Como sabeis, nos dias passados realizei a viagem apostólica à Colômbia. De todo o coração dou graças ao Senhor por este grande dom; e desejo renovar a expressão do meu reconhecimento ao Senhor Presidente da República, que me recebeu com tanta cortesia, aos Bispos colombianos que muito trabalharam — para preparar esta visita, assim como às Autoridades do país, e a quantos colaboraram com a realização desta visita. Transmito um agradecimento especial ao povo colombiano que me acolheu com muito afeto e tanta alegria! Um povo jubiloso entre os muitos sofrimentos, mas alegre; um povo com esperança. Um dos aspetos que mais me impressionaram em todas as cidades, no meio da multidão, foram os pais e as mães com os filhos, que os erguiam para que o Papa os abençoasse, mas também com orgulho mostravam os próprios filhos como se dissessem: “Este é o nosso orgulho! Esta é a nossa esperança”. Pensei: um povo capaz de ter filhos e de os mostrar com orgulho, como esperança: este povo tem futuro. Gostei muito disto.
De modo particular nesta viagem senti a continuidade com os dois Papas que antes de mim visitaram a Colômbia: o beato Paulo VI, em 1968, e São João Paulo II, em 1986. Uma continuidade fortemente animada pelo Espírito, que guia os passos do povo de Deus nos caminhos da história.
O lema da viagem foi “Demos el primer paso”, isto é, “Demos o primeiro passo”, referido ao processo de reconciliação que a Colômbia vive para sair de meio século de conflito interno, que semeou sofrimentos e inimizades, causando tantas feridas, difíceis de cicatrizar. Mas com a ajuda de Deus o caminho já começou. Com a minha visita quis abençoar o esforço daquele povo, confirmá-lo na fé e na esperança, e receber o seu testemunho, que é uma riqueza para o meu ministério e para toda a Igreja. O testemunho deste povo é uma riqueza para toda a Igreja.
A Colômbia — como a maior parte das nações latino-americanas — é um país no qual as raízes cristãs são fortíssimas. E se este facto torna ainda mais aguda a dor pela tragédia da guerra que o dilacerou, ao mesmo tempo constitui a garantia da paz, o firme fundamento da sua reconstrução, a linfa da sua esperança invencível. É evidente que o maligno quis dividir o povo para destruir a obra de Deus, mas também é evidente que o amor de Cristo, a sua infinita Misericórdia é mais forte do que o pecado e a morte.
Esta viagem levou a bênção de Cristo, a bênção da Igreja ao desejo de vida e de paz que transborda do coração daquela nação: pude observar isto nos olhos dos milhares e milhares de crianças, adolescentes e jovens que encheram a praça de Bogotá e que encontrei em toda parte; aquela força de vida que também a própria natureza proclama com a sua exuberância e a sua biodiversidade. A Colômbia é o segundo país do mundo pela biodiversidade. Em Bogotá pude encontrar-me com os Bispos do país e também com o Comitê Diretivo da Conferência Episcopal Latino-americana. Dou graças a Deus por os ter podido abraçar e lhes ter dado o meu encorajamento pastoral, para a sua missão ao serviço da Igreja, sacramento de Cristo nossa paz e nossa esperança.
O dia dedicado de modo particular ao tema da reconciliação, momento culminante de toda a viagem, foi realizado em Villavicencio. Na parte da manhã houve a grande celebração eucarística, com a beatificação dos mártires Jesús Emilio Jaramillo Monsalve, bispo, e Pedro María Ramírez Ramos, sacerdote; à tarde, a especial Liturgia de Reconciliação, simbolicamente orientada para o Cristo de Bocayá, sem braços nem pernas, mutilado como o seu povo.
A beatificação dos dois mártires recordou plasticamente que a paz se funda também e talvez sobretudo, no sangue de tantas testemunhas do amor, da verdade, da justiça, e de mártires verdadeiros, assassinados pela fé, como os dois que acabei de citar. Ouvir as suas biografias foi comovedor até às lágrimas: lágrimas de dor e de alegria ao mesmo tempo. Diante das relíquias e das suas imagens, o santo povo fiel de Deus sentiu com força a própria identidade, com dor, pensando nas muitas, demasiadas vítimas, e com alegria, pela misericórdia de Deus que se estende sobre os que o temem (cf. Lc 1, 50).
«Misericórdia e verdade encontrar-se-ão, / justiça e paz beijar-se-ão» (Sl 85, 11), escutamos no início. Este versículo do salmo contém a profecia do que aconteceu deveras na última sexta-feira na Colômbia; a profecia e a graça de Deus por aquele povo ferido, a fim de que possa ressurgir e caminhar numa vida nova. Vimos estas palavras proféticas cheias de graça encarnadas nas histórias das testemunhas, que falaram em nome de muitos e muitos que, a partir das suas feridas, com a graça de Cristo, saíram de si mesmos e abriram-se ao encontro, ao perdão, à reconciliação.
Em Medellín a perspectiva foi a da vida cristã como discipulado: a vocação e a missão. Quando os cristãos se esforçam até ao fim no caminho do seguimento de Jesus Cristo, tornam-se deveras sal, luz e fermento no mundo, e veem-se frutos abundantes. Um destes frutos são os Hogares, isto é as casas onde crianças e adolescentes feridos pela vida podem encontrar uma nova família na qual são amados, acolhidos, protegidos e acompanhados. Outros frutos, abundantes como cachos, são as vocações à vida sacerdotal e consagrada, que pude abençoar e encorajar com alegria num encontro inesquecível com os consagrados e os seus familiares.
Por fim, em Cartagena, a cidade de São Pedro Claver, apóstolo dos escravos, o “focus” foi sobre a promoção da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. São Pedro Claver, e também mais recentemente santa Maria Bernarda Bütler, deram a vida pelos mais pobres e marginalizados, mostrando assim a via da verdadeira revolução, a evangélica, não ideológica, que liberta deveras as pessoas e as sociedades das escravidões de ontem e, infelizmente, também de hoje. Neste sentido, “dar o primeiro passo” — o lema da viagem — significa aproximar-se, inclinar-se, tocar a carne do irmão ferido e abandonado. E fazê-lo com Cristo, o Senhor que se tornou escravo por nós. Graças a Ele há esperança, porque Ele é a misericórdia e a paz.
Novamente confio a Colômbia e o seu amado povo à Mãe, Nossa Senhora de Chiquinquirá, que pude venerar na catedral de Bogotá. Com a ajuda de Maria, cada colombiano todos os dias possa dar o primeiro passo em direção do irmão e da irmã, e assim construir juntos, dia após dia, a paz no amor, na justiça e na verdade.
Papa Francisco
Catequese da Audiência Geral 15.09.2017
imagem: site do Vaticano
Hoje gostaria de voltar a falar sobre um tema importante: a relação entre a esperança e a memória, com particular referência à memória da vocação. E tomo como ícone o chamado dos primeiros discípulos de Jesus. Esta experiência permaneceu tão impressa na sua memória que um deles até registou a hora: «Eram cerca das quatro da tarde» (Jo 1, 39), O evangelista João narra o episódio como uma recordação nítida de juventude, que permaneceu intacta na sua memória de idoso: porque João escreveu isto quando já era idoso.
O encontrou deu-se perto do rio Jordão, onde João Batista batizava; e aqueles jovens galileus tinham escolhido o Batista como guia espiritual. Um dia veio Jesus, e fez-se batizar no rio. No dia seguinte passou novamente e então o Batizador — isto é, João o Batista — disse a dois dos seus discípulos: «Eis o cordeiro de Deus!» (v. 36).
E para aqueles dois foi a “centelha”. Deixam o seu primeiro mestre e põem-se no seguimento de Jesus. No caminho, Ele volta-se para eles e formula a pergunta decisiva: «O que procurais?» (v. 38). Jesus aparece nos Evangelhos como um perito do coração humano. Naquele momento encontrara dois jovens em busca, sadiamente inquietos. Com efeito, não há uma juventude satisfeita, sem uma pergunta acerca do sentido? Os jovens que nada procuram não são jovens, estão na reforma, envelheceram antes do tempo. É triste ver jovens aposentados... E Jesus, no Evangelho inteiro, em todos os encontros que lhe aconteceram ao longo da estrada, aparece como um “incendiário” de corações. Eis aquela sua pergunta que procura fazer emergir o desejo de vida e de felicidade que cada jovem tem dentro: “o que buscas?”. Também eu hoje gostaria de perguntar aos jovens presentes na praça e aos que ouvem através dos meios de comunicação: “Tu, que és jovem, o que procuras? O que buscas no teu coração?”.
A vocação de João e de André começa assim: é o início de uma amizade com Jesus tão forte que impõe uma comunhão de vida e de paixões com Ele. Os dois discípulos começam a ficar com Jesus e de repente se transformam em missionários, porque quando acaba o encontro não voltam tranquilos para casa: de maneira que os seus respetivos irmãos — Simão e Tiago — logo são envolvidos no seguimento. Foram ter com eles e disseram: “Encontramos o Messias, encontramos um grande profeta”: dão a notícia. São missionários daquele encontro. Foi um encontro tão comovedor, tão feliz que os discípulos recordarão para sempre aquele dia que iluminou e orientou a sua juventude.
Como se descobre a própria vocação neste mundo? Ela pode ser descoberta de muitos modos, mas esta página do Evangelho diz-nos que o primeiro indicador é a alegria do encontro com Jesus. Matrimônio, vida consagrada, sacerdócio: cada vocação verdadeira tem início com um encontro com Jesus que nos oferece uma alegria e uma esperança nova; e nos conduz inclusive através de provações e dificuldades, a um encontro cada vez mais pleno, que cresce, torna-se maior, o encontro com Ele e a plenitude de alegria.
O Senhor não quer homens e mulheres que caminham atrás d’Ele de má vontade, sem ter no coração o vento da alegria. A vós, que estais na praça, pergunto — cada um responda a si mesmo — tendes o vento da alegria no coração? Cada um se questione: “Tenho dentro de mim, no coração, o vento da alegria?”. Jesus quer pessoas que sentiram o fato de que estar com Ele provoca uma felicidade imensa, que se pode renovar todos os dias da vida. Um discípulo do Reino de Deus que não é alegre não evangeliza este mundo, é alguém triste. Não nos tornamos pregadores de Jesus afinando as armas da retórica: podes falar, falar, falar mas se não tens algo... Como se tornar pregadores de Jesus? — Conservando nos olhos o brilho da felicidade verdadeira. Vemos muitos cristãos, até no meio de nós, que com os olhos nos transmitem a alegria da fé: com os olhos!
Por este motivo o cristão — assim como a Virgem Maria — conserva a chama do seu amor: apaixonados por Jesus. Certamente, há provações na vida, momentos em que é preciso ir em frente não obstante o frio e os ventos contrários, apesar de tantas amarguras. Contudo os cristãos conhecem a estrada que conduz àquele fogo sagrado que os acendeu de uma vez para sempre.
Mas por favor, recomendo: não nos deixemos levar por pessoas desiludidas e infelizes; não escutemos quem aconselha cinicamente não cultivar esperanças na vida; não confiemos em quem abafa o surgir de qualquer entusiasmo, dizendo que empreendimento algum vale o sacrifício de uma vida inteira; não escutemos os “velhos” de coração que sufocam a euforia juvenil. Vamos ter com velhos que têm os olhos brilhantes de esperança! Cultivemos utopias sadias: Deus quer que sejamos capazes de sonhar como Ele e com Ele, enquanto caminhamos muito atentos à realidade. Sonhar um mundo diferente. E se um sonho se apaga, voltar a sonhá-lo de novo, sorvendo com esperança da memória das origens, aquelas brasas, que talvez depois de uma vida não tão boa, se esconderam sob as cinzas do primeiro encontro com Jesus.
Portanto, eis uma dinâmica fundamental da vida cristã: recordar-se de Jesus. Paulo dizia ao seu discípulo: «Recorda-te de Jesus Cristo» (2 Tm 2, 8); este é o conselho do grande São Paulo: «Recorda-te de Jesus Cristo». Recordar-se de Jesus, do fogo de amor com o qual um dia concebemos a nossa vida como um projeto de bem, e com esta chama reavivar a nossa esperança.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral de 30.08.2017
Ouvimos a Palavra de Deus no livro do Apocalipse: «Eis que eu renovo todas as coisas» (21, 5). A esperança cristã baseia-se na fé em Deus que cria sempre novidades na vida do homem, cria novidades na história, cria novidades no cosmos. O nosso Deus é o Deus que cria novidades, porque é o Deus das surpresas.
Não é cristão caminhar cabisbaixo — como os porcos: eles caminham sempre assim — sem erguer os olhos rumo ao horizonte. Como se todo o nosso caminho acabasse aqui, no arco de poucos metros de viagem; como se na nossa vida não houvesse meta alguma, nenhum ponto de chegada, como se nós fôssemos obrigados a um perambular eterno, sem qualquer razão para todos os nossos cansaços. Isto não é cristão.
As páginas finais da Bíblia mostram-nos o derradeiro horizonte do caminho do crente: a Jerusalém do Céu, a Jerusalém celeste. Ela é imaginada antes de tudo como um imenso tabernáculo, onde Deus acolherá todos os homens para habitar definitivamente com eles (cf. Ap 21, 3). Esta é a nossa esperança. E o que fará Deus quando, finalmente, estivermos com Ele? Terá uma ternura infinita por nós, como um pai ao receber os seus filhos que se cansaram e sofreram prolongadamente. No Apocalipse, João profetiza: «Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens! [...Ele] enxugará todas as lágrimas de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição [...] Eis que eu renovo todas as coisas!» (21, 3-5). O Deus na novidade!
Procurai meditar sobre este trecho da Sagrada Escritura, não de maneira abstrata, mas depois de ter lido uma crônica dos nossos dias, depois de ter visto o telejornal ou a primeira página dos jornais, onde há muitas tragédias, onde se anunciam notícias tristes às quais todos nós corremos o risco de nos habituarmos. Saudei algumas pessoas de Barcelona: quantas notícias tristes vêm dali! Saudei algumas pessoas do Congo, e quantas notícias tristes chegam de lá! E muitas outras! Para mencionar apenas dois países, de vós que estais aqui... Procurai pensar no rosto das crianças apavoradas pela guerra, no pranto das mães, nos sonhos interrompidos de tantos jovens, nos refugiados que enfrentam viagens terríveis e muitas vezes são explorados... Infelizmente, a vida é também isto. Por vezes diríamos que é sobretudo isto.
