O Catecumenato – Segunda etapa da Iniciação Cristã
O caminho do amadurecimento da fé, percorrido nos primórdios da Igreja era exemplar. Dispunha de uma metodologia com progressiva interação entre catequese, celebração e vivencia da fé. Hoje não se pode falar em repetir os ritos do catecumenato antigo. Eles são como modelo inspirador. Mas conhecer e aplicar sua pedagogia própria em itinerários de educação da fé ajuda a caminhada da catequese que precisa ir além da preparação dos sacramentos e penetrar no conhecimento do mistério de Cristo, na vida evangélica, na oração e celebração da fé e no compromisso missionário, provocando uma profunda transformação interior nas pessoas.
A partir da segunda metade do século XX, a catequese, orientada para uma inspiração catecumenal, faz redescobrir a importância fundamental da Iniciação Cristã e o lugar primordial que nela cabe a comunidade.
À catequese de Iniciação Cristã corresponde estruturar a conversão a Cristo, proporcionando as bases para essa primeira adesão. Os convertidos, mediante “um ensinamento de toda a vida cristã e uma aprendizagem devidamente prolongada no tempo” (AG 14) são iniciados no estilo de vida evangélico e nos mistérios da salvação.
Tem como objetivo iniciar na plenitude da vida cristã. Torna-se fundamental para a Igreja no seu conjunto e para cada uma das Igrejas particulares, e dela faz parte integrante o catecumenato em várias etapas, proposto pelo Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos (RICA). Como processo de conversão, é essencialmente gradual e cristocêntrico. Prioritariamente, tem como interlocutores os adultos, pois são eles que assumem mais diretamente, na sociedade e na Igreja, as decisões que favorecem ou dificultam a vida comunitária, a justiça e a fraternidade.
O Catecumenato é dedicado à Catequese (formação) e aos ritos (celebração) terminando no dia da eleição, ou seja, no dia em que os catecúmenos serão admitidos para participarem dos sacramentos. Sua duração pode ser de vários anos. Este tempo não é determinado pelo Ritual de Iniciação Cristã (RICA). Compete às Dioceses, em suas Diretrizes, dar orientações a respeito. O rito de “instituição dos catecúmenos”, é importante porque os candidatos, reunindo-se publicamente pela primeira vez, manifestam suas intenções à Igreja, e esta, acolhe os que pretendem tornarem-se seus membros.
Para esse primeiro passo, requer-se que os candidatos já possuam os conhecimentos básicos da vida espiritual e os fundamentos da doutrina cristã, a saber: a fé inicial adquirida no tempo do “pré-catecumenato”, o princípio de conversão e o desejo de mudar de vida e entrar em relação pessoal com Deus em Cristo.
Desde o momento da admissão, os catecúmenos, cercados pelo amor e a proteção da Mãe Igreja como pertencendo aos seus e unidos a ela, já fazem parte da família de Cristo: São alimentados pela Igreja com a palavra de Deus e incentivados por atos litúrgicos.
O RICA lembra que não basta às pessoas conhecerem os dogmas e preceitos. É preciso vivenciar o mistério da salvação do qual desejam participar plenamente. Assim, o catecumenato é um espaço de tempo em que os candidatos recebem formação e se exercitam praticamente na vida cristã. Desse modo adquirem madureza às disposições que manifestaram pelo ingresso. Chega-se a esse resultado por quatro meios:
- a) – A catequese, ministrada por catequistas e outros leigos, distribuída por etapas integralmente transmitidas, relacionadas com o ano litúrgico e apoiada nas celebrações da palavra, leva os catecúmenos, não só ao conhecimento dos dogmas e preceitos, como à íntima percepção do mistério da salvação de que desejam participar.
- b) – Um segundo meio do catecumenato é a própria prática da vida cristã. Familiarizados com esta prática, ajudados pelo exemplo e as contribuições dos introdutores e dos padrinhos e mesmo de toda a comunidade dos fiéis, acostumam a orar mais facilmente, a dar testemunho da fé, guardar em tudo a esperança no Cristo, seguir na vida as inspirações de Deus e praticar a caridade para com o próximo. No processo de formação, conhecendo a Palavra e se pondo no seguimento do Cristo “os recém-convertidos” são estimulados a fazerem sua passagem de um mundo velho para um mundo novo. Uma passagem, que acarreta uma progressiva mudança de mentalidade e costumes, com suas consequências sociais que vai se manifestando e desenvolvendo pouco a pouco durante o tempo do catecumenato.
- c) – Um terceiro meio de formação na fé privilegiado pelo catecumenato é a própria participação litúrgica dos catecúmenos. Através dos ritos litúrgicos apropriados, já são por eles gradativamente purificados e protegidos pela benção divina. Promovem-se para eles celebrações da palavra e lhes é mesmo proporcionado o acesso à liturgia da palavra junto com os fiéis, devem ser delicadamente despedidos antes do início da celebração eucarística se isso não acarretar grandes dificuldades, pois precisam esperar o Batismo pelo qual serão agregados ao povo sacerdotal e delegados para o novo culto de Cristo. O tempo deste período depende de diversas circunstâncias. Convém que as Dioceses, considerando as condições dos povos e regiões, estabeleçam a esse respeito normas mais precisas.
- d) – Os catecúmenos, ainda não possuindo a graça dos sacramentos, recebam da Igreja coragem, alegria e paz para continuarem o trabalho e a caminhada; aprendam, pelo testemunho de vida e a profissão de fé, a cooperar ativamente para a evangelização e edificação da Igreja.
O catecumenato visa a “vida cristã integral”. A formação nesse tempo leva os catecúmenos à iniciação “no mistério da salvação e na prática dos costumes evangélicos” e introdução “na vida de fé, da liturgia e da caridade.
Continuaremos nossa reflexão.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
07.11.2020
A Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) irá realizar o Seminário Nacional de Catequese a Serviço da Iniciação à Vida Cristã, com o lema “Jesus chamou os que Ele quis, para estarem com Ele e enviá-los a anunciar (cf Mc 3,13-14)”. A iniciativa acontecerá de 04 a 06 de novembro, de forma online, e será transmitida a partir das 20h nas redes sociais da CNBB (@cnbbnacional) e da Catequese do Brasil (@catequesedobrasil).
Segundo o padre Jânison de Sá, assessor da Comissão, a iniciativa busca retomar a reflexão do Documento 107 da Conferência, aprovado pelos bispos em 2017, intitulado “Iniciação à Vida Cristã: itinerário para formar discípulos missionários”. “É necessário retomar toda a discussão e reflexão da Iniciação à Vida Cristã, uma temática tão pertinente e importante para a Ação Evangelizadora e Catequética da nossa Igreja”, explicou.
Ainda de acordo com o padre Jânison, o seminário trará uma abordagem metodológica e, por meio disso, buscará entender os processos históricos e a relação entre o Diretório Geral que culminou com a Catequese Renovada; e o Diretório de 1997 que culmina com o Diretório Nacional de Catequese de 2006. “É importante refletirmos um pouco sobre a nossa história, então veremos do Concílio Vaticano II até os dias atuais e entenderemos o sentido da catequese e da Iniciação à Vida Cristã em diversos períodos”, salientou.
Programação
No dia 04 de novembro será feita uma reflexão do itinerário histórico da reflexão catequética do Concílio Vaticano II aos dias atuais. O convidado para assessorar o momento é o irmão marista Balbino Eduardo Juárez Ramírez, da Guatemala.
No dia 05 haverá a participação de dois painelistas. O primeiro tema a ser discutido será “O Diretório Geral para a Catequese de 1971 à Catequese Renovada de 1983”, pelo padre Luiz Alves de Lima, e o segundo será “O Diretório Geral para a Catequese de 1997 ao Diretório Nacional de Catequese de 1996”, pelo irmão Israel José Nery.
No último dia, 06, haverá outros dois painéis. O primeiro sobre o “Documento de Aparecida à Iniciação à Vida Cristã em 2017”, pela irmã Sueli Cruz, e o segundo sobre o “Documento 107 – Iniciação à Vida Cristã: itinerário para formar discípulos missionários” ao Novo Diretório de Catequese, pelo padre Abimar Oliveira de Moraes, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
In: cnbb.org.br
O novo Diretório para a catequese se destaca pela íntima união entre o primeiro anúncio e o amadurecimento da fé, à luz da cultura do encontro. Os adultos são os primeiros interlocutores a beber na fonte da nova evangelização, que os convida a reconhecer a força salvífica das suas vidas e a colocá-los no centro da vida comunitária, lugar gerador das vocações para a práticas pastorais que animam a vida da Igreja.
Olhando para a história da catequese, hoje, sabemos que ela seguiu muitos caminhos desde aquele primeiro envio de catequistas realizado pelo próprio Cristo: “Ide e fazei com que todos os povos se tornem discípulos” (MT 28,19). Uma vez mais surge o desafio suscitado pelo Espírito: Mais do que ajudar os adultos a conhecerem os conteúdos que amparam sua fé, precisa-se ajudá-los a fazer o caminho do aprofundamento mistagógico da pessoa de Cristo e de seu Reino, centro e horizonte maior de uma fé adulta. Mistagogia se refere ao ato de iniciar e instruir (alguém) nos caminhos misteriosos de uma religião.
