A eucaristia é a culminância e a fonte de toda a vida da Igreja, o sacramento da união dos seres humanos com Deus e entre si. Na santa ceia, o Senhor se torna presente na história da maneira mais completa, congregando o seu povo: é a eucaristia que faz a Igreja. Simultaneamente, na celebração da eucaristia a Igreja invoca o Dom de Deus, abrindo-se para recebê-lo, com a humilde acolhida de louvor: é a Igreja fazendo a eucaristia.
Jesus, antes da Páscoa, celebrou com os seus a última ceia dentro do contexto de um banquete pascal hebraico. Nesse banquete, recordavam-se as maravilhas realizadas pelo senhor na história da aliança crendo-se que o poder do Eterno as tornaria presentes e eficazes para essa mesma comunidade que as celebrava(memorial); o memorial da Ceia – bem cedo denominado Eucaristia, em alusão à ação de Graças dentro da qual é realizado – tornou-se desde logo ato vital da Igreja nascente que era assídua no partir o pão.
Em prosseguimento a esta tradição apostólica, o gesto sacramental da celebração da eucaristia sempre foi o escolhido por Jesus Cristo: partir o pão da fraternidade e condividir o cálice do vinho da opção comum.
Na celebração da Ceia do Senhor, a presença da Trindade apresenta uma evidência especial: a eucaristia é ação de graças ao Pai, memorial do Filho e invocação do Espírito Santo. A ação de graças é dirigida a Deus pelos benefícios dele recebidos, em prosseguimento à tradição hebraica da benção, que Jesus adotou como sua: ela é o reconhecimento da primazia absoluta da iniciativa divina, uma profissão de louvor pelas maravilhas realizadas pelo Eterno tanto na criação como na redenção, e a invocação daquele Dom que só de Deus procede e que se cumprirá totalmente quando chegar a plenitude do Reino. A Ceia do Senhor deve, portanto, despertar em nós antes de mais nada, um estilo de vida repleto de agradecimento, de adoração e de oferta, referindo tudo a Deus como fonte primeira e pátria definitiva e abrindo-se para acolher o Dom que somente dele provém. Esse estilo de gratidão e admiração nos liberta do aprisionamento em nós mesmos, abrindo nossa alma para as surpresas de Deus. Onde não houver gratidão, o Dom ficará perdido; onde se realizar a eucaristia, ele se tornará plenamente fecundo.
Enquanto memorial do mistério pascal do Filho, a eucaristia é o Sacramento do sacrifício da cruz e é, também, o banquete em que participamos realmente do Corpo e do Sangue do Senhor: não comemoração vazia, mas memória eficaz, o memorial no sentido bíblico significa que o acontecimento da salvação se torna presente, por obra do Espírito de Deus, no dia-a-dia da comunidade que celebra. O Cristo morto e ressuscitado está presente sob as aparências do pão e do vinho, que se transformam ambos no seu Corpo e no seu Sangue: a santa ceia é o sacramento do pleno encontro com ele. Unindo-se ao sacrifício que Cristo realizou uma vez por todas na cruz e que se torna presente no sacramento do altar, a comunidade que o celebra se oferece ao Pai, ingressando na paz de reconciliação realizada pelo Crucificado Ressuscitado.
A eucaristia, enquanto memorial da morte e ressurreição do Senhor, tende, então, a despertar uma vida pascal através da qual os ressuscitados, que no pão da vida encontraram o Ressuscitado, experimentam e irradiam sua vitória sobre a morte e sobre o pecado. Unidos a Cristo na participação da sua cruz, eles também ficaram unidos a ele no vigor da ressurreição, graças a ele reconciliados com o Pai e com os outros seres humanos e capazes de edificarem o Corpo dele na história.
Finalmente, a eucaristia é uma invocação ou “epiclese” do Espírito Santo: sendo o Espírito Santo quem atualiza no tempo a presença e a obra de Cristo, a Igreja suplica ao Pai o Dom do Consolador, para que torne presente sob as espécies sacramentais o Cristo morto e ressuscitado. Graças à obra do Espírito Santo, o Ressuscitado não somente se torna presente sob as aparências do pão e do vinho, mas também transforma a comunidade celebrante em seu Corpo presente na história. É por isso que a Igreja dirige ao Pai este duplo pedido: Envia o teu Espírito para que santifique os dons que te oferecemos, a fim de que se tornem o corpo e o sangue de Jesus Cristo, teu filho e nosso Senhor, que nos mandou celebrar estes mistérios” e a nós, que nos alimentamos com o corpo e o sangue de teu Filho, concede a plenitude do Espírito Santo a fim de nos tornarmos, em Cristo, um só corpo e um só espírito.
A vida Eucarística suscitada pela ação do Espírito Santo é, portanto, comunhão, testemunho e serviço: ela impõe ao cristão o compromisso de viver como reconciliado e de anunciar e transmitir aos outros a graça da comunhão que lhe foi gratuitamente concedida.
(FORTE, Bruno. Introdução aos Sacramentos.São Paulo: Paulus, 1996, p.55-62. Adaptação)
A Eucaristia toma um lugar central na celebração dos sacramentos. Todos os sacramentos estão voltados para ela e encontram nela sua fonte e seu ponto culminante. É a raiz e o centro da comunidade cristã.
A refeição na Bíblia
Para entender toda a riqueza da Eucaristia, devemos olhar a Bíblia, tanto o Antigo como o Novo Testamento. Na Bíblia, a refeição é sinal de amizade, hospitalidade, paz e perdão, presença de Deus. É sinal da Aliança de Deus com seu povo: é sinal do Reino. Toda refeição tem algo de sagrado.
Por isto, os judeus não podem tomar a refeição com os pecadores ou pessoas de outra religião. Como alguém que não é amigo de Deus pode sentar-se à mesa onde Deus está no meio dos seus amigos?
As refeições de Jesus
Nos evangelhos percebemos que também para Jesus a refeição é muito importante. Para ele, cada refeição é celebração da vinda do Reino, da alegria que haverá de vir. Até depois da ressurreição, Jesus se dá a conhecer através de refeições.
Jesus toma refeição com os pecadores, causando grande escândalo aos judeus. Mas ele faz questão de fazê-lo para mostrar que o Reino de Deus, do qual a refeição é símbolo, é também para os pecadores.
Também a Eucaristia é um sinal do Reino. É o banquete que antecipa a alegria do Reino, a união, a paz com Deus e com os irmãos, a fraternidade e a partilha.
Já no AT pão e vinho eram símbolos do Reino de Deus. Jesus toma esses símbolos para celebrar sua refeição conosco. Em João(Cap. 6) Jesus se chama o “Pão da vida”. Dizendo que ele mesmo é o Pão da Vida. João quer dizer também que é necessário “assimilar “Cristo em nossa vida, fazer o seu programa de vida: doação ao Pai, aos irmãos; morrer com Cristo para poder ressuscitar com ele.
A última refeição
No meio de tantas refeições, a última refeição do Senhor toma lugar todo especial. É a refeição da despedida e, ao mesmo tempo, a sua ordem: Façam isto em memória de Mim.
No tempo de Jesus, cada refeição tinha uma ligação com Deus. Celebrava a presença de Deus no meio de seus amigos, anunciando o Reino. Cada refeição começava com uma oração, pronunciada pelo pai de família(ou algum hospede indicado por ele). O pai tomava o pão, levantando-o e pronunciava uma oração. Os presentes respondiam, dizendo “amém”. Em seguida, o pai repartia o pão, dando um pedacinho a cada um e todos, ao mesmo tempo, comiam o pão. Este se chamava o pão da benção. Comendo juntos, expressavam sua adesão às palavras do pai.
Depois da refeição, recitava-se uma oração de agradecimento. O pai levantava o “cálice da benção” e pronunciava uma oração. Os presentes respondiam novamente “amém” e todos bebiam do cálice que passava entre eles.
Quando Jesus, na última ceia, repartiu o pão e deu o cálice a beber, não fez algo de novo. O novo está no sentido que ele dá a esse gesto.
Conforme os evangelistas sinóticos, a última ceia foi uma ceia pascal. Todos os anos, os judeus celebravam sua libertação da escravidão do Egito na festa da Páscoa. Naquela festa preparava-se uma refeição, acompanhada de cantos, orações e leituras. Era uma ação de graças, um ato de louvor a Deus pelos benefícios recebidos, especialmente a libertação. Comemorava-se também a aliança concluída no monte Sinai quando Deus deu a lei a seu povo. A ceia pascal seguia as prescrições como estão no livro do Êxodo.
Fazia parte do ritual a explicação que o pai dava aos presentes do sentido da ceia. Ele devia explicar também o sentido do cordeiro, das ervas amargas e do pão ázimo. O cordeiro lembrava a libertação do Egito, ocasião em que Deus poupou as casas, cujos umbrais tinham sido aspergidos com o sangue do cordeiro pascal. As ervas amargas lembravam a amargura da escravidão e o pão ázimo a pressa com que o povo saíra do Egito, não tendo de esperar o pão fermentar.
