O Catequese hoje passa a refletir sobre os Sacramentos, temática importante para a formação dos catequistas. Veremos brevemente neste texto o que é um sacramento e posteriormente os 7 sacramentos da Igreja.

 

O que é um Sacramento?

 

O ser humano não é só manipulador de seu mundo. É também alguém capaz de ler a mensagem que o mundo carrega em si. Esta mensagem está escrita em todas as coisas que formam o mundo. As coisas, além de coisas, constituem um sistema de signos(símbolos). O homem é capaz de ler a mensagem do mundo. Jamais é um analfabeto. Viver é ler e interpretar. Quando as coisas começam a falar e o homem a ouvir suas vozes, então emerge o edifício sacramental. Vejamos o que nos diz o teólogo Rubem Alves:

“Tenho, no meu jardim, um pé de rosmaninho. Ele é, em tudo, igual a todos os outros pés de rosmaninho que há por este mundo. Aquele cheirinho gostoso, quando a gente esbarra nas folhas: brancas, com uma gota de rosa, milhares de florinhas, quando chega o tempo: e as abelhas sem conta que ajuntam e zumbem. Gosto de deitar na rede, perto dele, quando as noites são frescas e há aquela brisa... Às vezes descubro que estou conversando com ele e já cheguei mesmo a agradar as suas folhas, como se ele sentisse. Nunca se sabe ao certo...

Igual a todos os demais exceto uma coisa. Foi meu pai que me deu a mudinha, galho lascado, faz tempo. Meu pai já morreu. O rosmaninho guardou o seu gesto. Como se, do arbusto, saíssem fios de memória que me ligam a alguém que já não está mais presente. Fios, claro, que ninguém vê. Só eu. Ou aqueles que eu quiser revelar este segredo. O espaço em torno daquele rosmaninho é mágico – para mim, que vejo os fios. Os amigos, que não sabem este segredo, sentem o perfume, vêem o verde... Se eu lhes perguntar sobre o arbusto me dirão que o estão vendo. Sua fala me repetirá sobre aquela presença silenciosa e fiel: o pé de rosmaninho. Mas não sairá dali. A boca está prisioneira dos olhos. Pregada no chão. Faltam-lhe as palavras que lhe permitem voar... Somente eu, a partir do rosmaninho, poderei falar de uma ausência: alguém que não está ali, que já esteve... E da planta pulo para um rosto: e me lembro de risos, alegrias, tristezas... É por isso que o espaço em torno do rosmaninho é mágico. A memória faz a imaginação voar, e ela enche o ar com coisas humanas, que têm a ver com a amizade e a lealdade dos muitos anos vividos juntos.

Coisa bonita esta: que haja coisas que são mais que coisas, coisas que nos fazem lembrar... A flor seca dentro do livro. Às vezes, um perfume que a gente sente, andando na rua. E, lá dentro, vem a estranha sensação de estarmos ligados, por aquele perfume, a alguém, a algum lugar, longe, no passado. O repicar de um sino, que me leva para mundos onde nunca estive. O cantar de um galo, que nos vem de espaços que não mais existem. Ou um brinquedo, uma boneca velha, esquecida. Uma comida com gosto de saudade. Coisas presentes que nos abrem o mundo das ausências... Saudade não será isto? Sentir que algo está faltando, alguém que o coração deseja, está longe... Mas não basta a ausência. Há muitas coisas que se perderam e ficaram para trás, das quais não sentimos saudade. É que a gente não amava. A saudade nasce quando existe amor e ausência...

Quando as coisas despertam saudades e fazem brotar, no coração, a memória do amor e o desejo da volta, dizemos que são sacramentos. Sacramento é isto: sinal visível de uma ausência, símbolo que nos faz pensar em retorno”. Como aconteceu com Jesus que, logo antes da partida, realizou um memorial de saudade e espera. Juntos seus amigos, seguidores, partiu o pão e lhes deu de comer, tomou o vinho e com eles bebeu dizendo que, depois daquilo, viria a separação e a saudade. Eles seriam como uma noiva de quem o noivo é roubado... Tempo de lágrimas, de espera... E, por onde quer que fossem, encontrariam os sinais de uma Ausência imensa... E o coração ficaria inquieto, sem descanso... E cada palavra sua se transformaria numa oração, porque oração é a palavra balbuciada com desejo...

(ALVES, Rubem. Creio na ressurreição do corpo. Meditações. 4ª Ed. São Paulo: Paulus,1984, p.11-12)

 

O mundo humano não é só material e técnico, é simbólico e carregado de sentido. É o convívio com as coisas que as cria e re-cria simbolicamente. Quanto mais profundamente nos relacionamos com o mundo e com as coisas e pessoas, mais aparece a sacramentalidade. Diz a raposa ao Pequeno Príncipe.:

“- Minha vida é monótona. Eu caço galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

E assim o principezinho cativou a raposa...

E voltou, então, à raposa:

-Adeus, disse ele...

-Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

-O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

-Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante...”

 

O viver a sacramentalidade faz com que as coisas que cativamos ou que nos cativaram não sejam simplesmente coisas. São partes de nós mesmos, são únicos. O pensar sacramental se caracteriza pelo modo como o homem aborda as coisas. Não indiferentemente. Mas criando laços com elas e deixando-as entrar em sua vida. Então elas começam a falar e a ser expressivas do homem. Do momento em que cativamos alguma coisa, ela começa a pertencer ao nosso mundo. Torna-se única. Bem dizia o Pequeno Príncipe às cinco mil rosas do jardim, igualzinhas à única rosa de seu planeta B612 que ele havia cativado:

-“Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativaste a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo.

Essa rosa bem como a raposa se transformaram em sacramentos. Elas visibilizam o convívio, o trabalho de criar laços, a espera, o tempo perdido. São sacramentos humanos.

(continua...) 

 

Lucimara Trevizan

Equipe do Catequese hoje