O anúncio da Palavra anima nossos passos e motivam nossos corações. Elas são presentes de Deus. Nós podemos proferi-las porque Deus nos inspira primeiro e assim, deixando-a germinar em nosso íntimo, a deixamos brotar ofertas de nós mesmos. A força do Espírito nos possibilita, nos move, nos impulsiona e nos leva à mais bela expressão que existe: a linguagem do Espírito. É a manifestação do próprio Deus e não podemos deixar que ele pare de falar, pois só ele é capaz de ressuscitar a esperança e fazer os olhos brilharem de alegria Sua linguagem tudo revela e suas Palavras desvendam nosso interior.
Toda nossa fé é uma revelação da bondade, da misericórdia, do amor de Deus por nós. “Deus é amor” (Jo 4,16). Amor que se difunde e se entrega. Por meio do mistério da encarnação, Deus enviou seu Filho. Assim, Jesus é o enviado do Pai, e veio para dar testemunho do amor do Pai. E por meio de seus gestos, atitudes e falas Jesus deixou sua mensagem para nós. Estas nós a encontramos nos Evangelhos.
Quando colocamos nossa fé na dinâmica de entrega, de confiança e de compromisso com Jesus, passamos a compreender a nossa própria fé como um encontro pessoal que vai se configurando ao longo da nossa trajetória pessoal e comunitária. A fé cristã cresce quando fazemos memória das Palavra de Deus. A fé cristã tem suas raízes no Antigo Testamento onde, através de vários sinais, podemos perceber o amor de Deus revelado. O Novo Testamento interpreta as histórias do povo de Deus fazendo uma leitura da história da vida de Jesus. Nas narrativas da vida e ação de Jesus, Deus dá-se a conhecer, pois é na revelação que está na própria vida humana de Jesus que Deus se faz presente. Ele dá-se a conhecer, ou seja, dá sinal da sua presença, em acontecimentos que ocorrem na vida humana, quando esses acontecimentos são semelhantes aos que os evangelhos narram da vida humana de Jesus. Toda a vida de Jesus é colocada em evidência e concretiza o sonho de Deus para o ser humano. Uma vida de bondade, de solidariedade e amor. Conhecendo e contemplando com atenção esse Jesus de Nazaré entenderá tudo o que se pode entender de Deus neste mundo.
A Palavra de Deus não age por si mesma. Ela pode nos libertar, sempre, desde que não seja manipulada pelos interesses de quem a comunica. Por isso, a necessidade do seu conhecimento. A exemplo do evangelista Marcos podemos, enquanto comunidade, percorrer juntos, o caminho que Jesus e seus discípulos fizeram desde a Galileia até Jerusalém. Para dar segurança à comunidade, Marcos começa afirmando que Jesus Cristo é “Filho de Deus” (1,1) e, no momento da morte de Jesus, ele afirma: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus” (15,39). Naquele momento, a grande preocupação era como ser discípulo e se colocar no seguimento de Jesus. Preocupação que se torna presente, hoje, em nossa realidade, num contexto de pós-modernidade, subjetividade e pluralidade.
A Igreja, como o “ambiente” no qual a Bíblia tem seu significado e deve ser interpretada, nos convida à missão como um caminho que todos, como Igreja, devem percorrer sempre e levar a todos a alegria do encontro com Jesus Cristo; a presença profética e transformadora da Palavra de Deus no mundo, etc. E a catequese apresenta-se como uma das formas do ministério da Palavra e pode ser destacada como papel insubstituível e fundamental para a transmissão da Palavra de Deus.
A catequese oferece um período de ensinamento e maturidade, de reflexão vital sobre o mistério de Cristo, de iniciação integral-vital, ordenada e sistemática na Revelação que o próprio Deus fez ao homem em Jesus Cristo, não isolada da vida nem justaposta artificialmente a ela, e conservada na memória profunda da Tradição viva da Igreja. É a partir de uma autêntica catequese renovada e inspirada na vida do Cristo que a Igreja pode deslocar solidamente toda a amplitude de elementos e funções de sua ação evangelizadora. Assim, é necessário que a catequese, como obra evangelizadora da Igreja, encontre seus fundamentos na natureza da revelação cristã e na Tradição viva da Igreja tal como esta se expressa na Constituição Dei Verbum, do Com. Vat. II.
Nesse sentido torna-se explicita a importância de melhor conhecer as Sagradas Escrituras, não só com cursos, oficinas bíblicas, grupos de estudos, etc., mas sobretudo com tudo o que implica a Bíblia para a vida e a atividade evangelizadora da Igreja. Isto tem reflexos principalmente nas atividades pedagógicas da fé, sobretudo na catequese.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado bíblico-catequético da arquidiocese de BH
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Iniciação à vida de Cristã: mergulho no “Mistério de Cristo”
Estamos diante de desafios provocados pelas mudanças de época, que influenciam o homem no seu jeito de ser, pensar e de agir, de amar e de trabalhar. Ao mesmo tempo, olhamos para a Igreja que, segundo as suas diretrizes gerais da ação evangelizadora, a situa em um contexto cultural cada dia mais marcado pelo ceticismo. E diante do conhecimento da verdade em si e impregnada, sentimos a necessidade de que a evangelização venha assumir o desafio de aproximar fé e razão, por meio do diálogo atento, atualizado e corajoso.
Como evangelizar promovendo a aproximação da fé e da razão? Quais elementos essenciais da fé podem levar as pessoas à percepção da Revelação como ato de comunicação que se traduz na revelação de Deus em nossa realidade, por meios de fatos e palavras intrinsecamente unidos e vai mostrando sua vontade. Os que vão se abrindo a essa experiência e percebendo Deus na vida, apontam-na para os outros e, assim, a palavra revelada vai iluminando aos outros e ajudando-os a descobrir as verdades da fé?
São Tomás de Aquino nos ajuda a compreender essa integração de fé e razão quando diz: “a fé consolida, integra e ilumina o patrimônio de verdade adquirido pela razão humana. A fé aceita uma verdade sobre a base da Palavra de Deus revelada, enquanto a razão aceita uma verdade em virtude de sua evidência intrínseca, ou imediata. Mas tanto a fé quanto a razão provêm de uma única fonte de toda verdade, o Logos Divino, que opera tanto no âmbito da criação como no da redenção”.
Não se tem por objetivo discutir aqui os elementos essenciais à nossa fé. Temos uma expressão privilegiada da fé da Igreja, professada desde os Apóstolos que é “o Credo” ou “Símbolo Apostólico”. Mas queremos, aqui, recordar um dos princípios a que devemos estar atentos e que nos ajudam nessa aproximação: Deus, como nossa fé professa, está no meio de nós e sempre se manifesta dentro de nossa história e de nossas vidas. Revela-se, procurando nos libertar para formas mais humanas de vida. A plenitude dessa vida é a total comunhão com ele. (CR 174).
A Ação Evangelizadora da nossa Igreja
Voltando o nosso olhar para as diretrizes da ação evangelizadora da Igreja, ela nos convida a voltar às fontes e recomeçar a partir de Jesus Cristo, pois a volta às fontes faz a Igreja superar a tentação de ser autorreferencial e a coloca no caminho do amor-serviço aos sofredores desta terra, caminho este que leva à vivência e a transmissão da fé. Sair da autorreferencialidade e ir para a prática da multirreferencialidade, que é um indicador do tempo pós-moderno responsável pelo conjunto de transformações por que passam as pessoas, faz com que a Igreja se empenhe em ser uma Igreja em estado permanente de missão, casa da Iniciação à Vida Cristã, fonte da Animação Bíblica da Vida e da Pastoral, Comunidade de Comunidades, a serviço da vida em todas as suas instâncias. Nesse sentido, ela nos coloca frente a situações novas e desconhecidas, desperta e dá sentido para a vida do homem pós-moderno, hoje transformado no seu jeito de pensar, agir e viver dentro da sociedade multirreferencial na qual encontra-se inserido.
A Igreja, assumindo os aspectos das urgências que contribuem para a vivência e transmissão da fé, ela faz com que o anúncio da Boa-Nova se propague nos mais diversos contextos culturais e suscita a todos o desejo de fazer a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo. Esse encontro se dá através do mergulho gradativo no mistério da vida do Cristo. Por isso a importância do Primeiro Anúncio e da Iniciação à Vida Cristã, a qual não acontece plenamente se não se tem o contato com a Sagrada Escritura. A Palavra de Deus se faz luz para o caminho e ajuda os discípulos missionários na caminhada fraterna e solidária que, trabalhando pela vida em todas as suas instâncias, tornam-se sinais de que o Reino de Deus vai se manifestando no meio de nós.
A fé sobre a base da Palavra revelada
Essa revelação pode ocorrer:
Em uma relação pessoal e dialogal em que Deus toma a iniciativa. Ele se auto-revela e manifesta seu amor. Fala como que a amigos. Jesus oferece sua amizade para que todos tenham vida e vida plena (Jo 10,10) e a salvação a toda a humanidade. Nessa relação pessoal com Jesus somos convidados a assumir atitudes que promovam vida, como continuadores de sua missão.
Esta é também a razão de ser da Igreja, uma atitude missionária que define sua identidade. Quando Jesus se comunica com pessoas particulares, revelando-lhes sua vontade é para que a transmitem aos demais. Assim como fez com os Apóstolos que, depois de instruídos, foram enviados a todos para que anunciassem as maravilhas do Deus de Jesus Cristo numa ação comunitária. É Deus se revelando a um povo.
A revelação de Deus reproduz na vida social das pessoas e dos povos. Ilumina a vida, propõe mudanças, promove a vida e denuncia o que escraviza e oprime. A pregação e as ações de Jesus têm consequências claramente sociais. O amor de misericórdia para com todos os que veem sua vida vulnerada,em qualquer de suas dimensões, requer que socorramos as necessidades urgentes, mas, ao mesmo tempo, contribuamos para a formação de organismos ou instituições com estruturas mais justas de forma a consolidar uma ordem social, econômica e política na qual não haja iniquidade e onde haja possibilidades para todos. Esta é a missão da Igreja: Animada por uma Pastoral Social estruturada, orgânica e integral, que se faça presente nas novas realidades de exclusão e marginalização, lugares onde a vida está mais ameaçada.
Em uma revelação DINÂMICA, o acontecimento único – Jesus Cristo – pela ação do Espírito, vai-se fazendo presente na vida de cada pessoa, de cada grupo humano, de toda a sociedade que se abre a ação da graça. A experiência cristã vai clareando, aprofundando e expressando melhor a verdade revelada. Nesse processo contínuo de crescimento e de desenvolvimento de nossas relações interpessoais com Deus vamos exercendo nossa missão de discípulos missionários no testemunho da Boa-Nova.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado bíblico-catequético arquidiocesano de BH
Na contínua reflexão sobre o processo de Iniciação à vida cristã, somos chamados à vivência e à observância da unidade dos três sacramentos que nos introduzem no mistério de Cristo e da Igreja, bem como os demais sacramentos, pois todos eles rememoram o Cristo presente e atuante na práxis dos membros da comunidade.
Os sacramentos são vistos como atos do próprio Cristo na ação da Igreja e, nesse sentido, são integrados no mesmo caminho de fé, como experiência vital e de crescimento no meio de uma comunidade eclesial. Assim sendo, somos chamados a repensar a nossa identidade cristã e a nossa missão. Uma prática renovadora dos sacramentos será o reflexo de uma Igreja transformada, feliz e convertida, mais conforme à mensagem e à prática de Jesus que nos convida à vida misericordiosa, fraterna e livre.
Diz o documento 107 em seu número 129: “A origem da relação entre os três sacramentos da Iniciação à Vida Cristã tem seu fundamento nas diversas manifestações de Cristo e do Espírito que nos leva à unidade do mistério pascal cumprida pela missão do Filho e consumada pela efusão do Espírito Santo”. Se hoje entendemos assim os sacramento: manifestação visível de algo invisível, podemos dizer que Jesus Cristo é o Proto-sacramento: o primeiro e grande sacramento do amor de Deus-Trindade.
Podemos também afirmar que todos os outros sacramentos só têm sentido porque eles tem uma referência à humanidade de Jesus. Quando Deus quis nos dizer definitivamente que nos ama mandou o Filho. No momento em que Maria disse “Sim” ao projeto de Deus o Verbo pode assumir a carne e, então, aparece visivelmente diante dos nossos olhos o amor infinito do Pai. Jesus Cristo, por sua vida, sua obediência e seus gestos de bondade é o Sacramento do Pai por excelência, pois nele culmina toda a história da salvação. Ele encarnou e trouxe para dentro de nossa história o plano salvífico de Deus. Ele é o Sacramento Fontal de Deus. É o Sacramento Vivo de Deus. “Ele é a forma visível do Deus invisível” (Cf. Cl 1, 15).
Cristo, origem dos sacramentos
Quando celebramos um sacramento estamos fazendo memória de Jesus Cristo. Sacramentos são a celebração da prática histórica de Jesus Cristo. Assim, o fato que celebramos encontra a sua fundamentação em Cristo e através dele o gesto que o significa e festeja. Nos sacramentos tem continuidade o agir salvífico simbólico-corporal de Jesus. Todos os sacramentos celebrados na vida cristã encontram o seu fundamento na vida e práxis de Jesus Cristo:
• Conversão: pregação e presentificação do Reino (cf. Lc 11,29-32, o sinal de Jonas);
• Reconciliação: acolhida de publicanos e pecadores e o perdão dos pecados;
• Vitória sobre a enfermidade; as inúmeras curas de enfermos e possessos;
• Constituição de funções na comunidade: a vocação dos discípulos, a instituição dos Doze e seu envio em missão;
• Compromisso matrimonial: presentificação do Reino de Deus, sinal visível da Aliança entre Deus e a humanidade (parábolas do Reino, banquete nupcial)
• Partilha: a vida inteira de Jesus, especialmente sua morte “em favor da multidão”, resultado de toda a sua vida como “ser-para-o-outro”.
A Igreja, corpo místico de Cristo, sinal visível do seu Senhor, continuando a celebrar os seus gestos salvíficos, perpetua e renova a sua presença na comunidade cristã.
Igreja como sacramento de Cristo
A Igreja tem Cristo como cabeça (cf. Cl 1,18) e os Sacramentos edificam a Igreja como “corpo de Cristo”, neste mundo, na força do Espírito. A Igreja, como sacramento de Cristo, celebra sacramentalmente, a salvação em todo tempo e lugar; os sacramentos da Igreja comunicam o que significam em relação a Cristo; cada um dos sete sacramentos são momentos do único sacramento que é Cristo, realizando em cada pessoa que crê a salvação de Cristo. Segundo Paulo, Cristo é o “mistério-sacramento” de Deus, pois nele está a manifestação plena e histórica do desígnio de Deus (cf. Ef. 3,9; Cl 1,27).