Assim como pai explicava tais simbolismos, também Jesus explicou o novo sentido do pão e do vinho. Depois de tomar o pão em suas mãos e pronunciar a benção, Jesus repartir o pão e deu uma parte a cada um dos seus discípulos, dizendo: “Isto é o meu corpo, que é dado por vocês”. Na língua dos judeus, “corpo” significa a pessoa toda, Jesus quis dizer: “Sou eu que vou ser crucificado por vocês”. No fim da ceia tomou o vinho e explicou o sentido: “Este vinho é o sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vocês”. Assim como o sangue do cordeiro libertou os israelitas da escravidão, o sangue de Cristo libertará da escravidão do pecado. Assim como o sangue dos animais oferecidos a Deus selava a Aliança no monte Sinai(Ex 24,8), o sangue de Cristo selará a Nova Aliança concluída na cruz.
As refeições continuam
As primeiras comunidades cristãs se reuniam frequentemente para a fração do pão, especialmente aos domingos. Repetiam os gestos de Jesus e celebravam assim a morte do Senhor ressuscitado. Na Bíblia, comemorar, celebrar, sempre quer dizer: trazer o passado para o presente. Cada ceia pascal não somente lembrava a libertação, mas trazia essa libertação para a atualidade. Assim também a celebração da morte do Senhor traz o sacrifício de Cristo para o presente. O sacrifício de Cristo é único. Mas, em cada celebração da Eucaristia, comemoramos e se torna atual o sacrifício de Cristo, para que nós, conscientemente, participemos da doação de Jesus e vivamos de sua força. É o sentido da comunhão: comer o corpo e beber o sangue do Senhor, unindo-nos assim a Cristo no seu ato de extrema doação.
Os primeiros cristãos usavam a expressão “Eucaristia”. É uma palavra grega que quer dizer: “Ação de graças”. Também usavam a expressão: fração do pão e Ceia do Senhor.
Resumindo, podemos dizer que a Eucaristia é:
-um ato de louvor e de agradecimento ao Pai pelos benefícios recebidos em Cristo;
-comemoração, recordação eficaz, do sacrifício da Nova Aliança;
-celebração da presença do Senhor Ressuscitado no meio da sua comunidade.
-sinal do Reino que deve ser anunciado e construído por nós.
Inês Broshuis
In: Sinal do Reino, Editora Vozes.
Nos primeiros séculos do cristianismo, Batismo, Crisma e Eucaristia constituíam na Igreja uma unidade. Como já vimos, são chamados Sacramentos da iniciação pelos quais o novo cristão se integrava na comunidade dos seguidores de Cristo.
Na Igreja Oriental, até hoje, Batismo, Crisma e Eucaristia constituem uma unidade inseparável. A separação na Igreja Latina se deu por razões de ordem prática, não de ordem teológica. O cristianismo propagou-se principalmente nas cidades. Cada comunidade urbana era presidida pelo bispo, auxiliado por seu presbitério e pelos diáconos. No Batismo-Crisma, os presbíteros, diáconos e diaconisas batizavam, enquanto o bispo realizava a unção pós-batismal.
A celebração se realizava na Vigília da Páscoa. À medida que o cristianismo se expandia pelas regiões rurais, tomava-se impossível a presença do bispo nas celebrações da Vigília Pascal nas paróquias. Havia duas possibilidades de solucionar o impasse: delegar toda a celebração ao presbítero ou deixar a unção por parte do bispo para outra oportunidade, quando a pessoa viesse à cidade ou o bispo visitasse as comunidades. A Igreja do Oriente preferiu a primeira alternativa e a Igreja Latina, a Segunda solução.
Com a separação perdeu-se, na Igreja Latina, ao passar dos séculos, a consciência da unidade dos três sacramentos. Quando, no século XII, se inicia a reflexão explícita sobre os sete sacramentos, a teologia busca o sentido para a Crisma, sem levar em conta a sua unidade com o Batismo e a Eucaristia. Aparecem duas perspectivas: a primeira (Séc.V) afirma que a graça específica da Crisma consiste em tornar-se soldado de Cristo. A Crisma será, então, a investidura do cavaleiro de Cristo (daí o conhecido "tapa" que o bispo dava no rosto do crismado depois de ungí-lo). A outra(Séc.IX) vê o específico da Crisma na capacitação para a profissão de fé pública e para o testemunho.
Há ainda outra modalidade, também tradicional, de explicar a Crisma. Há fases etárias e circunstâncias na vida humana que são experimentadas como decisivas ou perigosas. Todas as religiões as ritualizam. Tais o nascimento, a puberdade, a idade adulta, o casamento, a morte... Muitos talvez considerem mais fácil explicar a Crisma a partir da fase de idade em que hoje é administrada. Encontram apoio em S Tomás de Aquino.
Na pastoral da Igreja Latina, a separação entre Batismo e Crisma, introduzida por razões práticas, acentuou-se com a generalização do Batismo de crianças e tomou-se ainda maior pela prática da Primeira Comunhão de crianças, introduzida por Pio X, em 1910. Por motivos pastorais, em vez da ordem dos sacramentos da iniciação (Batismo-Crisma-Eucaristia), dá-se normalmente uma ordem diferente (Batismo - Penitência - Eucaristia - Crisma). No Batismo de adultos, segue-se, normalmente, a ordem original: Batismo - Crisma - Eucaristia.
(CNBB. Orientações para a Catequese da Crisma. Estudos da CNBB nº 61, São Paulo, Paulinas, 1989)
Ser Testemunha pela força do Espírito Santo
Quando a gente está numa roda e aparece uma pessoa que acaba de tomar banho, logo se percebe. O perfume, aquele cheirinho agradável, logo vai tomando conta do lugar. E indica que aquela pessoa acaba de passar por um banho. Pelo perfume, a pessoa faz sentir a sua presença naquele lugar e grupo.
No sacramento da crisma se faz o gesto de ungir a pessoa com óleo perfumado(o crisma). Não é qualquer óleoque se usa, mas óleo perfumado. O que se quer dizer com este gesto?
Em sua segunda carta aos Coríntios, São Paulo fala que, pelos cristãos, Deus espalha por toda parte o perfume do conhecimento de Cristo (Cf. 2Cor 2,14). Em toda a parte onde o cristão estivesse devia-se sentir “cheiro de cristão”. Que cheiro é esse? É o amor, a bondade, a alegria, a justiça, a obediência à Palavra de Deus, o respeito às pessoas. Esse é o cheiro do cristão, porque é o cheiro de Cristo. Pela sua atitude o cristão dá testemunho de Cristo. Isso acontece pela força que o Espírito Santo nos dá. É graça. Ninguém consegue essa força, se Deus não a dá. Por isso no sacramento da crisma se festeja esse presente de Deus.
Somos ungidos com óleo perfumado. A Bíblia conta de três classes de pessoas que antigamente era ungidas: os sacerdotes, os reis e os profetas. Jesus é chamado com o “sobrenome” de Cristo. Na língua grega significa “ungido”. É como se a gente dissesse: Jesus Ungido em vez de Jesus Cristo. Isso porque ele é sacerdote, rei e profeta. Foram três maneiras de ele viver sua vida. É fazendo o mesmo que espalhamos o perfume de Jesus.
Esse é o perfume que o cristão espalha por todos os lugares, o testemunho que ele dá de Jesus Cristo. O cristão recebe a unção, é também um ungido. Pela Crisma, somos ungidos no “Ungido”.
Com isso a gente vê que o fato importante festejado na crisma é o mesmo do batismo: a conversão, a passagem dos ídolos ao Deus verdadeiro. Ao celebrar esta conversão, por graça de Deus e pela força do Espírito Santo, participamos do mistério pascal de Cristo. Tomamos parte na sua passagem da morte para a vida (ressurreição), na sua volta ao Pai (ascensão) e no dom do Espírito Santo, que a nos envia em missão (pentecostes). É tão importante a participação no mistério pascal pelo dom do Espírito Santo, que a comunidade a celebra numa festa especial: o sacramento da crisma. Porque é pela força e pela ação do Espírito Santo que o cristão e a comunidade cristã dão testemunho de Jesus Cristo, têm 'o cheiro de Cristo'.
Na Bíblia, descobrimos que o Espírito Santo tem uma dupla função: a de dar a vida ou suscitar a vida e a de levar a vida até sua perfeição. Assim também pelo Batismo, o Espírito Santo nos concede a vida divina, e no Sacramento da Crisma recebemos o Espírito Santo para chegarmos à perfeição.
Portanto, a Crisma não é só o Sacramento que nos faz soldados de Cristo, não é apenas o Sacramento do testemunho ou do apostolado, não é o Sacramento da idade adulta, mas o Sacramento do Espírito Santo que nos dá a força para podermos chegar à perfeição, à santidade, vivendo em todas as circunstâncias de nossa vida, no trabalho, na saúde e nas enfermidades, nas alegrias e nas tristezas, na construção do mundo. É um sacramento que perdura a vida toda, pois nunca chegaremos ao final do caminho da perfeição. Todas as vezes que nos encontramos em alguma dificuldade em nossa vida, nossa vocação cristã, podemos pedir e obter força do Espírito Santo. No dia de nossa confirmação estabeleceu-se uma aliança entre Deus e nós neste sentido.