O documento “Catequistas para catequese com adultos” da CNBB, página 39, diz que: “A redescoberta da Catequese com adultos e o seu potencial evangelizador é vista como uma possível resposta para o contexto de Igreja em que se vive hoje.” Mas uma catequese que não pode ser feita a partir de Manuais. Ao desenvolver o processo catequético para com os adultos são destacados valores próprios e fundamentais do cristianismo que estão presentes na catequese: a Bíblia e a liturgia.
Pensando a catequese com adulto dessa forma, a Igreja retoma seu sentido dos primeiros séculos onde havia uma integração entre Catequese-Liturgia-Palavra de Deus, conhecida como “Iniciação cristã” e considerada como missão específica da catequese. Uma iniciação que não pode ser vista como atos isolados de formação, mas como um processo contínuo e permanente que possibilita às pessoas um crescimento gradual no conhecimento, no amor, no seguimento, fazendo delas pessoas esclarecidas, conscientes e coerentes na vivência da fé, isto é, pessoas que tenham identidade cristã.
Faz parte integrante da Iniciação Cristã “o catecumenato” apresentado em várias etapas dentro do processo de evangelização. Ele é proposto pelo Ritual de Iniciação cristã dos Adultos (RICA), Sua duração é prolongada, e deve prolongar-se e, se necessário, mesmo por vários anos, para que a conversão e a fé dos catecúmenos (catequizandos) possam amadurecer (RICA n. 98).
O Catecumenato torna-se, hoje, objeto de cuidada reflexão, quer por parte do nosso presbítero, quer por parte dos catequistas sobre a iniciação catequética, espiritual e litúrgica dos adultos. O RICA oferece para a catequese as normas litúrgicas a serem cumpridas no decorrer do processo formativo, possibilitando aos catecúmenos (adultos, jovens e crianças) a vivência da interação “fé e vida”. Nesse sentido a catequese de Iniciação Cristã com os adultos, utilizando-se do modelo catecumenal, proporciona ao catequizando uma preparação que vai além do simples preparar-se para receber os sacramentos.
A Catequese de Iniciação cristã com os adultos introduz a pessoa também nas celebrações litúrgicas. Assim, considerando o tempo apropriado e cumprindo suas etapas, o catecúmeno, ao fazer o caminho rumo ao amadurecimento da fé, o faz como portas a serem atravessadas ou como degraus a serem subidos. Para cada etapa há uma celebração e ritos próprios. As orientações e os ritos estão no RICA. Nele encontra-se o que diz respeito às normas litúrgicas sobre o catecumenato, a saber: o processo composto por diferentes tempos de informação e amadurecimento catecumenal, de preferência culminando no ciclo pascal no ano; o sentido de cada tempo com seus objetivos, meios, duração, ritos e símbolos; as celebrações que marcam a passagem de um tempo para outro (chamadas “etapas”). São elas: Pré-catecumenato, Catecumenato, Purificação e Iluminação, a Iniciação nos Sacramentos e a Mistagogia.
Vejamos suas etapas:
1 – Pré-catecumenato: Não se pode entrar para o catecumenato sem um tempo prévio e fundamental de pré-catecumenato. Aqui, se requer informação da parte do candidato e da parte da Igreja. Tempo reservado à evangelização, encerrando-se com o ingresso na ordem dos catecúmenos, que é quando começa propriamente dito o processo de iniciação.
Para se começar um catecumenato necessita-se de uma comunidade viva e o ministério dos introdutores e dos catequistas, além dos ordenados. A convocação dos participantes pode ser feita nas próprias celebrações dominicais.
O pré-catecumenato tem por objetivo: a adesão a Jesus Cristo; a conversão de vida e a sensibilidade eclesial. Esse tempo inicial se refere ao chamado “querígma”, a apresentação do primeiro anúncio sobre Jesus de forma a lhe fazer arder o coração, a exemplo dos discípulos de Emaús (Lc 24-32). Nos tempos atuais, torna-se necessário rememorizar esse anúncio. Ele carrega consigo a prática da fraternidade e o amor ao próximo ajudando as pessoas a ir adiante no caminho de Jesus. A proposta é fazer um “segundo” primeiro anúncio para atender aos adultos que ficaram afastados da fé da Igreja, mas que estão retornando e quem se ingressar nas atividades da vida da comunidade.
O tempo tem muita importância e não deve ser omitido, pois é o tempo da evangelização em que, com firmeza e confiança, se anuncia o Deus e Jesus Cristo, enviado por Ele para a salvação de todos (RICA, n. 9). É um tempo que começa com uma conversa do catequista com a pessoa interessada em fazer a caminhada da fé, prolonga-se por um período indeterminado e termina com a entrada no catecumenato. Esse tempo contribui para que, os não cristãos, cujo coração é aberto pelo Espírito Santo, creiam e se convertem ao Senhor, aderindo lealmente àquele que, sendo o caminho, a verdade e a vida, satisfaz e até supera infinitamente a todas as suas expectativas. O catecúmeno se chega ao sacramento depois de percorrer os caminhos da conversão e da fé.
Da evangelização brota a fé e a conversão inicial. À evangelização é dedicado todo o tempo do pré-catecumenato, para que se amadureça a vontade sincera de seguir o Cristo e pedir o Batismo (no caso dos não batizados), crescer na fé (no caso dos batizados mas não evangelizados, etc.) mediante a apresentação do Evangelho aos candidatos.
Nesse tempo de evangelização várias estratégias podem ser utilizadas, conforme o RICA: A conversa inicial dos catequistas, o acompanhamento dado pelos instrutores, leitura bíblica e a oração pessoal, a aproximação à comunidade, etc. Pode-se buscar, sempre, uma melhor maneira de utilizá-las, e até mesmo, levantar outras estratégias convenientes ao tempo da evangelização.
Continuaremos com as demais etapas no próximo encontro.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano
Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
A comunidade eclesial ativa exerce papel importante na caminhada catequética de sua paróquia. Ela, na sua ação missionária, seus serviços sociais através das pastorais, suas celebrações litúrgicas, contribui para o crescimento e amadurecimento da fé de cada um daqueles que caminham juntos, na comunidade, além do seu testemunho de vida para fora do seu espaço constitutivo comunitário. Assim, as comunidades eclesiais, nos seus exercícios vocacionais, caminham para o fortalecimento da vida em comunidade buscando meios para que todos os batizados experimentem a beleza e a grandeza de serem discípulas e discípulos missionários.
A catequese de Iniciação à Vida Cristã, incluída de forma ampla dentro do processo de evangelização missionário da Igreja, proporciona aos batizados o caminhar na história configurados a Cristo Jesus, ajudando-os a acreditar que Jesus é o Filho de Deus e que nesta nova vida em Cristo vivemos o mistério de sua paixão, morte, ressurreição, seu retorno glorioso ao Pai e envio do Espírito Santo. Nesse sentido, a vida cristã é um novo viver que requer, mediante seu caminhar, passos de aproximação nos quais a pessoa aprende e se deixa envolver pelo mistério amoroso do Pai, pelo Filho, no Santo Espírito, conforme nos instrui o documento 107 da CNBB.
Iniciar-se na comunidade cristã é iniciar a uma vida de relação íntima com o Mistério do próprio Deus revelado em Jesus Cristo, que se abre para novas formas de relacionamentos com o outro, com a comunidade e com o mundo, pois iniciado na vida de Cristo através dos sacramentos da Iniciação Cristã (Batismo, Crisma Eucaristia), somos chamados a viver a Palavra de Deus num processo contínuo da ação do Espírito nos corações humanos.
O cristianismo não é fruto da criatividade humana, mas é consequência da iniciativa do próprio Deus, que para revelar, entra na história humana e mostra seu rosto humano – Jesus Cristo. Deus pode escolher qualquer ser humano, se servir dele e de qualquer acontecimento para realizar os seus projetos. Ele parte sempre de algo que os seres humanos já conhecem, que fazem parte de suas experiências e procura leva-los a descobrir e compreender algo novo
Assim é a catequese. Ela busca aprofundar nossas relações pessoais num encontro pessoal com Jesus Cristo, nos coloca em um contínuo caminho, um itinerário que inclui sempre o anúncio da Palavra de Deus, o acolhimento do Evangelho, que implica a conversão, a profissão de fé, o Batismo, a efusão do Espírito Santo, o acesso à Comunhão Eucarística. É o caminhar da comunidade cristã que juntos: catequistas, presbíteros, comunidades de fé, retratando a alegria de viver o discipulado de Jesus, expressam a unidade na comunhão do Espírito Santo acontecendo ante os diversos carismas.
No processo formativo de nossas catequeses estamos sempre a falar da necessidade de apresentar Jesus Cristo, o filho de Deus encarnado. Como apresentar Jesus Cristo?
