Em que sentido Jesus Cristo é o autor dos sacramentos? 

O Concílio de Trento definiu solenemente que os sacramentos cristãos foram instituídos por Jesus Cristo Nosso Senhor. Esta afirmação é fundamentalmente certa. Entretanto, deve ser corretamente compreendida, no sentido que Trento lhe conferiu. 

Jesus Cristo instituiu os sacramentos ao encaminhar a comunidade da Igreja. Inicialmente, enquanto desenvolveu sua atividade profética na Palestina, e depois da ressurreição por meio de seu Espírito. Neste sentido, os sacramentos "não são invenções da Igreja", mas ações de Jesus em sua comunidade. A existência de verdadeiros sacramentos não precisa fundamentar-se em cada caso ou palavra (comprovável ou presumível) do Jesus histórico. A instituição de um sacramento também pode decorrer do simples fato de Cristo ter fundado a Igreja com seu caráter sacramental. Portanto, podemos falar de Cristo como autor dos sacramentos enquanto é autor do Sacramento Universal da Igreja. 

Tudo é de Cristo. Não só introduziu coisa nova que é Ele mesmo e sua Ressurreição. Veio revelar a santidade de todas as coisas. Tudo está repleto dele, ontem, hoje e sempre. Tudo o que é verdadeiro, santo e bom já é cristão. Mesmo quando não se usa o nome cristão. Nada é rejeitado. Tudo é assumido. Tudo é lido à luz da história do mistério de Cristo. 

Os sacramentos sempre são eficazes 

A presença da graça divina no sacramento não depende da santidade seja daquele que administra o sacramento, seja daquele que o recebe. A causa da graça não é o homem e seus méritos. Mas unicamente Deus e Jesus Cristo. Daí dizer-se: o sacramento age “ex opere operato”, quer dizer, uma vez realizado o rito sacramental, colocados os sagrados símbolos, Jesus Cristo age e se torna presente. Não em virtude dos ritos por eles mesmos. Eles não têm poder nenhum em si mesmos. Apenas simbolizam. Mas em virtude da promessa de Deus mesmo. Caso contrário, estaríamos em plena magia. Segundo esta, os gestos sagrados possuem uma força secreta neles mesmos que atua favorável ou desfavoravelmente sobre os homens. O sacramento é profundamente diferente da magia. No sacramento se crê que Deus assume os sacramentos humanos, como o pão e a água, para através deles produzir um efeito que supera as forças deles mesmos. O pão mata a fome e simboliza o aconchego familiar; na eucaristia, Deus assume esse simbolismo e faz com que o pão sacie a fome salvífica do homem e realize a comunidade nova dos redimidos. A graça sacramental é causada por Deus mesmo. É Cristo quem batiza, quem perdoa e quem consagra. O ministro empresta-lhes os lábios indignos, empresta-lhes o braço que pode perpetuar obras más e empresta-lhe o corpo que pode ser instrumento de maldade. A graça acontece no mundo sempre vitoriosa, independentemente da situação dos homens.

O sacramento não é apenas rito. Pertence essencialmente ao sacramento o processo de conversão e de busca de Deus. O sacramento é proposta de Deus e também resposta humana. Somente na acolhida humilde do fiel, o sacramento se realiza plenamente e frutifica. O homem vai descobrindo Deus e Sua graça nos gestos significativos da vida. Vai se abrindo. Vai acolhendo Seu advento. Até que na cerimônia oficial da comunidade de fé celebra e saboreia essa presença divina através da fragilidade dos elementos materiais e das palavras sagradas. Após a cerimônia a graça o acompanha sob outros sinais, levando-o de busca em busca e de encontro em encontro para um derradeiro e definitivo abraço.

Sem a conversão a celebração do sacramento é ofensa a Deus. Significa jogar pérolas aos porcos, querer colocar os gestos da máxima visibilidade de Cristo no mundo sem a adequada purificação interior. Para o encontro deve-se estar com o coração na mão. Para o amor, puro. Para a festa, reconciliação. Sem o preparo, o encontro é formalismo. O amor, paixão. A festa, orgia. 

Se alguém comunga, deve ser elemento de comunhão no grupo em que vive. Se alguém batiza e se deixa batizar deve ser, na comunidade testemunho de fé... O sacramento exige engajamento. Aliás, a palavra Sacramentum significava para os primeiros cristãos de fala latina exatamente engajamento e compromisso. O rito (sem o compromisso que ele supõe, encarna e expressa) é magia e mentira diante dos homens e de Deus. 