Talvez. Mas há um Pai que chora conosco; existe um Pai que verte lágrimas de piedade infinita pelos seus filhos. Temos um Pai que sabe chorar, que chora conosco. Um Pai que nos espera para nos consolar, porque conhece os nossos sofrimentos e preparou para nós um futuro diverso. Esta é a grandiosa visão da esperança cristã, que se dilata ao longo de todos os dias da nossa existência e deseja consolar-nos.
Deus não quis a nossa vida por engano, obrigando-se a si mesmo e a nós a duras noites de angústia. Ao contrário, criou-nos porque nos quer felizes. É o nosso Pai, e se nós aqui e agora experimentamos uma vida diversa daquela que Ele desejou para nós, Jesus garante-nos que o próprio Deus realiza o seu resgate. Ele trabalha para nos resgatar.
Acreditamos e sabemos que a morte e o ódio não são as últimas palavras pronunciadas sobre a parábola da existência humana. Ser cristão implica uma nova perspetiva: um olhar cheio de esperança. Alguns julgam que a vida encerra todas as suas felicidades na juventude e no passado, e que o viver é uma lenta decadência. Outros ainda acham que as nossas alegrias são apenas episódicas e passageiras, e que na vida dos homens está inscrita a insensatez. Há aqueles que, diante de tantas calamidades, dizem: “Mas a vida não tem sentido. O nosso caminho é a insensatez”. Mas nós cristãos não acreditamos nisto. Ao contrário, cremos que no horizonte do homem existe um sol que ilumina para sempre. Acreditamos que os nossos dias mais bonitos ainda devem chegar. Somos pessoas mais de primavera do que de outono. Gostaria de perguntar agora — cada qual responda no seu coração, em silêncio, mas responda — “Sou um homem, uma mulher, um jovem, uma jovem de primavera ou de outono? A minha alma está na primavera ou no outono?”. Cada um responda a si mesmo. Vislumbramos os rebentos de um mundo novo, em vez de folhas amareladas nos ramos. Não nos embalemos em nostalgias, arrependimentos e lamentações: sabemos que Deus nos quer herdeiros de uma promessa e incansáveis cultivadores de sonhos. Não vos esqueçais daquela pergunta: “Sou uma pessoa de primavera ou de outono?”. De primavera, que espera a flor, que aguarda o fruto, que se põe à espera do sol que é Jesus, ou de outono, sempre cabisbaixo, amargurado e, como às vezes eu disse, com a cara de pimenta avinagrada.
O cristão sabe que o Reino de Deus, o seu Senhorio de amor continua a crescer como um grande campo de trigo, não obstante no meio haja o joio. Há sempre problemas, bisbilhotices, guerras, enfermidades... existem problemáticas. Mas o trigo cresce, e no final o mal será eliminado. O futuro não nos pertence, mas sabemos que Jesus Cristo é a maior graça da vida: é o abraço de Deus que nos espera no fim, mas que já agora nos acompanha e nos consola ao longo do caminho. Ele leva-nos ao grande “tabernáculo” de Deus com os homens (cf. Ap 21, 3), com muitos outros irmãos e irmãs, levaremos a Deus a recordação dos dias vividos aqui na terra. E naquele instante será bom descobrir que nada se perdeu, nenhum sorriso e nenhuma lágrima. Por mais longa que a nossa vida tiver sido, teremos a impressão de ter vivido num sopro. E que a criação não acabou no sexto dia do Gênesis, mas continuou sem se cansar, porque Deus sempre se preocupou conosco. Até ao dia em que tudo se completar, na manhã em que se extinguirem as lágrimas, no próprio instante em que Deus pronunciar a sua última palavra de bênção: «Eis — diz o Senhor — que eu renovo todas as coisas!» (v. 5). Sim, o nosso Pai é o Deus das novidades e das surpresas. E naquele dia nós seremos verdadeiramente felizes, e choraremos. Sim, mas choraremos de alegria!
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 24.08.2017
Ouvimos a reação dos comensais de Simão, o fariseu: «Quem é este homem que até perdoa os pecados?» (Lc 7, 49). Jesus acabou de fazer um gesto escandaloso. Uma mulher da cidade, que todos conheciam como uma pecadora, entrou na casa de Simão, inclinou-se aos pés de Jesus e derramou sobre os seus pés o óleo perfumado. Todos aqueles que estavam ali à mesa murmuravam: se Jesus é um profeta, não deveria aceitar gestos deste tipo de uma mulher como aquela. Estas mulheres, desventuradas, que só serviam para ser encontradas às escondidas, inclusive pelos chefes, ou para ser lapidadas. Segundo a mentalidade dessa época, entre o santo e o pecador, entre o puro e o impuro, a separação devia ser clara.
Mas a atitude de Jesus é diferente. Desde o início do seu ministério na Galileia, Ele aproxima-se dos leprosos, dos endemoninhados, de todos os doentes e dos marginalizados. Um comportamento deste tipo não era nada habitual, a ponto que esta simpatia de Jesus pelos excluídos, pelos “intocáveis”, será uma das atitudes que mais desconcertarão os seus contemporâneos. Onde há uma pessoa que sofre, Jesus cuida dela e aquele sofrimento torna-se seu. Jesus não apregoa que a condição de pena deve ser suportada com heroísmo, à maneira dos filósofos estoicos. Jesus compartilha a dor humana, e quando se depara com ela, do seu íntimo irrompe aquela atitude que caracteriza o cristianismo: a misericórdia. Diante da dor humana, Jesus sente misericórdia; o coração de Jesus é misericordioso. Jesus experimenta compaixão. Literalmente: Jesus sente tremer as suas entranhas. Quantas vezes nos Evangelhos encontramos reações deste género. O coração de Cristo encarna e revela o coração de Deus, e onde há um homem ou uma mulher que sofre, Ele quer a sua cura, a sua libertação, a sua vida plena.
É por isso que Jesus abre de par em par os braços aos pecadores. Quanta gente perdura ainda hoje numa vida errada, porque não encontra ninguém disposto a olhar para ele ou para ela de modo diverso, com os olhos, melhor, com o coração de Deus, ou seja, olhar para eles com esperança. Jesus, ao contrário, vê uma possibilidade de ressurreição até em quantos acumularam muitas escolhas equivocadas. Jesus está sempre ali, com o coração aberto; escancara aquela misericórdia que tem no coração; perdoa, abraça, compreende, aproxima-se: Jesus é assim!
Às vezes esquecemos que para Jesus não se tratou de um amor fácil, barato. Os Evangelhos frisam as primeiras reações negativas em relação a Jesus, precisamente quando Ele perdoa os pecados de um homem (cf. Mc 2, 1-12). Era um homem que sofria duplamente: porque não podia caminhar e porque se sentia “errado”. E Jesus entende que a segunda dor é maior do que a primeira, a ponto que o recebe imediatamente com um anúncio de libertação: «Filho, os teus pecados te são perdoados!» (v. 5). Liberta-o daquela sensação de opressão de se sentir errado. Então, alguns escribas — aqueles que se julgam perfeitos: penso em tantos católicos que se consideram perfeitos e desprezam os outros... isto é triste... — alguns escribas ali presentes escandalizam-se com aquelas palavras de Jesus, que soam como uma blasfémia, porque somente Deus pode perdoar os pecados.
Nós que estamos habituados a experimentar o perdão dos pecados, talvez “a um preço muito baixo”, deveríamos recordar-nos de vez em quando de quanto custamos ao amor de Deus. Cada um de nós custou bastante: a vida de Jesus! Ele tê-la-ia dado até por um só de nós. Jesus não vai para a cruz porque cura os enfermos, porque prega a caridade, porque proclama as bem-aventuranças. O Filho de Deus vai para a cruz sobretudo porque perdoa os pecados, porque quer a libertação total e definitiva do coração do homem. Porque não aceita que o ser humano consuma toda a sua existência com esta “tatuagem” indelével, com o pensamento de não poder ser recebido pelo coração misericordioso de Deus. E com estes sentimentos Jesus vai ao encontro dos pecadores, que somos todos nós.
Assim os pecadores são perdoados. Não só tranquilizados a nível psicológico, porque libertados do sentido de culpa. Jesus faz muito mais: oferece às pessoas que erraram, a esperança de uma vida nova. “Mas Senhor, eu sou um miserável” — “Olha para a frente e Eu dou-te um coração novo”. Esta é a esperança que Jesus nos oferece. Uma vida marcada pelo amor. Mateus, o publicano, torna-se apóstolo de Cristo: Mateus, que é um traidor da pátria, um explorador do povo. Zaqueu, rico corrupto — ele certamente tinha um diploma em suborno — de Jericó, transforma-se num benfeitor dos pobres. A mulher da Samaria, que teve cinco maridos e agora convive com outro, ouve a promessa da “água viva” que poderá jorrar para sempre dentro dela (cf. Jo 4, 14). Deste modo Jesus muda o coração; faz assim com todos nós.
É bom pensar que Deus não escolheu como primeira massa, para formar a sua Igreja, pessoas que nunca erravam. A Igreja é um povo de pecadores que experimentam a misericórdia e o perdão de Deus. Pedro entendeu mais verdades sobre si mesmo ao canto do galo, do que dos seus impulsos de generosidade, que lhe enchiam o peito, levando-o a sentir-se superior em relação aos outros.
Irmãos e irmãs, todos nós somos pobres pecadores, necessitados da misericórdia de Deus, que tem a força de nos transformar e restituir esperança, e isto todos os dias. E fá-lo! E às pessoas que entenderam esta verdade basilar, Deus confia a missão mais bonita do mundo, ou seja, o amor aos irmãos e às irmãs, e o anúncio de uma misericórdia que Ele não nega a ninguém. E esta é a nossa esperança. Vamos em frente com esta confiança no perdão, no amor misericordioso de Jesus.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 09.08.2017
Outrora as igrejas orientavam-se para o leste. Entrava-se no edifício sagrado por uma porta aberta para o ocidente e, caminhando pela nave, dirigia-se rumo ao oriente. Era um símbolo importante para o homem antigo, uma alegoria que ao longo da história decaiu progressivamente. Nós, homens da época moderna, muito menos habituados a captar os grandes sinais do cosmos, quase nunca nos damos conta de um pormenor deste tipo. O ocidente é o ponto cardeal do pôr do sol, onde a luz desfalece. O oriente, ao contrário, é o lugar onde as trevas são vencidas pela primeira luz da aurora, evocando-nos Cristo, Sol que surgiu do alto no horizonte do mundo (cf. Lc 1, 78).
Os antigos ritos do Batismo previam que os catecúmenos emitissem a primeira parte da sua profissão de fé, com o olhar voltado para o ocidente. E naquela postura, eram interrogados: “Renunciais a Satanás, ao seu serviço e às suas obras?” — E os futuros cristãos repetiam em coro: “Renuncio!”. Depois, iam rumo à abside, na direção do oriente, onde nasce a luz, e os candidatos ao Batismo eram novamente interrogados: “Acreditais em Deus Pai, Filho e Espírito Santo?”. E desta vez, respondiam: “Creio!”.
Nos tempos modernos perdeu-se parcialmente o fascínio deste rito: perdemos a sensibilidade à linguagem do cosmos. Naturalmente, permaneceu-nos a profissão de fé, feita segundo a interrogação batismal, que é própria da celebração de alguns sacramentos. Contudo, ela conserva-se intacta no seu significado. O que quer dizer ser cristão? Significa olhar para a luz, continuar a fazer a profissão de fé na luz, enquanto o mundo estiver envolvido pela noite e pelas trevas.
Os cristãos não estão isentos das trevas, externas e inclusive internas. Não vivem fora do mundo, mas pela graça de Cristo, recebida no Batismo, são homens e mulheres “orientados”: não acreditam na escuridão, mas na luminosidade do dia; não sucumbem à noite, mas esperam na aurora; não são derrotados pela morte, mas anseiam por ressuscitar; não são vencidos pelo mal, porque confiam sempre nas possibilidades infinitas do bem. E esta é a nossa esperança cristã. A luz de Jesus, a salvação que nos traz Jesus com a sua luz que nos salva das trevas.
Nós somos aqueles que acreditam que Deus é Pai: esta é a luz! Não somos órfãos, temos um Pai, e o nosso Pai é Deus. Cremos que Jesus desceu ao meio de nós, caminhou na nossa própria vida, tornando-se companheiro sobretudo dos mais pobres e frágeis: esta é a luz! Cremos que o Espírito Santo age incessantemente para o bem da humanidade e do mundo, e até as maiores dores da história serão superadas: esta é a esperança que nos desperta todas as manhãs! Cremos que cada afeto, cada amizade, cada desejo bom, cada amor, até os mais ténues e descuidados, um dia encontrarão o seu cumprimento em Deus: esta é a força que nos leva a abraçar com entusiasmo a nossa vida de todos os dias! E esta é a nossa esperança: viver na esperança, na luz, na luz de Deus Pai, na luz de Jesus Salvador, na luz do Espírito Santo que nos impele a ir em frente na vida.
Além disso, há outro sinal muito bonito da liturgia batismal que nos recorda a importância da luz. No final do rit0, aos pais — se se trata de uma criança — ou ao próprio batizado — se for um adulto — é entregue uma vela, cuja chama se acende no círio pascal. Trata-se do grande círio que, na noite de Páscoa, entra na igreja completamente escura para manifestar o mistério da Ressurreição de Jesus; daquele círio todos acendem a própria candeia e transmitem a chama aos vizinhos: neste sinal está a lenta propagação da Ressurreição de Jesus na vida de todos os cristãos. A vida da Igreja — direi uma palavra um pouco forte — é contaminação de luz. Quanto mais luz de Jesus nós cristãos tivermos, quanto mais luz de Jesus houver na vida da Igreja, tanto mais ela será viva. A vida da Igreja é contaminação de luz.