A casa ano a Igreja celebra os sacramentos pascais e se alegra com todos aqueles que buscam os sacramentos da Iniciação e com aqueles que, já iniciados na fé, celebram os sacramentos da sua iniciação em Cristo, retoma a consciência de ser, ela mesma, renascida pela água e pelo Espírito e de fazer parte de sua mesa, anunciando a morte e ressurreição de Jesus. Renascer da água e do Espírito! Eis a graça que recebemos do Pai, por Jesus Cristo e pelo seu Espírito. Vivenciar esse mistério é adentrar no Mistério Pascal.
A Palavra de Deus é fonte para nossa vida cristã.
Na Bíblia está o mundo novo, o mundo de Deus. Nela encontramos palavras orientadoras de Deus que foram ditas para todas as épocas e assim, continuam atuais para todos os tempos. A fé cristã cresce quando fazemos memória das Palavra de Deus. A fé cristã tem suas raízes no Antigo Testamento onde, através de vários sinais, podemos perceber o amor de Deus revelado. O Novo Testamento interpreta as histórias do povo de Deus fazendo uma leitura da história da vida de Jesus através de suas atitudes, mensagens e gestos. Toda sua vida é colocada em evidência e concretiza o sonho de Deus para o ser humano. Uma vida de bondade, de solidariedade e amor.
A páscoa de Jesus traz novo sentido para o nosso tempo. Nós também somos chamados a viver a páscoa de Cristo tornando visível o mistério pascal.
Essas histórias precisam ser contadas e vivenciadas em nossas catequeses e em todo o modo de evangelização da comunidade cristã. Sua vida é expressão de fé, da graça e bênção de Deus que nos ajudam a crescer na “unidade”, no “servir” e no “transformar”.
Para contar bem essas histórias necessário se faz conhecer bem Jesus. Quem é Jesus para mim, para você, para todos nós? Podemos encontrá-lo nas histórias bíblicas, nas histórias e nos fatos da vida, no caminhar da Igreja. Jesus se faz presente nesses lugares e é a centralidade da nossa vida. A vida nos sacramentos é oportunidade para reconhecermos a presença de Jesus em nós e no meio de nós.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado bíblico-catequético arquidiocesano de BH
In: Opinião e notícias 17.11.2017
Chamados a estar no mundo para amar e viver o amor entre os irmãos, sejamos uma Igreja querigmática, missionária e mistagógica.
Uma Igreja querigmática é aquela que anuncia a Boa-Nova. Falar ao mundo sobre a novidade que Jesus de Nazaré traz à humanidade, como Senhor e Mestre, inaugurando um novo jeito de viver. Com ela aprendemos a caminhar com Jesus e a experimentar o seu amor divino. O Evangelista João na passagem do capítulo 3,16-17 nos fala da amplitude desse amor divino doado à humanidade: “Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho único para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Sua presença no mundo foi para que o mundo pudesse ser salvo por Ele, e foi. Ao doar sua vida na cruz, ele salvou o mundo e Deus foi glorificado por Ele, pois o que Jesus veio fazer no mundo foi realizar a vontade do Pai expondo seu projeto para nós. Jesus nos fala de si mesmo, quem é ele enquanto Filho de Deus e o que ele produz de transformação na nossa história de vida. Jesus falou de Deus e apresentou Deus de forma nova e diferente em relação ao conceito de Deus que normalmente se utiliza nas tradições do Antigo Testamento.
Nos Evangelhos Jesus está sempre a nos ensinar. Através de sua palavras vamos absorvendo a verdade de que Ele é o Messias enviado em cumprimento das profecias do Antigo Testamento. Com sua encarnação temos revelado o grande mistério: Deus quer intervir novamente na história e, por meio de seu Filho, salvar o mundo. É um amor tão grande que não temos como compreendê-lo a não ser, nos colocando nos passos de Jesus Cristo, Filho amado do Pai, quem no-lo deu a conhecer. Assim se diz: “Somente o Filho conhece o pai e aquele ao qual o Filho o quiser revelar” Mt 11,27).
Igreja Missionária
Evangelizar não é uma tarefa de alguns, mas de toda a Igreja. Todos devem estar a serviço da evangelização,uma missão não apenas de alguns, mas de toda a Igreja. Quando nos colocamos no seguimento do Cristo, estamos nos propondo a ser uma Igreja missionária, acolhedora que vai ao encontro dos irmãos para anunciar a todos essa nova realidade transformada e instaurada por Jesus: ‘o Reino de Deus Chegou’. Esse é o legado de Jesus para darmos continuidade. A Igreja sabe que todos os esforços que a humanidade está a fazer em favor da comunhão e da partilha tem plena resposta na ação de Jesus Cristo, redentor do homem e do mundo e que ela foi mandada por Ele como “Sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano. Assim sendo, é por meio de todos nós, fiéis batizados, que a Igreja de Cristo torna-se presente nos mais diversos setores do mundo, como sinal e fonte de esperança e amor.
Igreja Mistagógica
É a mistagogia que nos revela a verdadeira compreensão da ação evangelizadora da Igreja. Falar de mistagogia é falar do sentido de se deixar conduzir para dentro do mistério. E a Igreja é esse mistério de Cristo. Ele a faz sacramento de si mesmo. E ao sermos iniciados na fé cristã, por meio dos sacramentos, somos conduzidos para dentro do “Mistério” que é Cristo em nós.
A mistagogia é um caminho de integração progressiva dos batizados na fé e na comunidade cristã. É a abertura para o dialogo com toda a História da Salvação, com o encontro com Jesus Cristo e com a experiência das primeiras comunidades. Assim, a mistagogia vem a ser um carisma no âmbito da Igreja que comporta a dimensão teológica própria da dinâmica da Revelação e fé. Falar da fé cristã é falar da certeza de uma esperança. Uma fé que não é baseada em coisas, mas ela nos remete a uma pessoa que nos deu uma nova vida, nos recriou, nos fez renascer como novas criaturas.
A fé cristã tem fundamento nas promessas garantidas por um acontecimento que, mesmo não tendo presenciado, cremos, aceitamos e recebemos, porque Ele, o Cristo, nos promete felicidade e nos conduz até ela, pois ela provém dele, emerge dele que está sempre aberto ao amor, á verdade e à justiça do próprio Deus. A felicidade que o homem busca e espera alcançar para dar sentido à vida culminará na esperança viva que o Espírito do ressuscitado infunde nas pessoas que creem.
Crendo, as pessoas buscarão os sacramentos que as iniciam na vida do Cristo, e pela mistagogia, serão conduzidos para dentro do Mistério de sua vida, tornando-se participantes do Mistério que é o próprio Deus.
A vivência e conhecimento da Sagrada Escritura e a vivência sacramental e comunitária auxiliará àquele que, pouco a pouco irá interiorizando e amadurecendo sua fé, introduzindo-o cada vez mais na experiência do Viver em Cristo. E essa é a vocação do Cristão.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético
A catequese encontra-se inserida no grande tema dos processos da evangelização da Igreja. Os processos iniciáticos, que culminam nos sacramentos da Iniciação à vida Cristã, introduzem a pessoa que os buscam no mistério de Cristo e da Igreja. Essa, por sua vez, anuncia o Evangelho com toda sua vida: o tríplice serviço da palavra, da liturgia e da caridade, a exemplo do próprio Cristo, que vivendo no meio de nós, nos possibilita presenciar, através de suas atividades, a vinda do Reino de Deus.
Jesus, por amor, viveu e morreu, ressuscitou e nos ofertou sua vida em prol da nossa salvação. Fazendo-se alimento para nós, a Eucaristia que celebramos torna-se o ponto culminante do anúncio eclesial da Boa Nova de Deus, em Jesus Cristo, porque, segundo o adágio dos pais da Igreja, “a Eucaristia faz a Igreja e a Igreja faz a Eucaristia”.
Procurando conhecer Jesus Cristo, nós o encontramos no Novo Testamento, uma coleção constituída de vários textos a saber: as 13 cartas do apóstolo Paulo; os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, que apresentam as narrativas da vida, ensino e morte de Jesus Cristo; o livro Atos dos Apóstolos, com a narrativa do ministério dos apóstolos e da história da Igreja primitiva; algumas epístolas pastorais e católicas carregadas de instruções, resoluções de conflitos e outras orientações para a Igreja primitiva, finalizando com o Apocalipse do apóstolo João. Essa coleção escrita após a Ressurreição de Jesus, conhecida primeiramente como ‘Nova Aliança” e por volta do segundo século denominada ‘Novo Testamento’ desde o início está a nos dizer que Cristo é o testador, aquele que , depois de ter sofrido a morte por nós, nos fez herdeiros do Reino eterno – o Reino por Ele prometido-, constituindo conosco uma aliança, ou seja, um contrato do qual fazemos parte e somos responsáveis pela sua realização.
A Aliança com Deus é sempre nova e eterna. O amor de Deus é de sempre e para sempre. Ele fez uma aliança de amor com Israel no deserto. Jesus Cristo, o eterno repouso para quem o busca, é também para nós aliança eterna e definitiva, inaugurada na Páscoa e confirmada na sua ascensão e envio do Espírito no dia de Pentecostes.
O Anuncio de Jesus no Novo Testamento
No Novo Testamento, Jesus anuncia a Boa Nova de Deus tanto quando proclama o sermão da Montanha, como quando ensina aos discípulos, conversa com as pessoas, conta as suas histórias, quando cura um doente ou liberta alguém afligido por um “espírito impuro”. Em Marcos capítulo 1, versículo 27, esse gesto é reconhecido como “ensinamento novo”. Além de proclamar, anunciar, ensinar, encontramos outras várias formas de ação de Jesus que podem ser consideradas instruções para o nosso agir pessoal e para a nossa ação evangelizadora.
A catequese, ao empregar a metodologia narrativa, ou seja, mostra ‒ não apenas afirma ‒ a partir dos atos e palavras de Jesus que, nele, Deus se revela. Somente assim, pode nascer a obediência da fé, como opção livre e dom divino. Não se trata apenas de contar a vida de Jesus, mas de mostrar que em Jesus o caminho da fé de Israel, arraigado no caminhar histórico de Israel e de todas as religiões, chega à sua plenitude e revela o caminho salvador de Deus, presente desde sempre de diversas formas (cf. Hb 1,2). Por isso, os evangelhos e as cartas dos apóstolos ‒ primeiros subsídios da catequese ‒ mostram, com a insistente repetição da frase “para que se cumpram as Escrituras”, que, em Jesus, chega à plenitude o caminho da autocomunicação divina, não só para Israel, mas para toda a humanidade.
No nosso caminhar, Jesus Cristo é a referência. E os sacramentos, como ato do próprio Cristo na ação ritual da Igreja, Ele é quem nos inicia, nos torna cristãos, nos introduz no relacionamento com a Trindade e com o corpo eclesial. Ele introduz cada batizado ao encontro profundo com o Mistério Pascal e, com isso, ao encontro de sua própria realização como ser humano. (cf. Doc. 107. n. 125).
Os Sacramentos de Iniciação (batismo, crisma e eucaristia) formam um só conjunto, cuja totalidade constitui a introdução do novo cristão na Igreja. São integrados no mesmo caminho de fé. São etapas de um único processo de mergulho na vida iluminada por Cristo e testemunhada na Igreja. A Eucaristia é o sacramento da plenitude, pois realiza plenamente o que os outros dois anunciam. Ela é uma culminância, um sinal de plena e definitiva inserção na Igreja.
Ao participar da Celebração Eucarística, pode-se compreender a Eucaristia a partir do seu rito, apresentado em três partes principais. Primeiramente, uma apresentação a que chamamos de ofertório. A seguir vem o sacrifício eucarístico constituído pela grande prece de ação de graças, pronunciada sobre os elementos do pão e do vinho. A terceira parte é a distribuição dos elementos consagrados para a comunhão dos fiéis. Assim diz Santo Ambrósio em seus ensinamentos sobre ‘Os sacramentos e os mistérios”: O Povo, purificado e enriquecido dos dons eminentes (o batismo e a confirmação) põe-se em marcha para os altares, dizendo: Eu irei ao altar de Deus, do Deus que alegra minha juventude. […] ele entra e vendo o santo altar preparado, clama: “Tu preparaste uma mesa diante de mim”.
Pode-se observar que a Eucaristia é apresentada, desde o início, como um banquete celeste. A entrada na Igreja representa a entrada no santuário celeste. Tendo entrado no santuário, os batizados em Cristo contemplam os mistérios escondidos. No altar, onde figura do corpo de Cristo, pode-se enxergar, à luz dos sacramentos, que o corpo de Cristo está sobre ele. O sacrifício eucarístico é uma participação sacramental no único sacrifício celeste. A Eucaristia é o memorial eficaz da Paixão, da Ressurreição e da Ascensão . É também a participação no sacrifício e no banquete celestiais.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de BH
Ao fazer memória do Concílio Ecumênico Vaticano II, em sua Constituição dogmática sobre a Igreja “Lumen Gentium” , lembramos que o VIII capítulo nos fala da Bem-Aventurada Virgem Maria, mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja. A intenção do Concílio ao expor a doutrina da Igreja, na qual o divino Redentor opera a salvação, deseja esclarecer que: quer a função da Santíssima Virgem no mistério do Verbo encarnado e do corpo místico, quer os deveres dos próprios homens remidos para com a mãe de Deus, a Virgem Maria é Mãe de Cristo e dos homens, em especial dos fiéis.
A Virgem Maria, tendo concebido a Cristo, gerando-o, alimentando-o, apresentando-o no Templo ao Pai, sofrendo com seu Filho que morria na cruz, ela cooperou de modo absolutamente singular, com sua obediência, fé, esperança e caridade ardente, na obra do Salvador para restaurar a vida sobrenatural das almas. Por tudo isso, na fé, ela se torna nossa mãe na ordem da graça.
Invocada, na Igreja, ela torna-se advogada, auxiliadora, socorro, Medianeira. Sua intercessão materna em nada prejudica nem acrescenta à dignidade e à eficácia de Cristo, o único mediador. A Igreja proclama essa função subordinada de Maria, sente-a e a inculca nos fiéis.
Nenhuma criatura pode colocar-se no mesmo plano que o Verbo Encarnado e Redentor; mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de modo diverso pelos ministros sagrados e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, única, se difunde realmente em medida diversa pelas suas criaturas, assim também a única mediação do Redentor não exclui, antes, suscita nas criaturas uma cooperação múltipla, embora participada da fonte única.
Maria está intimamente ligada à igreja. Assim como Nossa Senhora, a Igreja é também mãe e virgem. Ao dar à luz Jesus, seu Filho, constituído Cristo, Senhor e cabeça da Igreja, a Virgem Maria torna-se também mãe de todos os membros da Igreja, cooperando com amor para a educação de seus filhos. A Igreja, com Maria, por sua vez, gera Cristo no coração dos fiéis, cuidando posteriormente de todos com afeto maternal.
