. Na maior parte das vezes não sabemos por que é que alguém faz ou diz alguma coisa de inapropriado na internet. Por vezes o melhor é ignorar, bloquear sem procurar compreender o que está a acontecer.
8. Controle o tempo passado “online”
Cada vez mais estudos sublinham como as redes sociais provocam dependências. Por isso não podemos confiar sempre na nossa autodisciplina para desligar. Aplicações como Stay Focused, Freedom e outras podem não só registar o tempo passado “online”, mas também evitar voltar a ligar quando o nosso tempo acabou. Estas “apps” são um bom investimento se notar um comportamento dependente na utilização das redes sociais.
9. Confie no instinto
Se receber uma mensagem, um pedido de amizade ou um comentário estranho, confie no seu instinto. Quando sentir que não deve responder, não o faça. Não tem o dever de interagir com qualquer pessoa que o queira fazer consigo. O silêncio é o seu melhor amigo “online”. Diga uma oração por essa pessoa e siga adiante.
10. Em primeiro lugar está a saúde
Peça ajuda a Deus para usar as redes sociais de uma maneira que o ajude a tornar-se mais santo. Antes de publicar alguma coisa, pergunte-se: «É isto que Deus quer que eu seja? É assim que Deus quer que eu aja?». Se a resposta é negativa, elimine o que está para posta e continue o seu dia.
As redes sociais são um dom de Deus, mas devemos usá-la de uma maneira positiva a nível emotivo e espiritual, ao mesmo tempo que nos conduzam à santidade.
O papa Francisco escreveu que as redes sociais «podem ser formas de comunicação plenamente humanas. Não é a tecnologia que determina se a comunicação é autêntica ou não, mas o coração do ser humano e a sua capacidade de usar bem os meios à sua disposição».
Página 1 de 2