A palavra confirmação tem o sentido de tomar firme e forte. Esse nome apareceu pela primeira vez no Concílio de Orange (ano 441). Apóia-se no texto de Paulo: “Quem nos confirma a nós e a vós em Cristo, e nos consagrou, é Deus. Ele nos marcou com o seu selo e deu aos nossos corações o penhor do Espírito” (2Cor 1, 21 - 22).
A comunidade, onde os cristãos se unem e reúnem, é o espaço onde tudo isto se realiza. Sem comunidade unida e solidária não há testemunho de Jesus Cristo. O próprio Jesus o expressa na sua oração ao Pai: que todos sejam um...para que o mundo creia que Tu me enviaste' (Jo 17, 21).
Como em Pentecostes, o crismado é convocado a exprimir sua fé no testemunho do Reino. A festa da Crisma é a festa do Espírito agindo na Igreja. Esse sacramento acentua o envio, a missão. A Crisma é um começo e não um ponto de chegada. Manifesta-se assim seu caráter de Iniciação.
(Continua)
Lucimara Trevizan
Equipe do Catequese Hoje
A água é uma dessas coisas que não podem faltar. A presença da água significa presença de vida. Nem a planta, nem os animais, nem as pessoas podem viver sem água. Para um agricultor, cansado de trabalhar, uma caneca de água faz recuperar as forças. E passar pela água do banho parece que dá vida nova, enche o corpo de ânimo; tira o cansaço e purifica. A água é, pois, símbolo de vida e de purificação.
Mas a água é também símbolo de morte. Basta lembrar as enchentes que acontecem de vez em quando. Também para uma pessoa que está se afogando, a água significa morte. E ser libertado por alguém da água significa como que nascer de novo. Assim, a água é símbolo de vida e de morte.
Por isso se batiza com água, porque o batismo festeja nossa morte aos ídolos e a vida nova que surge da força de Deus. Abandonar os ídolos e passar ao Deus vivo e verdadeiro é a grande luta do cristão. O batismo festeja o início desta luta.
O que é um ídolo? Ídolo é tudo aquilo que faz a gente desistir da luta. Que faz a gente se acomodar, ser escravo. Ídolo é toda força que traz morte. É a força que faz a gente se encher de coisas e se esvaziar de Deus, que é vida. Ídolos são todas as coisas que na vida da gente substituem Deus. É o dinheiro e o poder, a ganância e o egoísmo, o prazer sem amor e a falta de partilha. Tudo aquilo que transforma o homem em morte; que mata o homem. É o trabalho, quando o povo se mata trabalhando para receber um salário que produz morte em vez de vida, e pensa que deve ser assim. Está contente com isso. Também se aceita um ídolo, quando se aprova a sociedade que mantém um tipo de trabalho que gera a morte.
Passar para o Deus vivo e verdadeiro é, portanto, morrer para esses ídolos, lutar contra todas essas forças que trazem a morte e que sempre estão aí tentando a gente. E toda força de morte só se pode vencer com a força de vida. A única força de vida é o Deus vivo e verdadeiro (Cf. 1Ts 1,9). A passagem ao Deus vivo e verdadeiro nós chamamos de conversão. É um objetivo a ser buscado a vida inteira do cristão.
No batismo o passar pela água indica a passagem da morte para a vida. Passar pela água. Mergulhar, afogar-se, morrer e sair com vida nova. Ou simplesmente derramar água sobre a cabeça da pessoa.
Esse passar pela água lembra muita coisa. Lembra a passagem pelo Mar Vermelho, saindo da escravidão do Egito para a Terra Prometida, terra da libertação. Lembra o batismo de Jesus no rio Jordão. Lembra o nosso dia-a-dia. A vida do cristão de todo dia: passar dos ídolos, que geram e significam morte, ao Deus vivo e verdadeiro. Passar pela água significa que a gente se purifica, limpa da sujeira dos ídolos e coloca na vida própria e na da comunidade a pureza, isto é, a verdade e a justiça, a caridade e a partilha.
O gesto simbólico de passar pela água vem acompanhado pelas palavras: 'Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28,19). Este é o Deus vivo e verdadeiro que Jesus Cristo nos revela. Ao sermos batizados em nome do Deus que Jesus Cristo nos revela recebemos o Espírito Santo para lutar por fazer na vida da gente a grande passagem de Jesus: da morte para a ressurreição, a vida nova.
Assim como quem nasce do mesmo Pai e da mesma mãe é irmão, quem nasce da água e do Espírito Santo, pelo batismo, pertence à família da comunidade cristã. Na família da gente todo mundo luta junto. Quando isso não acontece, dá tristeza, porque não devia ser assim. A peleja do cristão, seguindo a Jesus, também se dá numa família que é a comunidade cristã. É junto com as outras pessoas que crêem em Jesus ressuscitado que vamos lutar, passar da morte à vida, do pecado à graça. A vida nova recebida no batismo põe para dentro da comunidade cristã, a Igreja.
Na comunidade e com a comunidade o batizado vai viver como Jesus viveu: vencer a morte com a vida. E na comunidade o novo cristão vai encontrar apoio para ser fiel a Deus e não retornar aos ídolos. É busca diária de todo cristão verdadeiro e de toda comunidade cristã verdadeira e viva.
A Unção com o óleo do crisma, no Batismo, é sinal do sacerdócio régio do batizado e de seu ingresso na comunidade do povo de Deus. No antigo Testamento eram ungidos os sacerdotes, profetas e reis. A Unção com o crisma quer nos tornar com Cristo: reis, sacerdotes e profetas.
Profetas: para sermos participantes do Mistério da Salvação em Cristo. Anunciar aos homens suas palavras e vida. Anunciar o projeto de Amor de Jesus, manifestar que Deus é Amor através do verdadeiro Amor. Ser profeta é anunciar o mundo novo querido por Deus e denunciar a presença dos ídolos, das forças de morte.
Sacerdotes: participamos pelo Batismo do Sacerdócio de Cristo. Somos povo sacerdotal: que acolhe a vida como dom e oferece ao Senhor em ação de Graças. Como sacerdotes devemos orientar todas as coisas para Deus. Consagrar a vida e o mundo para Deus. O batismo faz participar do sacerdócio comum dos fiéis. Ser sacerdote é adorar, pela palavra e pela vida, somente ao Deus vivo e verdadeiro e, por isso, rejeitar todos os ídolos.
Reis: possuímos o Reino de Deus. Com Cristo vencemos a morte e o pecado e participamos da própria vida de Deus. A nossa missão é Servir. Ser rei é trabalhar para que o direito e a justiça aconteçam na vida das pessoas e dos povos.
(continua)
Lucimara Trevizan
Equipe do Catequese Hoje
O Batismo de Jesus
Na Bíblia lemos que Jesus também foi batizado. Os Evangelistas mostram assim a missão de Jesus. Lembram os textos do Antigo Testamento(Cf.Is 42) e vêem no Batismo de Jesus a realização dessas profecias. Jesus é aquele servo de Javé que vai servir até a morte.
O verdadeiro Batismo de Jesus é a sua morte, doação total ao Pai e aos homens. Assim deve ser para nós o Batismo: sinal do Batismo final, a nossa morte. Sinal da nossa missão: servir até o fim. O Batismo é o início; a morte a consumação.
Como no batismo de Jesus, também no batismo cristão ouvimos a voz que nos diz: "Tu és meu filho". Neste sacramento recebemos o Espírito que nos permite invocar a Deus como Pai. E o novo nascimento da graça. Todo esforço moral do batizado e sua generosa resposta se situam no interior e como fruto da graça batismal. A oração do cristão será o "Pai nosso", como seu batismo de cada dia.
A celebração batismal proclama simbolicamente que Deus, por amor, liberta, purifica e dá a vida.
Em função do reino
O Batismo em "nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" quer dizer: Deus é comunidade de pessoas que se constituem por uma relação de amor. O batismo significa o compromisso de viver as relações com os outros num amor solidário. O batizado é chamado a viver a solidariedade sem fronteiras, superando toda mentalidade sectária.
O batismo supõe conversão. A renúncia batismal implica uma prática de ruptura contra essa mentalidade mundana que discrimina e mata, criando divisão entre os homens. O batizado se compromete construir relações de fraternidade, ser sinal do Reino.
Batismo de crianças
Sendo o Batismo uma opção adulta, tem sentido batizar as crianças?
Assim como uma criança nasce numa família e é educada por seus pais, que lhe transmitem os valores da vida que eles mesmos vivem, assim também a criança que é batizada. Entra numa família, a Igreja, que a aceita com carinho. Ela pode viver e crescer dentro dessa família. Vai aprendendo os valores que essa família vive. Vai conhecer Cristo, sua vida e suas exigências. Aos poucos, vai crescendo a sua opção por ele. Vai assumindo sua responsabilidade na Igreja.
O batismo das crianças é tradição antiga na Igreja e generalizou-se no século V. Os teólogos já discutiram muito sobre a conveniência de batizar as crianças. Em princípio, e teoricamente, é possível porque o amor de Deus nos precede, nos acompanha e se nos oferece gratuitamente. Um amor que se atualiza e toma corpo na Igreja - "comunhão dos santos" - em cuja fé são batizadas as crianças.
E que pensar do perdão do pecado? Criança não têm pecado pessoal, não é capaz e não tem necessidade de conversão.