Essas considerações sobre Maria, mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja, integram a constituição dogmática “Lumen Gentium”, ajudando-nos a compreender que a ação do Espírito Santo, por meio da Iniciação à vida Cristã, faz com que a Igreja se torne Mãe, geradora de Filhos e filhas que, à medida que vão sendo inseridos no mistério de Cristo, se tornam, ao mesmo tempo, crentes, profetas, servidores e testemunhas. E no exercício de sua função materna, a Igreja vai além das fronteiras étnicas, culturais e sociais. Diz o documento 107 da CNBB em seu n. 112: “…Onde houver alguém à procura da água viva e borbulhante, disposto à busca de Deus em Cristo Jesus, aí ela está presente para criar as condições favoráveis ao início de um caminho de vida nova: anunciando o querigma, favorecendo o aprofundamento, iluminando a vida e saboreando os mistérios cristãos.”
Uma Igreja mistagógica e materna volta seu olhar para Maria, a “Mãe do Evangelho Vivente” e da Igreja para com ela aprender como ser próxima e presente, ela que é modelo de discípula seguidora do Cristo e modelo eclesial para a evangelização.
A Igreja, a partir do Vaticano II, propõe a experiência catecumenal, e nos apresenta o documento RICA – Ritual de Iniciação Cristã de adulto, um documento litúrgico com ritos, orações e celebrações que nos ajudam a tornar nossas catequeses mais participativas e vivenciais, nos proporcionando um maior envolvimento com processo de Iniciação à vida Cristã e nos leva ao encontro mais profundo com a pessoa de Jesus Cristo, nele podendo inspirar para darmos o melhor de nós, nos colocando a serviço do Reino, expresso na vivência dos sacramentos do Batismo, da Crisma e da Eucaristia, sacramentos estes de Iniciação à Vida Cristã e que nos convocam para fazer a experiência da vida de Jesus, o Nazareno morto, crucificado e Ressuscitado, cujo espírito nos enviou para poder estar sempre presente em nós e no meio de nós.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado Arquidiocesano bíblico-catequético de BH
Jesus nos revela ser Deus uma perfeita comunhão de amor. O Pai ama o Filho, e o Filho ama o Pai no Espírito Santo que os une pelo amor. Jesus é o Filho de Deus, gerado e não criado. Ele se coloca a serviço do Pai e recebe a força do espírito Santo. O Espírito anima, dá vida a toda a criação do Pai e leva as pessoas a terem fé em Jesus. A Trindade toda sai de si para a salvação do ser humano.
Como viver esse grande amor do Deus Trindade em nossas comunidades?
A Igreja nos oferece os sacramentos da Iniciação cristã: Batismo Crisma e Eucaristia nos convidando a vivenciá-los no nosso dia a dia, deixando que essa experiência faça reflexo na vida do outro.
Pela Eucaristia, Jesus nos convida, hoje, a tornarmos partícipe da sua vida de ressuscitado e, assim, ser responsável pela vida do irmão, estabelecendo uma relação semelhante àquela que ele e seus discípulos tiveram. Mais tarde, as primeiras comunidades experimentaram e se deixaram guiar pelos ensinamentos de Jesus transmitidos pelos discípulos.
Participando dessa vida que está em Cristo, somos chamados a ser fermento, sal e luz para toda a comunidade.
Os ensinamentos de Jesus, segundo a comunidade de Mateus
Partindo dos ensinamentos de Jesus oferecido pelo Evangelho de Mateus, parábolas como as das dez virgens (Mt 25,1-13) as dos talentos (Mt 25, 14-30), e a do Juízo final (Mt 25, 31-46), todas elas ensinam e insistem para que a comunidade se abra à generosidade, seja boa uns para com os outros; e também chama a atenção para a vigilância: estejam atentos.
Mateus nos ensina como sermos discípulos modelo, luz e sal na comunidade. Como oferecer o sabor da vida de Jesus para todos. Como atitudes fundamentais, nos convidam a viver: “o amor, a justiça, a misericórdia e o perdão”.
1.Sobre o amor, convida a comunidade a ser imitadora do Pai quando a convida à realização do duplo amor universal: “Amar a Deus e ao próximo (cf. Mt 22,37-39).
2.Sobre a Justiça, a comunidade é convidada a ir além do cumprimento da Lei, pela busca do Reino de Deus. Jesus diz: “Procurai primeiro o Reino e a justiça de Deus, e tudo isso vos será dado por acréscimo. (cf. Mt 6,33).
3.Sobre a misericórdia, Mateus nos dá o ensinamento de Jesus recordando as palavras do profeta Oséias em 6,6 que diz: “Misericórdia é que eu quero e não sacrifício. Na compreensão da comunidade de Mateus, ao ser misericordiosos, os discípulos de Jesus se fazem parecido com o Pai, pois cumprem o mandamento do amor. Assim, quando Jesus é criticado pelo fato de comer com os pecadores, e Jesus responde que “os que têm saúde não precisam de médicos, mas os doentes”, Mateus está nos mostrando que é a misericórdia o remédio com o qual Jesus vai curar a humanidade.
4.Sobre o perdão, os ensinamentos de Jesus vai nos mostrar que é pela capacidade de perdoar que se cumpre o mandamento do amor. Mateus nos apresenta a parábola que Jesus contava para demonstrar a capacidade de doar o perdão. A parábola do devedor perdoado de uma grande dívida, mas que se recusa a doar o perdão a quem pouco lhe devia (cf. Mt 18, 23-35).
Aqui estão as atitudes a que somos chamados a deixar fazer eco na vida da comunidade. No meio em que vivemos, a imagem dominante do ser cristão raras vezes mostra o que é essencial, às vezes se esquecem do que é fundamental e então não se espelha a dinâmica cristã fundamental e o sentido da identidade cristã que necessita ser expressa de forma consciente e integral.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado bíblico-Catequético de Belo Horizonte-MG
Comissão Regional de Catequese do Leste 2
A iniciação à vida cristã significa imersão em uma nova realidade, assim diz o documento 107 da CNBB. Isso quer dizer que a iniciação nos transforma, nos tira da situação em que nos encontrávamos e nos leva para outra dimensão, o lugar do mistério de Cristo, uma realidade permeada pela vida do Cristo.
Na iniciação à vida cristã também nos deparamos com o mistério da Igreja, uma comunidade que, pela ação do Espírito, vive e revela a presença do Ressuscitado no mundo. Lembramos que Jesus Cristo, pós-ressurreição, enviou seu Espírito para a Igreja e fez dela seu sacramento, ou seja, lugar de viver e partilhar as experiências do mistério da sua vida. A graça que aqui realiza é um acontecimento transbordante da Páscoa do seu Senhor.
Diz, ainda, o documento: “A Iniciação à Vida Cristã deve acolher e iluminar as questões existenciais da vida de cada pessoa. Ela é graça benevolente e transformadora que nos precede e nos acumula com dons divinos do Pai, em Cristo, pelo Espírito Santo. A Graça que enraíza em nossa vida e expressa a unidade da obra trinitária, por meio dos sacramentos que nos iniciam. Começando pelo Batismo, sacramento que nos leva a participar da vida do Cristo, e que nos introduz na família cristã, podemos observar um elemento importante para nós que é a questão do papel atribuído à água. Do ponto de vista teológico, temos a pia batismal, ou a piscina de água que engendra nosso corpo visível pelo ministério dos sacerdotes. Isso quer dizer que recebemos através da água uma nova existência, somos recriados, ganhamos uma nova forma no sentido de sermos formados em Cristo. No sentido do invisível, o Espírito de Deus regenera, por sua vez, nosso corpo e nossa alma. Assim, na água somos purificados sob a missão de um anjo, e somos preparados para receber o Espírito Santo. O anjo do batismo aparece como o precursor do Espírito Santo. A efusão do Espírito está ligada à unção: “Não é na água que recebemos o Espírito Santo, mas purificados na água sob a missão de um anjo, nós somos preparados para receber o Espírito Santo”.
Podemos aqui nos reportar a João Batista que foi o precursor do Senhor, preparando seus caminhos: da mesma forma que o anjo que preside o batismo prepara os caminhos para o espírito que deve vir para a purificação do pecado que a fé obtém com a assinalação em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. “Ao estar lendo esse artigo poderíamos buscar na Bíblia a leitura que faz referência ao Batismo de Jesus. Na narrativa do Evangelista Mateus”, capítulo 3, 13-17.
A vivência desse rito batismal nos transporta para o passado e nos coloca no momento da passagem bíblica (Jo 5,1-15) que nos conta como o anjo de Betesda comunica ás águas a força de curar os corpos, dando-lhes nova formas; assim é também esse momento vivencial presente que nos faz sentir o anjo que dá ás águas o poder de curar as almas dos batizados, livrando-os do pecado e oferecendo a graça de Deus e a salvação.
Temos uma leitura muito bonita dos padres da Igreja, os conhecidos como mistagogos. Um deles, ao fazer a interpretação batismal, desenvolve a comparação entre a piscina de Betesda e o batismo no mesmo sentido que nos outros textos, mas diz: Lá (na piscina) um só foi curado; aqui, mesmo que sejas lançado o universo inteiro dentro da piscina, a força da graça não é diminuída, mas cura a todos. Lá a cura acontecia uma só vez, aqui todos os dias; Lá era curado somente os corpos, aqui as almas.
Igualmente a essa passagem bíblica fazendo referência ao Batismo, podemos nos reportar ao memorial do relato da criação, quando a Palavra de Deus nos fala do Espírito que pairava sobre as águas primitivas e lhes comunicava uma força santificante. Todas essas imagens que construímos e as tornamos visíveis aos nosso olhos, são imagens para o tempo, mas nos coloca em uma realidade eficaz que é eterna. Podemos assim entender que esta realidade do nosso Batismo não muda: somos recriados em Cristo, nele permanecemos e ele em nós.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de BH
In: Jornal Opinião e Notícias 11.10.2017
Diante dos novos tempos e dos novos sinais que nos colocam às margens das transformações, torna-se difícil compreender os próprios critérios da vida, de tudo o que ela respeita, até mesmo o Deus invisível, inclusivo e a própria maneira de entender Deus. No horizonte das várias mudanças, a verdade sobre Deus fica ofuscada. Faz falta um olhar mais atento, maior atenção, escuta, tanto voltada para a interioridade, quanto para o exterior.
A catequese, situada no âmbito da missão evangelizadora da Igreja como momento essencial, recebe da evangelização, o dinamismo missionário que a fecunda na sua interioridade e a configura na sua identidade.
Segundo o documento da Igreja (Evangelii Nuntiandi n.7), a catequese nasceu, na Igreja, ligada à iniciação cristã, o que equivale dizer que nasceu como anúncio do Evangelho de Jesus Cristo, ou seja, da boa notícia que é Jesus Cristo. Assim, descreve-se, em primeiro lugar, a relação da catequese com o primeiro anúncio que se realiza na missão, ou seja, o querigma, que significa proclamação ou anúncio da Boa-Nova. O primeiro anúncio é interpelante, reitera a promessa de graça, aplicando-a ao contexto dos ouvintes para suscitar a reação de cada uma das pessoas à mensagem do Evangelho.
-Ninguém nasce cristão. O cristão se faz ao longo de um processo de diálogo e correspondência da pessoa com o Senhor.
-A catequese visa, nesse tempo, oferecer o Anúncio Primeiro de Jesus e ajudar na adesão pessoal a Ele, na experiência pessoal com Ele, portanto, na conversão.
-Para isso, a Igreja criou um tempo inicial indispensável de fecundação, gestação e nascimento da opção por Cristo, denominado querigma.
Ao longo da vida do cristão, a Vida Comunitária, segundo o mandamento do Amor, é um elemento fundamental. A catequese, pondo diante do catecúmeno o ensinamento de Jesus em atos e palavras, ratificado por sua morte e ressurreição, deve conduzi-lo à escuta da Palavra do próprio Deus. “Quem ouve o Pai e aprende vem a mim” continua dizendo Jesus (Jo 6,45), e assim se cumpre a profecia de Isaías (54,13).
A Igreja anuncia o Evangelho com toda sua vida
O tríplice serviço da palavra, da liturgia e da caridade ‒ a exemplo do próprio Cristo, que viveu e morreu por nós e por nossa salvação. Paulo diz da eucaristia: “Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha” (Cor 11,26). A eucaristia é o ponto culminante do anúncio eclesial da boa nova de Deus em Jesus Cristo, porque, segundo o adágio dos pais da Igreja a eucaristia faz a Igreja.
A Igreja anuncia o Evangelho com toda sua vida ‒ o tríplice serviço da palavra, da liturgia e da caridade ‒ a exemplo do próprio Cristo, que viveu e morreu por nós e por nossa salvação. Paulo diz da eucaristia: “Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha” (Cor 11,26).
A catequese a serviço da iniciação cristã
A vida cristã é um novo viver que requer um processo catequético com passos de aproximação, por meio dos quais a pessoa aprende e se deixa envolver pelo mistério amoroso do Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Ela desperta outras pessoas para novas relações e ações transformadoras.
Nesse sentido, a catequese deve ser sempre um processo de iniciação à vida dos discípulos de Cristo. Deus não pode ser reconhecido em Jesus Cristo, que morreu crucificado por ter dedicado sua vida aos demais, pondo em primeiro lugar os pobres e excluídos, para mostrar que é o caminho para Deus. Na Iniciação à vida Cristã, a Palavra de Deus é essencial. Iremos conversar por muito tempo sobre a catequese de iniciação à vida cristã. Vamos refletir sobre o tema e construir o itinerário catequético, construindo-o juntos: coordenadores das comunidades pastorais, dos movimentos e dos serviços, a fim de que toda a comunidade esteja consciente de seu papel.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de BH
Somos convidados a olhar para o mistério cristão como um acontecimento que nos revela o plano divino da Salvação que Deus realiza na história da humanidade. Antes de ser uma doutrina, o “mistério” é um acontecimento oferecido como salvação a todos os seres humanos. Esse mistério de Deus chega à plenitude em Jesus de Nazaré e é anunciado na comunidade dos discípulos, até sua vinda gloriosa.
Absorvemos esse mistério de Deus que chega até Jesus de Nazaré, como o próprio Cristo que se fez sacramento de Deus. Ele é o Proto, o primeiro sacramento de Deus. Sofrendo a morte de cruz e ressuscitando, ele retorna ao Pai e envia seu Espírito para a Igreja nascente, fazendo dela sacramento dele. Assim, a Igreja é a continuação desse Sacramento (por isso ela é visível: para continuar a mesma economia salvífica divina). Ela nos oferece os sacramentos que provêm da vida do Cristo (Batismo, Crisma e Eucaristia) nos fazendo assim, sacramento do próprio Cristo.
Enquanto Jesus estava vivo, os apóstolos o acompanhavam e outros sacramentos não se faziam necessários, pois Ele era o Sacramento vivo, em pessoa. Com os eventos da paixão morte e ressurreição de Jesus, os apóstolos passam a compreender verdadeiramente quem era o Jesus que esteve com eles: o Cristo, Filho do Pai, o amor salvífico do Pai que veio até nós. No momento em que a humanidade visível de Jesus se subtrai aos nossos olhos, nasce a Igreja. Assim, a Igreja nasce com a efusão do Espírito Santo. Nesse sentido a Igreja é a prolongação da humanidade de Jesus.