A exortação mais bonita que podemos dirigir uns aos outros é a de nos recordarmos do nosso Batismo. Gostaria de vos perguntar: quantos de vós se recordam da data do seu Batismo? Não respondais, porque alguns terão vergonha! Pensai, e se não vos recordais, hoje tendes uma tarefa para fazer em casa: vai ter com a tua mãe, o teu pai, a tua tia, o teu tio, a tua avó, o teu avô e pergunta-lhes: “Qual é a data do meu Batismo?”. E não voltes a esquecê-la! Está claro? Fareis isto? O compromisso de hoje é aprender a recordar-se da data do Batismo, que é o dia do renascimento, é a data da luz, o dia em que — permiti-me esta palavra — fomos contaminados pela luz de Cristo. Nós nascemos duas vezes: a primeira, para a vida natural; a segunda, graças ao encontro com Cristo, na pia batismal. Ali morremos para a morte, a fim de vivermos como filhos de Deus neste mundo. Ali tornamo-nos humanos, como nunca o teríamos imaginado. Eis por que razão todos nós devemos propagar o perfume do Crisma, com o qual fomos marcados no dia do nosso Batismo. Em nós vive e age o Espírito de Jesus, primogénito de muitos irmãos, de todos aqueles que se opõem à inevitabilidade das trevas e da morte.
Como é grande a graça, quando um cristão se torna verdadeiramente um “cristo-foros”, ou seja, “portador de Jesus” no mundo! Sobretudo para aqueles que atravessam situações de luto, de desespero, de trevas e de ódio. E isto pode ser entendido a partir de muitos pequenos detalhes: da luz que o cristão conserva nos olhos, do fundo de serenidade que não é manchado nem sequer nos dias mais complicados, do desejo de recomeçar a amar, até quando experimentamos muitas desilusões. No futuro, quando for escrita a história dos nossos dias, o que se dirá de nós? Que fomos capazes de esperança, ou então que pusemos a nossa luz debaixo do alqueire? Se formos fiéis ao nosso Batismo, propagaremos a luz da esperança, o Batismo é o início da esperança, aquela esperança de Deus, e poderemos transmitir razões de vida às gerações vindouras.
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral de 2.08.2017
No dia do nosso Batismo ressoou para nós a invocação dos santos. Naquele momento, muitos de nós eram crianças, levados no colo dos pais. Pouco antes de fazer a unção com o Óleo dos catecúmenos, símbolo da força de Deus na luta contra o mal, o sacerdote convidou toda a assembleia a rezar por aqueles que estavam prestes a receber o Batismo, invocando a intercessão dos santos. Era a primeira vez que, durante a nossa vida, nos concediam esta companhia de irmãos e irmãs “mais velhos” — os santos — que passaram pelo nosso próprio caminho, que conheceram as nossas mesmas dificuldades e vivem para sempre no abraço de Deus. A Carta aos Hebreus define esta companhia que nos circunda, com a expressão «multidão de testemunhas» (12, 1). Assim são os santos: uma multidão de testemunhas.
Na luta contra o mal, os cristãos não se desesperam. O cristianismo cultiva uma confiança incurável: não acredita que as forças negativas e desagregadoras possam predominar. A última palavra sobre a história do homem não é o ódio, não é a morte, não é a guerra. Em cada momento da vida somos ajudados pela mão de Deus, e também pela presença discreta de todos os crentes que «nos precederam com o sinal da fé» (Cânone Romano). A sua existência diz-nos antes de tudo que a vida cristã não é um ideal inacessível. E ao mesmo tempo conforta-nos: não estamos sozinhos, a Igreja é composta por inúmeros irmãos, muitas vezes anónimos, que nos precederam e que mediante a ação do Espírito Santo participam nas vicissitudes de quantos ainda vivem aqui na terra.
A do Batismo não é a única invocação dos santos que marca o caminho da vida cristã. Quando dois noivos consagram o seu amor no sacramento do Matrimónio, invoca-se de novo para eles — desta vez como casal — a intercessão dos santos. E esta invocação é fonte de confiança para os dois jovens que partem para a “viagem” da vida conjugal. Quem ama verdadeiramente tem o desejo e a coragem de dizer “para sempre” — “para sempre” — mas sabe que tem a necessidade da graça de Cristo e da ajuda dos santos para poder levar a vida matrimonial para sempre. Não como alguns dizem: “enquanto o amor durar”. Não: para sempre! Caso contrário, é melhor que não te cases. Ou para sempre ou nada. Por isso, na liturgia nupcial invoca-se a presença dos santos. E nos momentos difíceis é preciso ter a coragem de elevar o olhar para o céu, pensando nos numerosos cristãos que passaram através das tribulações e conservaram brancas as suas vestes batismais, lavando-as no sangue do Cordeiro (cf. Ap 7, 14): assim reza o Livro do Apocalipse. Deus nunca nos abandona: cada vez que tivermos necessidade virá um dos seus anjos para nos animar e para nos infundir a consolação. “Anjos” às vezes com um rosto e um coração humanos, porque os santos de Deus estão sempre aqui, escondidos no meio de nós. Isto é difícil de entender e até de imaginar, mas os santos estão presentes na nossa vida. E quando alguém invoca um santo ou uma santa, é precisamente porque se encontra próximo de nós.
Inclusive os presbíteros conservam a recordação de uma invocação dos santos, pronunciada sobre eles. É um dos momentos mais emocionantes da liturgia da ordenação. Os candidatos deitam-se no chão, com o rosto virado para baixo. E toda a assembleia, presidida pelo Bispo, invoca a intercessão dos santos. Um homem ficaria esmagado sob o peso da missão que lhe é confiada, mas ouvindo que o Paraíso inteiro o protege, que a graça de Deus não faltará porque Jesus permanece sempre fiel, então ele pode partir sereno e encorajado. Não estamos sozinhos.
E o que somos nós? Somos pó que aspira ao céu. Frágeis nas nossas forças, mas é poderoso o mistério da graça que está presente na vida dos cristãos. Somos fiéis a esta terra, que Jesus amou em cada instante da sua vida, mas sabemos e queremos esperar na transfiguração do mundo, no seu cumprimento definitivo onde finalmente já não haverá lágrimas, maldade, sofrimento.
Que o Senhor conceda a todos nós a esperança de ser santos. Mas alguns de vós poderão perguntar-me: “Padre, é possível ser santo na vida de todos os dias?”. Sim, é possível. “Mas isto significa que devemos rezar o dia inteiro?” Não, quer dizer que tu deves cumprir o teu dever ao longo do dia: rezar, ir ao trabalho, proteger os teus filhos. Mas é preciso fazer tudo com o coração aberto a Deus, de modo que o trabalho, até na enfermidade e no sofrimento, inclusive no meio das dificuldades, permaneça aberto a Deus. E assim é possível ser santo. Que o Senhor nos dê a esperança de ser santos. Não pensemos que é algo difícil, que é mais fácil sermos delinquentes do que santos! Não. Podemos ser santos, porque o Senhor nos ajuda; é Ele que nos assiste.
É o grande presente que cada um de nós pode oferecer ao mundo. Que o Senhor nos conceda a graça de crer tão profundamente nele, a ponto de nos tornarmos imagem de Cristo para este mundo. A nossa história tem necessidade de “místicos”: de pessoas que rejeitam qualquer domínio, que aspiram à caridade e à fraternidade. Homens e mulheres que vivem, aceitando até um quinhão de sofrimento, porque assumem o cansaço do próximo. Mas sem estes homens e mulheres, o mundo não teria esperança. Por isso, faço votos a fim de que vós — e também eu — recebamos do Senhor o dom da esperança de sermos santos.
Obrigado!
Papa Francisco
Catequese da audiência Geral 21.06.2017
Hoje refletimos sobre a esperança cristã como força dos mártires. Quando, no Evangelho, Jesus convida os discípulos à missão, não os ilude com miragens de sucesso fácil; ao contrário, adverte-os claramente que o anúncio do Reino de Deus comporta sempre uma oposição. E usa também uma expressão extrema: «Sereis odiados — odiados — de todos por causa do meu nome» (Mt 10, 22). Os cristãos amam, mas nem sempre são amados. Jesus coloca-nos imediatamente diante desta realidade: numa medida mais ou menos forte, a confissão da fé ocorre num clima de hostilidade.
Portanto, os cristãos são homens e mulheres “contracorrente”. É normal: dado que o mundo está marcado pelo pecado, que se manifesta em várias formas de egoísmo e de injustiça, quem segue Cristo caminha em direção contrária. Não por espírito polémico, mas por fidelidade à lógica do Reino de Deus, que é uma lógica de esperança, e traduz-se no estilo de vida baseado nas indicações de Jesus.
E a primeira indicação é a pobreza. Quando Jesus envia os seus em missão, parece que presta mais atenção ao “despojá-los” do que ao “vesti-los”! Com efeito, o cristão que não é humilde e pobre, desapegado das riquezas e do poder e sobretudo desprendido de si mesmo, não se assemelha a Jesus. O cristão percorre o seu itinerário neste mundo com o que é essencial para o caminho, porém com o coração cheio de amor. A verdadeira derrota para ele ou para ela é cair na tentação da vingança e da violência, respondendo ao mal com o mal. Jesus diz-nos: «Eu envio-vos como ovelhas no meio de lobos» (Mt 10, 16). Por conseguinte, sem fauces, garras e armas. Pelo contrário, o cristão deverá ser prudente, por vezes inclusive astuto: estas são as virtudes aceites pela lógica evangélica. Mas nunca deve ceder à violência. Para derrotar o mal, não podemos compartilhar os métodos do mal.
A única força do cristão é o Evangelho. Nos momentos de dificuldade, devemos acreditar que Jesus está diante de nós, e não deixa de acompanhar os seus discípulos. A perseguição não é uma contradição ao Evangelho, mas faz parte dele: se perseguiram o nosso Mestre, como podemos esperar ser dispensados da luta? Porém, no meio do turbilhão, o cristão não deve perder a esperança, pensando que foi abandonado. Jesus tranquiliza os seus dizendo: «Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados» (Mt 10, 30). É como dizer que nenhum dos sofrimentos do homem, nem sequer os mais insignificantes e escondidos, são invisíveis aos olhos de Deus. Deus vê, e certamente protege; e concederá o seu resgate. De fato, há no meio de nós Alguém que é mais forte do que o mal, mais forte do que as máfias, do que as tramas obscuras, de quem se beneficia com as desgraças dos desesperados, de quem esmaga os outros com prepotência... Alguém que desde sempre ouve a voz do sangue de Abel que grita da terra.
Portanto, os cristãos devem deixar-se encontrar sempre “do outro lado” do mundo, o escolhido por Deus: não perseguidores, mas perseguidos; não arrogantes, mas mansos; não vendedores de fumaça, mas submetidos à verdade; não impostores, mas honestos.
Esta fidelidade ao estilo de Jesus — que é um estilo de esperança — até à morte, será chamada pelos primeiros cristãos com um nome belíssimo: “martírio”, que significa “testemunho”. Havia muitas outras possibilidades, oferecidas pelo vocabulário: poderia chamar-se heroísmo, abnegação, sacrifício de si mesmo. Mas, ao contrário, os cristãos da primeira hora chamaram-na com um nome que perfuma de discipulado. Os mártires não vivem para si mesmos, não combatem para afirmar as próprias ideias, e aceitam ter que morrer somente por fidelidade ao Evangelho. O martírio não é nem sequer o ideal supremo da vida cristã, porque acima dele há a caridade, ou seja, o amor a Deus e ao próximo. Explica-o muito bem o apóstolo Paulo no hino à caridade: «Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria» (1 Cor 13, 3). Os cristãos repugnam a ideia de que os bombistas suicidas possam ser chamados “mártires”: nada há na morte deles que se possa aproximar à atitude dos filhos de Deus.
Por vezes, lendo as histórias de muitos mártires de ontem e de hoje — que são mais numerosos do que os mártires dos primeiros tempos — ficamos surpreendidos perante a determinação com a qual enfrentaram a provação. Esta força é sinal da grande esperança que os animava: a esperança certa de que nada e ninguém os podia separar do amor de Deus que nos foi doado em Jesus Cristo (cf. Rm 8, 38-39).
Que Deus nos conceda sempre a força de ser suas testemunhas. Nos doe a força de viver a esperança cristã sobretudo no martírio escondido de cumprir bem e com amor os nossos deveres de cada dia. Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral 27.06.2017
Nenhum de nós pode viver sem amor. E uma terrível escravidão na qual podemos cair é considerar que o amor deve ser merecido. Talvez uma boa parte da angústia do homem contemporâneo deriva disto: acreditar que se não formos fortes, atraentes e bonitos, então ninguém se ocupará de nós. Muitas pessoas hoje só procuram a visibilidade para preencher o vazio interior: como se fôssemos pessoas eternamente necessitadas de confirmações. Contudo, podeis imaginar um mundo no qual todos mendigam motivos para chamar a atenção dos outros e, ao contrário, ninguém está disposto a amar gratuitamente outra pessoa? Imaginai um mundo assim: um mundo sem a gratuidade do querer bem! Parece um mundo humano, mas na realidade é um inferno.
Muitos narcisismos do homem nascem de um sentimento de solidão e de orfandade. Por detrás de tantos comportamentos aparentemente inexplicáveis esconde-se uma pergunta: é possível que eu não mereça ser chamado pelo nome, isto é, ser amado? Porque o amor chama sempre pelo nome...
Quando quem não é ou não se sente amado é um adolescente, então pode nascer a violência. Por detrás de muitas formas de ódio social e de brutalidade com frequência há um coração que não foi reconhecido. Não existem crianças más, assim como não existem adolescentes totalmente malvados, mas existem pessoas infelizes. O que nos pode tornar felizes, senão a experiência do amor dado e recebido? A vida do ser humano é uma troca de olhares: alguém que ao olhar para nós conquista primeiro o nosso sorriso, e nós que gratuitamente sorrimos para quem está fechado na tristeza, e deste modo abrimos-lhe uma saída. Troca de olhares: fitai nos olhos e abrir-se-ão as portas do coração.