Mas a criança entra numa sociedade de homens, onde o pecado já afetou pessoas e estruturas, onde o pecado é como que "institucionalizado". A criança entra num mundo de ódio, corrupção, guerras, concorrência, materialismo, consumo, injustiças. As crianças que chegam e entram em nossa história participam dos valores da humanidade, mas sofrem também essa cicatriz ou deteriorização que desfigura as relações entre os homens. Este mal no mundo, causado pelo pecado, se chama "pecado original". Não é um pecado pessoal, mas, como membro desta humanidade, mergulhada no pecado, a criança está sujeita à sua força. A criança ainda não pode dizer, como adulto: "Quero renunciar às forças do mal, quero seguir os passos de Cristo". Seus pais e padrinhos dizem isto por ela e, com isto, assumem a obrigação de ajudar a criança a vencer, de fato, o mal na sua vida, de lutar com ela contra a força do pecado e de mostrar-lhe o caminho do bem.
Esta luta não será fácil. E assim como a culpa é coletiva, também a luta contra o mal deve ser coletiva ou "comunitária". Isoladamente, o homem é fraco.
Mais tarde, quando a criança se toma adulta, vai confirmar, ou não, a opção assumida em seu nome por seus pais e padrinhos. Pois o Batismo não pode ser algo imposto por outros, mas deve ser uma opção livre e consciente.
(BROSHUIS, Inês. Sinal do Reino. Petrópolis: Vozes, 1995, p.155-157 adaptação)
Continua...
Lucimara Trevizan
Equipe do Catequese Hoje
A Iniciação cristã
Iniciação cristã é o processo para conhecer e participar na vida da comunidade cristã que é a Igreja. O homem se sente atraído por essa comunidade que lhe oferece seu mistério: o projeto de salvação que Deus realiza em Jesus Cristo. Segundo a tradição, "iniciar nos mistérios cristãos" quer dizer "iniciação no Verbo". Como na experiência humana e religiosa, também aqui a linguagem adequada é a simbólica.
Desde os tempos mais antigos a Igreja reconhece o Batismo, a confirmação e a Eucaristia como etapas indispensáveis da caminhada necessária para se ingressar na comunidade e, dentro dela, se vivenciar o Cristo: é por isso que estes sacramentos têm o nome de sacramentos de iniciação cristã.
Os sete sacramentos, como expressões e alimento da fé, introduzem os homens no mistério de Cristo e da Igreja. Em sentido amplo pode-se afirmar que os sete “iniciam no cristianismo". Há, porém, três sacramentos chamados de "'iniciação", porque se celebram no processo seguido para que o homem, movido pela palavra, professe publicamente sua fé e participe da vida da comunidade dos fiéis. Estes sacramentos são o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia.
BATISMO: entrada na comunidade de Jesus Cristo
Para entendermos o sacramento do Batismo, devemos partir do Batismo dos adultos. No início da Igreja, só se batizam os adultos. Até o século V, o batismo de crianças era exceção.
Aqueles que se impressionavam com a pregação sobre Jesus Cristo e eram atraídos pela vivência da comunidade cristã, pediam para serem admitidos como membros dessa comunidade.
Podemos observar que essas pessoas já tinham sido tocadas pela graça antes de serem batizadas. O Espírito Santo já operava nelas. Já haviam passado por uma "conversão", querendo mudar de vida, deixando para trás os costumes pagãos e viver uma vida fraterna no meio da comunidade.
O Batismo era administrado depois de longa preparação. Em determinadas épocas, essa preparação levava até três anos.
No início o Batismo era de submersão. Isto tinha um significado profundo: submergir na água quer dizer: afogar, morrer: morrer ao pecado, converter-se.
Mas a água não simboliza só morte. Também é sinal de vida. O batizando saía da água como um homem novo, de vida nova, a vida de Cristo Ressuscitado (Cf. Rm 6,3-4).
A água também simboliza o Espírito Santo (Cf. Jo 7,37-39) que atua no cristão.
No Batismo também nós fomos tocados pelo Espírito e inseridos em Jesus Cristo. Somos enxertados nele, assim como se enxerta uma planta (Cf. Rm 11,24). Jesus diz que ele é a parreira e nós somos os galhos. Assim como os galhos morrem quando são cortados do tronco, assim também nós não podemos viver sem Cristo.
Ser batizado é fazer uma opção de vida: optar por Jesus Cristo; viver, julgar, agir, amar como ele.
Sendo incorporados em Cristo, nós nos tornamos irmãos dele e filhos do Pai, de um modo novo. Podemos dizer que todo ser humano, também aquele que não é batizado, é filho, criatura de Deus, porque veio de suas mãos. Mas o batismo nos faz filhos de um modo novo, mais consciente, mais profundo. Faz-nos irmão de Cristo e por sermos irmãos dele, somos filhos do Pai pela fé e irmãos entre nós.
O Batismo perdoa os pecados. Deus se esquece do que se passou, insere o homem em Cristo e espera dele, doravante, muitos frutos. Na Igreja primitiva o batismo é chamado "iluminação" e os recém-batizados “neófitos”. Foram introduzidos na vida cujo símbolo é a luz.
Continua...
Lucimara Trevizan
Equipe do Catequese Hoje
Em que sentido Jesus Cristo é o autor dos sacramentos?
O Concílio de Trento definiu solenemente que os sacramentos cristãos foram instituídos por Jesus Cristo Nosso Senhor. Esta afirmação é fundamentalmente certa. Entretanto, deve ser corretamente compreendida, no sentido que Trento lhe conferiu.
Jesus Cristo instituiu os sacramentos ao encaminhar a comunidade da Igreja. Inicialmente, enquanto desenvolveu sua atividade profética na Palestina, e depois da ressurreição por meio de seu Espírito. Neste sentido, os sacramentos "não são invenções da Igreja", mas ações de Jesus em sua comunidade. A existência de verdadeiros sacramentos não precisa fundamentar-se em cada caso ou palavra (comprovável ou presumível) do Jesus histórico. A instituição de um sacramento também pode decorrer do simples fato de Cristo ter fundado a Igreja com seu caráter sacramental. Portanto, podemos falar de Cristo como autor dos sacramentos enquanto é autor do Sacramento Universal da Igreja.
Tudo é de Cristo. Não só introduziu coisa nova que é Ele mesmo e sua Ressurreição. Veio revelar a santidade de todas as coisas. Tudo está repleto dele, ontem, hoje e sempre. Tudo o que é verdadeiro, santo e bom já é cristão. Mesmo quando não se usa o nome cristão. Nada é rejeitado. Tudo é assumido. Tudo é lido à luz da história do mistério de Cristo.
Os sacramentos sempre são eficazes
A presença da graça divina no sacramento não depende da santidade seja daquele que administra o sacramento, seja daquele que o recebe. A causa da graça não é o homem e seus méritos. Mas unicamente Deus e Jesus Cristo. Daí dizer-se: o sacramento age “ex opere operato”, quer dizer, uma vez realizado o rito sacramental, colocados os sagrados símbolos, Jesus Cristo age e se torna presente. Não em virtude dos ritos por eles mesmos. Eles não têm poder nenhum em si mesmos. Apenas simbolizam. Mas em virtude da promessa de Deus mesmo. Caso contrário, estaríamos em plena magia. Segundo esta, os gestos sagrados possuem uma força secreta neles mesmos que atua favorável ou desfavoravelmente sobre os homens. O sacramento é profundamente diferente da magia. No sacramento se crê que Deus assume os sacramentos humanos, como o pão e a água, para através deles produzir um efeito que supera as forças deles mesmos. O pão mata a fome e simboliza o aconchego familiar; na eucaristia, Deus assume esse simbolismo e faz com que o pão sacie a fome salvífica do homem e realize a comunidade nova dos redimidos. A graça sacramental é causada por Deus mesmo. É Cristo quem batiza, quem perdoa e quem consagra. O ministro empresta-lhes os lábios indignos, empresta-lhes o braço que pode perpetuar obras más e empresta-lhe o corpo que pode ser instrumento de maldade. A graça acontece no mundo sempre vitoriosa, independentemente da situação dos homens.
O sacramento não é apenas rito. Pertence essencialmente ao sacramento o processo de conversão e de busca de Deus. O sacramento é proposta de Deus e também resposta humana. Somente na acolhida humilde do fiel, o sacramento se realiza plenamente e frutifica. O homem vai descobrindo Deus e Sua graça nos gestos significativos da vida. Vai se abrindo. Vai acolhendo Seu advento. Até que na cerimônia oficial da comunidade de fé celebra e saboreia essa presença divina através da fragilidade dos elementos materiais e das palavras sagradas. Após a cerimônia a graça o acompanha sob outros sinais, levando-o de busca em busca e de encontro em encontro para um derradeiro e definitivo abraço.
Sem a conversão a celebração do sacramento é ofensa a Deus. Significa jogar pérolas aos porcos, querer colocar os gestos da máxima visibilidade de Cristo no mundo sem a adequada purificação interior. Para o encontro deve-se estar com o coração na mão. Para o amor, puro. Para a festa, reconciliação. Sem o preparo, o encontro é formalismo. O amor, paixão. A festa, orgia.