No século primeiro, entre os cultos pagãos, havia a “religião de mistérios”, como os mistérios de Elêusis e os mistérios órficos, que prometiam aos iniciados uma vida melhor após a morte, pela prática de uma forma ascética de vida. Acreditavam em sucessivas encarnações, cujo círculo penoso poderia ser rompido pelas práticas religiosas.
Conta a nossa história da Igreja que, por volta do segundo século, quando se inicia a catequese catecumenal, e os pagãos começam a fazer a sua opção para viver esse mistério de fé que é o Cristo ressuscitado, a Igreja, através dos Padres do seu tempo, interpretando o sentido da fé que se fortalecia entre os pagãos, muda o nome “mistério” para “Sacramento” . Essa mudança de nome ajudava os pagãos a fazer sua opção à fé cristã sem confundir com as demais práticas religiosas que eles tinham e eram conhecidas como “mistérios”.
Nesse sentido, foi Tertuliano (+ 220) que aplicou, pela primeira vez e de modo explícito, a palavra sacramentum ao batismo. Com o conceito de sacramentum Tertuliano pôs em relevo a ideia de auto-obrigação pessoal e moral com que se responde ao ato salvífico de Deus, um elemento dialógico importante. Tertuliano foi um prolífico autor das primeiras fases do Cristianismo, nascido em Cartago na província romana da África. Ele foi o primeiro autor cristão a produzir uma obra literária em latim. Ele também foi um notável apologista cristão .
Para Agostinho (+430) Deus estabelece sinais por meio dos quais Cristo comunica a graça da salvação (invisível) no batismo e na eucaristia, unindo um elemento material (visível) a uma palavra que o explica.
No século IV Santo Agostinho aprofunda a teologia do sacramento explicitando que no rito sacramental o elemento material e a palavra constituem sinais visíveis da realidade invisível que é a graça salvífica de Deus presente na ação litúrgica. Ele diz: “Há sacramento em uma celebração quando se faz memorial do acontecimento [de Cristo] de modo que se compreende que alguma coisa é significada e que se deve receber santamente”. A palavra ‘sacramento’ era referida ao batismo e à eucaristia. Mais tarde seu uso foi também estendido aos outros sacramentos. E como o sacramento nos reporta ao mistério pascal salvífico de Cristo, Jesus é o ‘SACRAMENTO’ (MISTÉRIO) da salvação de Deus para a humanidade, a IGREJA, enquanto meio de comunicação da salvação de Cristo, é SACRAMENTO DE CRISTO.
Procurando compreender: Mysterion = sacramentum
• Paulo, em suas cartas, adota o sentido de “segredo oculto em Deus e revelado agora em Jesus Cristo” da palavra mistério:
• Rm 16,25-27: “mistério guardado no silêncio desde os séculos eternos, mas agora manifestado e dado a conhecer a todos os povos pagãos.”
• Ef. 1,9-10: “revelou-nos o mistério da sua vontade […] reunir o universo inteiro em Cristo”
• Cl 1,26-28: Mistério antes escondido, agora revelado para tornar cada um perfeito em Cristo”.
• Cl 4,3: “rezai por nós […] a fim de que eu anuncie o mistério de Cristo”
O “mistério revelado” na encarnação e vida de Jesus é a nossa salvação em Cristo, e que nos é comunicada na Igreja pelo Batismo,Crisma, pela Eucaristia, … pelos SACRAMENTOS. A palavra Sacramento vem do latim sacramentum que é, por sua vez, uma tradução do grego mysterion. Como gestos de Deus em nossa vida, realizam aquilo que expressam simbolicamente. São, portanto:
• Sinais sagrados, porque exprimem uma realidade sagrada, espiritual;
• Sinais eficazes, porque, além de simbolizarem um certo efeito, produzem-no realmente;
• Sinais da graça, porque transmitem dons diversos da graça divina;
• Sinais da fé, não somente porque supõem a fé em quem os recebe, mas porque nutrem, robustecem e exprimem a sua fé;
• Sinais da Igreja, porque foram confiados à Igreja, são celebrados na Igreja e em nome da Igreja, exprimem a vida da Igreja, edificam a Igreja, tornam-se uma profissão de fé na Igreja.
• Do séc. IV ao XII usa-se a palavra “sacramento” para tudo o que se refere ao sagrado.
• A partir do séc. XII começa-se a destacar os sete sacramentos primordiais da Igreja, que são oficialmente assumidos pelo Concílio de Trento em 1547.
Hoje somos chamados a refletir sobre o método da “Mistagogia”. Refere-se a um método que nos leva a compreender o fundamento da Teologia dos Sacramentos da Iniciação Cristã e nos possibilita a sermos conduzidos para dentro do mistério da vida do Ressuscitado.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
Esse é o título do terceiro capítulo do documento da CNBB n. 107, “Iniciação à vida cristã: Itinerário para formar discípulos missionários. No caminhar da nossa reflexão sobre os temas do documento percebemos como está sendo construído um itinerário que nos possibilita o entendimento para a realização da ação evangelizadora da Igreja de hoje, a fim de nos tornarmos sempre mais uma “Igreja casa da Iniciação à Vida Cristã”.
A Exemplo do itinerário apresentado por Jesus em seu encontro com a Samaritana, somos convidados a promover encontros semelhantes com os nossos catecúmenos e catequizandos. É oportunidade de provocar neles a grande alegria da experiência do encontro com o Messias e, com entusiasmo, partilhar com os outros, anunciar que ele já chegou e está presente no meio de nós. Uma forma de expressar a força da Igreja missionária e, ao mesmo tempo, gerar novos missionários. Ao promover uma efetiva “Iniciação à vida Crista”, é possível responder à urgência de se ter uma Igreja em “estado permanente de missão”.
Nesses dois mil anos de missão, a Igreja foi tentando se adaptar às exigências de cada época, ora com mais eficácia, ora com poucos resultados, mas sempre caminhou promovendo uma catequese que ajudava o povo a manter-se inserido na Igreja/comunidade. O catecumenato, processo catequético de iniciação dos primeiros séculos, foi uma maneira muito criativa encontrada para responder às urgências da época, tornando-se “verdadeira escola de fé.
Na Igreja antiga, a missão de iniciar na fé sempre coube à liturgia e à catequese. Ambas caminhavam de mão dadas, unidas, em um processo chamado de Iniciação à Vida Cristã, que tinha como centro a imersão no mistério de Cristo e de sua Igreja. Tudo acontecia em um clima de espiritualidade, orações, celebrações e ritos, um ambiente que chamamos de mistagógico – que se deixa impregnar do mistério da vida do ressuscitado. Trata-se do “querigma”, o anúncio fundamental dos que conviveram com o Senhor, passaram pelo escândalo da sua crucificação e a quem o Senhor apareceu ressuscitado, enviando-os em missão.
Por “Igreja Antiga” entendemos, aqui, as comunidades cristãs dos quatro primeiros séculos do Cristianismo. Tempos marcados pelo nascimento da Igreja, fundada na ressurreição de Jesus Cristo, com o envio do Espírito Santo e o testemunho dos Apóstolos, a chamada “era apostólica” (33-100). Entrelaçada com esse período, inicia-se a “era dos mártires” (64-311), com o surgimento dos Padres Apostólicos e dos Padres Apologistas: época das perseguições e do testemunho dos cristãos até a suprema identificação com o Senhor, com o derramamento do próprio sangue. No ano 313, a Igreja ganha liberdade de culto e as graças do Império Romano, iniciando-se um novo período, conhecido como a “era da Igreja Imperial”, marcada pela contribuição dos grandes Padres da Igreja, a “era de ouro da Patrística”, com os primeiros concílios ecumênicos.
Um segundo e mais longo tempo, o catecumenato, dentro do qual nasceu a catequese, passou a denominar todo o processo iniciático que culmina com a recepção dos três sacramentos de Iniciação Cristã e perdura no estado mistagógico por toda nossa vida, pois, continuamente, permanecemos em Cristo e Ele em nós. Do ponto de vista histórico, o catecumenato é um período de formação cristã, em etapas, de caráter catequético-litúrgico. Foi criado pela Igreja dos primeiros séculos, com o fim de preparar e acompanhar os convertidos adultos para a inserção no mistério de Cristo e à vida de comunidade eclesial. Esse processo catequético teve o seu auge no século IV. A Partir do século quinto, começa uma progressiva e negativa separação entre liturgia e catequese terminando todo o processo por volta do século sétimo, quando então toda a Igreja vive o momento de cristandade.
Hoje a Igreja nos propõe a conhecê-lo como modelo de inspiração. Trata-se de um modelo que apresenta vários elementos que, adaptados à nossa realidade, podem contribuir eficazmente na elaboração de itinerários próprios para cada contexto, para repensarmos o processo evangelizador e catequético atual. É importante ressaltar que a ideia de “modelo” do catecumenato antigo sirva antes de inspiração, leve-nos a uma mística, a um estilo iniciático de encontro e introdução da pessoa no mistério de Cristo, para que alcance a maturidade da fé e possa dizer, como concluiu o apóstolo Paulo: “Já não sou eu mais que vivo; é Cristo que vive em mim!”
A proposta apresentada pela CNBB é que tenhamos o modelo catecumenal “não como um projeto fechado, para ser seguido ao pé da letra em todas as situações, mas que “inspirando nele, possamos fazer usos de alguns elementos que podem ser adaptados à nossa realidade.
São elementos fundamentais do catecumenato: o caráter de iniciação, a intensidade e integridade da formação, a forma gradual, o emprego de ritos e a referência constante à comunidade. Tais elementos inspiram a prática catequética atual e são referência para toda forma de catequese.
Falar hoje de “Iniciação” não nos é muito habitual, embora ela continua acontecendo na vida de todos, pois sempre estamos iniciando em alguma etapa de nossa vida. A iniciação, no sentido religioso visa a uma transformação religiosa e social do iniciado. Em etapas e conforme a realidade de cada um, o iniciante vai percorrendo um caminho que, cada vez mais, o leva a um mergulho pessoal no mistério de Deus.
Sobre esse mergulho vamos continuar conversando.
Neuza Silveira de Souza
In: Opinião e Notícias 22.09.2017
O capítulo segundo do documento 107 da CNBB apresenta um pouco da história da iniciação cristã, o que contribui para nossa compreensão do processo de “inspiração catecumenal”. Partindo dessa contribuição, somos impulsionados a buscar novos caminhos que nos levarão a caminhar com Jesus, a partilhar com Ele a missão de fazer acontecer o Reino no mundo de hoje.
Estudando esse documento temos uma visão de maior alcance sobre a “Iniciação Cristã”. Como somos imersos em uma nova realidade, na experiência do mistério de Cristo Jesus, em sua paixão, morte, ressurreição, ascensão, envio do Espírito e retorno glorioso. É um caminho que a Igreja do Brasil nos faz caminhar iluminados pela Palavra de Deus. Não é um caminho fácil, necessita de perseverança e percepção dos sinais dos tempos, pois se trata de um novo paradigma.
Os primeiros discípulos e discípulas tiveram o privilégio de aprender diretamente com Jesus a bem relacionar com as pessoas, fazendo o exercício da acolhida, da compreensão e da valorização das mesmas. Na vida diária, ao serem enviados para a missão, foram aprendendo que a salvação cristã é vida concreta de relação pessoal com Deus e com os irmãos e irmãs. É também, libertação do pecado, das injustiças e das limitações humanas. Tudo isto foi percebido quando da entrega pessoal de Jesus, da sua própria vida na cruz, na certeza de sua ressurreição, para permanecer conosco para sempre. É desse ponto que partimos. Da certeza da ressurreição de Jesus, O Cristo. É em toda a sua vida até à ressurreição que está contido o querigma. Este é o conteúdo da fé cristã.
A partir do segundo século da Era Cristã, a Igreja estruturou um processo de Iniciação de novos membros a uma nova identidade, como cristãos inseridos na comunidade eclesial, prontos a celebrar a fé e assumir a missão. O documento 107 n.42 descreve esse processo de iniciação que tinha por finalidade possibilitar, por meio de um itinerário específico de iniciação, a preparação de pessoas adultas que manifestavam o desejo de assumir a “fé da Igreja”. As pessoas faziam esse itinerário com o propósito de conversão celebrado na recepção dos sacramentos da Iniciação cristã (banho batismal, unção pós-batismal e primeira participação na Ceia do senhor).
O itinerário oferecia uma série de ensinamentos, o modo de vida a exemplo da vida do Cristo, a experiência das práticas litúrgicas e as pessoas davam testemunho de vida cristã, através da participação na vida da comunidade. A esse processo de iniciação foi dado o nome de “Catecumenato” que teve o seu auge no século IV. Seu processo de decadência inicia-se a partir do século V, desaparecendo por completo no século VII em consequência de uma nova era que se vive na Igreja denominada de “cristandade”.
A partir do século VII, a vida cristã acontecia para aqueles que já nasciam em ambiente cristão e viviam um cristianismo herdado, transmitido como tradição familiar e social. Nesse tempo inicia a prática do batismo de crianças desvinculando o sacramento do Batismo de sua relação com a Crisma e a Eucaristia. A fé vivida encontra sua expressão nas devoções aos santos, nas peregrinações, nas penitências. As orações decoradas ganham importância. A Bíblia era proclamada nos sermões, encenadas ao longo das procissões e festas e representada na pintura, na escultura, no teatro, nos cantos e nas narrativas populares. Era uma catequese da piedade popular.
Todo o tempo da cristandade essa foi a forma de possibilidades de conhecimento e vivência da fé cristã. Depois do Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja elaborou um Catecismo, para ser utilizado pelos párocos, que tinha como foco o conhecimento da doutrina da fé, instrução moral, celebração dos sacramentos e orações cristãs. A partir de então, muitas pessoas recebiam a transmissão da fé num modelo mais doutrinal; outras pessoas continuaram na prática da vivência da fé por meio da piedade popular.
Olhando para nossas realidades atuais percebe-se que muitas das nossas práticas de vivência da fé cristã permanecem assim: doutrinárias e de piedade popular, embora desde a realização do Concílio do Vaticano II (1962-1965), vem acontecendo um grande esforço para atualizarmos o modo de transmissão da fé. O Concílio Vaticano II nos convida a reestruturar o processo de evangelização do nosso tempo, buscando a “Inspiração Catecumenal”, ou seja, inspirando no processo catecumenal do século IV, tempos em que as catequeses, através dos conteúdos querigmáticos e mistagógicos, ofereciam às pessoas oportunidades de fazerem experiências da vivência do Mistério pascal, bem como expressar sua fé na vida de comunidade e dar testemunho de vida centrada na vida do Cristo.