O sacramento supõe a fé. Sem a fé o sacramento não fala nada e de nada. É como na caneca sacramental. Só para aquele que teve uma profunda vivência e convivência com ela, é significativa e simboliza algo mais do que uma simples caneca de alumínio. Só para quem tem fé, os ritos sagrados, os momentos fortes da vida se tornam os veículos misteriosos da presença da graça divina. Caso contrário, transformam-se em meras cerimônias vazias e mecânicas, no fundo ridículas.

O sacramento expressa a fé. Por um lado é o homem que pelo e no sacramento se expressa a Deus, venera-o, glorifica-o e suplica-lhe vida e perdão; por outro é Deus que pelo e no sacramento se expressa ao homem dando-lhe carinho, vida e perdão.

O Sacramento alimenta a fé. Ao expressar a fé o homem modifica a si mesmo e o mundo. A religião constitui um complexo simbólico que exprime e alimenta permanentemente a fé. O sacramento é dela o coração. A graça o seu pulsar. 

O Sacramento concretiza a Igreja universal numa determinada situação crucial da vida, como o nascimento, o casamento. Por isso, não tem muito sentido alguém querer receber algum sacramento da Igreja, se não tem nenhuma ligação e adesão efetiva com esta Igreja. Para celebrar os sacramentos é preciso que haja comunidade de fé e vida. 

Não existe celebração de nenhum sacramento sem a presença da comunidade. Nos sacramentos a comunidade celebra a vida de cada pessoa presente que carrega consigo as aspirações, sentimentos, conquistas, as lutas do dia-a-dia. 

A Igreja faz os sacramentos, pois é ela que convoca todos os seguidores de Jesus para os celebrar. “Toda ação da Igreja para o serviço do Reino, participa, de certa forma, da sua sacramentalidade. Mas, entre os múltiplos gestos da Igreja que são sinais visíveis da presença da graça de Cristo entre os homens, a Igreja reconhece sete sacramentos propriamente ditos”(CR 221).

Os Sacramentos fazem a Igreja. Os sacramentos são sinais para mais vida e vida nova e livre. Eles dão vitalidade, coragem para a comunidade-Igreja. Compromete a Igreja a viver a solidariedade, a justiça e a criar uma sociedade mais fraterna. É nos sacramentos bem celebrados e assumidos que a Igreja encontra sua identidade. São eles que permitem o encontro festivo com a comunidade, levam a uma constante conversão e portanto, a uma reconciliação. Fortalecem para a prática do serviço e testemunho. Dinamizam para mais comunhão-partilha. 

Fortalecer a vida comunitária, numa vivência comprometedora a partir dos sacramentos, é tarefa de todos os pastores e de cada responsável por uma pastoral ou movimento. É tarefa, também, educar para uma compreensão correta de que existe uma forte relação entre sacramento e comunidade. Sacramento que não leva a gestos concretos junto à comunidade pode tornar-se um mero sacramentalismo.

O Sacramento pode ser deturpado em sacramentalismo. Celebra-se o sacramento mas sem a conversão. Colocam-se sinais figurativos da presença do Senhor, mas sem a preparação do coração. Os sacramentos são usados para exprimir a adesão a uma fé. Entretanto esta fé é sem conseqüências práticas. Não modifica a vida. É uma fé de uma hora por semana, por ocasião da missa dominical ou de alguns momentos importantes da vida, como por exemplo de um batizado, de algum casamento, ou de um sepultamento. Fazem-se ritos, mas não se vive uma fé viva. Na vida concreta vivem-se valores opostos à fé. 

Outra deturpação diabólica do Sacramento: há pessoas que aproveitam toda e qualquer ocasião para receber o sacramento, porque quer acumular graças sobre graças. A preocupação não é um encontro pessoal com o Senhor. Mas o acumular em termos “coisísticos”, como se a graça divina fora uma coisa que pudesse ser acumulada e colecionada. 

Há também o rito mágico, pessoas que acreditam que o sacramento age por si mesmo em virtude de uma força misteriosa inerente aos próprios elementos sacramentais. Não é mais o Cristo quem causa, mas a cerimônia nela mesma. Não olham o rito como expressão da fé, expressão que Cristo assume para Ele se fazer presente e comunicar por ela seu amor e sua graça. Muitas pessoas têm uma interpretação mágica do sacramento. O respeito e o temor diante do rito sagrado não articulam o temor e o respeito à presença do Senhor, mas exprimem o modo de não executar corretamente os sinais e assim atrair a maldição em vez da benção.

(BOFF, Leonardo. Mínima Sacramentalia. Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos.10ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1984, p.53-77-adaptação)

 

Equipe do Catequese Hoje