Se alguém comunga, deve ser elemento de comunhão no grupo em que vive. Se alguém batiza e se deixa batizar deve ser, na comunidade testemunho de fé... O sacramento exige engajamento. Aliás, a palavra Sacramentum significava para os primeiros cristãos de fala latina exatamente engajamento e compromisso. O rito (sem o compromisso que ele supõe, encarna e expressa) é magia e mentira diante dos homens e de Deus.
O sacramento supõe a fé. Sem a fé o sacramento não fala nada e de nada. É como na caneca sacramental. Só para aquele que teve uma profunda vivência e convivência com ela, é significativa e simboliza algo mais do que uma simples caneca de alumínio. Só para quem tem fé, os ritos sagrados, os momentos fortes da vida se tornam os veículos misteriosos da presença da graça divina. Caso contrário, transformam-se em meras cerimônias vazias e mecânicas, no fundo ridículas.
O sacramento expressa a fé. Por um lado é o homem que pelo e no sacramento se expressa a Deus, venera-o, glorifica-o e suplica-lhe vida e perdão; por outro é Deus que pelo e no sacramento se expressa ao homem dando-lhe carinho, vida e perdão.
O Sacramento alimenta a fé. Ao expressar a fé o homem modifica a si mesmo e o mundo. A religião constitui um complexo simbólico que exprime e alimenta permanentemente a fé. O sacramento é dela o coração. A graça o seu pulsar.
O Sacramento concretiza a Igreja universal numa determinada situação crucial da vida, como o nascimento, o casamento. Por isso, não tem muito sentido alguém querer receber algum sacramento da Igreja, se não tem nenhuma ligação e adesão efetiva com esta Igreja. Para celebrar os sacramentos é preciso que haja comunidade de fé e vida.
Não existe celebração de nenhum sacramento sem a presença da comunidade. Nos sacramentos a comunidade celebra a vida de cada pessoa presente que carrega consigo as aspirações, sentimentos, conquistas, as lutas do dia-a-dia.
A Igreja faz os sacramentos, pois é ela que convoca todos os seguidores de Jesus para os celebrar. “Toda ação da Igreja para o serviço do Reino, participa, de certa forma, da sua sacramentalidade. Mas, entre os múltiplos gestos da Igreja que são sinais visíveis da presença da graça de Cristo entre os homens, a Igreja reconhece sete sacramentos propriamente ditos”(CR 221).
Os Sacramentos fazem a Igreja. Os sacramentos são sinais para mais vida e vida nova e livre. Eles dão vitalidade, coragem para a comunidade-Igreja. Compromete a Igreja a viver a solidariedade, a justiça e a criar uma sociedade mais fraterna. É nos sacramentos bem celebrados e assumidos que a Igreja encontra sua identidade. São eles que permitem o encontro festivo com a comunidade, levam a uma constante conversão e portanto, a uma reconciliação. Fortalecem para a prática do serviço e testemunho. Dinamizam para mais comunhão-partilha.
Fortalecer a vida comunitária, numa vivência comprometedora a partir dos sacramentos, é tarefa de todos os pastores e de cada responsável por uma pastoral ou movimento. É tarefa, também, educar para uma compreensão correta de que existe uma forte relação entre sacramento e comunidade. Sacramento que não leva a gestos concretos junto à comunidade pode tornar-se um mero sacramentalismo.
O Sacramento pode ser deturpado em sacramentalismo. Celebra-se o sacramento mas sem a conversão. Colocam-se sinais figurativos da presença do Senhor, mas sem a preparação do coração. Os sacramentos são usados para exprimir a adesão a uma fé. Entretanto esta fé é sem conseqüências práticas. Não modifica a vida. É uma fé de uma hora por semana, por ocasião da missa dominical ou de alguns momentos importantes da vida, como por exemplo de um batizado, de algum casamento, ou de um sepultamento. Fazem-se ritos, mas não se vive uma fé viva. Na vida concreta vivem-se valores opostos à fé.
Outra deturpação diabólica do Sacramento: há pessoas que aproveitam toda e qualquer ocasião para receber o sacramento, porque quer acumular graças sobre graças. A preocupação não é um encontro pessoal com o Senhor. Mas o acumular em termos “coisísticos”, como se a graça divina fora uma coisa que pudesse ser acumulada e colecionada.
Há também o rito mágico, pessoas que acreditam que o sacramento age por si mesmo em virtude de uma força misteriosa inerente aos próprios elementos sacramentais. Não é mais o Cristo quem causa, mas a cerimônia nela mesma. Não olham o rito como expressão da fé, expressão que Cristo assume para Ele se fazer presente e comunicar por ela seu amor e sua graça. Muitas pessoas têm uma interpretação mágica do sacramento. O respeito e o temor diante do rito sagrado não articulam o temor e o respeito à presença do Senhor, mas exprimem o modo de não executar corretamente os sinais e assim atrair a maldição em vez da benção.
(BOFF, Leonardo. Mínima Sacramentalia. Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos.10ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1984, p.53-77-adaptação)
Equipe do Catequese Hoje
Os sete sacramentos desdobram e sublimam os momentos-chave da vida
O nascimento se mostra como um momento forte da vida. A criança está aí. É pura gratuidade. Depende da bondade dos outros para ser aceita na família e sobreviver. O Batismo desdobra esta dependência como dependência de Deus e sublima como participação na vida de Cristo.
Outro momento chave da vida é aquele quando a criança, agora crescida e livre, se decide. Amadureceu. Entra na sociedade dos adultos. Ocupa seu lugar no mundo profissional. É uma virada importante de sua vida, onde se joga em parte seu horizonte de vida. O homem sente, novamente, que depende de uma Força superior. Experimenta Deus. O sacramento da confirmação é o sacramento da madureza cristã. Explicita a dimensão de Deus presente neste eixo existencial.
Sem o alimento a vida não se mantém. Cada refeição permite ao homem fazer a gratificante experiência que seu ser está ligado a outros seres. Por isso o comer humano vem cercado de ritos. A eucaristia desdobra o sentido latente do comer como participação da própria vida divina. Outro eixo existencial é constituído pelo matrimônio. O amor vive da mútua gratuidade. Os laços que unem são frágeis, porque dependem da liberdade. Faz-se a experiência que escapa ao homem, a da garantia da fidelidade. Depende e invoca a Força superior, Deus. O sacramento explicita a presença de Deus no amor.
A doença pode ameaçar a vida humana. O homem sente seu limite. Novamente experimenta sua dependência. O sacramento da unção dos enfermos (antes chamado extrema unção) expressa o poder salvífico de Deus.
Há uma experiência profunda que todo homem faz, experiência de ruptura culposa com os outros e com Deus. Sente-se dividido e perdido. Anseia pela redenção e pela reconciliação com todas as coisas. O sacramento da volta (penitência) articula a experiência do perdão e o encontro entre o filho pródigo e o Pai bondoso.
Viver num mundo reconciliado e não rompido, poder realizar a reconciliação universal e a paz: eis o secreto desejo que inspira a busca da felicidade. O sacramento da ordem unge pessoas para que vivam a reconciliação e as consagra no serviço comunitário para a reconstrução da reconciliação.
Quando no século XII os teólogos chegaram a determinar o número dos ritos fundamentais da fé, foram movidos pelo inconsciente coletivo da vida e da fé. A Igreja-Sacramento estende sua ação sobre toda a vida. Mas de maneiras diferentes. Ela se faz presente em “momentos-chave” da existência, lá onde a vida experimenta suas raízes mais profundas. Aí ela explicita a presença de Deus que, bondosamente, nos acompanha. São os ritos essenciais da fé, pelos quais se realiza a própria essência da Igreja, como sinal da salvação no mundo. Nos principais nós existenciais da vida, se concretizam os principais sacramentos da fé. A vida está grávida da graça.
Que significa o número sete?
O Concílio de Trento definiu: sete são os sacramentos, nem mais nem menos. Devemos bem compreender esta definição. O essencial não é o número sete, mas os ritos contidos nesta enumeração. O número exato dos ritos não é o essencial. O número sete deve ser entendido simbolicamente. Não como soma de 1 + 1 + 1, até sete, mas como resultado de 3 + 4. A psicologia do profundo, mas antes a Bíblia e a Tradição, nos ensinam que os números 3 e 4 somados formam o símbolo específico da totalidade de uma pluralidade ordenada.
O 4 é símbolo do cosmos (os quatro elementos: terra, água, fogo e ar). O 3 é o símbolo do Absoluto (SS.Trindade). A soma de ambos, o número 7, significa o encontro entre Deus e o homem. Com o número 7 queremos exprimir o fato de que a totalidade da existência humana em sua dimensão material e espiritual é consagrada pela graça de Deus. A salvação não se restringe a sete canais de comunicação; a totalidade da salvação se comunica à totalidade da vida humana e se manifesta de forma significativamente palpável nos eixos fontais da existência. Nisso reside o sentido fundamental do número sete.
Todas as vezes que descemos à profundidade de nossa existência, seja assistindo à emergência de nova vida, seja vendo-a crescer, se conservar, se multiplicar, se consagrar, se recuperar das rupturas, não tocamos apenas o mistério da vida, mas penetramos naquela dimensão de absoluto Sentido que chamamos Deus e de sua manifestação no mundo que denominamos Graça. Na junção da vida com a Vida se realiza o sacramento. A Vida vivifica a vida. Por causa do sacramento.