Vários documentos catequéticos e Diretrizes da Igreja surgem nesse período pós-conciliar. Vários sínodos foram realizados trazendo reflexões sobre vários temas: a evangelização, a catequese, a família, a Palavra de Deus, a Eucaristia, a vocação e missão dos leigos e leigas. Todas essas reflexões com o propósito de ajudar as pessoas a realizarem seu próprio encontro pessoal com Jesus Cristo; se constituir em novos e verdadeiros discípulos missionários. Desde os tempos pós-conciliares, a Igreja vem expressando, através de sua proposta de ação evangelizadora, pastoral, litúrgica e missionária de nossas (Arq)Dioceses, paróquias e comunidades de bases, o desejo de uma autêntica Iniciação na fé cristã, isto é, que as pessoas realmente realizem seu encontro pessoal com o Senhor, na vida em sociedade, na fraternidade cristã, na participação da liturgia e na missão eclesial.
Muitos trabalhos, congressos e seminários vêm acontecendo para nos ajudar a compreender o processo de Iniciação à vida Cristã e, com isso, assumirmos as tarefas propostas que são de responsabilidades da própria comunidade.
Nos tempos atuais, com as grandes transformações no mundo e as mudanças de valores, Jesus nos convida a sair, escutar, a servir, a estar atentos aos novos sinais dos tempos, abrir novos espaços para que deles a fé cristã possa emergir de um novo modo, renovada e autêntica para produzir em nós mais humanidade, melhor qualidade de vida e fraternidade.
A Inspiração catecumenal é uma dinâmica, uma pedagogia, uma mística, que nos convida a entrar sempre mais no mistério do amor de Deus. Só adentraremos nesse mistério quando iniciarmos as buscas para a realização de nossas próprias experiências. O terceiro capítulo do Documento 107, sobre Iniciação à Vida Cristã, nos ajudará a fazer esse mergulho no mistério de Cristo.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado Bíblico-Catequético de Belo Horizonte-MG
O encontro de Jesus com a Samaritana inspirou a reflexão do primeiro capítulo do documento da CNBB n. 107, sobre a Iniciação à vida cristã, que tem como exemplo inspirador o encontro de Jesus com a Samaritana, capítulo 4 do Evangelho de Jesus segundo João. Com este sinal João quer nos transmitir o ensinamento de Jesus a exemplo de sua prática através do diálogo com a mulher samaritana. Acontece ali a inclusão e valorização da mulher. A samaritana foi a primeira pessoa a colher da boca de Jesus a declaração messiânica “Eu sou” que depois se torna a ‘apóstola’ dos samaritanos.
Caminhando com o Evangelho de João, percebe-se a construção de um itinerário que Jesus vai realizando, apresentando os candidatos à fé sem maiores conflitos. Em sua atuação pública Jesus vai propiciando àqueles com quem vai se encontrando o contato com temas catequéticos importantes tais como: o batismo, o novo nascimento, a água viva, a palavra vivificadora, etc. São temas querigmáticos que representam a primeira Iniciação no mistério de Cristo.
Na citação do versículo 4,4, a expressão “era preciso”, quando empregada pelo evangelista João, indica que Jesus ao tomar a iniciativa de passar pela Samaria, era para realizar a sua missão, a vontade do Pai, e não por necessidade do trajeto. Chegando ao poço de Jacó, poço não de água parada, mas uma mina de água corrente no fundo, Jesus pára para descansar. Nesse momento chega ao poço uma mulher da cidade vizinha, Sicar, para tirar água e Jesus lhe pede de beber. Ela estranha que um homem judeu peça de beber a uma mulher samaritana, pois judeus e samaritanos evitavam se relacionar. Com esse seu gesto Jesus rompe duas barreiras: a religiosa e a social. Isto nos lembra o apóstolo Paulo, em Gl 3,28: “Não há mais judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher”: a discriminação dessas categorias desaparecem na hora do Messias.
Desenvolve-se um diálogo entre eles e a uma observação da mulher ao pedido de Jesus, ele responde: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: Dá-me de beber”, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva”. A Samaritana, ainda não iniciada na fé, não entendeu o que Jesus queria dizer. Se fosse iniciada ela saberia que Jesus é maior do que Jacó, e que também, ‘água viva’ é a água do batismo e tudo o que ele significa. No At. Testamento a água viva significa a sabedoria e a Lei. Mas o símbolo da água também pode significar o Espírito de Deus. Jesus é mais que Jacó, mais que a Sabedoria dos livros bíblicos, é uma fonte de vida que não estanca e que nos comunica o Espírito (Jo, 7, 37-39). A Samaritana, por não ser uma iniciada na fé, vai desejar a água que Jesus oferece por razões materialista, ou seja, não precisar mais ir ao poço. O mesmo acontece conosco quando não somos iniciados na fé: desejamos receber os sacramentos, mas não entendemos o seu significado em nossa vida.
Continuando a reflexão, percebemos que Jesus, entendendo a miséria espiritual de sua catecúmena, quer ajudá-la. Toda a conversa dos dois passa a girar em torno da verdadeira adoração. “É bastante significante a importância dada ao lugar de culto.
No decorrer do diálogo muitos subtemas são abordados, tais como: o lugar da adoração, o tempo da adoração, a busca dos adoradores, o verdadeiro adorador, a quem se deve adorar, o modo correto de se adorar, etc. Jesus vai responder como e onde será a adoração quando o Messias chegar. e lhe diz : “Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus” (v22). O verdadeiramente Deus só pode ser adorado, desde que seja verdadeiramente conhecido. Jesus então diz: “Vem a hora e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade”, isto é, movidos pelo sopro de Deus que é o Espírito e fiéis à manifestação de Deus em Cristo, que é a verdade.
O resultado do encontro de Jesus com a mulher samaritana não poderia ter sido melhor. A Samaritana, tendo ouvido Jesus, e desejosa de participar do culto verdadeiro, tornou-se missionária! Deixou seu cântaro e correu para anunciar na cidade sua grande descoberta: o Messias chegou! A mulher despertou o interesse dos seus concidadãos de tal modo que conseguiu levá-los a Jesus (vv29-30). Os Samaritanos convida Jesus a passar alguns dias na Samaria e Ele aproveita para evangelizar.
Também nós somos convocados, pelo Batismo, a ouvir e anunciar os ensinamentos de Jesus. João nos transmite alguns princípios básicos da evangelização. Jesus conduzia a conversa, primeiro falando de uma necessidade física, para Deus falar da necessidade espiritual. Não é preciso ter pressa quando se evangeliza. o processo de evangelização é progresso, gradual e permanente. Observando a aprendizagem da Samaritana, ela foi num passo a passo: Primeiro viu Jesus como um simples forasteiro judeu; depois um profeta que revelou coisas de sua vida particular e, por último, o Messias.
Esse encontro de Jesus com a Samaritana é exemplo da maneira como Ele se faz conhecer àqueles que o procuram. Ele se faz conhecer, gradativamente, como se dá na Iniciação à Vida Cristã. Primeiramente na experiência do encontro individual e pessoal com Jesus. Depois transforma em vivência na comunidade. Também nós, hoje, no processo da Iniciação à Vida Cristã, precisamos promover o encontro que leva a uma experiência pessoal com Jesus, vivência na comunidade e testemunho de vida em Cristo.
O processo de Iniciação à Vida Cristã para nós hoje, torna-se imprescindível para a realização da missão do anúncio de Cristo no processo da nova Evangelização.
Neuza Silveira de Souza
Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético - BH
A cada passo dado nos deparamos com novos desafios que nos surpreendem e exigem novas formas de comunicar e expressar uma linguagem de fé que promova comprometimento, com ajuda da comunidade, na educação para iniciação progressiva à vida cristã.
Jesus, ao longo de sua vida missionária, quebrou estruturas para restituir a dignidade dos filhos de Deus. Identificado como o servo sofredor, traz a salvação. Realiza a vontade do Pai de salvar a humanidade como messias que ama. Apresenta-nos o Reino dos céus e a vontade do pai. É o mistério de Deus se revelando no modo específico de ser humano de Jesus. Através dele, Jesus, como sujeito concreto, singular, e por meio de sua corporeidade, Deus quis mostrar-nos a “plenitude da revelação”. E o que é revelado por meio da humanidade de Jesus é o conhecimento do modo de ser de seu Pai.
Nós, partindo da revelação, somos chamados a continuar a caminhada de Cristo dando continuidade às suas obras. Sabemos que o caminho a percorrer não é fácil mas os ensinamentos de Jesus nos ajudam a percorrê-lo. Suas atitudes favorecem às pessoas exigindo mudanças na maneira de viver a vida. Nesse sentido pode-se dizer que as pessoas , nas suas novas relações, possam fazer acontecer uma sociedade mais justa, igualitária, fraterna e solidária.
O amor de Cristo nos impele, ou seja, nos pressiona, nos compele, nos estimula a amar, dando origem a gestos de doação para com amigos e conhecidos, para com desconhecidos e necessitados. Este é o caminho da Iniciação à vida cristã. Ao nos colocarmos no seguimento de Jesus descobrimos que é o rosto de Cristo que está presente no rosto de cada pessoa.
Seguir Jesus e fazer da comunidade uma seguidora
O seguimento exige a renúncia dos interesses pessoais que vão contra o projeto do Reino. Necessário se faz tomar a cruz e seguir o caminho do Mestre enveredando pelo caminho do serviço e da doação, pois a vida é o maior “dom” de Deus, quando colocada a serviço do Reino.
A iniciação à vida Cristã propõe que seja feita uma experiência pessoal com Jesus Cristo. Nesse sentido, é aprender a viver com riscos, desafios, limites e buscar um novo sentido que só se encontra quando vivido “por Cristo, com Cristo e em Cristo”. É construir uma comunidade fazendo dela o lugar privilegiado de comunhão que se desenvolve a partir da participação de todos os membros do povo de Deus, sejam bispos, presbíteros, diáconos, religiosos ou leigos. Cada um em sua função buscando valorizar o trabalho de todos para que o Reino de Deus aconteça na comunidade e no mundo.
Basta crer. A experiência de fé tem sentido e acolhida na comunidade de pessoas que creem, que juntas façam discernimentos da presença do Senhor em suas vidas e se constituam comunidade de discípulos missionários. Vamos lembrar o Papa Francisco que, invertendo a parábola da ovelha perdida, afirma que hoje deixamos protegida uma ovelha e saímos em busca das noventa e nove dispersas. Crer nos dá a certeza da presença de Deus em nossa vida. A fé nos põe em íntima relação com a Trindade Santa e assim vivamos em atitude de esperança e amor com o Deus que não desiste de nós.
Está aí a importância de conhecer o modo com que Jesus vai assumindo as condições concretas da vida, respondendo ao contexto das realidades de sua época. Com o nosso olhar fixo em Jesus podemos aprender a olhar a nossa realidade e vivermos movidos pelo mesmo Espírito filial com que Ele viveu. A Vida Cristã é um novo projeto que requer um processo de passos de aproximação, mediante os quais a pessoa aprende e se deixa envolver pelo mistério amoroso do Pai, pelo Filho, no Santo Espírito.
Neuza Silveira de Souza
Comissão Arquidiocese Bíblico-catequética de Belo Horizonte
A reflexão sobre a iniciação à vida cristã ajuda a descobrir caminhos para uma catequese que leve o catequizando a um encontro com Jesus Cristo na comunidade cristã.
A iniciação à vida cristã é um desafio que precisa ser encarado com decisão, com coragem e criatividade, visto que em muitas partes a iniciação cristã tem sido pobre e fragmentada. O documento de Aparecida já nos alerta: “ou educamos na fé, colocando as pessoas realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para seu seguimento, ou não cumpriremos nossa missão evangelizadora” (DAp, 287).
Nesse sentido não podemos descuidar dos Evangelhos, fazendo deles nossos livros de cabeceira, ou nos limitamos ao que nos ensinam os catecismos, isto é, a cumprir certos ritos e a ouvir algumas homilias acerca de Deus.
Somos desafiados a retornar à vida de Jesus, de ler os Evangelhos outra vez e de reencontrar-nos com o Reino de Deus para celebrarmos na vida o banquete celeste. Mas para que isto aconteça precisamos recuperar o sentido religioso da práxis histórica de Jesus de Nazaré, inspirada na centralidade do Reino de Deus. É mediante a práxis que podemos encontrar caminhos de salvação.
Estamos falando de “como levar as pessoas a um contato vivo e pessoal com Jesus Cristo, como fazê-las mergulhar nas riquezas do Evangelho, como iniciá-las verdadeira e eficazmente na vida da comunidade cristã e fazê-las participar da vida divina, cuja expressão maior são os Sacramentos da Iniciação Cristã.
Iniciação Cristã – Novo viver que desperta para novas relações e ações
Conceber a catequese como Iniciação à Vida Cristã implica assumi-la como um longo processo vital de introdução de cristãos ainda não iniciados, seja qual for sua idade, nos diversos aspectos essenciais da vida cristã. Incluir adultos batizados e não suficientemente evangelizados, mas que desejam retomar seu caminho de fé. Somos também chamados a atenção para a evangelização das famílias, dos adolescentes e jovens, crianças, pessoas com deficiências, grupos culturais, pessoas em situações específicas, Comunidades, Bispos, Presbíteros, Diáconos, catequistas e todos os outros que se encontram envolvidos em Pastorais e movimentos, etc. Esta iniciação se desenvolve dentro do dinamismo trinitário: os três sacramentos, numa unidade indissolúvel, expressam a unidade da obra trinitária da iniciação: o Batismo nos torna filhos do Pai; a Eucaristia nos alimenta com o corpo do Filho e a Confirmação nos unge com a unção do Espírito;
Chamados a participar do Mistério Pascal de Cristo Jesus é preciso passar por uma experiência impactante de transformação pessoal e deixar-se envolver pela ação do Espírito. Para essa realização Jesus nos ensina a fazer discernimentos, assim como Ele fez. Parte do desejo de viver uma vida fraterna mediante: o exercício da não violência (Mt 5,9); a luta em favor da justiça (Mt 5,10); a opção pelos pobres e pela vítima (Lc 6,20); o cuidado do enfermo e do fraco (Lc 7,21). Trata-se de viver um estilo de vida que reluz a importância do humano.
Estamos discernindo nossas vidas à luz das palavras, dos gestos e das ações reveladas por meio da humanidade de Jesus?
Com palavras fortes, o Papa Paulo VI, em 1968, ao falar dos pobres e da Eucaristia, recorda:
“Vós sois um sinal, uma imagem, um mistério da presença de Cristo. O Sacramento da Eucaristia nos oferece sua presença escondida, viva e real; vós também sois um sacramento, isto é, uma imagem sagrada do Senhor no mundo, um reflexo que representa e não esconde seu roto humano e divino […]. Ademais, Jesus mesmo no-lo disse em uma página solene do Evangelho, onde proclama que cada homem dolente, faminto, enfermo, desafortunado, necessitado de compaixão e de ajuda, é Ele, é como se Ele mesmo fosse esse infeliz, segundo a misteriosa e potente sociologia (cf. Mt 25, 35ss) segundo o humanismo de Cristo.” (Discurso do Papa Paulo VI em Bogotá por ocasião do Congresso Eucarístico, 23/08/1968).
A Iniciação à vida cristã, pensada como processo consciente de evangelização, forma verdadeiros discípulos missionários de Jesus. A comunidade inteira vai se transformar e vai ser sinal do Reino.