O primeiro passo que Deus dá na nossa direção é de um amor antecipado e incondicional. Deus ama primeiro. Deus não nos ama porque em nós existe um motivo que suscita amor. Deus ama-nos porque Ele próprio é amor, e por sua natureza o amor tende a difundir-se, a doar-se. Deus não relaciona nem sequer a sua benevolência à nossa conversão: pode ser que esta seja uma consequência do amor de Deus. São Paulo diz de maneira perfeita: «Deus demonstra o seu amor para connosco no facto de que, enquanto ainda éramos pecadores, Cristo morreu por nós» (cf. Rm 5, 8). Enquanto ainda éramos pecadores. Um amor incondicional. Estávamos “distantes”, como o filho pródigo da parábola: «Quando estava ainda distante, o seu pai viu-o, sentiu compaixão...» (Lc 15, 20). Por amor a nós Deus realizou um êxodo de Si mesmo, para vir ter connosco nesta terra por onde era insensato que Ele transitasse. Deus amou-nos até quando estávamos enganados.
Quem de nós ama desta maneira, exceto quem é pai ou mãe? Uma mãe continua a amar o seu filho até quando ele vai para o cárcere. Recordo-me de muitas mães, que faziam a fila para entrar nas prisões, na minha diocese precedente. E não se envergonhavam. O filho estava na prisão, mas era o seu filho. E sofriam muitas humilhações nas perquirições, antes de entrar, mas: “É o meu filho!”. “Mas, senhora, o seu filho é um delinquente!” — “É o meu filho!”. Só este amor de mãe e de pai nos leva a compreender como é o amor de Deus. Uma mãe não pede o cancelamento da justiça humana, porque cada erro exige uma redenção, mas uma mãe nunca deixa de sofrer pelo próprio filho. Ama-o até quando é pecador. Deus faz o mesmo connosco: somos os seus filhos amados! Mas pode acontecer que Deus tenha alguns filhos aos quis não ama? Não. Todos somos filhos amados de Deus. Não existe maldição alguma na nossa vida, só uma benévola palavra de Deus, que hauriu a nossa existência do nada. A verdade de tudo é a relação de amor que une o Pai com o Filho mediante o Espírito Santo, na qual somos acolhidos pela graça. N’Ele, em Jesus Cristo, fomos queridos, amados e desejados. Há Alguém que imprimiu em nós uma beleza primordial que pecado algum, que escolha errada alguma, nunca poderá cancelar totalmente. Nós, diante do olhar de Deus, somos sempre pequenas fontes feitas para jorrar água boa. Jesus disse à samaritana: «A água que Eu [te] der tornar-se-á [em ti] fonte de água que jorra para a vida eterna» (cf. Jo 4, 14).
Qual é o remédio para mudar o coração de uma pessoa infeliz? Qual é o remédio para mudar o coração de uma pessoa que não é feliz? [respondem: o amor]. Mais alto! [gritam: o amor!]. Excelente, excelente, parabéns a todos! E como se faz para sentir à pessoa que é amada? Antes de tudo, é preciso abraçá-la. Fazer com que se sinta desejada, que é importante, e deixará de ser triste. Amor chama amor, de modo mais forte do que o ódio chama a morte. Jesus não morreu e ressuscitou para si mesmo, mas para nós, para que os nossos pecados sejam perdoados. Portanto, é tempo de ressurreição para todos: tempo de erguer os pobres do desânimo, sobretudo os que jazem no sepulcro por um período muito mais longo do que três dias.
Sopra aqui, nos nossos rostos, um vento de libertação. Brota aqui o dom da esperança. A esperança de Deus Pai que nos ama assim como somos: ama-nos sempre e a todos. Obrigado!
Papa Francisco
Catequese na Audiência Geral 14.06.2017
Bom dia, caros irmãos e irmãs!
Havia algo de fascinante na prece de Jesus, tão fascinante que certo dia os seus discípulos pediram para ser iniciados nela. O episódio encontra-se no Evangelho de Lucas, que entre os Evangelistas é aquele que mais documentou o mistério de Cristo “orante”: o Senhor rezava. Os discípulos de Jesus ficam impressionados porque Ele, especialmente de manhã e à noite, se retira em solidão e se “imerge” em oração. E por isso um dia pedem-lhe que, também a eles, lhes ensine a rezar (cf. Lc 11, 1).
É então que Jesus transmite aquela que se tornou a oração cristã por excelência: o “Pai-Nosso”. Na verdade Lucas, em comparação com Mateus, restitui-nos a prece de Jesus de uma forma um pouco abreviada, que começa com a simples invocação: «Pai» (v. 2).
Todo o mistério da oração cristã está resumido aqui, nesta palavra: ter a coragem de chamar Deus com o nome de Pai. Afirma-o até a liturgia quando, convidando-nos à recitação comunitária da oração de Jesus, utiliza a expressão «ousamos dizer».
Com efeito, chamar Deus com o nome de “Pai” não é de modo algum algo óbvio. Seríamos levados a usar os títulos mais elevados, que nos parecem mais respeitadores da sua transcendência. Ao contrário, invocá-lo como “Pai” coloca-nos numa relação de familiaridade com Ele, como uma criança se dirige ao seu pai, consciente de ser amado e cuidado por ele. Esta é a grande revolução que o cristianismo imprime na psicologia religiosa do homem. O mistério de Deus, que sempre nos fascina e nos faz sentir pequenos, mas não nos assusta, não nos esmaga, não nos angustia. Esta é uma revolução difícil de aceitar na nossa alma humana; a tal ponto que até nas narrações da Ressurreição se diz que as mulheres, depois de ter visto o túmulo vazio e o anjo, «fugiram [...], trémulas e amedrontadas» (Mc 16, 8). Mas Jesus revela-nos que Deus é Pai bom e diz-nos: “Não tenhais medo!”.
Pensemos na parábola do pai misericordioso (cf. Lc 15, 11-32). Jesus narra de um pai que só sabe ser amor para os seus filhos. Um pai que não castiga o filho pela sua arrogância e que é capaz até de lhe confiar a sua parte de herança, deixando-o ir embora de casa. Deus é Pai, diz Jesus, mas não à maneira humana, pois não há pai algum neste mundo que se comportaria como o protagonista dessa parábola. Deus é Pai a seu modo: bom, indefeso diante do livre arbítrio do homem, só capaz de conjugar o verbo “amar”. Quando o filho rebelde, depois de ter desperdiçado tudo, finalmente volta para a casa natal, aquele pai não aplica critérios de justiça humana, mas sente antes de tudo a necessidade de perdoar, e com o seu abraço leva o filho a entender que durante todo aquele longo tempo de ausência lhe fez falta, fez dolorosamente falta ao seu amor de pai.
Que mistério insondável é um Deus que nutre este tipo de amor pelos seus filhos!
Talvez seja por esta razão que, evocando o centro do mistério cristão, o apóstolo Paulo não tem coragem de traduzir em grego uma palavra que Jesus, em aramaico, pronunciava “abá”. No seu epistolário (cf. Rm 8, 15; Gl 4, 6), São Paulo aborda duas vezes este tema, e por duas vezes deixa aquela palavra não traduzida, da mesma forma como brotou dos lábios de Jesus, “abá”, um termo ainda mais íntimo do que “pai”, e que alguns traduzem “papá, papai”.
Caros irmãos e irmãs, nunca estamos sós. Podemos estar longe, ser hostis, podemos até professar-nos “sem Deus”. Mas o Evangelho de Jesus Cristo revela-nos que Deus não consegue estar sem nós: Ele nunca será um Deus “sem o homem”; é Ele que não pode estar sem nós, e este é um grande mistério! Deus não pode ser Deus sem o homem: este é um grande mistério! E esta certeza é a fonte da nossa esperança, que encontramos conservada em todas as invocações do Pai-Nosso. Quando temos necessidade de ajuda, Jesus não nos diz para nos resignarmos e nos fecharmos em nós mesmos, mas para nos dirigirmos ao Pai, pedindo a Ele com confiança. Todas as nossas necessidades, das mais evidentes e diárias, como a comida, a saúde e o trabalho, até àquela de sermos perdoados e ajudados nas tentações, não são o espelho da nossa solidão: ao contrário, há um Pai que nos fita sempre com amor, e que certamente não nos abandona.
Agora faço-vos uma proposta: cada um de nós tem muitos problemas e tantas necessidades. Pensemos um pouco, em silêncio, nestes problemas e nestas dificuldades. Pensemos também no Pai, no nosso Pai, que não pode estar sem nós, e que neste momento está a olhar para nós. E todos juntos, com confiança e esperança, oremos: “Pai nosso, que estais no Céu...”. Obrigado!
Papa Francisco
Audiência Geral 7.06.2017
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Na iminência da solenidade de Pentecostes não podemos deixar de falar da relação que há entre a esperança cristã e o Espírito Santo. O Espírito é o vento que nos impele para a frente, que nos mantém no caminho, que nos faz sentir peregrinos e forasteiros, e não permite que descansemos sobre os nossos próprios louros e que nos tornemos um povo “sedentário”.
A Carta aos Hebreus compara a esperança a uma âncora (cf. 6, 18-19); a esta imagem podemos acrescentar a da vela. Se a âncora é o que dá à barca a segurança e a mantém “ancorada” entre as ondas do mar, ao contrário a vela é o que a faz caminhar e avançar sobre as águas. A esperança é deveras como uma vela; ela recolhe o vento do Espírito Santo e transforma-o em força motriz que impele a barca, dependendo das circunstâncias, ao largo ou à beira-mar.
O apóstolo Paulo conclui a sua Carta aos Romanos com estes votos: ouvi bem, escutai bem que auspício bonito: «O Deus da esperança vos encha de toda a alegria e de toda a paz na vossa fé, para que pela virtude do Espírito Santo transbordeis de esperança» (15, 13). Reflitamos um pouco sobre o conteúdo desta belíssima palavra.
A expressão “Deus da esperança” não significa somente que Deus é o objeto da nossa esperança, ou seja, Aquele que esperamos alcançar um dia na vida eterna; quer dizer também que Deus é Aquele que já neste momento nos faz esperar, aliás, nos torna «alegres na esperança» (Rm 12, 12): alegres agora por esperar, e não só esperar para ser alegres. É a alegria de esperar e não esperar para ter alegria, já hoje. “Enquanto houver vida, haverá esperança”, diz o ditado popular; e é verdade também o contrário: enquanto houver esperança, há vida. Os homens necessitam de esperança para viver e precisam do Espírito Santo para esperar.
São Paulo — ouvimos — atribui ao Espírito Santo a capacidade de nos fazer até “transbordar de esperança”. Transbordar de esperança significa nunca desanimar; significa esperar «contra qualquer esperança» (Rm 4, 18), ou seja, esperar até quando falta qualquer motivo humano para esperar, como aconteceu com Abraão no momento em que Deus lhe pediu para sacrificar o único filho, Isac, e como sucedeu também, ainda mais, com a Virgem Maria aos pés da cruz de Jesus.
O Espírito Santo torna possível esta esperança invencível dando-nos o testemunho interior de que somos filhos de Deus e seus herdeiros (cf. Rm 8, 16). Como poderia Aquele que nos entregou o seu único Filho não nos dar também com Ele todas as coisas? (cf. Rm 8, 32). «A esperança — irmãos e irmãs — não desilude: a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). Portanto, não desilude, porque há o Espírito Santo dentro de nós que nos impele a ir em frente, sempre! E por esta razão, a esperança não desilude.
Há mais: o Espírito Santo não nos torna somente capazes de esperar, mas inclusive de ser semeadores de esperança, de ser também nós — como Ele e graças a Ele — “paráclitos”, ou seja, consoladores e defensores dos irmãos, semeadores de esperança. Um cristão pode semear amarguras, pode semear perplexidades, e isto não é cristão, e quem faz isto não é um bom cristão. Semeia a esperança: semeia óleo de esperança, semeia perfume de esperança e não vinagre de amargura e de desesperança. O Beato cardeal Newman, num seu discurso, dizia aos fiéis: «Instruídos pelo nosso próprio sofrimento, pela nossa própria dor, aliás, pelos nossos próprios pecados, teremos a mente e o coração treinados para qualquer obra de amor em relação aos necessitados. Seremos, conforme a nossa capacidade, consoladores à imagem do Paráclito — ou seja, do Espírito Santo — e em todos os sentidos que esta palavra comporta: advogados, assistentes, portadores de conforto. As nossas palavras e os nossos conselhos, o nosso modo de fazer, a nossa voz, o nosso olhar, serão gentis e tranquilizadores» (Parochial and Plain Sermons, vol. v, Londres 1870, pp. 300 s.). E são sobretudo os pobres, os excluídos, os desamados a precisar de alguém que para eles se torne “paráclito”, ou seja, consolador e defensor, como o Espírito Santo faz com cada um de nós, que estamos aqui na praça, consolador e defensor. Nós devemos fazer o mesmo com os mais necessitados, com os mais descartados, com aqueles que mais precisam, aqueles que mais sofrem. Defensores e consoladores!
O Espírito Santo alimenta a esperança não só no coração dos homens, mas também na criação inteira. Diz o Apóstolo Paulo — parece um pouco estranho, mas é verdade: que também a criação “aguarda ansiosamente” com a esperança de ser também ela libertada e “geme e sofre” como que dores de parto (cf. Rm 8, 20-22). «A energia capaz de mover o mundo não é uma força anônima e cega, mas é a ação do Espírito de Deus que “pairava sobre as águas” (Gn 1, 2) no início da criação» (Bento XVI, Homilia, 31 de maio de 2009). Também isto nos impele a respeitar a criação: não se pode manchar um quadro sem ofender o artista que o criou.
Irmãos e irmãs, a próxima festa de Pentecostes — que é o aniversário da Igreja — nos encontre concordes na oração, com Maria, Mãe de Jesus e nossa. E o dom do Espírito Santo nos faça transbordar de esperança. Dir-vos-ei algo mais: que nos faça prodigalizar esperança a todos aqueles que mais necessitam, que são mais descartados e a todos aqueles que dela precisam. Obrigado.
Papa Francisco
Audiência Geral 31.05.2017
Hoje gostaria de analisar a experiência dos dois discípulos de Emaús, sobre a qual fala o Evangelho de Lucas (cf. 24, 13-35). Imaginemos a cena: dois homens caminham desiludidos, tristes, decididos a deixar para trás a amargura de um vicissitude mal sucedida. Antes daquela Páscoa estavam cheios de entusiasmo: convencidos de que aqueles dias teriam sido determinantes para as suas expetativas e para a esperança do povo inteiro. Jesus, ao qual tinham confiado a própria vida, parecia ter finalmente chegado à batalha decisiva: agora manifestaria o seu poder, depois de uma longa fase de preparação e de escondimento. Era isso o que eles esperavam. Mas não foi assim.