Uma vez mais: O número sete evoca a totalidade. Sete foram os dias da criação e sete são também os dons do Espírito que vivifica e fortalece a Igreja. Com este número se manifesta a intenção de oferecer a graça ou salvação de Deus aos homens "na totalidade de sua existência". É lógico que também aqui devemos aceitar que a Igreja tem poder para mudar, explicitar e até mesmo criar novas expressões simbólicas, sempre no intuito de prestar um serviço ao homem em sua totalidade.
Lucimara Trevizan
Equipe do Catequese Hoje
Quanto mais deixamos que as coisas entrem em nossa vida, tanto mais elas manifestam sua sacramentalidade, isto é, se tornam significativas e únicas para nós. São sacramentos humanos.
Há sacramentos divinos. Um homem possui uma profunda experiência de Deus. Deus não é um conceito aprendido no catecismo. Nem é a ponta de pirâmide que fecha, harmoniosamente, nosso sistema de pensamento. Mas é uma experiência interior que atinge as raízes de sua existência. Sem Ele tudo lhe seria absurdo. Nem compreenderia a si mesmo. Muito menos o mundo. Deus lhe aparece como um mistério tão absoluto e radical que se anuncia em tudo, tudo penetra e por tudo resplande. Se Ele é o único Absoluto, então tudo o que existe é revelação d'Ele. Para quem vive Deus desta maneira, o mundo fala de Deus. De sua Beleza. De sua bondade. De seu Mistério. A montanha não é só montanha. O homem não é apenas homem. É o maior sacramento de Deus, de sua Inteligência, de seu Amor e de seu Mistério. Jesus de Nazaré é mais do que o homem da Galiléia. É o Cristo, o sacramento vivo de Deus. A Igreja é mais do que a sociedade de batizados. É o sacramento de Cristo ressuscitado...
Para quem vê tudo a partir de Deus, o mundo todo é um grande sacramento; cada coisa, cada evento histórico surgem como sacramento de Deus e de sua divina vontade. Mas isso só é possível para quem vive Deus. Caso contrário o mundo é opaco. Na medida em que alguém, com esforço, se deixa tomar e penetrar por Deus, nesta mesma medida é premiado com a transparência divina de todas as coisas.
A transparência do mundo para Deus é a categoria que nos permite entender a estrutura e o pensar sacramental. Isto significa que Deus nunca é atingido diretamente nele mesmo, mas sempre junto com o mundo e com as coisas do mundo que são diáfanas e transparentes para Ele. Daí ser a experiência de Deus uma experiência sempre sacramental. Na coisa experimentamos Deus. O sacramento é uma parte do mundo, mas que traz em si um outro Mundo (transcendente) Deus. Daí que o sacramento é sempre ambivalente. Nele há dois momentos: um que vem de Deus para a coisa e outro que vai da coisa para Deus. Por isso, podemos dizer que sacramento possui duas funções: a função Indicadora e a função Reveladora.
Em sua função indicadora, o objeto sacramental indica e aponta para Deus presente dentro dele. Deus é aprendido não com o objeto, mas no objeto.
Em sua função reveladora o sacramento revela, comunica e expressa Deus presente nele. O movimento vai de Deus para o objeto sacramental. Deus, em si invisível e inarrável, se torna sacramentalmente visível e agarrável. O homem de fé é convidado a mergulhar na Luz divina que resplandece dentro do mundo. O sacramento não tira o homem de seu mundo. Dirige-lhe um apelo para que olhe com mais profundidade, para dentro do coração do mundo. Como diz S. Paulo: Todo homem é chamado - e ninguém é excluído disso, por isso ninguém é indesculpável - a refletir profundamente sobre as obras da criação. Se fizer isso incansavelmente verá: o que parecia invisível, o poder eterno e a divindade, começam a se tornar visíveis (Cf. Rom 1,19-20). O mundo sem deixar de ser mundo se transmuta num eloquente sacramento de Deus: aponta para Deus e revela Deus. A vocação essencial do homem terrestre consiste em tomar-se um homem sacramental.
Sacramento é tudo, quando visto a partir e à luz de Deus: o mundo, o homem, cada coisa, sinal e símbolo do Transcendente.
Jesus de Nazaré, sacramento de Deus
Deus marcou seu encontro com o homem em todas as coisas. Nelas o homem pode encontrar Deus. Por isso todas as coisas deste mundo são ou podem ser sacramentais. Jesus de Nazaré, na sua vida, nos seus gestos de bondade, na sua morte corajosa e na sua ressurreição é chamado o Sacramento por excelência. Cristo é o lugar do encontro por excelência: n'Ele Deus está de forma humana e o homem de forma divina. A fé sempre viu e acreditou que em Jesus de Nazaré morto e ressuscitado Deus e o Homem se encontram numa unidade profunda, sem divisão e sem confusão.
Igreja, Sacramento de Cristo
A Igreja - emsua totalidade como comunidade de fiéis e comunidade de história da fé em Jesus Cristo ressuscitado, com seu credo, com sua liturgia etc. - foi chamada sempre de Grande Sacramento da graça e da salvação no mundo. Ela carrega dentro de si, como dom precioso, Cristo, o Sacramento de Deus. Assim como Cristo era o sacramento do Pai, a Igreja é o Sacramento de Cristo. Ela se torna sacramento enquanto participa e diuturnamente atualiza o sacramento de Cristo. Também todas as coisas que se encontram dentro da Igreja são sacramento. Assim tudo na Igreja é sacramental porque recorda Cristo ou concretiza a Igreja sacramento: a liturgia, com seus ritos, objetos sagrados, a atividade da Igreja no mundo, na assistência social. Todos os gestos e palavras da Igreja-sacramento assumem igualmente uma função sacramental: estão detalhando no concreto da vida o que seja a própria Igreja-sacramento.
Como portadora da graça e sacramento de Jesus Cristo, ela se faz presente lá onde Cristo e sua graça alcançam. Cristo não possui limites cósmicos, tudo penetra e abarca: a Igreja tudo abarca e penetra. Por isso a Igreja é limitada apenas nos seus signos e na sua humanidade histórica. Mas o mistério que penetra esta humanidade histórica e os signos todos é livre e pode fazer-se presente em todas as fases do mundo.
A Igreja é uma anciã, vemcarregada de séculos, possui mãos calosas no amaino dos homens, é, não raro, demasiadamente prudente, vagarosa em andar porque lenta em compreender; apesar de todos estes senões, É NELA QUE FOMOS GESTADOS, NASCIDOS E ALIMENTADOS E ENCONTRAMOS DIUTURNAMENTE JESUS CRISTO E COM ELE TODAS AS COISAS. POR CAUSA DO SACRAMENTO.
(BOFF, Leonardo. Mínima Sacramentalia. Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos.10ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1984, p.9-52-adaptação)
Ainda sobre o conceito de "Sacramento"
Por muito tempo existiu na Igreja um conceito muito restrito de sacramento. Essa palavra era utilizada e pronunciada unicamente como referência a um dos sete sacramentos ou ritos sacramentais da Igreja. É preciso dizer que essa restrição causa um empobrecimento. A realidade sacramental plena não é suficientemente expressa e reduzida nos sete sacramentos. Existem outros centros de sacramentalidade que, longe de diminuírem o valor dos 7 sacramentos, constituem o próprio quadro para a sua compreensão, celebração e realização na vida.
Não se trata de nenhuma novidade. Nos doze primeiros séculos, a palavra "mistério", “sacramento”, era empregada também para designar realidades distintas dos sete ritos sacramentais, comoCristo, a Igreja, a Escritura, a Páscoa, a encarnação, a quaresma. A partir do século XIII (e, sobretudo a partir do Concílio de Trento) e uma vez delimitada a essência ou natureza específica do sacramento, em sentido estrito, como "graça eficaz",a expressão só foi utilizada para indicar os sete ritos sacramentais da Igreja.
O Vaticano II usou a expressão "sacramento" em seu sentido original, aplicando-a a Cristo, à Igreja, e num sentido mais difuso, ao cristão, a todo homem, às realidades criadas. Hoje, a teologia, baseando-se nas fontes da revelação e no Magistério da Igreja, não hesita em nomear de "sacramentos" outras realidades que ultrapassam o campo dos sete sacramentos. Trata-se de reconhecer a essência sacramental das diversas realidades. Parte de um conceito amplo de sacramento; amplia-se o círculo da sacramentalidade, mas não se nega a verdade do sacramento.
(BORÓBIO, Dionísio (org). A Celebração na Igreja. Liturgia e Sacramentologia Fundamental. Vol. 1. São Paulo, Loyola, 1990)
Lucimara Trevizan
Equipe do Catequese Hoje
O Catequese hoje passa a refletir sobre os Sacramentos, temática importante para a formação dos catequistas. Veremos brevemente neste texto o que é um sacramento e posteriormente os 7 sacramentos da Igreja.
O que é um Sacramento?