• que dá testemunho de si mesmo.
• que traduz a experiência do encontro com Deus.
• Que se transforma em uma comunidade iniciadora na fé mistagógica.
Sem vida comunitária não é possível iniciar alguém na fé cristã. A vida comunitária é indispensável para a Iniciação Cristã de alguém. Precisamos de comunidades vivas, acolhedoras, atuantes, ou a iniciação à vida cristã se tornará mais uma “gaveta” na pastoral que fazemos.
A Iniciação à vida Cristã é lugar privilegiado de animação bíblica da vida e da pastoral. Todo os processos de iniciação se fundamentam na Sagrada Escritura e na Liturgia, educam para a escuta da Palavra e para a oração pessoal, mediante a Leitura Orante, evidenciando uma estreita relação entre Bíblia, Catequese e Liturgia.
O Evangelho da vida está no centro da mensagem de Jesus.
Neuza Silveira de Souza
Comissão Arquidiocese Bíblico-catequética de Belo Horizonte
Diante dos novos tempos e dos novos sinais que nos colocam às margens das transformações, torna-se difícil compreender os próprios critérios da vida, de tudo o que ela respeita, até mesmo o Deus invisível, inclusive da própria maneira de entender Deus. No horizonte das várias mudanças, a Verdade sobre Deus fica ofuscada. Faz falta um olhar mais atento, uma maior atenção, uma escuta, tanto voltada para a interioridade, quanto para o seu exterior
A catequese, situada no âmbito da missão evangelizadora da Igreja, como momento essencial, recebe da evangelização um dinamismo missionário que a fecunda na sua interioridade e a configura na sua identidade.
Segundo o documento da Igreja (Evangelii Nuntiandi n.7), a catequese nasceu, na Igreja, ligada à iniciação cristã, o que equivale a dizer que nasceu como anúncio do evangelho de Jesus Cristo, ou seja, da boa notícia que é Jesus Cristo. Assim, descreve-se, em primeiro lugar, a relação da catequese com o primeiro anúncio que se realiza na missão, ou seja, o querígma, que significa proclamação ou anúncio da Boa-Nova. O primeiro anúncio é interpelante, reitera a promessa de graça, aplicando-a ao contexto dos ouvintes para suscitar a reação de cada uma das pessoas à mensagem do Evangelho.
Ninguém nasce cristão. O cristão se faz ao longo de um processo de diálogo e correspondência da pessoa com o Senhor.
A catequese visa, nesse tempo, oferecer o Anúncio Primeiro de Jesus e ajudar na adesão pessoal a Ele, na experiência pessoal com Ele, portanto, na conversão.
Para isso, a Igreja criou um tempo inicial indispensável de fecundação, gestação e nascimento da opção por Cristo, denominado querigma.
Ao longo da vida do cristão, avida comunitária, segundo o mandamento do Amor, é um elemento fundamental. A catequese, pondo diante do catecúmeno o ensinamento de Jesus em atos e palavras, ratificado por sua morte e ressurreição, deve conduzi-lo à escuta da Palavra do próprio Deus. “Quem ouve o Pai e aprende vem a mim” continua dizendo Jesus (Jo 6,45), e assim se cumpre a profecia de Isaías (54,13).
A Igreja anuncia o Evangelho com toda sua vida
O tríplice serviço da palavra, da liturgia e da caridade ‒ a exemplo do próprio Cristo, que viveu e morreu por nós e por nossa salvação. Paulo diz da Eucaristia: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice estareis proclamando a morte do Senhor, até que Ele venha” (Cor 11,26). A Eucaristia é o ponto culminante do anúncio eclesial da Boa-Nova de Deus em Jesus Cristo, porque, segundo o adágio dos pais da Igreja a eucaristia faz a Igreja.
A Igreja anuncia o Evangelho com toda sua vida ‒ o tríplice serviço da palavra, da liturgia e da caridade ‒ a exemplo do próprio Cristo, que viveu e morreu por nós e por nossa salvação. Paulo diz da eucaristia: “Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha” (Cor 11,26).
A catequese a serviço da iniciação cristã
A vida cristã é um novo viver que requer um processo catequético de passos de aproximação. Por meio dele, a pessoa aprende e se deixa envolver pelo mistério amoroso do Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Ela desperta as pessoas para novas relações e ações transformadoras.
Nesse sentido, a catequese deve ser sempre um processo de iniciação à vida dos discípulos de Cristo. Deus não pode ser reconhecido em Jesus Cristo, que morreu crucificado por ter dedicado sua vida aos demais, pondo em primeiro lugar os pobres e excluídos, para mostrar que é o caminho para Deus. Na Iniciação à vida Cristã, a Palavra de Deus é essencial. Iremos conversar por muito tempo sobre a catequese de iniciação à vida cristã. Vamos refletir sobre o tema e construir o itinerário catequético, construindo-o juntos: coordenadores das comunidades pastorais, dos movimentos e dos serviços, a fim de que toda a comunidade esteja consciente de seu papel.
Neuza Silveira de Souza
Sacramento da Unção dos Enfermos: solidariedade da comunidade
A vida não é apenas uma sucessão monótona do tempo. Está cheia de momentos fortes e decisivos para toda a existência humana. Dentro desses momentos fortes, vamos destacar os limites vividos pelo ser humano: na dor, na doença e na velhice. Todos nós passamos pela prova de nossos limites e dores. Tudo, mesmo o sofrimento, pode transformar-se em momentos preciosos para o nosso crescimento e para nosso aperfeiçoamento humano.
O sacramento da unção dos Enfermos é sinal de presença de Deus, como conforto e esperança, nos momentos de dor no tempo da velhice e na hora da morte.
A ação salvadora de Cristo nos acompanha em todos os momentos da nossa vida, também na doença.
Desde o início, a Igreja continua os gestos de Jesus. Quantas vezes lemos no Evangelho que Jesus curava doentes (Cf. Mt 11,2-6; 14,34-36; 15,29-31). Jesus lutava contra a força do mal. Chama a atenção quantas vezes Jesus está cercado de doentes. Quando sabem que ele chegou a uma cidade ou aldeia, logo levam até ele os doentes. E Jesus cura a todos. É a vitória da vida sobre a morte e a doença. É um sinal do Reino de Deus.
O Reino de Deus está presente quando os homens vivem como irmãos, do jeito que Deus Pai manda. O doente muitas vezes é posto de lado, porque cansa cuidar dele. Ele precisa de tudo e não produz nada. Não trabalha, nem traz alegria para a gente. Então a tentação é deixá-lo de lado, ou considerá-lo um peso.
Mas só faz assim quem não se importa com o Reino de Deus. Pois para construir o Reino os mais importantes são os últimos, os insignificantes, os menores. Onde há desigualdade, não se vive como irmão. Para fazer aí uma vida de irmão, é preciso começar dando importância aos que são desprezados. Por isso cuidar do doente é um sinal da presença do Reino. E, se a gente mostra carinho e amor por ele, isso o reanima, mesmo que não o cure. Ajuda a que ele vença o desânimo que a doença traz.
Hoje em dia é ainda mais importante que a gente esteja do lado dos doentes, porque a sociedade não está do lado deles. Filas escandalosas, esperas pecaminosas nos hospitais e postos de saúde. Quando se faz alguma coisa para mudar a sociedade é preciso ficar de olho na situação dos doentes. Vencer a doença é um passo importante nos planos de uma sociedade justa.
Os cristãos sempre souberam olhar o exemplo de Jesus e recordaram que visitar e cuidar dos doentes é acolher o próprio Jesus (Cf. Mt 25,36-40). Na comunidade cristã verdadeira e unida, o doente sempre encontra um lugar de acolhida. Quando os doentes não podem ir ou ser levados à comunidade, a própria comunidade, com os seus líderes, é chamada para visitar o doente.
Era assim desde os tempos mais antigos: “Alguém dentre vocês está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o reerguerá. E se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados” (Tg 5,14-15). É o Sacramento da unção dos Enfermos que continua a ação salvadora de Jesus.
Todo sacramento festeja alguma coisa importante na vida do cristão. A unção dos enfermos parece que não pode ser uma festa muito alegre. Antigamente até se chamava “extrema unção” e, quando o padre chegava, era aquela choradeira, porque era certo que o doente ia morrer logo, logo. Mas é errado pensar assim.
Como todo sacramento a unção dos enfermos é festa da comunidade. Ela celebra não a doença (que não é coisa boa), e sim a vitória do cristão sobre a doença. É também esperança de que um dia se há de vencer todas as dificuldades humanas.
Será que a gente vence a doença, mesmo quando não cura? Vence, sim, pela força de Deus. Vence a doença, quando a aceita. Vence, quando não se deixa abater por ela. Quando oferece o sofrimento para a salvação do mundo e a construção do Reino. Quando briga por melhorar o tratamento do hospital e o respeito pelas pessoas. O doente é alguém importante na comunidade cristã, porque, vencendo a doença, colabora para que a comunidade cresça e seja melhor.
Tudo isso o padre diz na oração que faz enquanto aplica o óleo bento na testa e nas mãos do doente: “Por esta santa Unção e pela sua grande misericórdia, o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo, para que liberto dos teus pecados, Ele te salve e, na sua bondade, te reanime”.
A comunidade reunida em torno do doente reza também por ele. É a oração da fé, diz São Tiago. A oração se expressa no símbolo da unção. Ela faz entender melhor a oração que se faz pelo doente.
E a oração da fé remove montanhas, até aquela do desânimo diante da doença. Pela força de Deus, com a graça do Espírito Santo, a unção dos enfermos faz o cristão vencer com Cristo, mesmo no momento difícil da enfermidade e da velhice.
Não devemos entender este sacramento como uma certa força mágica: falando determinadas fórmulas, dá-se a cura. É uma oração, cheia de fé e confiança, pedindo que o Senhor esteja presente na hora difícil da doença. É uma súplica da Igreja, para restituir ao doente a saúde, se for conforme o plano de Deus. E se não for, para que o doente encontre a força e a coragem de aceitar a doença ou a morte.
O sacramento da Unção dos Enfermos também perdoa os pecados, se houver arrependimento.
Também os idosos, que se encontram em estado delicado de saúde, podem ser ungidos.
Tem muito sentido receber o sacramento durante a celebração da Eucaristia. Pessoas idosas e doentes, que podem deslocar-se, podem ser ungidos durante a Missa. Já vimos que todos os sacramentos estão orientados para a Eucaristia. Os membros da comunidade, reunidos para a Eucaristia, rezam para seus irmãos doentes e se lembram de que toda ação salvadora emana do sacrifício da cruz.
Além disso, a comunhão, que é levada para os doentes – o Viático – prolonga a celebração da Eucaristia. O doente que não pode estar presente na igreja, recebe a comunhão em casa e, assim, está unido à celebração da Eucaristia.
O sacramento da Unção dos Enfermos pode ser dado várias vezes ao doente, contanto que, dada a Unção, ele se recupere e recaia novamente. Pode ser dado em conjunto: aos anciãos ou a quem tenha doença.
Unção dos Enfermos: o sacramento da confiança
A Unção dos Enfermos liga-se retrospectivamente à unção do Batismo e da Confirmação. Ela é o sacramento da dignidade das pessoas idosas e doentes. Por isso, só pode ser dispensada, com sentido, dentro de uma comunidade, se a comunidade se esforça para criar um espaço vital para essas pessoas. Visitas, nas casas ou nos hospitais, ajuda nas provisões diárias, clubes dos idosos, acessos adequados para deficientes e idosos possam se achegar à igreja, à casa paroquial, aos serviços de assistência, às celebrações – tudo isso faz parte do meio ambiente da unção dos enfermos.
A unção dos enfermos é a memória da paixão e morte de Jesus. O morrer com Jesus já começou no batismo (cf. Rm 6). Completa-se na morte e consuma-se na ressurreição junto com ele. A remissão pela cruz não é a expiação exigida por um Deus cruel, mas sua solidariedade mais extremada para com os sofredores e moribundos. A pergunta pelo o porquê do sofrimento e da morte não encontra nenhuma resposta humana, por mais que ela seja colocada.
O próprio Deus também sofre os sofrimentos de sua criação, o sofrimento das pessoas humanas. Na unção dos enfermos recorda-se também disso. Com o sofrimento de Jesus, atualiza-se todo o sofrimento dos seres humanos, sobretudo o sofrimento dos inocentes, das crianças, das vítimas da tortura e da violência, da fome e das doenças que poderiam ser evitadas. Uma Igreja, uma comunidade, que ministra a unção dos enfermos, coloca-se em solidariedade com todos os que sofrem, e não somente com os fiéis, não somente com aqueles que recebem o sacramento.
A unção dos enfermos é um sinal de fé e de confiança. Transforma-se num encorajamento para se levar a vida de olhos abertos e cabeça erguida. Ela permite conceber e apropriar-se da fase, onde as possibilidades vão se tornando menores e onde as forças caminham para o seu fim, como uma fase importante da vida.
A morte não é simples sofrer a morte, mas entrega da vida recolhida ao Deus grandioso, não é o último fracasso do agir humano, mas o ato consumador da vida e da fé.
Assim, a unção dos enfermos torna-se um sinal da confiança em um fim bom, ultrapassando a morte, um sinal de esperança contra toda esperança, de que nem tudo foi em vão naquilo que se amou e sofreu. A unção dos enfermos é um sacramento pascal, sinal da plenitude.
Este encorajamento para a última fase da vida deve propiciar um engajamento da Igreja e da comunidade para que a unção dos enfermos não se torne apenas consolação piedosa. Trata-se de criar uma comunidade que favoreça os idosos e doentes, mas também que se preocupe de muitos modos com eles. A isso pertence incondicionalmente o engajamento social. Somente assim é que a unção dos enfermos conquista um ambiente de credibilidade e uma força de ajuda. Com isso, não se quer colocar em questão a intervenção divina, mas a percepção de que Deus não quer fazer tudo sozinho.
Lucimara Trevizan
Equipe do site
Um pouco de história
Na Igreja primitiva, somente três tipos de pecados eram confessados: idolatria, homicídio e adultério. Quem cometia esses pecados publicamente devia confessar-se ao Bispo. O pecador era marcado como “penitente”, devia fazer penitência pública e era excluído da participação na Eucaristia. Após um longo tempo de penitência, recebia-se o perdão, na Quinta-feira Santa, e somente uma vez na vida. Mesmo assim, continuava a obrigação de fazer penitência
Os outros pecados eram perdoados mediante o arrependimento pessoal, a oração, as obras de caridade. Relativamente poucas pessoas passavam pela confissão.
Após o século VI, sob influência de monges irlandeses, surgiu o costume de se confessar também os pecados ocultos. Havia perdão imediato e sem a penitência pública. Confessava-se mais vezes por ano. A absolvição era dada também pelos monges e padres, e não só pelo Bispo.
Inicialmente, a absolvição era dada ao penitente, após ter cumprido as obras de penitência impostas pelo confessor (jejum, oração, esmolas, peregrinações, etc...).