Os dois peregrinos cultivavam uma esperança somente humana, que agora desabava. Aquela cruz erguida no Calvário era o sinal mais eloquente de uma derrota que não tinham previsto. Se deveras aquele Jesus era segundo o coração de Deus, deviam chegar à conclusão que Deus estava inerme, indefeso nas mãos dos violentos, incapaz de opor resistência ao mal.
Assim, naquela manhã de domingo, os dois fogem de Jerusalém. Ainda tinham nos olhos os momentos da paixão, a morte de Jesus; e na alma o pensamento atormentado pelos acontecimentos, durante o repouso forçado do sábado. Aquela festa de Páscoa, que devia entoar o canto da libertação, transformou-se pelo contrário no dia mais doloroso da sua vida. Deixam Jerusalém para ir alhures, a uma aldeia tranquila. Têm toda a aparência de pessoas empenhadas em apagar uma recordação que magoa. Portanto, encontram-se numa estrada, andam, tristes. Este cenário — a estrada — já tinha sido importante nas narrações dos evangelhos; agora tornar-se-á cada vez mais relevante, no momento em que se começa a narrar a história da Igreja.
O encontro de Jesus com aqueles dois discípulos parece ser totalmente casual: assemelha-se a uma das numerosas encruzilhadas que se encontram na vida. Os dois discípulos prosseguem pensativos e um desconhecido caminha ao lado deles. É Jesus; mas os seus olhos não são capazes de o reconhecer. E então Jesus começa a sua “terapia da esperança”. O que acontece nesta estrada é uma terapia da esperança. Quem a faz? Jesus.
Em primeiro lugar pergunta e escuta: o nosso Deus não é um Deus intrometido. Embora já conheça o motivo da deceção dos dois, deixa-lhes o tempo para poder sondar profundamente a amargura que se apoderou deles. Daqui surge uma confissão que é um refrão da existência humana: «Nós esperávamos, mas... Nós esperávamos, mas...» (v. 21). Quantas tristezas, quantas derrotas, quantas falências há na vida de cada pessoa! No fundo somos todos um pouco como esses dois discípulos. Quantas vezes na vida esperamos, quantas vezes nos sentimos a um passo da felicidade e, no fim, ficamos desiludidos. Mas Jesus caminha com todas as pessoas desanimadas que procedem cabisbaixas. E caminhando com elas, de forma discreta, consegue restituir-lhes a esperança.
Jesus fala com eles sobretudo através das Escrituras. Quem pega o livro de Deus nas mãos não se cruza com histórias de fácil heroísmo, campanhas de conquista impetuosas. A verdadeira esperança nunca é pouco dispendiosa: passa sempre através das derrotas. A esperança de quem não sofre, talvez nem sequer seja tal. Deus não gosta de ser amado como poderíamos amar um general que leva o seu povo à vitória, aniquilando no sangue os seus adversários. O nosso Deus é uma chama esmorecida que arde num dia de frio e de vento, e não obstante a sua presença neste mundo possa parecer frágil, Ele escolheu o lugar que todos nós desdenhamos.
Em seguida Jesus repete também aos dois discípulos o gesto fulcral de cada Eucaristia: pegou no pão, abençoou-o e, depois de o partir, ofereceu-o. Nesta sequência de gestos, não há porventura toda a história de Jesus? E não há, em cada Eucaristia, também o sinal do que deve ser a Igreja? Jesus pega em nós, abençoa-nos, “parte” a nossa vida — porque não há amor sem sacrifício — e oferece-a aos outros, oferece-a a todos.
O encontro de Jesus com os dois discípulos de Emaús é rápido. Todavia, nele está todo o destino da Igreja. Narra-nos que a comunidade cristã não está fechada numa cidadela fortificada, mas caminha no seu ambiente mais vital, ou seja, a estrada. E ali encontra as pessoas com as suas esperanças e as suas desilusões, por vezes pesadas. A Igreja escuta as histórias de todos, assim como sobressaem do íntimo da consciência pessoal; para depois oferecer a Palavra de vida, o testemunho de amor, amor fiel até ao fim. E então o coração das pessoas volta a arder de esperança.
Todos nós, na nossa vida, tivemos momentos difíceis, obscuros; momentos nos quais caminhávamos tristes, pensativos, sem horizontes, somente com um muro à nossa frente. E Jesus sempre está ao nosso lado para nos dar esperança, para nos aquecer o coração e dizer: “Vai em frente, estou contigo. Vai em frente”. O segredo da estrada que conduz a Emaús resume-se inteiramente nisto: mesmo através das aparências contrárias, continuamos a ser amados, e Deus nunca deixará de nos querer bem. Deus caminhará sempre connosco, sempre, até nos momentos mais dolorosos, nos períodos mais difíceis, também nos momentos de derrota: ali está o Senhor. E esta é a nossa esperança. Vamos em frente com esta esperança! Porque Ele está ao nosso lado e caminha connosco, sempre!
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 24.05.2017
Bom dia, amados irmãos e irmãs!
Durante estas semanas a nossa reflexão move-se, por assim dizer, na órbita do mistério pascal. Hoje encontramos aquela que, segundo os Evangelhos, foi a primeira que viu Jesus ressuscitado: Maria Madalena. Há pouco tinha terminado o repouso do sábado. No dia da paixão não houve tempo para completar os ritos fúnebres; por isso, naquela aurora cheia de tristeza, as mulheres vão ao sepulcro de Jesus com o bálsamo perfumado. A primeira que chega é ela: Maria de Magdala, uma das discípulas que tinham acompanhado Jesus desde a Galileia, colocando-se ao serviço da Igreja nascente. No seu trajeto rumo ao túmulo reflete-se a fidelidade de muitas mulheres que durante anos são devotas às vielas dos cemitérios, em recordação de alguém que já não está entre nós. Os vínculos mais autênticos não são interrompidos nem sequer pela morte: alguns continuam a amar, não obstante a pessoa amada tenha partido para sempre.
O Evangelho (cf. Jo 20, 1-2.11-18) descreve Maria Madalena, pondo de imediato em evidência que ela não era uma mulher que se entusiasmava facilmente. Com efeito, depois da primeira visita ao sepulcro, volta desiludida ao lugar onde os discípulos se escondiam; refere que a pedra foi removida da entrada do túmulo, e a sua primeira hipótese é a mais simples que se possa formular: alguém deve ter roubado o corpo de Jesus. Assim, o primeiro anúncio que Maria faz não é o da Ressurreição, mas de um furto perpetrado por pessoas desconhecidas, enquanto toda a Jerusalém dormia.
Em seguida, os Evangelhos descrevem uma segunda visita de Maria Madalena ao sepulcro de Jesus. Ela era teimosa! Foi, voltou... porque não se convencia! Desta vez o seu andar é lento, extremamente pesado. Maria sofre duplamente: antes de tudo pela morte de Jesus, e depois pelo inexplicável desaparecimento do seu corpo.
Enquanto está inclinada perto do túmulo, com os olhos rasos de água, Deus surpreende-a da maneira mais inesperada. O evangelista João sublinha como a sua cegueira é persistente: não se dá conta da presença de dois anjos que a interrogam, e nem sequer desconfia vendo o homem atrás de si, que ela julga ser o guardião do jardim. E, ao contrário, descobre o acontecimento mais surpreendente da história humana, quando finalmente é chamada por nome: «Maria!» (v. 16).
Como é bonito pensar que a primeira aparição do Ressuscitado — segundo os Evangelhos — teve lugar de um modo tão pessoal! Que há alguém que nos conhece, que vê o nosso sofrimento e a nossa desilusão, que se comove por nós e nos chama pelo nome. É uma lei que encontramos esculpida em muitas páginas do Evangelho. Em volta de Jesus há muitas pessoas que procuram Deus; mas a realidade mais prodigiosa é que, muito antes, há sobretudo Deus que se preocupa com a nossa vida, que a quer reanimar, e para fazer isto chama-nos pelo nome, reconhecendo o semblante pessoal de cada um. Cada homem é uma história de amor que Deus escreve nesta terra. Cada um de nós é uma história de amor de Deus. Deus chama cada um de nós pelo nome: conhece-nos pelo nome, olha para nós, está à nossa espera, perdoa-nos, tem paciência com cada um de nós. É verdade ou não? Cada um de nós vive esta experiência.
E Jesus chama-a: «Maria!». A revolução da sua vida, a revolução destinada a transformar a existência de cada homem e mulher, começa com um nome que ressoa no jardim do sepulcro vazio. Os Evangelhos descrevem-nos a felicidade de Maria: a Ressurreição de Jesus não é uma alegria concedida a conta-gotas, mas é uma cascata que abrange a vida inteira. A existência cristã não é constituída por pequenas felicidades, mas por ondas que subvertem tudo. Procurai pensar também vós, neste instante, com a bagagem de desilusões e de reveses que cada qual tem no seu coração, que há um Deus perto de nós que nos chama pelo nome, dizendo: «Ergue-te, para de chorar, porque Eu vim libertar-te!». Isto é bonito!
Jesus não é alguém que se adapta ao mundo, tolerando que nele perdurem a morte, a tristeza, o ódio, a destruição moral das pessoas... O nosso Deus não é inerte, mas o nosso Deus — permiti-me esta palavra — é um sonhador: sonha a transformação do mundo, tendo-a já realizada no mistério da Ressurreição.
Maria gostaria de abraçar o seu Senhor, mas Ele já está orientado para o Pai celestial, enquanto ela é enviada a levar o anúncio aos irmãos. E assim aquela mulher, que antes de encontrar Jesus estava à mercê do maligno (cf. Lc 8, 2), agora torna-se apóstola de uma esperança nova e maior. A sua intercessão nos ajude a viver, também nós, esta experiência: na hora do pranto e na hora do abandono, ouvir Jesus Ressuscitado que nos chama pelo nome e, com o coração repleto de júbilo, partir para anunciar: «Eu vi o Senhor!» (cf. Jo 20, 18). Mudei de vida porque vi o Senhor! Agora sou diferente de outrora, sou outra pessoa. Mudei porque vi o Senhor — esta é a nossa força e a nossa esperança.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 17.05.2017
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
No nosso itinerário de catequeses sobre a esperança cristã, hoje meditamos sobre Maria, Mãe da esperança. Maria atravessou mais de uma noite no seu caminho de mãe. Desde a primeira menção na história dos evangelhos, a sua figura destaca-se como se fosse o personagem de um drama. Não foi simples responder com um «sim» ao convite do anjo: e no entanto, ainda na flor da idade, ela respondeu com coragem, não obstante nada soubesse do destino que a esperava. Maria, naquele instante, parece uma das muitas mães do nosso mundo, corajosas até ao extremo quando se trata de acolher no próprio ventre a história de um novo homem que nasce.
Aquele «sim» foi o primeiro passo de uma longa lista de obediências — longa lista de obediências! — que acompanharão todo o seu itinerário de mãe. Assim, nos evangelhos Maria aparece como uma mulher silenciosa, que com frequência não compreende tudo o que acontece ao seu redor, mas medita cada palavra e acontecimento no seu coração.
Nesta perspetiva, podemos ver um perfil belíssimo da psicologia de Maria: não é uma mulher que se deprime face às incertezas da vida, especialmente quando nada parece correr bem. Nem sequer uma mulher que protesta com violência, que se enfurece contra o destino da vida que muitas vezes nos revela um semblante hostil. Ao contrário, é uma mulher que ouve: não vos esqueçais que existe sempre uma grande relação entre a esperança e a escuta, e Maria é uma mulher que ouve. Maria acolhe a existência do modo como se apresenta a nós, com os seus dias felizes, mas também com as suas tragédias que nunca gostaríamos de ter encontrado. Até à noite suprema de Maria, quando o seu Filho foi pregado na cruz.
Até àquele dia, Maria tinha quase desaparecido da trama dos evangelhos: os escritores sagrados deixam entender este lento escondimento da sua presença, o seu permanecer muda diante do mistério de um Filho que obedece ao Pai. Contudo, Maria reaparece precisamente no momento crucial: quando grande parte dos amigos fogem por terem medo. As mães não traem, e naquele instante, aos pés da cruz, nenhum de nós pode dizer qual tenha sido a paixão mais cruel: se a de um homem inocente que morre no patíbulo da cruz, ou a agonia de uma mãe que acompanha os últimos instantes da vida do seu filho. Os evangelhos são lacónicos e extremamente discretos. Mencionam com um simples verbo a presença da Mãe: «estava» (Jo 19, 25). Ela estava. Nada dizem sobre a sua reação: se chorou ou não... nada; nem uma pincelada para descrever a sua dor: sobre esses pormenores mais tarde teria irrompido a imaginação de poetas e pintores que nos deixaram imagens que entraram na história da arte e da literatura. Contudo, os evangelhos dizem só: ela «estava». Estava ali, no momento mais triste, mais cruel, e sofria com o filho. «Estava».
Maria «estava», simplesmente estava lá. Ei-la novamente, a jovem de Nazaré, agora com cabelos brancos pelo passar dos anos, ainda ocupada com um Deus que só deve ser abraçado, e com uma vida que chegou ao limiar da escuridão mais densa. Maria «estava» na escuridão mais espessa, mas «estava». Não foi embora. Maria está fielmente presente, cada vez que surge a necessidade de manter uma vela acesa num lugar de bruma e neblina. Nem ela conhece o destino de ressurreição que o seu Filho estava a abrir naquele instante para todos nós, homens: está ali por fidelidade ao plano de Deus do qual se proclamou serva no primeiro dia da sua vocação, mas também por causa do seu instinto de mãe que simplesmente sofre, cada vez que um filho atravessa uma paixão. Os sofrimentos das mães: todos nós conhecemos mulheres fortes que enfrentaram muitos sofrimentos dos filhos!