Ao falar de Jesus Cristo não é só oferecer uma informação histórica sobre ele, o que é bom e desperta a admiração por ele, nos leva a admirar suas qualidades, mas conhecê-lo é sobretudo viver a experiência de saber-se salvo por Jesus Cristo, de descobrir que em Cristo a pessoa se encontra com o mistério de Deus. É descobrir um Cristo concreto e sobretudo descobrir quem o Cristo para cada um de nós.
Apresentar Jesus Cristo é ajudar as pessoas a fazer a experiência do encontro pessoal com ele e descobrir o significado que pode ter para sua vida. Provocar o encontro com ele e torna-lo presente na vida da comunidade cristã. A apresentação de Jesus à comunidade acontece de várias formas: através das vivências mistagógicas, experiências práticas de convivências na comunidade, do testemunho de vida, do anúncio da Boa-Notícia – o Evangelho de Jesus Cristo – e outras formas possíveis. O importante é descobrir que, inseridos na vida comunitária, as pessoas podem descobrir toda riqueza e a força salvífica, transformadora, libertadora que encontra na pessoa do Cristo, e em sua mensagem. A comunidade eclesial, na sua ação mística evangelizadora, reflete o mistério do Deus da vida, tendo por centro Jesus e seu projeto, ao ritmo das bem-aventuranças, formando a comunidade de Jesus, assumindo a perspectiva da cruz e da ressurreição.
Jesus Cristo se torna assim, para os homens de todos os tempos, Caminho, Verdade e Vida (Jo 14,6). Deus continua mantendo permanente diálogo com a comunidade cristã e o Espírito Santo continua fazendo ressoar na Igreja e no mundo a “voz viva do Evangelho”, conduzindo os fiéis para a plenitude da verdade (Jo 16,13). A experiência do Espírito Santo na comunidade cristã é inseparável da memória de Jesus, mas sua ação quer conduzir a vida e fazer crescer a fé do povo de Deus (DV 8ª). O Espírito Santo não caminha sozinho. Para manter vivo o Evangelho, ele suscita na Igreja, a Tradição, a Escritura e o Magistério (DV 7-10).
Obs.: DV = Dei Verbum (Palavra de Deus). Constituição dogmática sobre a Revelação Divina.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte e membro da Comissão Bíblico-Catequética do Regional Leste 2
Falar em querígma é falar da Boa-Nova, do anúncio sobre tudo aquilo que Jesus nos ensinou e pediu que levássemos aos outros.
O Evangelho é uma Palavra viva, eficaz, uma mensagem salvífica, anunciada oralmente e tem seu início na vida e obra de Jesus, pois é Ele a Boa-Notícia do Pai revelada aos homens. Nesse sentido, o querígma tem por finalidade ajudar as pessoas a reconhecer em Jesus Cristo o Messias, o Filho de Deus, o enviado do Pai por excelência, para nos revelar o mistério de sua vontade. Em cada Evangelho podemos perceber o amor de Jesus com o Pai, um amor que ele vem nos revelar e demonstrar para todos o grande e misericordioso amor do Pai que transforma vidas.
Várias são as passagens bíblicas que torna explicita para nós o amor do Pai.
Jesus é para nós o Proto-Sacramento do Pai, ou seja, o primeiro, e no cumprimento de sua missão no meio de nós ele se torna um pedagogo. Assim como o Pai, sua pedagogia parte da realidade das pessoas, acolhendo-as e respeitando-as na originalidade de sua vocação ou interpelando-as à conversão. A pedagogia catequética segue como modelo da pedagogia de Jesus, um agir a partir da convivência com as pessoas motivando-as a viverem de acordo com seus ensinamentos.
A catequese faz parte da memória da Igreja, entendida como “memorial”, que quer dizer: manter viva entre nós a presença do Senhor, trazer para hoje o mistério salvífico realizado há tantos séculos, fazendo-nos dele participar, pela ação do Espírito Santo. Assim, o que se memoriza deve antes passar pelo coração, pela experiência, pelo sentimento de quem aprende, e isso se faz pela vivência e celebração. O repetir ritualmente gestos, sinais, palavras que, por detrás dos mesmos, são carregados de sentidos e significados que dão sentido à vida quando guardados no coração e não apenas na cabeça.
Este tempo de Pandemia podemos aproveitá-lo para manter a vivência virtual. Fazer a experiência do encontro deixando fluir o que está no coração, o que aprendemos a partir da ressurreição de Jesus. O envio do seu Espírito ilumina o caminho para o seguimento, trazendo-nos sentido à vida e nos revelando o amor de Deus, tornando-nos participantes da família divina.
A Revelação é para nós a fonte da catequese que nos conduz e nos convoca para nos deixar conduzir para dentro desse mistério, aquietando e ou suavizando nossos anseios e angustias. Assim, participando desse amor, somos convocados para leva-lo à todas as outras criaturas. Essa é a nossa missão.
Como deixar-se conduzir pela Revelação?
A Revelação divina chega até nós através da Sagrada Escritura, dentro da Tradição viva da Igreja, recebida dos Apóstolos. É a Palavra de Deus lida, ouvida, celebrada na vida, na Eucaristia e proclamada aos outros. A catequese deve haurir, ou seja, extrair do interior e trazer para o exterior, seu conteúdo na única fonte da Revelação divina, utilizando sabiamente A Sagrada Escritura e todos os outros testemunhos da Tradição viva da Igreja.
Quero ressaltar aqui o que nos diz o Documento “Catequese Renovada n. 86: Ele nos fala de como é importante fazer uma boa leitura dos Evangelhos, deixar que a Palavra encarne em nosso coração. A Palavra, enquanto fonte da catequese deve estar impregnada pelo pensamento, pelo espírito e pelas atitudes bíblicas e evangélicas, mediante um contato assíduo, constante com os próprios textos sagrados, e é também recordar que a catequese será tanto mais rica e eficaz quanto mais ela ler os textos com a inteligência e o coração da Igreja, e quanto mais ela se inspirar na reflexão e na vida da Igreja.
Nesse sentido, a tarefa da catequese é levar até ao catequizando a Palavra de Deus – a Escritura Sagrada – que tem como centro o Evangelho – Todo o mistério da vida do Cristo (Encarnação, vida, paixão, morte, ressurreição, ascensão e envio do Espírito). Toda uma vida doada com amor e por Amor.
Vamos nos abrir ao amor de Deus.
Acolhendo o amor que vem do coração de Jesus, esse amor divino humaniza nosso coração, tornando-o aberto e sensível a tudo o que é humano. O Coração de Jesus nos capacita olhar a realidade, compreender cada pessoa em sua situação e viver objetivamente, a partir da gratidão e da responsabilidade. Dizem que o coração do ser humano é a própria fonte de sua personalidade consciente, inteligente e livre. É o lugar de suas escolhas decisivas, fonte das bem-aventuranças, santuário da ação misteriosa de Deus e do encontro com Ele. Por isso, chegar ao lugar do coração é dom de Deus.
É a partir da ressurreição de Jesus e envio do Espírito que encontramos o caminho do seguimento do Cristo, damos sentido à nossa vida. Jesus nos faz o convite. Sair de si e ir ao encontro do outro. É a saída de si a condição permanente que permite que os relacionamentos ocupem o lugar central na vida. Ao se colocar no caminho do discipulado e se dispor a seguir o Mestre, crer nele e assumir seu estilo de vida, ainda, descobrir e discernir o plano de Deus para a nossa vida, seremos capazes de viver a aventura de ser um seguidor do Mestre Jesus.
Neuza Silveira de Souza – Coordenadora do secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte
07.7.2020
O adulto é visto como alguém que chegou à maturidade, conhecedor de seus direitos e deveres, atuante, com responsabilidade, como se isso fosse natural a partir da idade adulta. Mas, a maturidade é uma situação dinâmica de contínua evolução, pois a vida inteira é um processo de crescimento.
Nesse sentido é através das experiências da vida, de uma contínua aprendizagem, que o adulto desenvolverá sua criatividade, sua autonomia pessoal, e poderá assumir os compromissos e participar responsavelmente na construção da comunidade e da sociedade.
Do ponto de vista religioso, ao se referir ao aspecto da fé, as mudanças podem causar crises de fé e de identidade cristã. O adulto torna-se inseguro. Não sabe responder satisfatoriamente a perguntas fundamentais da sua fé. Sente o abismo entre as gerações, dificuldade de dialogar com os filhos, de orientá-los neste mundo em constantes mudanças e transformações.
O Papa Francisco, em suas catequeses, muitas vezes nos convida a recordar que, na base da nossa vida, há uma certeza consoladora que não podemos esquecer: Deus nos ama e em Jesus, deu a vida por nós. Ele nos convida a recordar a “fé simples e robusta” das mães e avós, que “dava a elas força e perseverança para seguir em frente e não deixar cair os braços”, “uma fé caseira, que passa despercebida, mas que constrói pouco a pouco o reino de Deus”. Uma fé que não se deixa confundir, porque se baseia nos fundamentos do Evangelho.