Alguns séculos depois, tornou-se comum o modo que conhecemos até hoje: no ato da confissão, o penitente recebe a absolvição e uma penitência para ser cumprida posteriormente.
O Concílio IV de Latrão (1215) estabeleceu a obrigatoriedade da confissão ao menos uma vez por ano em caso de pecado grave. Esta lei continua até hoje.
Ser cristão é assumir a prática do amor
No cristianismo o essencial é agir segundo a fé em Cristo e aceitá-lo na própria existência. Ele assumiu de modo definitivo a nossa natureza e nos redimiu por meio de sua Vida, Morte de cruz e Ressurreição. Deu-nos a possibilidade concreta de optar por Ele, sair de nós mesmos para sermos para os outros. Numa palavra: amar. O ser humano nasceu para o amor e só se realiza no Dom de si.
Ser cristão é assumir a prática do amor. No entanto, em sua liberdade, o homem pode optar pela recusa ao amor. Pecar é desprezar o amor de Deus. O amor nos torna também mais responsáveis e livres, e nos compromete no esforço de ajudar os outros para se libertarem de tudo que os ameaça e oprime.
Somos todos pecadores e necessitamos do perdão e da misericórdia de Deus, cuja bondade nos restitui a auto-confiança e nos estimula para orientarmos a vida a partir das exigências do amor de Deus e do amor aos irmãos.
Um apelo à conversão do coração e da vida
Quem encontrou a Jesus, escutou também seu apelo à conversão do coração e da vida. Não podemos encontrar a Cristo e continuar do mesmo jeito em que estamos: se realmente o encontrares, ele não te deixará indiferente e não se cansará de te convidar a saíres de ti mesmo para ires onde o seu amor te abre caminho. No mais íntimo do coração dos que crêem, ressoa incessantemente o convite a acolherem esse Deus que vem e renova todas as coisas, aceitando se reconciliarem com Ele (Cf. 2 Cor 5,17-20).
A reconciliação é o sacramento com que Cristo socorre a fragilidade do ser humano, que havia atraiçoado ou rejeitado a aliança com Deus celebrada nos sacramentos da iniciação, reconcilia-o com o Pai e com a Igreja e o regenera como nova criatura pela força do Espírito Santo. É também designada como penitência, pois é o sacramento da conversão do ser humano e também do perdão de Deus, é o encontro do coração arrependido com o Senhor que o acolhe, numa festa de reconciliação. Este encontro se realiza por intermédio do ministério da Igreja: Deus, Pai de misericórdia, que reconciliou consigo o mundo pela morte e ressurreição de seu Filho e derramou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, mediante o ministério da Igreja, o perdão e a paz. Foi o próprio Cristo que confiou à Igreja o poder de ligar e desligar, isto é, de excluir e admitir na comunidade da aliança, que é lugar da salvífica comunhão com Deus e entre os seres humanos (Cf. Mt 18,18). Este poder corresponde ao de perdoar os pecados (Cf. Jo 20,20-23).
Na História da Igreja, a penitência como sacramento foi praticada com grande variedade de formas – comunitárias e individuais -, todas elas, entretanto, mantendo a estrutura fundamental do encontro pessoal entre o pecador arrependido e o Deus vivo, encontro este realizado através do sinal e mediação do ministério do bispo ou do presbítero; eles, apenas, enquanto ministros da unidade da Igreja, atuando como representantes de Cristo, Cabeça da mesma, têm o poder de admitir alguém na comunhão salvífica ou excluí-lo dela. Mediante as palavras da absolvição, pronunciadas por um homem pecador que, entretanto, foi escolhido e consagrado para o ministério, é o próprio Cristo que acolhe o pecador arrependido e o reconcilia com o Pai e, pelo Dom do Espírito Santo, o renova como membro vivo da Igreja: Eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. É o sacramento do perdão.
Penitência: conversa de Paz
Quando a gente briga com alguém, depois deve, pelos menos, fazer as pazes. Como é que a gente faz as pazes? Bom, tem que mostrar para a outra pessoa que a gente reconhece ter feito mal. Isso pode acontecer de muitas maneiras. Às vezes por palavras: a gente vai ao outro e pede desculpas. Às vezes por ações, a gente trata melhor a pessoa a quem se ofendeu, dá um presente. Mas de alguma forma tem que expressar que quer a paz com aquela pessoa e não a guerra e a briga.
Mas também a outra parte precisa aceitar a nossa desculpa ou o nosso presente. Tem um provérbio que diz: “Quando um não quer, dois não brigam”. A gente podia dizer parecido: “Quando um não quer, dois não fazem as pazes”. Para fazer a paz com a outra a quem eu ofendi, temos os dois que fazer uma “conversa de paz'.
E isso tem que se tornar conhecido, para que todo mundo que viu a briga ou sabe dela fique sabendo também que fizemos as pazes. Porque em fim de contas, a briga de dois atinge a todos. Ou porque duas famílias não se falam mais. Ou porque a comunidade não pode mais viver sossegada, pois de repente os dois se encontram e brigam de novo. E em todo o caso, porque a gente plantou a erva ruim do ódio, da raiva, da inimizade. Uma erva que pode tomar conta do terreno todo!
O pecado cria em nós inimizade com Deus. É uma espécie de briga. Quem peca, não está em paz com Deus. E preciso fazer as pazes. Só que no caso, como Deus é infinitamente bom, ele já toma a iniciativa e vai logo dizendo: “Eu quero fazer as pazes com você”. Deus disse isso por meio de Jesus. Toda a vida de Jesus foi uma mostra de que Deus queria fazer as pazes conosco. Por isso Jesus procurava os pecadores, era amigo e companheiro deles. Para dizer: “Olha, Deus, meu Pai, gosta de vocês, embora vocês sejam pecadores. Arrependam-se, reconheçam o pecado e peçam perdão, que Deus perdoa”. Esse foi o recado que Deus nos mandou por Jesus. E Jesus o deu pelas suas palavras, falando do amor do Pai. E também pelas suas ações, procurando conquistar a amizade dos pecadores como Mateus (Cf. Mt 9,9-13), Zaqueu (Cf. Lc 19,1-10) e a pecadora de má vida (Cf. Lc 7,36-50). Jesus deu o recado de Deus ainda pelas estórias que contava, como as parábolas do Filho Pródigo, do dinheiro perdido e da ovelha tresmalhada (Cf. Lc 15,1-31). Assim, quem quisesse podia entender: “Deus quer fazer as pazes conosco”.
Quando a gente peca, deve fazer as pazes com Deus. Já sabemos que Deus nos perdoa. Isso deve dar até mais coragem para fazer com Deus uma "conversa de paz”. Mas, quando a gente peca, não ofende só a Deus. A gente prejudica todo o mundo, todas as pessoas, porque afinal de contas é um pouco mais de egoísmo e maldade que a gente plantou no mundo com o nosso pecado. E pecado é erva daninha que cresce e se multiplica fácil.
Como o pecado prejudica todo mundo, a “conversa de paz” com Deus não pode ser só entre Deus e mim. As outras pessoas, principalmente a comunidade cristã, precisam participar desse diálogo. A comunidade também foi prejudicada e ofendida por nosso pecado. Nessa “conversa de paz” com Deus, a comunidade entra no meio através do padre, mas não só, porque também os outros cristãos por suas orações e boas obras estão ajudando o pecador a se arrepender.
O sacramento da penitência ou confissão é a “conversa de paz” com Deus. O padre representa a Igreja como comunidade reunida por Deus na fé em Jesus ressuscitado. Nessa “conversa de paz”, a gente reconhece os pecados. Por isso os conta ao padre. Pede perdão a Deus e aos irmãos, diz que está arrependido e que não quer mais pecar. Por isso se reza o ato de contrição ou de arrependimento. Mostra vontade de corrigir-se e por isso o padre dá uma penitência para se cumprir depois.
Mas na "conversa de paz" sempre entra também a resposta do outro. A resposta de Deus, essa Jesus já nos deu por sua vida e seus ensinamentos. Na confissão essa resposta é repetida pelo padre sobre nós, sobre os pecados que confessamos. É a absolvição. O padre diz: "Deus, que pela morte e ressurreição de seu Filho Jesus, reconciliaste o mundo consigo e enviaste o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo".
Agora a gente pode ir em paz, porque fez as pazes com Deus e está em paz também com a comunidade, a Igreja toda, representada pelo padre. O padre pode repetir para nós, como Jesus: "Vá em paz, seus pecados estão perdoados" (Lc 7,48.50).
A Penitência e a comunidade
Já vimos a grande importância da comunidade na nossa vida de cristãos. O nosso pecado prejudica a comunidade e dela precisamos para nossa conversão, na luta contra o mal.
Entrou na Igreja o costume da confissão comunitária. Esse tipo de celebração tem diversas vantagens:
- É expressão de que a comunidade é pecadora e, como tal, se coloca diante de Deus;
- Expressa que o pecado de cada um prejudica a comunidade;
- A comunidade não pede somente perdão a Deus, mas a todos os irmãos presentes;
- Permite uma boa preparação e conscientização. Bem preparada, pode ser uma ajuda valiosa para a formação da consciência e para o crescimento da comunidade.
Nas celebrações penitenciais, ninguém precisa ter medo – como antes em muitas confissões - que ali alguém faça acusações ou questionários. Cada um já tem de fazê-lo por si próprio. Porque, ali, eu já não me vejo no banco dos réus, também não preciso me defender. Então alcanço a liberdade diante de mim mesmo e diante de minha história, de ficar de pé ante a minha culpa.
A própria comunidade é sinal sacramental da disposição divina de perdoar, de seu encorajamento pascal para um novo começo e uma nova vida. Assim, comunidade e Igreja tornam-se aptas para um serviço de perdão dentro do mundo. A comunidade é o lugar do perdão e da reconciliação.
Uma comunidade e uma Igreja que vivenciam em si próprias a vida reconciliada, pelo menos parcialmente, poderiam significar aqui uma força salvadora e auxiliadora para todos os seres humanos, para a sociedade mundial, que tanto precisa desse serviço para a sua paz.
Modalidades atuais
Atualmente o Rito da Penitência apresenta três formas da celebração da penitência:
1. Confissão individual e absolvição individual;
2. Celebração comunitária da Reconciliação, com confissão individual e absolvição individual;
3. Celebração comunitária da Reconciliação com confissão e absolvição comunitária ou geral.
(No momento da absolvição comunitária, o padre pode impor as mãos sobre a cabeça de cada pessoa e dar a absolvição ou, se for um grupo muito grande, estender a mão sobre a assembleia e dar a absolvição).
No período da quaresma, por exemplo, há uma procura muito grande pelo sacramento da reconciliação. Um padre sozinho geralmente não dá conta de atender a todas as pessoas. Na maioria das paróquias, as confissões comunitárias são momentos bem preparados, de intensa reflexão pessoal e comunitária seguida da absolvição individual ou comunitária.
Nas celebrações comunitárias da Reconciliação, torna-se evidente o caráter comunitário da confissão e absolvição, que são o núcleo central da ação comunitária. Nestas celebrações, os membros da comunidade reunida que se reconhecem pecadores, rezam uns pelos outros; a Igreja, como comunidade dos fiéis, tem, portanto, parte ativa na realização da reconciliação dos pecadores com Deus. A comunidade cristã toma consciência do seu ser pecadora e da necessidade do perdão de Deus, que ela então pede e finalmente agradece com confiança e gratidão filial.
O Rito da Penitência considera como parte central ou essencial do sacramento da reconciliação a confissão dos pecados e a absolvição. Na celebração com confissão e absolvição gerais, a confissão individual dos pecados é substituída por uma confissão geral. Isso significa que se o penitente não se sentir “satisfeito” com a confissão e absolvição gerais, oportunamente poderá recorrer ao padre para uma “conversa de paz”.
Outras maneiras de ser perdoado
Quando estamos realmente afastados de Deus e dos irmãos, por pecado grave (Pecado mortal), devemos mostrar a sinceridade de nosso arrependimento e pedir o perdão de Deus, pelo sacramento da confissão. Nos outros casos(pecado venial), ou na falta de oportunidade de se confessar, há outros meios para se obter o perdão de Deus:
1. Pela participação sincera da Eucaristia. Toda a força do sacramento da Penitência decorre do sacrifício de Cristo, que se torna presente na Eucaristia. Toda a Celebração da Eucaristia celebra também a reconciliação de Deus com os homens. Há também um momento específico para pedir perdão e ser reconciliado, que é o ato penitencial.
2. Pelo perdão mútuo podemos esperar também que Deus nos perdoe.
3. Por atos de penitência, caridade e esmola.
Pela oração e pela celebração da Palavra de Deus.
Em todos os casos, como também na confissão sacramental, é necessário o sincero arrependimento, a disposição de perdoar os outros e de consertar o mal praticado. Sem isto, não há verdadeira conversão e, então, pedir perdão é somente uma farsa.
Lucimara Trevizan
Equipe do site
Há dez anos atrás era roça. A molecada ia lá caçar passarinho e comer jabuticaba. Hoje é um bairro de quarenta mil habitantes. Muitos vindos do interior.
No começo surgia um barraco aqui, outro acolá. Os lotes iam sendo ocupados. Nascia um novo bairro, na periferia, com todas as suas dificuldades. Para pegar transporte tinha que andar uma hora. No tempo das águas não tinha carro que pudesse entrar ou sair. E quando alguém adoecia, era aquele desespero. Precisava dar um jeito de melhorar a situação.
A saudade do interior apertava. Saudade das festas da padroeira, das barraquinhas, da amizade e, principalmente, de sentir-se unido, em comunidade. Tio João, que era um vicentino, havia formado uma conferência. Levantaram até uma capelinha e aos domingos ele animava a celebração. Mas faltava alguém para puxar os cantos, para fazer as leituras da Bíblia... Na verdade faltava muita coisa. As crianças cresciam sem catequese. Porém, faltava, sobretudo, alguém que animasse os catequistas a fazer a catequese e os cantores para alegrar a celebração. Alguém que motivasse os jovens a viver a sua fé na realidade da cidade, e as famílias a se reunirem em grupos e rezar a sua vida a partir do Evangelho. Precisava mesmo alguém que pregasse a Palavra de Deus e assim animasse as pessoas para formar uma comunidade unida. Que fosse capaz de coordenar os diferentes serviços da comunidade e se dedicasse de corpo e alma a este trabalho. Numa palavra: faltava um padre que animasse as pessoas para o serviço e a união da comunidade.
O modelo do padre é o próprio Cristo, o bom pastor. Aquele que dá a sua vida pelas ovelhas (Cf. Jo 10, l- 18) e vai atrás das que estão perdidas e procura trazê-las de volta (Cf. Lc 15,4-7). O pastor conhece as ovelhas e as ovelhas conhecem o pastor. Ele as conduz, une-as em torno do Cristo, exorta-as e as acolhe novamente quando algumas se separam.
Além do padre, tem também O bispo e o diácono. Os três ministérios são serviços essenciais para a Igreja. Por isso não são as pessoas que inventam de exercer esses ministérios. Eles se tornam ministros pela ação de Deus. Essa função ministerial é graça de Deus, presente de Deus à Igreja. Por isso, é pelo sacramento da ordem que uma pessoa se torna bispo, padre ou diácono.