Encontrá-la-emos no primeiro dia da Igreja, ela, mãe de esperança, no meio daquela comunidade de discípulos tão frágeis: um negou, muitos fugiram, todos sentiram medo (cf. At 1, 14). Mas ela simplesmente estava ali, do modo mais normal, como se fosse algo totalmente natural: na primeira Igreja envolvida pela luz da Ressurreição, mas também pelos tremores dos primeiros passos que devia dar no mundo.
Por isso, todos nós a amamos como Mãe. Não somos órfãos: temos uma mãe no céu, que é a Santa Mãe de Deus. Porque nos ensina a virtude da esperança, até quando tudo parece sem sentido: ela permanece sempre confiante no mistério de Deus, até quando Ele parece desaparecer por culpa do mal do mundo. Que nos momentos de dificuldade, Maria, a Mãe que Jesus ofereceu a todos nós, possa sempre amparar os nossos passos e dizer ao nosso coração: «Levanta-te! Olha em frente, olha para o horizonte», porque Ela é Mãe de esperança. Obrigado.
Catequese do Papa Francisco na audiência Geral de 10.05.2017
Hoje desejo falar-vos sobre a Viagem apostólica que, com a ajuda de Deus, realizei recentemente ao Egito. Fui àquele país na sequência de um quádruplo convite: do Presidente da República, de Sua Santidade o Patriarca Copto-ortodoxo, do Grande Imã de Al-Azhar e do Patriarca Copto-Católico. Agradeço a cada um deles o acolhimento que me reservaram, verdadeiramente caloroso. E agradeço a todo o povo egípcio a participação e o afeto com que viveu esta visita do Sucessor de Pedro.
O Presidente e as Autoridades civis empenharam-se de forma extraordinária para que este evento pudesse desenrolar-se da melhor maneira possível; para que fosse um sinal de paz, um sinal de paz para o Egito e para toda aquela região, que infelizmente sofre pelos conflitos e pelo terrorismo. Com efeito, o lema da Viagem foi «O Papa da paz num Egito de paz».
A minha visita à Universidade Al-Azhar, a mais antiga universidade islâmica e máxima instituição acadêmica do Islão sunita, teve um duplo horizonte: o diálogo entre os cristãos e os muçulmanos e, ao mesmo tempo, a promoção da paz no mundo. Em Al-Azhar teve lugar o encontro com o Grande Imã, encontro que depois abrangeu a Conferência Internacional pela Paz. Neste contexto apresentei uma reflexão que valorizou a história do Egito como terra de civilização e terra de aliança. Para toda a humanidade o Egito é sinônimo de civilização antiga, de tesouros de arte e de conhecimento; e isto recorda-nos que a paz se constrói mediante a educação, a formação da sabedoria, de um humanismo que engloba como parte integrante a dimensão religiosa, a relação com Deus, como recordou o Grande Imã no seu discurso. A paz constrói-se também partindo novamente da aliança entre Deus e o homem, fundamento da aliança entre todos os homens, baseada no Decálogo escrito nas tábuas de pedra do Sinai, mas muito mais profundamente no coração de cada homem de todos os tempos e lugares, lei que se resume nos dois mandamentos do amor de Deus e do próximo.
Este mesmo fundamento está na base da construção da ordem social e civil, em que são chamados a colaborar todos os cidadãos, de todas as origens, culturas e religiões. Esta visão de laicidade sadia emergiu durante o intercâmbio de discursos com o Presidente da República do Egito, na presença das autoridades do país e do Corpo diplomático. O grande património histórico e religioso do Egito e o seu papel na região do Médio Oriente conferem-lhe uma tarefa peculiar no caminho rumo a uma paz estável e duradoura, que não se apoie no direito da força, mas na força do direito.
Os cristãos, no Egito assim como em cada nação da terra, estão chamados a ser fermento de fraternidade. E isto só é possível se viverem em si mesmos a comunhão em Cristo. Um forte sinal de comunhão, graças a Deus, foi possível oferecê-lo juntamente com o meu querido irmão Papa Tawadros II, Patriarca dos Coptas ortodoxos. Renovamos o compromisso, assinando inclusive uma Declaração Conjunta, de caminhar juntos e de nos comprometermos a fim de que não se repita o Batismo administrado nas respectivas Igrejas. Rezamos juntos pelos mártires dos recentes atentados que atingiram tragicamente aquela Igreja venerável; e o seu sangue fecundou aquele encontro ecumênico, no qual participou também o Patriarca de Constantinopla Bartolomeu: o Patriarca ecumênico, meu querido irmão.
O segundo dia da viagem foi dedicado aos fiéis católicos. A Santa Missa celebrada no Estádio disponibilizado pelas autoridades egípcias foi uma festa de fé e de fraternidade, em que sentimos a presença viva do Senhor Ressuscitado. Ao comentar o Evangelho, exortei a pequena comunidade católica no Egito a reviver a experiência dos discípulos de Emaús: a encontrar sempre em Cristo, Palavra e Pão de vida, a alegria da fé, o fervor da esperança e a força de testemunhar no amor que «encontramos o Senhor!».
Vivi o último momento juntamente com os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os seminaristas, no Seminário Maior. Há muitos seminaristas: esta é uma consolação! Foi uma liturgia da Palavra, na qual foram renovadas as promessas de vida consagrada. Nesta comunidade de homens e mulheres que escolheram oferecer a vida a Cristo pelo Reino de Deus, vi a beleza da Igreja no Egito, e rezei por todos os cristãos no Médio Oriente, para que, guiados pelos seus pastores e acompanhados pelos consagrados, sejam sal e luz naquelas terras, no meio daqueles povos. O Egito, para nós, foi sinal de esperança, de refúgio, de ajuda. Quando aquela parte do mundo estava faminta, Jacob, com os seus filhos, foi lá ter; depois, quando Jesus foi perseguido, foi para lá. Por isso, narrar-vos esta viagem significa percorrer o caminho da esperança: para nós o Egito é aquele sinal de esperança tanto para o passado como para o presente, desta fraternidade que eu quis contar-vos.
Agradeço novamente a quantos tornaram possível esta Viagem e aqueles que de diversas maneiras deram a própria contribuição, especialmente as muitas pessoas que ofereceram as suas orações e os seus sofrimentos. A Sagrada Família de Nazaré, que emigrou para as margens do Nilo fugindo da violência de Herodes, abençoe e proteja sempre o povo egípcio e o guie pelas sendas da prosperidade, da fraternidade e da paz.
Obrigado!
Papa Francisco
Audiência Geral 3.05.2017
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«Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28, 20). Estas últimas palavras do Evangelho de Mateus evocam o anúncio profético que encontramos no início: «Ele chamar-se-á Emanuel, que significa Deus connosco» (Mt 1, 23; cf. Is 7, 14). Deus estará ao nosso lado todos os dias, até ao fim do mundo. Jesus caminhará ao nosso lado todos os dias, até ao fim do mundo. O Evangelho inteiro está encerrado entre estas duas citações, palavras que comunicam o mistério de Deus cujo nome, cuja identidade é estar-com: não é um Deus isolado, mas um Deus-com, de modo particular connosco, ou seja, com a criatura humana. O nosso Deus não é um Deus ausente, raptado por um céu remoto; ao contrário, é um Deus «apaixonado» pelo homem, tão ternamente amante que chega a ser incapaz de se separar dele. Nós, humanos, somos peritos em romper vínculos e pontes. Ele, ao contrário, não! Se o nosso coração arrefece, o seu permanece sempre incandescente. O nosso Deus acompanha-nos sempre, inclusive se, por desventura, nos esquecêssemos dele. No ponto que divide a incredulidade da fé, é decisiva a descoberta de que somos amados e acompanhados pelo nosso Pai, que Ele nunca nos deixa sozinhos.
A nossa existência é uma peregrinação, um caminho. Até aqueles que são impelidos por uma esperança simplesmente humana sentem a sedução do horizonte, que os leva a explorar mundos ainda desconhecidos. A nossa alma é uma alma migrante. A Bíblia está cheia de histórias de peregrinos e viajantes. A vocação de Abraão começa com esta exortação: «Deixa a tua terra» (Gn 12, 1). E o patriarca abandona aquele recanto de mundo que conhecia bem e que era um dos berços da civilização do seu tempo. Tudo conspirava contra a sensatez daquela viagem. E no entanto Abraão parte. Não nos tornamos homens e mulheres maduros, se não sentirmos a atração do horizonte: aquele limite entre o céu e a terra que pede para ser alcançado por um povo de caminhantes.
No seu caminhar no mundo, o homem nunca está sozinho. Sobretudo o cristão nunca se sente abandonado, porque Jesus nos garante que não nos aguardará apenas no final da nossa longa viagem, mas que nos acompanhará em cada um dos nossos dias.
Até quando perdurará a atenção de Deus pelo homem? Até quando o Senhor Jesus, que caminha connosco, até quando cuidará de nós? A resposta do Evangelho não deixa margem a dúvidas: até ao fim do mundo! Passarão os céus, passará a terra, serão anuladas as esperanças humanas, mas a Palavra de Deus é maior do que tudo e não passará. E Ele será o Deus connosco, o Deus Jesus que caminha ao nosso lado. Não haverá um dia da nossa vida em que cessaremos de ser uma solicitude para o Coração de Deus. Contudo, alguém poderia dizer: «Mas o que dizes?». Digo isto: não haverá um dia da nossa vida em que deixaremos de ser uma solicitude para o Coração de Deus. Ele preocupa-se connosco, caminha ao nosso lado. E por que faz isto? Simplesmente porque nos ama. Entendestes isto? Ele ama-nos! E sem dúvida Deus proverá a todas as nossas necessidades, não nos abandonará no tempo da prova e da escuridão. É preciso que esta certeza se aninhe no nosso espírito, para nunca mais se apagar. Há quem lhe dê o nome de «Providência». Ou seja, a proximidade de Deus, o amor de Deus, o caminhar de Deus ao nosso lado chama-se também «Providência de Deus»: Ele provê à nossa vida.
Não é por acaso que entre os símbolos cristãos da esperança existe um do qual eu gosto muito: a âncora. Ela exprime que a nossa esperança não é vaga; não deve ser confundida com o sentimento mutável de quem deseja aperfeiçoar as situações deste mundo de maneira irrealista, apostando unicamente na própria força de vontade. Com efeito, a esperança cristã encontra a sua raiz não na atração do futuro, mas na segurança daquilo que Deus nos prometeu e realizou em Jesus Cristo. Se Ele nos garantiu que nunca nos abandonará, se o princípio de cada vocação é um «Segue-me!», com o qual Ele nos assegura que permanecerá sempre à nossa frente, então por que devemos recear? Com esta promessa, os cristãos podem ir por toda a parte. Inclusive atravessando as regiões de um mundo ferido, onde a situação não é boa, nós estamos entre aqueles que até ali continuam a esperar. O salmo reza: «Ainda que eu atravesse um vale escuro, nada temerei, pois estais comigo» (Sl 23, 4). Exatamente onde se propaga a obscuridade é necessário manter acesa uma luz. Voltemos à âncora. A nossa fé é a âncora no céu. Mantemos a nossa vida ancorada no céu? Que devemos fazer? Segurar a corda: ela está sempre ali. E vamos em frente, porque estamos certos de que a nossa vida tem a sua âncora no céu, naquela margem onde chegaremos.
Sem dúvida, se confiássemos apenas nas nossas forças, teríamos razão de nos sentirmos desiludidos e derrotados, porque o mundo se demonstra muitas vezes refratário às leis do amor. Prefere frequentemente as leis do egoísmo. Mas se em nós sobreviver a certeza de que Deus não nos abandona, que Deus ama com ternura tanto a nós como a este mundo, então a perspetiva muda imediatamente. «Homo viator, spe erectus», diziam os antigos. Ao longo do caminho, a promessa de Jesus «Eu estou convosco» leva-nos a estar de pé, erguidos, com esperança, convictos de que o bom Deus já age para realizar aquilo que humanamente parece impossível, porque a âncora está na praia do céu.
O santo povo fiel de Deus é um povo que está de pé — «homo viator» — e caminha, mas de pé, «erectus», caminha na esperança. E onde quer que vá, sabe que o amor de Deus o precedeu: não há região do mundo que evite a vitória de Cristo Ressuscitado. E qual é a vitória de Cristo Ressuscitado? A vitória do amor. Obrigado!
Audiência Geral
Papa Francisco 26.04.2017
Bom dia, prezados irmãos e irmãs!
Hoje encontramo-nos na luz da Páscoa, que celebramos e continuamos a celebrar mediante a Liturgia. Por isso, no nosso itinerário de catequese sobre a esperança cristã, hoje desejo falar-vos de Cristo Ressuscitado, nossa esperança, assim como no-lo apresenta São Paulo na primeira Carta aos Coríntios (cf. cap. 15).
O apóstolo quer resolver uma problemática que, certamente, na comunidade de Corinto estava no centro dos debates. A ressurreição é o último dos argumentos enfrentados na Carta mas, provavelmente, em ordem de importância, é o primeiro: com efeito, tudo depende deste pressuposto.
Falando aos seus cristãos, Paulo começa a partir de um dado incontestável, que não é o êxito de uma reflexão de um sábio qualquer, mas um acontecimento, um simples evento que teve lugar na vida de algumas pessoas. É daqui que nasce o cristianismo. Não é uma ideologia, nem sequer um sistema filosófico, mas um caminho de fé, que tem início num acontecimento, testemunhado pelos primeiros discípulos de Jesus. Paulo resume-o deste modo: Jesus morreu pelos nossos pecados, foi sepultado, ressuscitou no terceiro dia e apareceu a Pedro e aos Doze (cf. 1 Cor 15, 3-5). Eis o acontecimento: Ele morreu, foi sepultado, ressuscitou e apareceu. Ou seja, Jesus está vivo! É este o cerne da mensagem cristã.