O ser humano não é só manipulador de seu mundo. É também alguém capaz de ler a mensagem que o mundo carrega em si. Esta mensagem está escrita em todas as coisas que formam o mundo. As coisas, além de coisas, constituem um sistema de signos(símbolos). O homem é capaz de ler a mensagem do mundo. Jamais é um analfabeto. Viver é ler e interpretar. Quando as coisas começam a falar e o homem a ouvir suas vozes, então emerge o edifício sacramental. Vejamos o que nos diz o teólogo Rubem Alves:
“Tenho, no meu jardim, um pé de rosmaninho. Ele é, em tudo, igual a todos os outros pés de rosmaninho que há por este mundo. Aquele cheirinho gostoso, quando a gente esbarra nas folhas: brancas, com uma gota de rosa, milhares de florinhas, quando chega o tempo: e as abelhas sem conta que ajuntam e zumbem. Gosto de deitar na rede, perto dele, quando as noites são frescas e há aquela brisa... Às vezes descubro que estou conversando com ele e já cheguei mesmo a agradar as suas folhas, como se ele sentisse. Nunca se sabe ao certo...
Igual a todos os demais exceto uma coisa. Foi meu pai que me deu a mudinha, galho lascado, faz tempo. Meu pai já morreu. O rosmaninho guardou o seu gesto. Como se, do arbusto, saíssem fios de memória que me ligam a alguém que já não está mais presente. Fios, claro, que ninguém vê. Só eu. Ou aqueles que eu quiser revelar este segredo. O espaço em torno daquele rosmaninho é mágico – para mim, que vejo os fios. Os amigos, que não sabem este segredo, sentem o perfume, vêem o verde... Se eu lhes perguntar sobre o arbusto me dirão que o estão vendo. Sua fala me repetirá sobre aquela presença silenciosa e fiel: o pé de rosmaninho. Mas não sairá dali. A boca está prisioneira dos olhos. Pregada no chão. Faltam-lhe as palavras que lhe permitem voar... Somente eu, a partir do rosmaninho, poderei falar de uma ausência: alguém que não está ali, que já esteve... E da planta pulo para um rosto: e me lembro de risos, alegrias, tristezas... É por isso que o espaço em torno do rosmaninho é mágico. A memória faz a imaginação voar, e ela enche o ar com coisas humanas, que têm a ver com a amizade e a lealdade dos muitos anos vividos juntos.
Coisa bonita esta: que haja coisas que são mais que coisas, coisas que nos fazem lembrar... A flor seca dentro do livro. Às vezes, um perfume que a gente sente, andando na rua. E, lá dentro, vem a estranha sensação de estarmos ligados, por aquele perfume, a alguém, a algum lugar, longe, no passado. O repicar de um sino, que me leva para mundos onde nunca estive. O cantar de um galo, que nos vem de espaços que não mais existem. Ou um brinquedo, uma boneca velha, esquecida. Uma comida com gosto de saudade. Coisas presentes que nos abrem o mundo das ausências... Saudade não será isto? Sentir que algo está faltando, alguém que o coração deseja, está longe... Mas não basta a ausência. Há muitas coisas que se perderam e ficaram para trás, das quais não sentimos saudade. É que a gente não amava. A saudade nasce quando existe amor e ausência...
Quando as coisas despertam saudades e fazem brotar, no coração, a memória do amor e o desejo da volta, dizemos que são sacramentos. Sacramento é isto: sinal visível de uma ausência, símbolo que nos faz pensar em retorno”. Como aconteceu com Jesus que, logo antes da partida, realizou um memorial de saudade e espera. Juntos seus amigos, seguidores, partiu o pão e lhes deu de comer, tomou o vinho e com eles bebeu dizendo que, depois daquilo, viria a separação e a saudade. Eles seriam como uma noiva de quem o noivo é roubado... Tempo de lágrimas, de espera... E, por onde quer que fossem, encontrariam os sinais de uma Ausência imensa... E o coração ficaria inquieto, sem descanso... E cada palavra sua se transformaria numa oração, porque oração é a palavra balbuciada com desejo...
(ALVES, Rubem. Creio na ressurreição do corpo. Meditações. 4ª Ed. São Paulo: Paulus,1984, p.11-12)
O mundo humano não é só material e técnico, é simbólico e carregado de sentido. É o convívio com as coisas que as cria e re-cria simbolicamente. Quanto mais profundamente nos relacionamos com o mundo e com as coisas e pessoas, mais aparece a sacramentalidade. Diz a raposa ao Pequeno Príncipe.:
“- Minha vida é monótona. Eu caço galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...
E assim o principezinho cativou a raposa...
E voltou, então, à raposa:
-Adeus, disse ele...
-Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
-O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
-Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante...”
O viver a sacramentalidade faz com que as coisas que cativamos ou que nos cativaram não sejam simplesmente coisas. São partes de nós mesmos, são únicos. O pensar sacramental se caracteriza pelo modo como o homem aborda as coisas. Não indiferentemente. Mas criando laços com elas e deixando-as entrar em sua vida. Então elas começam a falar e a ser expressivas do homem. Do momento em que cativamos alguma coisa, ela começa a pertencer ao nosso mundo. Torna-se única. Bem dizia o Pequeno Príncipe às cinco mil rosas do jardim, igualzinhas à única rosa de seu planeta B612 que ele havia cativado:
-“Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativaste a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo.
Essa rosa bem como a raposa se transformaram em sacramentos. Elas visibilizam o convívio, o trabalho de criar laços, a espera, o tempo perdido. São sacramentos humanos.
(continua...)
Lucimara Trevizan
Equipe do Catequese hoje
A Iniciação cristã
Iniciação cristã significa o processo seguido para conhecer e participar na vida da comunidade cristã que é a Igreja. O homem se sente atraído por essa comunidade que lhe oferece seu mistério: o projeto de salvação que Deus realizaem Jesus Cristo. Segundo a tradição, "iniciar nos mistérios cristãos" quer dizer "iniciação no Verbo". Como na experiência humana e religiosa, também aqui a linguagem adequada é a simbólica.
Desde os tempos mais antigos a Igreja reconhece o Batismo, a confirmação e a Eucaristia como etapas indispensáveis da caminhada necessária para se ingressar na comunidade e, dentro dela, se vivenciar o Cristo: é por isso que estes sacramentos têm o nome de sacramentos de iniciação cristã.
Os sete sacramentos, como expressões e alimento da fé, introduzem os homens no mistério de Cristo e da Igreja. Em sentido amplo pode-se afirmar que os sete “iniciam no cristianismo". Há, porém, três sacramentos chamados de "'iniciação", porque se celebram no processo seguido para que o homem, movido pela palavra, professe publicamente sua fé e participe da vida da comunidade dos fiéis. Estes sacramentos são o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia.
BATISMO: entrada na comunidade de Jesus Cristo
Para entendermos o sacramento do Batismo, devemos partir do Batismo dos adultos. No início da Igreja, só se batizam os adultos. Até o século V, o batismo de crianças era exceção.
Aqueles que se impressionavam com a pregação sobre Jesus Cristo e eram atraídos pela vivência da comunidade cristã, pediam para serem admitidos como membros dessa comunidade.
Podemos observar que essas pessoas já tinham sido tocadas pela graça antes de serem batizadas. O Espírito Santo já operava nelas. Já haviam passado por uma "conversão", querendo mudar de vida, deixando para trás os costumes pagãos e viver uma vida fraterna no meio da comunidade.
O Batismo era administrado depois de longa preparação. Em determinadas épocas, essa preparação levava até três anos.
No início o Batismo era de submersão. Isto tinha um significado profundo: submergir na água quer dizer: afogar, morrer: morrer ao pecado, converter-se.
Mas a água não simboliza só morte. Também é sinal de vida. O batizando saía da água como um homem novo, de vida nova, a vida de Cristo Ressuscitado (Cf. Rm 6,3-4).
A água também simboliza o Espírito Santo (Cf. Jo 7,37-39) que atua no cristão.
No Batismo também nós fomos tocados pelo Espírito e inseridosem Jesus Cristo. Somosenxertados nele, assim como se enxerta uma planta (Cf. Rm 11,24). Jesus diz que ele é a parreira e nós somos os galhos. Assim como os galhos morrem quando são cortados do tronco, assim também nós não podemos viver sem Cristo.
Ser batizado é fazer uma opção de vida: optar por Jesus Cristo; viver, julgar, agir, amar como ele.
Sendo incorporados em Cristo, nós nos tornamos irmãos dele e filhos do Pai, de um modo novo. Podemos dizer que todo ser humano, também aquele que não é batizado, é filho, criatura de Deus, porque veio de suas mãos. Mas o batismo nos faz filhos de um modo novo, mais consciente, mais profundo. Faz-nos irmão de Cristo e por sermos irmãos dele, somos filhos do Pai pela fé e irmãos entre nós.
O Batismo perdoa os pecados. Deus se esquece do que se passou, insere o homem em Cristo e espera dele, doravante, muitos frutos. Na Igreja primitiva o batismo é chamado "iluminação" e os recém-batizados “neófitos”. Foram introduzidos na vida cujo símbolo é a luz.
O Batismo de Jesus
Na Bíblia lemos que Jesus também foi batizado. Os Evangelistas mostram assim a missão de Jesus. Lembram os textos do Antigo Testamento(Cf.Is 42) e vêem no Batismo de Jesus a realização dessas profecias. Jesus é aquele servo de Javé que vai servir até a morte.