Nesse sentido, quando se abre à mensagem de Jesus, transmitida a partir de um processo iniciático, ou seja, uma catequese evangelizadora que leva as pessoas a um grau mais profundo de experiência com Deus e com o Ser Divino em si mesma, as pessoas sentem-se inseridas em uma nova realidade a qual significa percorrer o caminho da vida, paixão, morte, ressurreição, ascensão, envio do Espírito Santo e retorno glorioso. Percorrer esse caminho é deixar-se ser introduzidos no mistério Pascal, pois os desdobramentos desse processo iniciático oferece formas bastantes significativas que proporcionam mudanças fundamentais na vida da pessoa.
Itinerário da Iniciação à vida Cristã
O Itinerário da Iniciação à vida Cristã nos conduz para a vivência do Mistério da vida do Cristo. Esse itinerário, além de ser oferecido às pessoas adultas, ainda não batizadas, que necessitam caminhar, atravessar pontes, subir degraus, percorrer etapas, essa catequese de Iniciação à vida cristã pode ser oferecida também àqueles que já foram batizados e necessitam receber os demais sacramentos da Crisma e Eucaristia. Também aos que já receberam os sacramentos, mas necessitam de um aprofundamento da fé, ou seja, amadurecer na fé.
A prática da catequese mistagógica, que quer dizer ‘deixar-se conduzir para dentro do Mistério Pascal’, procede da visibilidade dos símbolos e sinais visíveis para a vivência do invisível, do significante àquilo que é significado, dos “sacramentos” aos mistérios.
É uma catequese que tem como centralidade o encontro pessoal com Jesus Cristo. Nesse sentido, ela ajudará a descobrir, por detrás da humanidade de Jesus, a sua condição de Filho de Deus; por detrás da história da Igreja, o seu mistério como “sacramento de salvação”; por detrás dos sinais dos tempos, as pegadas da presença de Deus e os sinais do seu plano. Uma catequese que leva ao amadurecimento da fé.
A fé é dom de Deus
A fé é dom. Crer que Jesus Cristo seja Deus, o Filho de Deus, esta fé transforma nossa vida. Possibilita que nosso coração se abra ao amor, ao perdão, ao acolhimento do outro. A fé não é um merecimento, é dom doado por Deus e que chega até nós pela abertura de coração, pelas nossas orações e conversão. A fé é uma questão de encontro com Jesus Cristo, acolher seus ensinamentos e se colocar em seu seguimento.
O Papa Francisco, para nos ajudar a pensar bem a fé, ele nos oferece uma boa reflexão sobre a passagem evangélica do cego Bartimeu. Conhecem essa passagem bíblica do Evangelho de Marcos? (Mc 10, 46-52). O Papa se utiliza dessa passagem para nos dizer de três passos fundamentais para percorrer o caminho da fé.
Primeiro passo – “Bartimeu está sozinho no caminho, longe de casa e sem pai: não é alguém amado, mas abandonado. Ele é cego e não tem ninguém para ouvi-lo. Jesus ouve seu grito. E quando o encontra, deixa-o falar”. Dá tempo à escuta. Este é o primeiro passo para facilitar o caminho da fé: ouvir. Como é importante para nós ouvirmos a vida! Ouvir com amor, com paciência, assim como Deus faz conosco: nos ouve.
Segundo passo – fazer-se “próximo”. Jesus se encontra pessoalmente com Bartimeu. E lhe diz: ‘O que quer que faça por você?’ Da maneira como age, transmite sua mensagem, cura-o, e assim a fé brota na vida dele e passa a segui-lo.
A fé passa pela vida. Ela nos leva a viver o amor de Deus que mudou a nossa existência. Assim, fazer-se ‘próximo’ é levar a novidade de Deus à vida do irmão.
Terceiro passo – dar testemunho – Testemunhar.
E assim, o Papa Francisco conclui: “Escutar, tornar-se próximo, testemunhar é o caminho da fé que termina no Evangelho de maneira bela e surpreendente, com Jesus dizendo: ‘Vai, tua fé te salvou’.
Olhando para nossa realidade, muitos filhos, muitos jovens, como o Bartimeu, buscam uma luz na vida. Buscam um amor verdadeiro. Nós, cristãos batizados, somos enviados para ir aonde eles estão, não levando a nós mesmos, mas a mensagem de Jesus. Ele nos envia para dizer a todos: “Deus pede para se deixar amar por Ele”.
A partir do testemunho daqueles que nos precederam na fé, somos chamados a descobrir, reconhecer e receber o Deus de Jesus Cristo hoje, que se dá a partir do nosso encontro pessoal com ele. Nele chegou a plenitude do amor de Deus. E tudo o que quiser saber dele, passa pelo testemunho que dele deixaram os apóstolos. Mas sabemos que os apóstolos não explicitaram toda a riqueza do acontecimento de Cristo. É tarefa da Igreja explicitá-la ao longo da história até a consumação final dela (Parusia).
Quem abre a história da Revelação é o Espírito Santo, levando a Igreja a descobrir gradualmente a verdade de fé. O Espírito Santo age na Igreja como verdadeiro corpo profético, ela que é Sacramento do Cristo. O povo de Deus, ou seja, as comunidades, é que irá atualizando o acontecimento Cristo: crianças, jovens, adultos, os homens, as mulheres, os pobres… A história humana é a história da salvação.
Assim nos diz o documento 107 da CNBB: ao ser batizado, o iniciando começa a caminhada para Deus, que irrompe em sua vida, dialoga e caminha com ele. Essa vida nova, essa participação na natureza divina, constitui o núcleo e coração da Iniciação à vida Cristã. Somos iniciados e incorporados ao Mistério Pascal de Cristo quando da recepção dos três sacramentos da Iniciação: Batismo, Crisma e Eucaristia.
Neuza Silveira de Souza. Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.
Todas as vidas reentram na imagem diária, quase banal, do pão é partido e repartido. Porque as vidas são coisas semeadas, que crescem, amadurecem, são colhidas, trituradas, amassadas: são como o pão.
Porque não apenas nós saboreamos e consumimos o mundo: dentro de nós damo-nos conta que também o mundo, o tempo, nos consome, esboroa, devora. Por boas e por más razões, ninguém permanece inteiro.
Somos uma massa que se rasga, um miolo que se desfaz, uma espessura que se reduz, um alimento que é distribuído. A questão é saber com que consciência, com que sentido, com que intensidade vivemos este processo inevitável.
Todos nos consumimos, é certo. Mas em que comércios? Todos nos damos conta de que a vida se divide e subdivide. Mas como tornar este facto que por si é trágico, numa forma de afirmação fecunda e plena da própria vida?
Para nós, cristãos, a Eucaristia é o lugar vital da decisão sobre o que fazer da nossa vida. Porque todas as vidas são pão, mas nem todas são “eucaristizadas”, ou seja, configuradas em Cristo e assumidas, no seu seguimento, como entrega radical de si, oferta, dom vivo, serviço de amor incondicional.
Todas as vidas chegam a uma conclusão, mas nem todas chegam à conclusão do parto desta condição crística que trazem inscritas dentro de si. É destas coisas que a Eucaristia diariamente nos fala quando nos recorda: «Fazei isto em memória de mim».
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 17.07.2019 no SNPC
A revelação é fruto do querer de Deus. Querer fundamentado naquilo que Ele é: Amor. Cristo é a plenificação da revelação de Deus. Quem o vê, vê o Pai (Jo 14,9). O homem criado à imagem de Deus, chamado a conhecê-lo e amá-lo, e que o procura, descobre as várias vias de acesso para aceder ao conhecimento sobre Deus.
Etimologia da Palavra “Revelação”
A palavra revelação etimologicamente significa remoção de um véu, ou seja, descobrir. No Concílio Vaticano I (1869-1870), em sua Constituição sobre a fé católica, a Revelação é descrita como a manifestação sobrenatural de Deus “de si mesmo e dos decretos eternos de sua vontade”; No Concílio Vaticano II (1962-1965), na Constituição Dei Verbum, Revelação é descrita como a ação pela qual Deus livremente torna conhecido o propósito escondido da vontade divina e, amorosamente, fala aos seres humanos como amigos, convidando-os “à comunhão consigo”. Na Dei Verbum, Cristo é apresentado como mediador e plenitude da Revelação. Ele nos revela: quem é Deus, quem somos nós e qual é a nossa vocação.
Deus se comunica com o homem por meio da revelação
A Palavra de Deus, como princípio dinâmico, é comunicada ao homem pelo processo da Revelação, que é um ato criador, já que é o principio de uma nova sociedade espiritual que transcende à ordem temporal da cultura e coloca o homem em contato com uma ordem superior de realidade. Não há local em que essa ideia de revelação divina tenha sido expressa de maneira tão forte e identificada com a tradição da cultura como no caso de Israel. Esse povo, que tinha um modo de vida incorporado numa lei moral e em uma história sagrada que os separava de todos os outros povos do mundo antigo, foi escolhido entre as nações para ser testemunha de Deus e portador da Revelação divina. O chamado foi feito num período remoto da história, quando Deus chamou Abraão para deixar seu lar em Harã, junto do rio Eufrates, e se tornar o fundador de um novo povo, numa nova terra.