O motivo da festa ou celebração do sacramento da ordem é que Deus continua sustentando sua Igreja pela instituição de ministros que ajudem a comunidadea ser unida e unida seguir a Jesus.
Um serviço em função dos demais serviços da comunidade. É o que devem ser o bispo, o padre e o diácono. Não se trata de alguém que faz tudo sozinho, mas que anima, dá força e uneos laços para construir a comunidade. É como o maestro na banda de música. Ele não toca nenhum instrumento, mas é responsável pela harmonia da música. Ele precisa dos músicos e os músicos precisam dele para tocar no momento certo. Ele não precisa saber tocar todos os instrumentos, mas saber coordená-los. Valorizar os talentos de cada um, despertá-los e assim enriquecer a melodia com sempre mais instrumentos. Ele é a força da banda. Nem ele nem os músicos podem fazer o que der na cabeça deles. Todos têm que obedecer à melodia da música. Assim também o bispo, o padre e o diácono não são simples “chefes” na Igreja. Eles como todos os cristãos, têm que obedecer à Palavra de Deus.
O gesto simbólico usado para a ordenação é a imposição das mãos. O bispo impõe as mãos sobre a cabeça da pessoa que vai tornar-se bispo, padre ou diácono e pede que o Espírito Santo venha e lhe dê esse ministério específico na Igreja. A imposição das mãos significa transmissão de força e de autoridade para o serviço. É o mesmo gesto que Moisés fez sobre Josué, diante de todo o povo, para indicar a transmissão de liderança (Cf. Nm 27,15-23). Josué recebeu assim a autoridade, o espírito de sabedoria para servir o povo e guiar os seus passos.
De forma semelhante os apóstolos ordenaram os primeiros diáconos. A comunidade escolheu sete homens de boa reputação e cheios do Espírito Santo e os apresentou aos Apóstolos. Estes lhes impuseram as mãos, enquanto todos rezavam (Cf. At 6,1-6). A transmissão do ministério se deu sucessivamente até hoje. A comunidade toda reza, invocando o Espírito, e os ministros ordenados presentes impõem as mãos ao novo ministro escolhido para o serviço da unidade.
Há três maneiras de exercer esse serviço à unidade da Igreja: bispo, presbítero e diácono.
O bispo é colocado à frente de uma comunidade regional (a diocese) para construir e incentivar a união da comunidade, no serviço aos outros, na fé e nas celebrações. Ele é também o responsável por esta Igreja.
Os presbíteros (conhecidos como padres) têm a missão de unir a Igreja num âmbito mais restrito (em geral numa paróquia). Aí ele está a serviço da unidade dessa comunidade, unidade que se realiza no amor mútuo, iluminado pela mesma fé comum que é celebrada na eucaristia e nos outros sacramentos.
Os diáconos, nos primeiros séculos da Igreja, tinham uma função muito importante e bonita: unir a comunidade no amor dos mais pobres, representar a comunidade e o bispo no apoio aos necessitados materialmente, e recordar sempre de novo, diante de todos, os desvalidos da comunidade. Hoje em algumas dioceses esse serviço está sendo revalorizado.
Cada um a seu modo, esses três estão a serviço da unidade da Igreja, como Cristo, o bom pastor, que quer reunir as ovelhas em torno a si para levá-las a Deus pai.
A páscoa é a celebração da vida. Celebração da força da vida que se renova apesar da morte. Celebração da força do nosso Deus, mais forte que a morte. Um Deus que ressuscita na morte, triunfando sobre todas as forças contrárias à vida. Um Deus vitorioso, apesar de todas as previsões opostas. Assim se apresenta o Deus pascal, e é assim que nós o lembramos na celebração da páscoa.
Mas esta celebração da páscoa não se restringe a uma festa anual. Cada celebração litúrgica faz memória desta passagem da morte para a vida, que marcou a experiência de Jesus e daqueles que aderiram ao seu caminho. Assim, na celebração do matrimônio, também se entoa um cântico de vitória sobre a morte. É o cântico do amor. É a celebração da união amorosa de duas pessoas que, diante de Deus e para toda a vida, celebram o seu amor. O cântico delas se une ao cântico do Deus vitorioso, que vence a morte e que é fonte de amor. As duas pessoas, na celebração de seu casamento, celebram a força divina que é mais forte que qualquer morte, celebram o mistério pascal na sua forma mais direta, mais íntima e mais intensa.
“O amor é forte como a morte, a paixão é violenta como o sepulcro, os seus ardores são chamas de fogo, uma faísca do Senhor”, assim podemos ler no Cântico dos Cânticos (8,6). É esta paixão que os noivos celebram no seu casamento, e é este amor que declaram diante de si mesmos, diante da comunidade e diante de Deus. E nesta celebração, o amor deles se une ao de Deus, à paixão dele pela vida e à sua vitória contra todas as forças do mal. Deus demonstrou que é mais forte do que a morte quando ressuscitou o seu filho Jesus. Nele, quem tem a última palavra não é a negatividade da morte, mas a vida de Deus. A morte, para Deus, nunca tem a última palavra. Ele “faz viver os mortos e chama à existência as coisas que não existem” (Rom 4,17).
Em cada celebração renovamos nosso compromisso com tudo o que promove a vida no mundo e, na celebração de seu matrimônio, o casal, por sua vez, celebra a sua opção de construir junto um caminho que dê testemunho do amor de Deus e de vencer o que ameaça este propósito: egoísmo, infidelidade, tédio, estresse, dinheiro, carreira e esfriamento do amor. Expressa o desejo de que estes condicionamentos nunca venham a prevalecer sobre o seu casamento.
Situações de morte acontecem e, elas acontecerão até nos melhores dos assim chamados matrimônios cristãos. Seria ilusão e idealização não levar isto em conta. O sacramento não transforma os dados psíquicos, sociais e econômicos do casal. Mas, na celebração sacramental do matrimônio, os noivos exprimem a esperança de que, ao longo de sua existência juntos, todos os conflitos serão superados pela força do amor que une suas vidas e pela graça do sacramento.
A celebração do casamento, assim, não é pura cerimônia, isolada da vida, depois da qual se volta às coisas profanas do dia a dia. É momento de intensa alegria, que marca o início de uma vida nova, em comum. O casal expressa a sua convicção de que o amor é mais forte do que qualquer dificuldade, e se entrega nas mãos de Deus para que, pela sua graça, possa permanecer na alegria que nasce desta entrega amorosa.
No matrimônio a verdade do sacramento é o amor que une um homem e uma mulher. A experiência de amar e sentir-se amado é tão essencial que, na bíblia, ela foi tomada como imagem da aliança de Deus com seu povo. E, no N.T., como expressão do amor nupcial de Cristo com sua esposa, a Igreja (como vimos acima). Quando assistimos ao consentimento mútuo de duas pessoas movidas unicamente pelo amor, estamos diante do sacramento do amor de Deus para com o seu povo. Toda a comunidade, então, é chamada a renovar a aliança com Deus. E da mesma maneira que Cristo entregou a sua vida como prova de amor à sua amada, a Igreja, o casal que se entrega mutuamente participa deste mistério. A vivência como casal se torna sinal da presença do Deus da vida à medida que cada um dos cônjuges despoja-se de si mesmo para amar e deixar-se amar inteiramente. A sua vida em comum se torna projeto dinâmico, rumo à realização daquilo que é o grande projeto pascal de Deus: o Reino.
O reino de Deus não começa a se realizar por uma ação milagrosa vinda do céu, mas pelo agir de homens e mulheres que têm a coragem de testemunhar o amor, no meio de um mundo cheio de contradições. Este testemunho, os noivos começam, de maneira especial, no momento da celebração de seu casamento e devem continuar por toda a sua vida, apesar dos perigos, dos fracassos e dos retrocessos.
(BLANK, Renold. “O mistério pascal que acontece no matrimônio”. Revista de Liturgia, 155 setembro-outubro-1999, p. 33.)
A ação salvadora de Cristo está presente em todos os momentos da vida: ao nascer e crescer, na doença e na morte. Está presente quando duas pessoas se amam e querem unir-se pelo sacramento. O amor que nasceu, cresceu e amadureceu é abençoado e confirmado pelo sacramento do Matrimônio.
Sendo o matrimônio um ato que traz grandes conseqüências para a comunidade, é concluído publicamente. Não é algo que diz respeito somente aos dois que se casam, mas a toda a comunidade.
O sacramento consiste no SIM que os nubentes pronunciam, prometendo amor e fidelidade mútuos. Diante da comunidade, os nubentes prometem “pertencer-se mutuamente em amor e fidelidade, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença e etc, respeitando-se mutuamente”. No intercâmbio do SIM os esposos se casam. O padre é testemunha em nome da Igreja e, em nome da Igreja abençoa o casal.
No bairro, cidade ou roça onde moramos, todos nós conhecemos grande número de casais que, apesar de muitas dificuldades, levam uma vida de compromisso e alegria, amor e fidelidade. Mostram pela sua vida uma verdadeira doação de um para o outro. Mostram também este amor lá onde moram, no engajamento e compromisso com a vida do seu povo e na educação de seus filhos.
Essa realidade humana, tão natural, serviu para explicar uma outra realidade: o amor de Deus a seu povo e a toda a humanidade.
O Antigo Testamento nos ensina que a experiência fundamental que o povo hebreu fez de Deus foi a experiência da libertação do Egito. Javé se mostra aos hebreus como um Deus que age na história, libertando o povo da escravidão do Egito e levando-o para a Terra Prometida. E mais, Javé faz uma Aliança com o povo. A partir dessa Aliança, Javé será o Deus de Israel e Israel será o povo de Deus. Esta Aliança significa que Javé será sempre fiel a seu povo, estará sempre protegendo o seu povo. E o povo será sempre fiel a seu Deus. O povo não vai adorar mais os ídolos. Só vai adorar Javé como o único Deus que liberta. Portanto, a Aliança entre Javé e seu povo é marcada pela fidelidade e exclusividade. Adorar o único Deus, Javé, que libertou o povo do Egito.
Quando o povo de Israel foi infiel àAliança, começou a praticar injustiças e a servir aos ídolos, Deus mandou os profetas que denunciassem esse desvio. Para explicar ao povo o que eles estavam fazendo, os profetas compararam a atitude do povo à infidelidade matrimonial. A Aliança de Deus é como um casamento entre Deus e seu povo. Deus é sempre fiel, nunca se arrepende do seu amor. O povo também tem que responder com amor, fidelidade e exclusividade. Quando sedesvia da justiça e do direito da Aliança e adora os ídolos, é como um esposo ou uma esposa infiel.
O casamento humano se tomou assim símbolo da Aliança entre Deus e seu povo. E a gente aprendeu um pouco mais sobre o casamento humano: o amor do casal é como um broto na grande árvore do amor de Deus à humanidade. Tira sua vida da seiva desta árvore. E assim como o broto na árvore mostra que o tronco é forte e a árvore está viva, assim também o casamento das pessoas mostra que o amor de Deus está dando vida ao amor entre o marido e a mulher.
No Novo Testamento a gente descobre que esse amor de Deus à humanidade toma forma no amor de Cristo à Igreja, o novo Povo de Deus, ao qual todos os homens e mulheres são chamados. Quando dois membros da Igreja, um homem e uma mulher batizados, se unem no casamento, o amor deles está enxertado no amor de Cristo à Igreja. Tem seu fundamento nesse amor.
O amor entre Cristo e a Igreja é a doação de duas vidas. Cristo quer tanto bem à Igreja que doa totalmente sua vida para a libertação plena de todos os homens, para que façam parte da Igreja. E pela força do amor de Cristo, a Igreja vive em união de amor com Ele e lhe quer ser plenamente fiel, dar totalmente a vida por seu amor. A unidade do amor, que exige total fidelidade, compromisso constante com a vida, doação até o fim - eis o jeito de amar entre Cristo e a Igreja. E este é o fundamento do amor no matrimônio entre cristãos, que é uma aliança de amor selada entre um homem e uma mulher. Por amor.
O matrimônio cristão é símbolo do amor entre Cristo e a Igreja. Significa que o matrimônio é um lugar onde acontece a salvação, a libertação que vem de Deus por Jesus Cristo. O matrimônio cristão constitui, portanto, uma pequena Igreja, uma "Igreja doméstica", como diz oConcílio Vaticano II. Nela a gente pode ver o amor de Cristo para com a sua Igreja. E o casal cristão tem consciência de que a sua vida de esposo e esposa é um lugar especial da presença libertadora de Cristo.
No sacramento do matrimônio nós damos valor justamente a essa vida matrimonial, essa doação mútua de vida e de amor. E celebramos o momento inicial dessa Aliança. Mas o sacramento, além do momento inicial, abrange toda a vida matrimonial. Porque sempre quando se mostra o amor dos esposos se vê um pouquinho do amor de Cristo à Igreja.
É isso que o sacramento do matrimônio celebra. A própria vida matrimonial e tudo o que esta vida significa: tornar visível o amor entre Cristo e a Igreja. O momento de dizer "sim" um para o outro, diante da comunidade, é apenas o começo do sacramento. O carinho entre marido e mulher, o respeito de um pelo outro, o amor com que geram e criam os filhos, toda essa vivência do amor fiel e a conversão eterna de se doar à pessoa amada e aos filhos desse amor, é a continuidade do sacramento.
São muitas as dificuldades que as famílias encontram hoje em dia: divórcio, problemas econômicos, desemprego, falta de moradia, alto custo de vida etc. A sociedade de consumo e do prazer afeta seriamente as famílias. Os meios de comunicação, como veículo dessa sociedade de consumo, destroem valores importantes para a família.
Os casais precisam da graça do sacramento do matrimônio para resistir a tantos ataques. A comunidade cristã é um grande apoio na luta contra esses problemas. Sozinho, o casal é fraco; junto com outros será mais forte.
É necessária uma sólida preparação para o matrimônio. Muitos casamentos fracassam por falta de preparação. Tudo devemos aprender na vida. A preparação para o matrimônio começa na família, pela educação de amor e partilha, de respeito e diálogo, de co-responsabilidade. É necessária uma boa orientação sexual. Os encontros de noivos, quando bem organizados, podem ser uma grande ajuda. Mas, tais encontros devem ser dados com antecedência.
O decisivo é a responsabilidade de um pelo outro e a convivência no amor. A comunidade e a Igreja devem ajudar o casal a chegar a uma decisão responsável. Por isso, a conversa ou aconselhamento com os noivos e os encontros de noivos são importantes. Mas, a ajuda só será aceita, se ficar claro que a Igreja quer ajudá-los a tomar sua própria decisão, de forma livre. Argumentos que rotulam qualquer atitude de pecaminosa ou fora das normas eclesiásticas, não ajudam em nada e espantam os noivos para fora do âmbito da Igreja.
Lucimara Trevizan
Equipe de Catequese do Regional Leste 2 da CNBB
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