Anunciando este evento, que constitui o núcleo fulcral da fé, Paulo insiste acima de tudo sobre o último elemento do mistério pascal, ou seja, sobre a constatação de que Jesus ressuscitou. Com efeito, se tudo tivesse acabado com a morte, nele teríamos um exemplo de dedicação suprema, mas isto não poderia gerar a nossa fé. Ele foi um herói. Não! Morreu, mas ressuscitou. Porque a fé brota da ressurreição. Aceitar que Cristo morreu, e morreu crucificado, não constitui um gesto de fé, mas um acontecimento histórico. Ao contrário, crer que ressuscitou, sim. A nossa fé nasce na manhã de Páscoa. Paulo faz um elenco de pessoas às quais Jesus Ressuscitado apareceu (cf. vv. 5-7). Aqui temos uma breve síntese de todas as narrações pascais e de todas as pessoas que entraram em contacto com o Ressuscitado. No topo da lista está Cefas, ou seja Pedro, e o grupo dos Doze; depois, «quinhentos irmãos», muitos dos quais ainda podiam dar o seu próprio testemunho; em seguida, é mencionado Tiago. O última da lista — como o menos digno de todos — é ele mesmo. Acerca de si próprio, Paulo diz: «Como um aborto» (cf. v. 8).
Paulo utiliza esta expressão porque a sua história pessoal é dramática: ele não era um ministrante, mas um perseguidor da Igreja, orgulhoso das próprias convicções; sentia-se um homem bem sucedido, com uma ideia muito límpida do que era a vida com os seus deveres. Contudo, neste quadro perfeito — em Paulo tudo era perfeito, ele sabia tudo — neste quadro de vida perfeito, certo dia acontece algo que era absolutamente imprevisível: o encontro com Jesus Ressuscitado no caminho de Damasco. Ali não havia apenas um homem caído no chão: havia uma pessoa arrebatada por um acontecimento que teria invertido o sentido da sua vida. E o perseguidor tornou-se apóstolo, mas porquê? Porque eu vi Jesus vivo! Vi Jesus Cristo Ressuscitado! Eis o fundamento da fé de Paulo, assim como da fé dos demais apóstolos, da fé da Igreja, da nossa própria fé.
Como é bom pensar que o cristianismo é essencialmente isto! Não é tanto a nossa busca em relação a Deus — na verdade, uma procura tão vacilante — como sobretudo a busca de Deus em relação a nós. Jesus alcançou-nos, arrebatou-nos, conquistou-nos para nunca mais nos deixar. O cristianismo é graça, é surpresa, e por este motivo pressupõe um coração capaz de admiração. Um coração fechado, um coração racionalista, é incapaz de admiração, e não consegue entender o que é o cristianismo, porque o cristianismo é graça, e a graça só se sente, e além disso só se encontra, no enlevo do encontro.
E então, não obstante sejamos pecadores — todos nós o somos — e se os nossos propósitos de bem permanecerem letra-morta, ou então se, olhando para a nossa vida, nos dermos conta de ter acumulado tantas derrotas... Na manhã de Páscoa podemos agir como aquelas pessoas das quais fala o Evangelho: ir ao sepulcro de Cristo, ver a grande pedra removida e pensar que Deus continua a preparar para mim, para todos nós, um futuro inesperado. Ir ao nosso sepulcro: todos nós temos um pouco dele dentro de nós. Ir ali e ver que dali Deus é capaz de ressurgir. É nisto que consiste a felicidade, a alegria e a vida, onde todos pensavam que havia unicamente tristeza, derrota e trevas. Deus faz crescer as suas flores mais bonitas no meio das pedras mais áridas.
Ser cristão significa não começar a partir da morte, mas do amor de Deus por nós, que derrotou a nossa acérrima inimiga. Deus é maior do que o nada, e é suficiente uma vela acesa para vencer a noite mais escura. Fazendo eco aos profetas, Paulo clama: «Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão» (v. 55). Nestes dias de Páscoa, conservemos este brado no coração. E se nos perguntarem o porquê do nosso sorriso concedido e da nossa partilha paciente, então poderemos responder que Jesus ainda está aqui, que Ele permanece vivo entre nós, que Jesus está ao nosso lado aqui na praça: vivo e ressuscitado!
Papa Francisco
Audiência Geral 19.04.2017
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
A Primeira Carta do apóstolo Pedro tem em si uma carga extraordinária! É preciso lê-la uma, duas, três vezes para compreender esta carga extraordinária: ela consegue infundir grande consolação e paz, fazendo entender como o Senhor está sempre ao nosso lado e nunca nos abandona, sobretudo nos momentos mais delicados e difíceis da nossa vida. Mas qual é o «segredo» desta Carta, e de modo particular do trecho que acabamos de ouvir (cf. 1 Pd 3, 8-17)? Esta é uma pergunta. Sei que hoje abrireis o Novo Testamento, procurareis a primeira Carta de Pedro, lereis devagarinho, para entender o segredo e a força desta Carta. Qual é o segredo desta Carta?
O segredo consiste no facto que este escrito afunda as suas raízes diretamente na Páscoa, no coração do mistério que estamos para celebrar, fazendo com que compreendamos toda a luz e a alegria que brotam da morte e ressurreição de Cristo, que ressuscitou verdadeiramente, e esta é uma linda saudação para fazermos no dia da Páscoa: «Cristo ressuscitou! Cristo ressuscitou!», como muitos povos fazem. Recordar-nos de que Cristo ressuscitou, está vivo entre nós e habita em cada um de nós. É por isso que São Pedro nos convida com vigor a adorá-lo nos nossos corações (cf. v. 16). O Senhor começou a habitar ali no momento do nosso Batismo, e dali continua a renovar a nós e à nossa vida, enchendo-nos com o seu amor e a plenitude do seu Espírito. Eis então porque o Apóstolo nos recomenda a dizer a razão da esperança que está em nós (cf. v. 16): a nossa esperança não é um conceito, nem um sentimento, não é um telemóvel, nem uma porção de riquezas! A nossa esperança é uma Pessoa, é o Senhor Jesus que reconhecemos vivo e presente em nós e nos nossos irmãos, porque Cristo ressuscitou. Os povos eslavos quando se cumprimentam, em vez de dizer «bom dia», «boa noite», nos dias de Páscoa saúdam-se com a expressão «Cristo ressuscitou!», «Christos voskrese!» dizem entre si; e sentem-se felizes por isso! Este é o «bom dia» e a «boa noite» que se desejam: «Cristo ressuscitou!».
Compreendemos então que desta esperança não se deve dizer só a razão teórica, com palavras, mas sobretudo com o testemunho da vida, e isto deve acontecer quer no âmbito da comunidade cristã, quer fora dela. Se Cristo está vivo e habita em nós, no nosso coração, então devemos também deixar que se torne visível, sem escondê-lo, e que aja em nós. Isto significa que o Senhor Jesus deve tornar-se cada vez mais o nosso modelo: modelo de vida e que devemos aprender a comportar-nos como Ele se comportou. Fazer o que fez Jesus. Portanto, a esperança que habita em nós não pode permanecer escondida dentro de nós, no nosso coração: seria uma esperança débil, que não tem a coragem de sair e se mostrar: mas a nossa esperança, como se lê no Salmo 33 citado por Pedro, deve necessariamente desabrochar e sair, tomando a forma bonita e inconfundível da doçura, do respeito e da benevolência pelo próximo, chegando até a perdoar quem nos faz mal. Uma pessoa que não tem esperança não consegue perdoar, não consegue dar a consolação do perdão nem obter a consolação de perdoar. Sim, porque assim fez Jesus, e assim continua a fazer através de quantos lhes oferecem espaço no próprio coração e na vida, na consciência de que o mal não se vence com o mal, mas com a humildade, a misericórdia e a mansidão. Os mafiosos pensam que o mal pode ser derrotado com o mal, e assim praticam a vingança e muitas outras coisas que todos sabemos. Mas não sabem o que é a humildade, a misericórdia e a mansidão. E por quê? Porque os mafiosos não têm esperança. Pensai nisto.
Eis por que São Pedro afirma que «é melhor sofrer praticando o bem do que fazendo o mal» (v. 17): não significa que é bom sofrer, mas que quando sofremos pelo bem, estamos em comunhão com o Senhor, o qual aceitou sofrer e ser crucificado pela nossa salvação.
Quando também nós, nas situações mais simples e nas mais importantes da nossa vida, aceitamos sofrer pelo bem, é como se espalhássemos ao nosso redor as sementes da ressurreição, sementes de vida e fizéssemos resplandecer na escuridão a luz da Páscoa. É por isso que o Apóstolo nos exorta a responder sempre «desejando o bem» (v. 9): a bênção não é uma formalidade, não é só um sinal de cortesia, mas um grande dom que nós primeiro recebemos e depois temos a possibilidade de partilhar com os irmãos. É o anúncio do amor de Deus, um amor sem medida, que não se esgota, que nunca falta e que constitui o fundamento verdadeiro da nossa esperança.
Queridos amigos, compreendamos também porque o Apóstolo Pedro nos chama «bem-aventurados», se devêssemos sofrer pela justiça (cf. v. 13). Não é só por uma razão moral nem ascética, mas porque cada vez que desempenhamos a parte dos últimos e dos marginalizados ou não respondemos ao mal com o mal, mas perdoando, sem vingança, perdoando e abençoando, sempre que fazemos isto resplandecemos como sinais vivos e luminosos de esperança, tornando-nos assim instrumentos de consolação e de paz, segundo o coração de Deus. E assim vamos em frente com a doçura, a mansidão, com o ser amável e praticando o bem também àqueles que não nos querem bem ou nos fazem mal. Em frente!
Papa Francisco
Audiência Geral 05.04.2017
O trecho da Carta de São Paulo aos Romanos, que há pouco ouvimos, oferece-nos um grande dom. Com efeito, estamos habituados a reconhecer em Abraão o nosso pai na fé; hoje, o Apóstolo leva-nos a compreender que para nós Abraão é pai na esperança; não apenas pai da fé, mas pai na esperança. E isto porque na sua vicissitude já podemos ver um anúncio da Ressurreição, da vida nova que vence o mal e até a morte.
No texto diz-se que Abraão acreditou no Deus «que dá vida aos mortos e chama à existência o que está no vazio» (Rm 4, 17); e depois esclarece: «Ele não vacilou na fé, embora tenha reconhecido que o seu corpo estava sem vigor e o seio de Sara amortecido» (Rm 4, 19). Eis, esta é a experiência que também nós somos chamados a viver. O Deus que se revela a Abraão é o Deus que salva e faz sair do desespero e da morte, o Deus que chama à vida. Na vicissitude de Abraão tudo se torna um hino ao Deus que liberta e regenera, tudo se faz profecia. E assim se torna para nós, para nós que agora reconhecemos e celebramos o cumprimento de tudo isto no mistério da Páscoa. Com efeito, Deus «que dos mortos ressuscitou Jesus» (Rm 4, 24), a fim de que também nós, nele, possamos passar da morte para a vida. Assim, na verdade Abraão pode dizer-se justamente «pai de muitos povos», pois resplandece como anúncio de uma nova humanidade — nós! — por Cristo resgatada do pecado e da morte, e introduzida de uma vez para sempre no abraço do amor de Deus.
Nesta altura, Paulo ajuda-nos a elucidar o vínculo profundamente estreito entre a fé e a esperança. Com efeito, Ele afirma que Abraão, «esperando contra toda a esperança, teve fé» (Rm 4, 18). A nossa esperança não se baseia em raciocínios, previsões nem seguranças humanas; e manifesta-se quando já não há esperança, onde não há mais nada no que esperar, exatamente como aconteceu com Abraão, diante da sua morte iminente e da esterilidade da sua esposa Sara. Aproxima-se o fim para ambos, não podiam ter filhos, e naquela situação Abraão acreditou, esperando contra toda a esperança. E isto é grandioso! A profunda esperança radica-se na fé, e precisamente por isso é capaz de ir além de toda a esperança. Sim, porque não se fundamenta na nossa palavra, mas na Palavra de Deus. Então, inclusive neste sentido somos chamados a seguir o exemplo de Abraão que, não obstante a evidência de uma realidade que parece destinada à morte, confia em Deus e «estava plenamente convencido de que Deus era poderoso e podia cumprir o que prometera» (Rm 4, 21). Gostaria de vos fazer uma pergunta: nós, todos nós, estamos persuadidos disto? Estamos convictos de que Deus nos ama e que está disposto a cumprir tudo aquilo que nos prometeu? Mas padre, quanto temos que pagar por isto? Só há um preço: «abrir o coração». Abri os vossos corações e esta força de Deus levar-vos-á em frente, fará milagres e ensinar-vos-á o que é a esperança. Eis o único preço: abri o coração à fé e Ele fará o resto.
Este é o paradoxo e, ao mesmo tempo, o elemento mais forte, mais excelso na nossa esperança! Uma esperança fundada numa promessa que, do ponto de vista humano, parece incerta e imprevisível, mas que não esmorece nem sequer diante da morte, quando quem promete é o Deus da Ressurreição e da vida. Isto não é prometido por qualquer um! Aquele que faz a promessa é o Deus da Ressurreição e da vida.
Caros irmãos e irmãs, peçamos hoje ao Senhor a graça de permanecer firmes não tanto nas nossas seguranças, nas nossas capacidades, mas na esperança que deriva da promessa de Deus, como verdadeiros filhos de Abraão. Quando Deus promete, leva a cumprimento a sua promessa. Nunca falta à sua palavra. E então a nossa vida assumirá uma nova luz, na consciência de que Aquele que ressuscitou o seu Filho, há de ressuscitar também a nós, tornando-nos na realidade um só com Ele, juntamente com todos os nossos irmãos na fé. Todos nós cremos. Hoje estamos todos na praça, louvemos o Senhor, cantemos ao nosso Pai e depois receberemos a Bênção... Mas isto passa. Todavia, também esta é uma promessa de esperança. Se hoje mantivermos o coração aberto, garanto-vos que todos nós nos encontraremos na praça do Céu, que nunca passa para sempre. Esta é a promessa de Deus, esta é a nossa esperança, se abrirmos os nossos corações. Obrigado!
Papa Francisco
Audiência Geral 29.03.2017
Bom dia, estimados irmãos e irmãs!
Sabemos bem que o grande mandamento que o Senhor Jesus nos deixou é o de amar: amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente, e amar o próximo como a nós mesmos (cf. Mt 22, 37-39), ou seja, somos chamados ao amor, à caridade. E esta é a nossa vocação mais sublime, a nossa vocação por excelência; e a ela está vinculado também o júbilo da esperança cristã. Quem ama tem a alegria da esperança, de chegar a encontrar o grande amor que é o Senhor.