Mais tarde, os descendentes de Abraão, depois de terem se misturado aos povos do Egito e passado pela experiência da escravidão, eles se tornaram um povo reconhecido como nação a partir do êxodo e da aliança no Monte Sinai, tornando-se um povo consagrado assim como Abraão. Moisés, um profeta individual, foi apresentado como o salvador do povo para retirá-lo do Egito, como o canal da revelação divina e o doador da lei divina.
A lei divina, revelada a Moisés e elaborada conforme os ensinamentos dos sacerdotes e profetas, torna-se essência dos ensinamentos ao povo de Israel: Primeiro, a história sagrada da vocação e libertação de Israel; segundo, a aliança de Iahweh com Israel como a forma constitutiva de existência e, em terceiro, os encargos e obrigações morais impostas a Israel, pela lei, condição da aliança.
“Pois tu és um povo consagrado a Iahweh teu Deus; foi a ti que Iahweh teu Deus escolheu para que pertenças a ele como seu próprio povo, dentre todos os povos que existem, sobre a face da terra. Se Iahweh se afeiçoou a vós e vos escolheu, não é por seres o mais numeroso de todos os povos, pelo contrário: sois o menor dentre os povos, e sim por amor a vós e para manter a promessa que ele jurou a vossos pais; por isso Iahweh vos fez sair com mão forte e te resgatou da casa da escravidão… Observa, pois, os mandamentos, os estatutos e as normas que eu hoje te ordeno cumprir” (Dt 7, 6-8; 11).
A revelação Judaica foi uma revelação criadora. A aliança com Israel era uma comunhão viva ou, como os profetas a descrevem, um casamento sagrado. Esse é o tema que perpassa toda a Escritura, não só nas leis, mas nos livros dos profetas e nos salmos e é repetido de forma sumária no início da pregação apostólica. Esse ensinamento continua valendo para os cristãos modernos, pois ainda vemos neles não só o próprio “mistério de Israel”, mas a preparação indispensável para a Revelação cristã e a vida da Igreja.
Neuza Silveira de Souza
Comissão para Animação bíblico-catequética do Regional Leste 2
Uma catequese de Iniciação à vida Cristã traz como primeiro elemento de seu conteúdo a acolhida. Mas o que significa acolher? O verbo acolher faz referência a receber alguém, acolher, acomodar, hospedar, alojar, amparar, apoiar.
Refletindo sobre o verbo acolher e seus significados, percebemos que o ato de acolher se refere a acolher alguém (bem ou mal), acolher de braços abertos, agradar, amparar e apoiar. Refere-se a um verbo que exprime ação, cuidado, atenção: Ele me amparou e não me deixou cair, me deu apoio nos momentos em que mais precisava, sorriu para mim quando eu estava triste, aproximou-se de mim quando eu estava abandonada. A exigência aqui é de um agir ético e de justiça. Uma exigência que leva ao existencial do acolhimento de Jesus.
Pode-se refletir ainda o sentido do acolhimento como forma de cativar, de encantar, salvaguardar e aplaudir os amigos. Em nossas catequeses, o acolhimento tem o sentido de sentir-se acolhido pela ternura do abraço do Pai, o Deus misericordioso que nos foi revelado pelo Seu Filho, Jesus cristo. Despertar o sentido da fé nos corações de nossos catequizandos como expressão da revelação da bondade, da misericórdia, do amor de Deus por nós. Um grande amor de Deus que se faz presente no meio de nós e manifesta a toda humanidade de forma plena e pessoal, e tudo isso revelado para nós através da vida e da morte de Jesus.
A pessoa fascinante, que é Jesus, nos chama para percorrer o caminho juntos e assim aprender com Ele seu estilo e projeto de vida. O seguimento de Jesus, que em si mesmo já é um ato de fé, vai se aprofundando aos poucos, com a descoberta cada vez mais clara da identidade daquele a quem se confia a própria vida: Jesus.
O Evangelho de João é uma boa referência para quem deseja se aproximar de Jesus, experimentar sua presença, sentir-se caminhar com ele e responder sempre ao seu chamado num processo contínuo de conversão.
Percorrendo o Evangelho de Jesus, segundo o evangelista João, Jesus nos é apresentado como a luz verdadeira, a luz que significa todo o bem, a luz que ilumina todos os homens e o homem todo. Esse Homem que veio ao mundo para todos os seus e a todos que o recebeu deu a eles o poder de ser Filho de Deus. No segundo capítulo podemos ver o acolhimento de Jesus aos primeiros discípulos. Jesus os convida para estar com ele em sua casa. Na experiência do convívio conhecem-se melhor. No capítulo 3 (três) o evangelista João nos relata o encontro de Jesus com Nicodemos. Nesse encontro podemos todos estar sendo representado por Nicodemos, porque todos nós, assim como ele, estamos em busca de alguma coisa que possa preencher nossa vida. E João nos passa o ensinamento de Jesus nesse encontro relacional entre Jesus e Nicodemos: “quem busca encontrará o que procura”. Assim como Nicodemos, todo o ser humano que se lança na direção de Deus também encontra a sua realização.
Para Nicodemos Jesus é o Mestre e vai para esse encontro com a esperança de nele encontrar um novo ensinamento, capaz de esclarecer sua vida, suas angústias e ajuda-lo na compreensão de sua crença. Sai em busca de um sentido para a vida. E ele recebe muito mais do que imaginou que pudesse receber. Jesus vai lhe dar a chance de “nascer de novo”, de tornar-se um novo homem.
Nicodemos percebeu que era uma chance única. Mas precisava mudar seu jeito de pensar. Exigia uma força de vontade, uma determinação de sua parte para percorrer esse novo caminho com Jesus. E foi. Assim, também nós, somos chamados a ter essa mesma postura de Nicodemos, a mesma determinação. Quando nos propomos à mudança, a realizar novas experiências, tendo como fundamento a vida de Jesus, também fazemos o processo de um “nascer de novo” e aí podemos vislumbrar melhor o Reino de Deus.
O amor de Deus é sempre o ponto inicial. E tudo tem sentido quando Deus em pessoa vem nos visitar. Muitos são os ensinamentos que encontramos nos Evangelhos. Jesus mostrou para nós como Deus está presente no mundo como um Pai que nos ama. Jesus é o mistério do Pai, o revelador do seu amor e espera de nós o acolhimento desse amor que é expresso pela Graça do Pai e transformador do sentido da nossa existência. Vamos também participar desse encontro com Jesus.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano
Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.
Crer em Deus não é uma relação centrada em si mesmo, mas é um sair de si como Deus mesmo nos mostrou, enviando seu próprio Filho ao mundo.
Rosimeire Fernanda Costa
A experiência de Deus não é apenas a nossa experiência, mas também a experiência de Deus conosco. A vida é feita de experiências e viver a vida é a arte de construí-la com sentido, pois são as experiências que perpassam nossa vida que provocam, estimulam e possibilitam o exercício de aprender com a realidade na qual nos encontramos.
A experiência articula-se entre dois polos: o objeto e o sujeito. Olhando para a etimologia da palavra ‘experiência’ pode-se afirmar que “(ex)(peri)(ência) é a ciência ou o conhecimento que o ser humano adquire quando sai de si (ex) e procura compreender um objeto por todos os lados (peri)”. Movimento de saída de si para perceber a realidade de outro ponto de vista, de vários lados, e, sobretudo, aprender com o novo que está sendo contemplado.
A experiência vai além do simples ‘vivenciar’, pois ela indica um processo reflexivo que existe no próprio ato de viver. Nesse sentido, toda experiência tem uma forma de expressão, provocada pelo sujeito que a realiza.
Segundo o teólogo jesuíta Henrique C. L. Vaz, (2002), em sua obra Escritos de Filosofia “problemas de fronteiras, a diversificação das formas da experiência obedece a três modos de presença do ser no nosso pensar: a experiência objetiva (que é a experiência das coisas), a experiência intersubjetiva (que é a presença do outro), e a presença subjetiva (a presença de nós a nós mesmo). Essas experiências levam à tríplice dimensão da linguagem: a linguagem das coisas, a linguagem do outro e a linguagem do eu. O equilíbrio dessas formas de linguagem qualifica a experiência e produz verdadeiras formas simbólicas, conferindo sentido e significado ao ser humano. Isso qualifica o ato de viver”.
Sabedor de que a experiência constrói e sustenta a relação entre o conhecimento das coisas que vamos tomando conhecimento (as teorias que significam ver, observar, contemplar, relacionar) e a prática, que se refere ao conjunto de ações habituais, repetidas e apreendidas, ao sairmos de nós mesmos em busca dessas experiências, iremos perceber que são elas, (as experiências) que irão possibilitar ao ser humano a reflexão e compreensão dos fenômenos e construção da vida com sentido.
Surge daqui o grande desafio: como pensar a transcendentalidade (infinitude) presente na imanência (finitude) da vida humana?