O verdadeiro Batismo de Jesus é a sua morte, doação total ao Pai e aos homens. Assim deve ser para nós o Batismo: sinal do Batismo final, a nossa morte. Sinal da nossa missão: servir até o fim. O Batismo é o início; a morte a consumação.
Como no batismo de Jesus, também no batismo cristão ouvimos a voz que nos diz: "Tu és meu filho". Neste sacramento recebemos o Espírito que nos permite invocar a Deus como Pai. E o novo nascimento da graça. Todo esforço moral do batizado e sua generosa resposta se situam no interior e como fruto da graça batismal. A oração do cristão será o "Pai nosso", como seu batismo de cada dia.
A celebração batismal proclama simbolicamente que Deus, por amor, liberta, purifica e dá a vida.
Em função do reino
O Batismo em "nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" quer dizer: Deus é comunidade de pessoas que se constituem por uma relação de amor. O batismo significa o compromisso de viver as relações com os outros num amor solidário. O batizado é chamado a viver a solidariedade sem fronteiras, superando toda mentalidade sectária.
O batismo supõe conversão. A renúncia batismal implica uma prática de ruptura contra essa mentalidade mundana que discrimina e mata, criando divisão entre os homens. O batizado se compromete construir relações de fraternidade, ser sinal do Reino.
Batismo de crianças
Sendo o Batismo uma opção adulta, tem sentido batizar as crianças?
Assim como uma criança nasce numa família e é educada por seus pais, que lhe transmitem os valores da vida que eles mesmos vivem, assim também a criança que é batizada. Entra numa família, a Igreja, que a aceita com carinho. Ela pode viver e crescer dentro dessa família. Vai aprendendo os valores que essa família vive. Vai conhecer Cristo, sua vida e suas exigências. Aos poucos, vai crescendo a sua opção por ele. Vai assumindo sua responsabilidade na Igreja.
O batismo das crianças é tradição antiga na Igreja e generalizou-se no século V. Os teólogos já discutiram muito sobre a conveniência de batizar as crianças. Em princípio, e teoricamente, é possível porque o amor de Deus nos precede, nos acompanha e se nos oferece gratuitamente. Um amor que se atualiza e toma corpo na Igreja - "comunhão dos santos" - em cuja fé são batizadas as crianças.
E que pensar do perdão do pecado? Criança não têm pecado pessoal, não é capaz e não tem necessidade de conversão.
Mas a criança entra numa sociedade de homens, onde o pecado já afetou pessoas e estruturas, onde o pecado é como que "institucionalizado". A criança entra num mundo de ódio, corrupção, guerras, concorrência, materialismo, consumo, injustiças. As crianças que chegam e entram em nossa história participam dos valores da humanidade, mas sofrem também essa cicatriz ou deteriorização que desfigura as relações entre os homens. Este mal no mundo, causado pelo pecado, se chama "pecado original". Não é um pecado pessoal, mas, como membro desta humanidade, mergulhada no pecado, a criança está sujeita à sua força. A criança ainda não pode dizer, como adulto: "Quero renunciar às forças do mal, quero seguir os passos de Cristo". Seus pais e padrinhos dizem isto por ela e, com isto, assumem a obrigação de ajudar a criança a vencer, de fato, o mal na sua vida, de lutar com ela contra a força do pecado e de mostrar-lhe o caminho do bem.
Esta luta não será fácil. E assim como a culpa é coletiva, também a luta contra o mal deve ser coletiva ou "comunitária". Isoladamente, o homem é fraco.
Mais tarde, quando a criança se toma adulta, vai confirmar, ou não, a opção assumida em seu nome por seus pais e padrinhos. Pois o Batismo não pode ser algo imposto por outros, mas deve ser uma opção livre e consciente.
Inês Broshuis
Equipe de Catequese do Regional Leste 2
03.11.2013
A vida atual é muito corrida. Não temos tempo para descansar, curtir a família, visitar os amigos, fazer esporte, ler, rezar... Na minha juventude, eu fui amigo do jesuíta Jorge Bergoglio (hoje, papa Francisco). Em julho, ele veio ao Brasil e eu não tive tempo de vê-lo. Nesse mês, eu tinha me comprometido a pregar três retiros inacianos. Por isso, se o papa não me convocasse expressamente (o que seria muita pretensão da minha parte), eu não tinha o direito de cancelar meus compromissos.
Na agitação da vida atual, a Igreja mantém em vigor o Terceiro Mandamento da Lei de Deus: “Lembra-te de santificar o dia de sábado...” (Ex 20,8). Segundo o relato bíblico da Criação, Deus fez o mundo em “seis dias” e no sétimo descansou (Gn 2,2). Para o judeu piedoso, o sábado é um dia de repouso em honra de YHWH (“Adonai”, o Senhor). Por isso, não se deve trabalhar, nem viajar, nem ocupar-se com coisa alguma que distraia ou afaste do dever prioritário de concentrar a atenção unicamente em Deus.
Na Igreja Católica e na maioria das Igrejas protestantes, substituímos o sábado pelo domingo, Dia do Senhor, no qual comemoramos a Ressurreição de Jesus. Por isso, a Igreja nos manda “guardar” ou santificar os domingos e as festas de preceito.
Jesus guardava o sábado, mas olhava o sentido profundo do mandamento, o “espírito”, e não apenas a “letra”. Ele disse que “o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27).
Os fins de semana e dias santos são o tempo favorável (kairós) para amar a Deus, para pensar nele, para falar com Ele, para escutar sua Palavra e lembrar do seu amor. Por isso, nesses dias, devemos participar da santa missa e evitar aquelas atividades que desviam nossa atenção da lembrança do Senhor.
O papa Francisco, na época em que era arcebispo de Buenos Aires, queixava-se do excessivo peso que, às vezes, damos à culpa, à dor e ao sofrimento. “A nossa vocação é a plenitude e a felicidade”, dizia. Bernanos e o missionário Clemilson têm razão: “O contrário de um povo cristão é um povo triste” (O Mílite, junho 2013, p.13).
A única coisa que dá plenitude à vida humana é o amor. Mas o amor precisa de tempo para se cultivado. Não podemos deixar de buscar e encontrar tempo para amar a Deus e aos irmãos. Quanto ao nosso Querido papa Francisco, eu poderei vê-lo na vida eterna, quando todos, finalmente, teremos tempo para amar e sermos amados.
Padre Luís González-Quevedo, sj,
jesuíta, acaba de publicar “O novo rosto da Igreja: papa Francisco” (Ed.Loyola).
16.09.2013
Imgem: pexels.com
O Segundo Mandamento está em continuidade com o Primeiro. Se existe um único Deus, que Jesus nos revelou como Pai amoroso, nós devemos respeitar sua identidade, sem pronunciar seu Santo Nome à toa.
Por isso, judeus e cristãos incluíram no Decálogo, esta palavra de amor para com nosso Criador: Não pronunciar o Nome de Deus em vão (Ex 20,7).
O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica ilustra este mandamento com um texto de Santo Inácio de Loyola: “Não jurar nem pelo Criador nem pela criatura, senão com verdade, por necessidade e com reverência”. Santo Inácio, como todos os santos, falava de Deus com grande respeito, com “acatamento e reverência”, com “humildade amorosa”.
Para falar adequadamente de Deus, só Deus mesmo. Os seres humanos costumamos imaginar o Criador como alguém tão alto, tão grande, tão misterioso, que o afastamos de todas as criaturas, incluídos nós mesmos, tornando-o inacessível.
Foi necessário que o próprio Deus se encarnasse, viesse até nós, para revelar-nos o quanto Ele está perto de nós. Jesus é o Emmanuel (“Deus conosco”). Ele é o Rosto humano de Deus. Tão humano, tão humano, que assim só podia ser Deus.
“Cristo veio à terra para que todo ser humano se saiba amado” (Roger Schutz). Sabendo-se amado, o ser humano é capaz de amar. Quem não tem consciência de ser amado, não sabe amar.
Um fariseu perguntou a Jesus: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” Jesus respondeu “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua vida e com todo o teu entendimento”. E acrescentou um segundo preceito, semelhante ao primeiro: “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,34-40). Os judeus tinham mais de 600 preceitos. Mas Jesus resume todos eles em dois: o amor a Deus e o amor ao próximo.
Jesus ensinou-nos a não jurar: "Não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o trono de Deus, nem pela terra... Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não. O que passa disso vem do Maligno" (Mt 5,34-37).
O Segundo Mandamento, como os outros nove, ensina-nos a nos relacionar com Deus e com o próximo. A atitude que devemos ter com o próximo é semelhante à atitude que devemos ter com Deus: respeito, amor e reverência.
Uma pessoa é sinceramente religiosa, não pelo fato de falar muito de Deus, mas por falar e agir de tal maneira, que os outros se sintam respeitados e amados por ela. Leia o texto Lc 10,25-37 e examine a sua vida, para ver se você é mesmo uma pessoa religiosa.
Padre Luís González-Quevedo, sj
Jesuíta, pregador de retiros, escritor
02.08.2013
Página 5 de 7