No trecho da Carta aos Romanos que há pouco ouvimos, o Apóstolo Paulo alerta-nos: existe o risco de que a nossa caridade seja hipócrita, que o nosso amor seja hipócrita. Então, devemos interrogar-nos: quando se verifica esta hipocrisia? E como podemos estar certos de que o nosso amor é sincero, que a nossa caridade é autêntica? Que não fingimos que praticamos a caridade ou que o nosso amor não é uma telenovela: amor sincero, forte...
A hipocrisia pode insinuar-se em toda a parte, até no nosso modo de amar. Isto verifica-se quando o nosso amor é interesseiro, impelido por interesses pessoais; e quantos amores interesseiros existem... quando os serviços de caridade nos quais parece que trabalhamos são realizados para nos mostrarmos ou para nos sentirmos satisfeitos: «Mas como sou bom!». Não, isto é hipocrisia! Ou então quando visamos situações que tenham «visibilidade» para mostrar a nossa inteligência ou a nossa capacidade. Por detrás de tudo isto existe uma ideia falsa, enganadora, ou seja, se amamos é porque somos bons; como se a caridade fosse uma criação do homem, um produto do nosso coração. Ao contrário, a caridade é antes de tudo uma graça, um presente; poder amar é uma dádiva de Deus, que devemos pedir. E Ele concede-o de bom grado, se lho pedirmos. A caridade é uma graça: não consiste em fazer transparecer o que nós somos, mas aquilo que o Senhor nos oferece e que nós recebemos livremente; e não se pode expressar no encontro com o próximo, se antes não for gerado pelo encontro com o semblante manso e misericordioso de Jesus.
Paulo convida-nos a reconhecer que somos pecadores e que até o nosso modo de amar é marcado pelo pecado. No entanto, ao mesmo tempo faz-se portador de um anúncio novo, um anúncio de esperança: o Senhor abre-nos um caminho de libertação, uma vereda de salvação. É a possibilidade de vivermos, também nós, o grande mandamento do amor, de nos tornamos instrumentos da caridade de Deus. E isto acontece quando nos deixamos curar e renovar o coração por Cristo ressuscitado. O Senhor ressuscitado que vive no meio de nós, que vive ao nosso lado, é capaz de curar o nosso coração: e fá-lo se lho pedirmos. É Ele quem nos permite, não obstante a nossa pequenez e pobreza, experimentar a compaixão do Pai e celebrar as maravilhas do seu amor. Então, compreende-se que tudo o que podemos ver e fazer pelos irmãos é apenas a resposta àquilo que Deus fez e continua a fazer por nós. Aliás, é o próprio Deus que, fazendo morada no nosso coração e na nossa vida, continua a aproximar-se e a servir todos aqueles que encontramos todos os dias no nosso caminho, a começar pelos últimos e pelos mais necessitados, nos quais Ele é o primeiro que se reconhece.
Então, com estas palavras o Apóstolo Paulo não quer tanto repreender-nos, como ao contrário encorajar-nos e reavivar a nossa esperança. Com efeito, todos nós fazemos a experiência de não viver o mandamento do amor plenamente ou como deveríamos. Mas também isto é uma graça, porque nos leva a compreender que sozinhos não somos capazes de amar de maneira autêntica: temos necessidade de que o Senhor renove continuamente este dom no nosso coração, através da experiência da sua misericórdia infinita. Só assim voltaremos a apreciar as pequenas coisas, as coisas simples, ordinárias; só assim voltaremos a valorizar todas estas pequenas coisas de todos os dias e seremos capazes de amar os outros como Deus os ama, desejando o seu bem, isto é, que sejam santos, amigos de Deus; e ficaremos contentes com a possibilidade de nos tornarmos próximos de quantos são pobres e humildes, como Jesus faz com cada um de nós quando nos afastamos dele, de nos inclinarmos aos pés dos irmãos como Ele, Bom Samaritano, faz com cada um de nós, mediante a sua compaixão e o seu perdão.
Amados irmãos, o que o Apóstolo Paulo nos recordou é o segredo para sermos — uso as suas palavras — o segredo para sermos «alegres na esperança» (Rm 12, 12): alegres na esperança. O júbilo da esperança, pois sabemos que em cada circunstância, até na mais adversa e inclusive através dos nossos próprios fracassos, o amor de Deus não esmorece. Então, com coração visitado e habitado pela sua graça e pela sua fidelidade, vivamos na jubilosa esperança de partilhar com os irmãos, no pouco que podemos, aquilo que recebemos dele todos os dias. Obrigado!
Papa Francisco
Audiência Geral 15.03.2017
imagem: site do vaticano
Neste dia, Quarta-feira de Cinzas, entramos no tempo litúrgico da Quaresma. E dado que estamos a desenvolver o ciclo de catequeses sobre a esperança cristã, hoje gostaria de vos apresentar a Quaresma como caminho de esperança. Com efeito, esta perspectiva é logo evidente se pensarmos que a Quaresma foi instituída na Igreja como tempo de preparação para a Páscoa, e portanto todo o sentido deste período de quarenta dias recebe a luz do mistério pascal para o qual se orienta. Podemos imaginar o Senhor ressuscitado que nos chama a sair das nossas trevas, e nós colocamo-nos a caminho para Ele, que é a Luz.
A Quaresma é um caminho para Jesus ressuscitado, um período de penitência, bem como de mortificação, mas não é um fim em si própria, e sim dirigida a fazer-nos ressurgir com Cristo, a renovar a nossa identidade batismal, isto é, a renascer novamente «do alto», do amor de Deus. Eis porque a Quaresma é, pela sua natureza, tempo de esperança.
Para compreender melhor o que isto significa, devemos referirmo-nos à experiência fundamental do êxodo dos israelitas do Egito, narrada pela Bíblia no livro que tem esse nome: Êxodo. O ponto de partida é a condição de escravidão do Egito, a opressão, os trabalhos forçados. Mas o Senhor não esqueceu o seu povo e a sua promessa: chama Moisés e, com braço poderoso, faz sair os israelitas do Egito e guia-os através do deserto em direção à Terra da liberdade.
Durante este caminho da escravidão à liberdade, o Senhor dá aos israelitas a lei, para o educar a amá-lo, único Senhor, e a amarem-se entre eles como irmãos. A Escritura mostra que o êxodo é longo e tormentoso: simbolicamente dura 40 anos, isto é, o tempo de vida de uma geração. Uma geração que, perante as provações do caminho, é sempre tentada a recordar com saudade o Egito e a ele regressar; também todos nós conhecemos a tentação de voltar atrás, todos. Mas o Senhor permanece fiel e aquela pobre gente, guiada por Moisés, chega à Terra prometida.
Todo este caminho é realizado na esperança: a esperança de alcançar a Terra, e precisamente neste sentido é um "êxodo", uma saída da escravidão à liberdade. E estes 40 dias são também para nós uma saída do pecado e um caminho para o Senhor. Cada passo, cada esforço, cada prova, cada queda e cada retomada, tudo tem sentido apenas no interior do desígnio de salvação de Deus, que quer para o seu povo a vida e não a morte, a alegria e não a dor.
A Páscoa de Jesus é o seu êxodo, com o qual Ele nos abriu o caminho para chegar à vida plena, eterna e feliz. Para abrir este caminho, esta passagem, Jesus deve de despojar-se da sua glória, humilhar-se, fazer-se obediente até à morte e à morte de cruz. Abrir-nos a estrada para a vida eterna custou todo o seu sangue, e graças a Ele nós fomos salvos da escravidão do pecado.
Mas isto não quer dizer que Ele fez tudo e nós não temos de fazer nada, que Ele passou através da cruz e nós "vamos para o paraíso de carruagem". Não quer dizer isto. Não é assim. A nossa salvação é certamente dom seu, dado que é uma história de amor, requer amor, requer o nosso "sim" e a nossa participação, como nos demonstra a nossa Mãe Maria e depois dela todos os santos.
A Quaresma vive desta dinâmica: Cristo precede-nos com o seu êxodo, e nós atravessamos o deserto graças a Ele e atrás dele. Ele foi tentado por nós e venceu o Tentador por nós, mas também nós temos com Ele de enfrentar as tentações e superá-las. Ele dá-nos a água viva do seu Espírito, e a nós cabe extrair da sua fonte e beber, nos sacramentos, na oração, na oração; Ele é a luz que vence as trevas, e a nós é pedido alimentar a pequena chama que nos foi confiada no dia do nosso Batismo.
Neste sentido, a Quaresma é «sinal sacramental da nossa conversão», quem faz a estrada da Quaresma está sempre na estrada da conversão, do nosso caminho da escravidão à liberdade, sempre a renovar. Um caminho certamente exigente, como é justo que seja, pois o amor é exigente, mas um caminho repleto de esperança. Aliás, direi mais: o êxodo quaresmal é o caminho em que a própria esperança se forma.
O esforço de atravessar o deserto - todas as provações, as tentações, as ilusões, as miragens -, tudo isto serve para forjar uma esperança forte, sólida, sobre o modelo daquela da Virgem Maria, que no meio das trevas da paixão e da morte do seu Filho continuou a acreditar e a esperar na sua ressurreição, na vitória do amor de Deus.
Com o coração aberto a este horizonte, entremos hoje na Quaresma. Sentindo-nos parte do povo santo de Deus, iniciamos hoje com alegria este caminho de esperança.
Papa Francisco
Audiência Geral 1.2.2017
Desde a infância nos ensinam que não é bom orgulhar-se. Na minha terra, aqueles que se vangloriam são chamados «pavões». E é correto, porque orgulhar-nos daquilo que somos ou do que possuímos, além de uma certa soberba, revela também uma falta de respeito pelos outros, especialmente por quantos são mais desafortunados do que nós. Mas neste trecho da Carta aos Romanos, o Apóstolo Paulo surpreende-nos porque por duas vezes nos exorta a orgulhar-nos. Então, do que é correto orgulhar-se? Pois se ele exorta a orgulhar-se, é correto orgulhar-se de algo. E como é possível fazer isto, sem ofender o próximo, sem excluir ninguém?
No primeiro caso, somos convidados a orgulhar-nos da abundância da graça que nos permeia em Jesus Cristo, por meio da fé. Paulo deseja levar-nos a compreender que, se aprendermos a ver tudo na luz do Espírito Santo, compreenderemos que tudo é graça! Tudo é dom! Com efeito, se prestarmos atenção, quem age — tanto na história como na nossa vida — não somos nós, mas antes de tudo Deus. Ele é o protagonista absoluto, que cria tudo como dádiva de amor, que tece a trama do seu desígnio de salvação e que o leva a cumprimento por nós, mediante o seu Filho Jesus. A nós pede-se que reconheçamos tudo isto, que o recebamos com gratidão e que o levemos a tornar-se motivo de louvor, de bênção e de grande alegria. Se fizermos isto, estaremos em paz com Deus e faremos experiência da liberdade. E depois esta paz propaga-se a todos os âmbitos e a todos os relacionamentos da nossa vida: estamos em paz conosco mesmos, estamos em paz em família, na nossa comunidade, no trabalho e com as pessoas que encontramos todos os dias ao longo do nosso caminho.
Mas Paulo exorta a orgulhar-se também nas tribulações. Isto não é fácil de entender. Para nós isso é mais difícil e pode parecer que nada tem a ver com a condição de paz há pouco descrita. Ao contrário, constitui o seu pressuposto mais autêntico e mais verdadeiro. Com efeito, a paz que o Senhor nos oferece e nos garante não deve ser entendida como ausência de preocupações, de desilusões, de faltas, de motivos de sofrimento. Se fosse assim, caso conseguíssemos estar em paz, esse momento acabaria depressa e inevitavelmente cairíamos no desânimo. Ao contrário, a paz que brota da fé é um dom: é a graça de experimentar que Deus nos ama e que está sempre ao nosso lado, não nos deixa sós nem sequer um instante da nossa vida. E isto, como afirma o Apóstolo, gera paciência porque sabemos que, até nos momentos mais difíceis e desconcertantes, a misericórdia e a bondade do Senhor são maiores do que tudo e nada nos tirará das suas mãos e da comunhão com Ele.
Eis, então, por que a esperança cristã é sólida, eis por que não desilude. Nunca desilude. A esperança não desengana! Não está fundada no que nós podemos fazer ou ser, e nem sequer naquilo em que podemos acreditar. O seu fundamento, ou seja, o fundamento da esperança cristã, é o que de mais fiel e seguro pode existir, isto é, o amor que o próprio Deus alimenta por cada um de nós. É fácil dizer: Deus ama-nos. Todos o dizemos. Mas pensai um pouco: cada um de nós é capaz de dizer: estou convicto de que Deus me ama? Não é tão fácil dizê-lo. Mas é verdade. É um bom exercício, dizer a si mesmo: Deus ama-me. Esta é a raiz da nossa segurança, a raiz da esperança. E o Senhor infundiu abundantemente nos nossos corações o Espírito — que é o amor de Deus — como artífice, como garante, exatamente para que possa nutrir a fé dentro de nós e manter viva esta esperança. E esta segurança: Deus ama-me. «Mas neste momento difícil» — Deus ama-me. «E eu, que cometi esta ação feia e má?» — Deus ama-me. Ninguém nos priva desta segurança. E devemos repeti-lo como prece: Deus ama-me. Estou convicto de que Deus me ama. Estou convencida de que Deus me ama.
Agora compreendemos por que razão o Apóstolo nos exorta a orgulhar-nos sempre de tudo isto. Orgulho-me do amor de Deus, porque Ele me ama. A esperança que nos é oferecida não nos separa dos outros, e muito menos nos leva a desacreditá-los ou a marginalizá-los. Ao contrário, trata-se de uma dádiva extraordinária da qual somos chamados a tornar-nos «canais» para todos, com humildade e simplicidade. E então o nosso maior orgulho consistirá em ter como Pai um Deus que não tem preferências, que não exclui ninguém, mas que abre a sua casa a todos os seres humanos, a começar pelos últimos e pelos distantes a fim de que, como seus filhos, aprendamos a consolar-nos e a ajudar-nos uns aos outros. E não vos esqueçais: a esperança não desilude!
Papa Francisco
Audiência geral 15.02.2017
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