O ser humano, criatura de Deus, criado totalmente voltado para Deus, chamado a se manter firme nessa relação através da sua espiritualidade existencial em si (infinitude), ou seja, chamado a entrar, livre e gratuitamente, em comunicação com Ele, vive aqui neste mundo, lugar teológico de encontro com Deus, em busca da concretização desse encontro através da materialidade de suas ações humanas de bem, verdade, bondade, justiça (finitude). Assim, infinitude e finitude se conectam no interior das pessoas, promovendo, através da infinitude, a abertura ao mistério transcendente. Na articulação entre infinitude e finitude, abertura transcendental e território simbólico, estão a possibilidade de se deixar ser conduzido para novas experiências do mistério e assim, experimentar Deus. A partir dessas experiências, o ser humano é capaz de conferir sentido à sua vida, pois ele se torna capaz de contemplar suas ações existenciais e delas retirarem um sentido ao existir.
Segundo LIBANIO (2004), em sua obra sobre a Fé, ele dizia ser a mesma uma experiência humana fundamental que se faz entre as pessoas e que se prolongam para as coisas, mistérios e religiões. Daí pode perceber que a fé cristã ela é comunitárias e pode ser compreendida como disposição para dialogar e acolher ou não o mistério transcendente, ato de profunda liberdade em que o ser humano se dispõe ou não a crer.
Para ir além, passando da fé pessoal, (antropológica) para a fé religiosa encontramos na teologia cristã clássica duas expressões latinas para designar o momento da fé do sujeito vivido em articulação com a fé religiosa. Fides quareferia-se à aceitação da pessoa a uma realidade a ela apresentada e a expressão fides quae designava o conteúdo mesmo dessa fé a que a pessoa estava dando seu aceite. Nesse sentido pode-se dizer que a pessoa cristã crê em Jesus Cristo e nas verdades proclamadas a seu respeito porque foi dito pela religião cristã, na qual a pessoa confia. Ocorre aqui uma profunda articulação. Uma pessoa acredita em algo porque foi dito por outra pessoa em quem ela confia. Assim, a fé pessoal é vivida em sintonia com o que é apresentado pela religião.
Diante dessa reflexão sobre a fé vivencial e experiencial podemos chegar á realidade em que nos encontramos com a dificuldade de transmissão da fé cristã. Esse pensar teológico sobre a fé coloca a nós catequistas e evangelizadores em alerta quanto ao processo de evangelizar, ou seja, transmitir os conteúdos da fé necessários para proporcionar aos catequizandos a possibilidade do encontro com Jesus Cristo, vivenciar sua fé pessoal e eclesial de forma a geral proximidade com o mistério transcendente.
Para além da disposição interior, pessoal, para se abrir ao diálogo e acolher o mistério transcendente, está também o necessário conhecimento, crença e fé autêntica de quem evangeliza, para gerar confiabilidade naquele que crê e está aberto à vivência religiosa com todos os seus ritos, práticas, doutrinas, tradições, mitos, artes que possibilitam essa religação com o mundo divino.
Neuza Silveira de Souza
Comissão para animação Bíblico-Catequética do Regional Leste 2
Na catequese encontramos as verdades fundamentais da fé, necessárias para a caminhada do cristão que vai, desde os seus primeiros passos de vida, construindo também o seu itinerário de fé através da Palavra celebrada com seus gestos e ritos; nela refletindo toda a vida Daquele que dá sentido para a nossa vida. O processo de Iniciação à vida Cristã constrói todo esse itinerário que leva ao encontro pessoal cada vez maior com Jesus Cristo.
No âmbito da Iniciação Cristã, a mistagogia designa a catequese sobre os sacramentos e à profundidade espiritual da “interpretação dos ritos litúrgicos”.
Quando falamos de mistagogia, estamos nos referindo a Celebração Litúrgica que toma sua forma verdadeiramente particular, de uma catequese mistagógica, fazendo-se necessário uma explicação mais profunda aos catequizandos e todos os batizados do sentido, da natureza das ações litúrgicas de que participam: o batismo e a eucaristia. Na mistagogia também são incluídas as explicações sobre todos os demais ritos compreendidos na celebração do batismo, com referência especial à renúncia a Satanás, a profissão de fé e ao dom do Espírito que se associa a unção. O batismo, de fato, compreende várias unções, colocadas tanto antes quanto depois da imersão batismal. Incluem-se também, aqui, como mistagógico, a ordenação sacerdotal e a unção dos enfermos.
Há uma teologia contida nas catequeses mistagógicas, que se faz necessária para explicar sobre os mistérios dos sacramentos. Para com as crianças deve-se cuidar da linguagem apropriada para leva-los a experienciar toda a beleza dos mistérios da fé. Para os adultos que já receberam os sacramentos e não tiveram a oportunidade de fazer essa catequese mistagógica, ou seja, catequese sobre os mistérios da fé cristã, ela se torna apropriada, pois ao fazer a experiência a partir dos seus conteúdos apresentados, eles colocam-se em evidência, sobretudo, o seu caráter poético e expõe-se à plena luz o mistério de salvação que acentua seu fascínio.
Os textos mistagógicos são uma verdadeira e adequada celebração da grandeza e do fascínio do evento de salvação. Por seu caráter de exposição dos acontecimentos da salvação, com a capacidade de exaltar seu valor e torná-los atraentes, todos estes textos são vistos como tributários do gênero literário da mistagogia. Desta maneira, a área de abrangência dos textos mistagógicos amplia-se desmedidamente, tanto naquilo que diz respeito à sua época, englobando também o período neo-testamentário, quanto naquilo que diz respeito aos textos, que não se refiram aos ritos da iniciação cristã. Para os autores teólogos a mistagogia pertence ao campo da espiritualidade e é nesta área que ela obtém seu efeito.
Catequeses Mistagógicas
É a partir dos estudos das catequeses mistagógicas do século IV que os autores contemporâneos, trazendo-as para nossa realidade, puderam vê-las como uma metodologia utilizada para bem compreender os mistérios da fé cristã. Passaram a utilizá-las como um método para interpretar a liturgia da Iniciação cristã, de modo que os vários ritos estejam em relação com os acontecimentos salvíficos descritos na escritura. Trata-se de uma teologia que articulou a Sagrada escritura e a Tradição, fecundando harmoniosamente a transmissão catequética da fé. Em sua dinâmica pedagógica, procura contemplar todas as etapas para o conhecimento e aprofundamento da fé em Jesus Cristo: Leitura e meditação do Evangelho, vida em comunidade, experiência de amor, partilha, participações nas celebrações sacramentais, preparação para o testemunho e a missão.
Nas catequeses iniciáticas, diante das tarefas de evangelização no mundo de hoje, com suas inúmeras interpelações, encontramos nas catequeses mistagógicas inúmeras fontes e sinais que nos animam e nos dizem que as pessoas, enquanto imagem e semelhança de Deus, se abrem à compreensão dos mistérios da fé que levam a uma adesão pessoal e conversão humana e, ainda, possibilita novas experiências que levam ao encontro com o outro, consigo e com o mundo. É uma experiência cristã de Deus que é inseparável das fontes da Revelação Bíblica. Uma experiência do Deus Uno Trino (Trinitária) que revela uma relação de comunhão e alteridade. Uma experiência que convida a um sair de si, como Deus mesmo nos mostrou, enviando seu próprio Filho ao mundo.
A importância da liturgia
A relação entre os ritos e os acontecimentos da salvação, é uma relação real. A celebração litúrgica é salvífica porque a relação que ela tem com os acontecimentos da salvação é real. Assim entendemos porque no cristianismo, os símbolos não são simplesmente um conjunto para exprimir o desejo de aproximar o ser humano do mistério, mas são elementos visíveis de uma realidade total em que Cristo, pela Igreja, comunica Sua presença o que os símbolos significam: o mistério da história.
É o mistério de Deus, que tem sua expressão na Escritura e liturgia, cujo método de conhecimento para ambas as modalidades é a mistagogia, método que ajuda a compreender o que significam os sacramentos para a vida. Esse método mistagógico possui a arte de conduzir os fiéis para dentro do mistério celebrado, revelado através de cada rito, gesto e símbolo.
Conceituar e definir o Rito celebrado não é tarefa fácil. Tanto os ritos quanto os símbolos revelam que não basta um breve estudo para a transmissão oral da fé; é preciso ir além da fala e fazer com que a fé seja experimentada pelos sentidos, celebrada através dos ritos e símbolos.
Nas celebrações litúrgicas, composta de vários ritos, encontram-se muitos símbolos que colocam os fiéis em comunicação com o Mistério da fé: Paixão, morte e Ressurreição de Cristo. O símbolo mais profundo e último da liturgia cristã é o próprio cristo, que se tornou humano, Verbo Encarnado. A liturgia, através dos seus ritos e símbolos, torna-se reveladora de Sua presença em nosso meio.
Nas catequeses atuais somos chamados a nos apropriarmos dos ritos e símbolos próprios da fé do cristianismo para catequizar, evangelizar e comunicar a fé. Mas necessário buscar a competência e capacidade para bem compreender os mistérios da fé.
Neuza Silveira de Souza
Comissão para animação Bíblico-Catequética do Regional Leste 2
“Em cada nova etapa da história, a Igreja, impulsionada pelo desejo de evangelizar, não tem senão uma preocupação: quem enviar para anunciar o mistério de Jesus? Em que linguagem anunciar esse mistério? Como conseguir que ressoe e chegue a todos os que devem escutar?”
PAULO VI. Evangelii Nuntiandi, 22.
Com essa frase do Papa Paulo VI, Dom Leomar Antonio Brustolin, começou a apresentação do tema “Querigma e a transmissão da fé no contexto atual”, na 4ª Semana Brasileira de Catequese. As conferências anteriores nos possibilitou experienciar o saber do ser discípulo aquele que ouve o chamado de Jesus, o reconhece como mestre, e se une a Ele numa resposta ativa; que no processo evangelizador da catequese de Iniciação à Vida Cristã, a formação do discipulado não é apenas uma etapa, mas um fio condutor que trespassa todo o projeto de Iniciação, tendo como desafio o modo de apresentar Jesus; que a Palavra de Deus é o caminho que leva a descobrir a centralidade da Páscoa, expressão máxima da misericórdia de Deus, tomamos assim consciência de que devemos testemunhar o Evangelho levando ao mundo a universalidade da proposta de Jesus, na tentativa de superar todo tipo de dicotomia entre fé e vida; entre ser e fazer.
Dom Leomar, ao iniciar sua conferência, mencionou que o catequista ainda se preocupa mais em organizar, fazer, planejar mais do que viver realmente a Palavra. Perguntou: Onde foi parar em nosso querigma o crucificado? Onde foi parar a cruz? A fé crista não aceita fanatismo, nem fundamentalismo. Ser cristão exige seguimento de Jesus Cristo. Citando o Instrumentum Laboris do Sínodo de 2012, afirma que “muitas comunidades cristãs ainda não perceberam plenamente o alcance do desafio e a natureza da crise gerada por este ambiente cultural também no interior da Igreja”.
Ao apresentar uma análise da atual realidade, ele chamou a atenção para o fato de estarmos vivendo no mundo de intensa pluralidade cultural e religiosa, crise de alteridade, cultos sem ética e, assim, nos provoca para que possamos destinar um olhar atento, um olhar de discipulado para a realidade presente, onde se constata, não poucas vezes, que os cristãos vivem maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária.
Assim demonstrada a realidade atual na qual encontramos, e diante da diversidade religiosa, como evangelizar? Dom Leomar lembrou que o cristianismo não está acabando. A cultura atual não transmite mais a fé, mas a liberdade religiosa. Os cristãos de amanhã sentirão a fé como um elemento especial da graça que favorece seu desenvolvimento humano. Viverão a fé em meio a pessoas que vivem de modo diferente deles; anunciarão mais pelo testemunho do que pelas palavras. O encontro com Cristo se dará através de relações de proximidade, encontro e diálogo.
Uma chance para dar maior qualidade de seguimento são os encontros, não de massas, mas de pequenos grupos. Não se anuncia uma mensagem fria ou apenas um corpo doutrinal. Para anunciar é preciso afirmar, comunicar; é transmitir a fé com toda a vida. O anúncio da fé é sempre uma atitude comunitária. O encontro pessoal não se separa do encontro com aqueles que percorrem o mesmo caminho. Há uma relação entre o eu e o tu, entre a pessoa e Deus; que se relaciona com o nós. A fé exige que o eu se encontre no nós.
Propor o querigma de forma continuada e permanente. O querigma é o primeiro anúncio em sentido qualitativo porque é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar (…) em todas as suas etapas e momentos (EG, n. 163). Assim, toda a Iniciação à Vida Cristã se renova, renovando sempre a comunidade.
Dom Leomar lembrou os desafios a serem enfrentados: passar de uma religião de herança social para uma religião de opção pessoal; de uma sociedade unificada pela fé católica para uma sociedade constituída na liberdade democrática e no pluralismo de ideologias. De uma igreja de massa a uma Igreja diferenciada e articulada em pequenas comunidades de discípulos missionários. E nos afirma: “em meio ao pluralismo e relativismo do nosso tempo, é improvável que tenha bom efeito um anúncio imposto e fechado, sem diálogo”.
O Diálogo inter-religioso pode tornar uma sociedade plural numa vivencia democrática quando atende suas próprias exigências de convivência dialogal entre as diversas visões de mundo, deixando-se pautar pela justiça, paz, defesa do meio ambiente e a construção da tolerância, pois diante do cenário brasileiro marcado por um florescimento religioso, há ama busca maior da religião como opção, e não mais por tradição.
Na conclusão de sua reflexão, Dom Leomar fez algumas indicações preciosas:
- apresentar a Boa-Nova de forma alegre e propositiva. Evangelho da Alegria.
- IR ao encontro do outro “já”!!! Missão.
- procurar manter uma maior proximidade com as pessoas. Pedagogia da Presença.
- propor o diálogo que estabelece uma verdadeira “pedagogia da escuta.
- anunciar Jesus Cristo em linguagem acessível e atual.
- uma conversão pastoral que supere a uma pastoral de manutenção.
Neuza Silveira de Souza
Comissão para animação Bíblico-Catequética do Regional Leste 2
A Iniciação à vida Cristã está a serviço da Igreja, vista como “imagem terrena da Santíssima Trindade”, que vem caminhando na história, renovando-se a cada geração, no seu tempo e espaço, como comunhão-missão. Esse percurso se aproxima da nossa geração refletindo a importância do protagonismo dos cristãos leigos e leigas, membros do povo de Deus, segundo sua identidade cristã e vocação. Todos trabalhando em comunhão manifestam a única Igreja de Cristo, fazendo parte integrante dessa Igreja peregrina que se fez Sacramento do Cristo, representando o Corpo de Cristo e tendo o próprio Cristo como cabeça que a dirige e a ordena nesse mundo.
Dentre todos que se colocam a serviço para o crescimento da Igreja estão os catequistas que procurando compreender e vivenciar uma fé cristã autentica, se colocam em busca de sua própria identidade de fé. Uma boa formação de identidade para bem transitar diante da complexa realidade religiosa plural em que vivemos, bem como diante dos diversos tipos de interlocutores que encontramos ao nosso redor. Tudo isso para bem servir essa Igreja caminhante.
Para todos os catequistas que acompanharam a divulgação dos comentários sobre as conferências realizadas na 4ª Semana Brasileira de Catequese pode observar a importância dos temas para a nossa caminhada catequética. A Primeira conferência foi realizada pelo Professor Edward Guimarães sobre o tema “Anunciar-testemunhar Jesus Cristo num mundo Plural: novos interlocutores”. Ele chama a atenção para as mudanças do mundo atual que está a exigir que se mude o jeito de acolher e viver a fé cristã. A partir de uma leitura da realidade atual, ele nos fala de como a evangelização nos coloca diante de pessoas transformadas pela cultura secularizada; pela exigência de novas tecnologias; pessoas pertencentes a outras religiões e de outras igrejas, pessoas carentes de afeto e reconhecimento desejosas de ser ouvidas e de participar, cientes de sua liberdade e igual dignidade, excluídas da mesa da cidadania e da dignidade humana, e nos pergunta? Como anunciar Jesus neste mundo Plural? Ele nos faz refletir que o anúncio é de uma fé autêntica como foi a de Jesus, para que possamos irradiar a fé. A vida de Jesus nos revela que Deus pai tem um projeto para todos. Assim, todos são chamados a sintonizar com a fé de Jesus e sair em missão, não para fazer católicos, mas para fazer testemunhas da fé cristã.
Quando a Igreja nos oferece um projeto de catequese com Inspiração Catecumenal, ela nos convida para olharmos para as experiências que deram certo no passado e de lá trazermos elementos que possam se enriquecer a nossa realidade. Olhando para o modo de educar a fé, nos primeiros séculos da caminhada do cristianismo, podemos enxergar as belas experiências que lá aconteceram. Os catequistas da época evangelizavam com intrepidez, com criatividade, com entusiasmo, com intensidade, com paixão, com responsabilidade etc. Anunciavam a pessoa de Jesus e a ele aderiam. Era um projeto de vida que surgia a partir do encontro com ele. Os interlocutores, ou seja, os primeiros cristãos ouviam atentamente o que se narrava sobre a Pessoa de Jesus e deixavam a Palavra chegar até o coração, o que é próprio do Catecumenato: “alargar o coração e os ouvidos à Palavra de Deus”. A partir dessa experiência vivida, muitas pessoas tornaram-se discípulas e discípulos anunciadores da Palavra fazendo com que chegassem até nós as belas experiências no caminho do seguimento. Foram “iniciados” por isso perseveraram.
Colocar-se no seguimento: ação importante no caminho da Catequese de Iniciação à Vida Cristã. Esse foi o tema apresentado na 2ª Conferência da 4ªSBC, pela Ir. Vera Bombonato, fsp: “Seguimento de Jesus e sentido da vida”. Ela nos diz que a finalidade do seguimento é assemelhar-se a Jesus, ter o seu estilo; participar de seu destino, assumir sua causa e dispor-se a caminhar com Ele. Assim, o catequista é, antes de tudo, alguém que respondeu ao chamado de Jesus e se colocou á disposição do Mestre Jesus. Sabedor de que a dinâmica da sua relação com Deus passa pela sua existência, assim, na catequese, essa dinâmica passará através do catequista, do seu testemunho de vida e ajudará às pessoas que, respondendo ao chamado, podem romper com a situação anterior e adotar nova forma de vida e se comprometer com Jesus.
Muitas coisas boas aconteceram na 4ªSBC. Muitas falas provocaram um despertar para a realidade atual e se colocar no seguimento. Sair do isolamento e da auto referencialidade e ir ao encontro do outro.
Vamos continuar nossa conversa, mas, por ora, ficamos por aqui. Abraços a todos os catequistas!
A evangelização consiste em iniciar a pessoa em todas as dimensões da vida cristã. E a Iniciação Cristã, nesse processo evangelizador, se apresenta como oportunidade para a concretização de um novo estilo catequético caracterizado pelas marcas do querigma e da mistagogia.
Tanto o querigma, quanto a mistagogia são colunas mestras do catecumenato, ao qual somos chamados a nele inspirar para adequá-lo às realidades atuais e fazer uma reflexão sobre como elaborar um projeto pastoral que invista em itinerários iniciáticos que possa contribuir para uma evangelização formativa, geradora de cristãos adultos na fé.
Vivemos numa realidade em que já não se pode atribuir aos pais a função de iniciar seus filhos na fé. Antes eram os pais que explicavam e ajudavam aos filhos a compreenderem a fé recebida no batismo e, posto que a família constituía verdadeiro âmbito de fé, ensinavam praticando-a, a fé cristã. Hoje já não é mais possível pensar em uma iniciação cristã, realizada quase de modo espontânea, por influência do ambiente. A própria geração de pais, hoje, não teve a oportunidade de uma formação cristã autêntica para repassar para seus filhos. Há, também, a considerar a deficiência da própria catequese, à medida que ela não encontrou respostas oportunas, nem realizou mudanças necessárias que a nova situação da sociedade e da Igreja vinha exigindo.
A nova situação social e cultural não apresenta elementos que possibilitem a compreensão e vivência espontânea da fé, o que provoca um enfraquecimento e até o abandono da fé, tornando-se necessário a busca pela formação iniciática, através de uma catequese autêntica e acompanhamento espiritual por parte da comunidade eclesial.
Quando falamos em Iniciação Cristã estamos nos referindo a um processo catequético que facilita a incorporação das pessoas catequizandas, mediante os três sacramentos de iniciação, no mistério de Cristo, morto e ressuscitado, e na comunidade da Igreja, sacramento de salvação, ou seja, essa Igreja chamada a ser “Corpo de Cristo” conforme nos ensina o apóstolo Paulo na sua Carta aos Coríntios. Essa inserção ou transformação das pessoas catequizadas, realizadas dentro do âmbito de fé da comunidade eclesial, em que há de se integrar a resposta de fé da pessoa, exige um processo gradual ou itinerário catequético que o ajude a amadurecer na fé.
A Igreja, mediante a iniciação cristã, manifesta sua identidade de mãe e, ao mesmo tempo em que incorpora o ser humano a Cristo, incorpora-o ao Corpo de Cristo; ao mesmo tempo em que gera o cristão, edifica a Igreja. O cristão recebe de Deus o dom da fé na Igreja. É na Igreja, comunidade de Cristo, que a pessoa perceberá a verdade, a realidade e a significação da fé, fonte de vida para sua existência como pessoa que crê.
Com a iniciativa de Deus, a pessoa percorrerá um caminho de conversão, de libertação do pecado e de crescimento na fé, até o encontro com Jesus Cristo. É o itinerário catequético da iniciação cristã. Caminho progressivo que a conduzirá a Deus. Nesse itinerário, toda a pessoa, por inteiro, em todas as suas dimensões fica implicada, isto é, gera toda uma transformação interior de vida para se entregar a Deus. É uma ação da graça divina e uma resposta de pessoal de fé. Pela Palavra e pelos sacramentos, em virtude da ação de Deus, a Igreja acolhe e gera o novo crente e o educa na totalidade da vida cristã.
No caminho de formação integral proporcionado pela Iniciação à vida cristã, a pessoa aprenderá que a vida cristã é também um combate contra o mal e o pecado. Daí a presença da ascese, os exercícios penitenciais e a invocação do auxilio divino. É um caminhar que a partir da auto-comunicação de Deus ao ser humano, por vontade livre do próprio Deus, realiza-se por dentro da vivência da vida da pessoa. Nesse sentido, a catequese verdadeira que evangeliza é aquela que faz uma íntima ligação de fé com a vida concreta, correlacionando a experiência humana com os elementos da fé configurando-se com a mesma maneira como Deus se manifestou no passado a seu povo e continua a se manifestar ainda hoje.
Neuza Silveira de Souza
Comissão para Animação Bíblico-Catequética do Regional Leste 2
A V Conferência de Aparecida tem como uma grande preocupação em relação a formação dos leigos. Sem uma adequada formação, diz o documento, não é possível a ninguém assumir um compromisso na comunidade eclesial, bem como, não se pode assumir uma missão no mundo ou na Igreja. A formação dos fiéis leigos para que sejam discípulos missionários é de vital importância, e afirma ser urgente uma formação integral dos cristãos leigos para atingir essa finalidade que é anunciar a chegada do Reino de Deus. Essa mesma preocupação vigora ainda hoje quando se pensa a Catequese com inspiração catecumenal e chama atenção para os adultos que, embora batizados, ou seja, já iniciados pelos sacramentos, mas insuficientemente evangelizados.
Nos Evangelhos encontramos textos com os ensinamentos de Jesus sobre o trabalho missionário e deixa claro que a missão não é tarefa só de alguns, mas é um trabalho de comunhão e de todos os cristãos. A formação não pode perder de vista o caminho a percorrer sempre com a centralidade no encontro em profundidade com Jesus Cristo. Nesse encontro se percebe o ‘lugar teológico da origem da Iniciação Cristã. Nesse caminho o discípulo vai, cada vez mais, se assemelhando com o Mestre e o serviço ao Reino de Deus.
Em meio à vida comunitária, cada cristão se faz missionário à medida que deixa fluir de si mesmo o amor de Deus que transparece ao outro pelo seu testemunho de vida. Ser “missionário” é uma propriedade fundamental do “ser cristão” e o núcleo central da missão cristã é dar testemunho. O Papa Francisco em uma de suas mensagens sobre a missionariedade: o cristão é missionário “na medida em que testemunha o amor de Deus”. Mais do que testemunhar a fé ou as convicções religiosas, mais do que ensinar verdades, o missionário evangeliza pelo testemunho do amor misericordioso de Deus.
Nesse sentido, a Iniciação à Vida Cristã, tema central da realidade atual, é considerada importante para a caminhada da Igreja no cumprimento do mandato missionário deixado por Jesus. Esse mandato de Jesus é um chamado de vocação cristã. Todo cristão é convocado para a missão de anunciar Jesus Cristo, de proclamar sua Palavra, de proporcionar o encontro do irmão na fé com Jesus Cristo, pois toda vida humana é “um estar com o Senhor”.
O ‘ser cristão’ carrega consigo o estilo de vida de Jesus, pois a raiz missionária é a nova experiência de Deus que Jesus nos trouxe: Deus é Abba, Pai. Essa é a Boa Notícia que ele anuncia. Sendo Deus Pai, somos todos irmãos. Mas o que se percebia no estilo de vida das pessoas, no tempo de Jesus, bem como a realidade atual, era todo um estilo de vida contrário à vida fraterna que Deus sonhava para seu povo. Tanto a situação social e política como a situação religiosa era a negação do ideal do Reino de Deus.
Diante da situação irregular vislumbrada por Jesus, ele toma a iniciativa de ir proclamar o amor ao Reino, conforme sua experiência de Deus. No Evangelho de Lucas 4, 18-19 pode-se ter em mãos o programa de ação de Jesus:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a Boa Notícia aos pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos, e para proclamar um ano de graça por parte do Senhor”.
Segundo o teólogo, Frei Carlos Mesters, pode-se tirar desse enunciado de Jesus cinco propostas bem concretas:
1. Ser uma boa nova para os muitos pobres e empobrecidos;
2. Trazer a libertação para as pessoas aprisionadas na injusta prisão dos romanos e na falsa prisão da letra que mata (cf. 2Cor 3,6);
3. Eliminar a cegueira tanto dos olhos do corpo provocada pela doença, como dos olhos do espírito provocada pelo “fermento dos fariseus e dos herodianos” (Mc 8,15);
4. Conseguir a liberdade para os que viviam oprimidos pela dureza tanto da lei religiosa como da lei tirânica de Herodes e dos Romanos;
5. Recomeçar a história por meio da proclamação de um novo ano Jubileu.
Essa missão, que Jesus recebeu do Pai, é a mesma que ele comunica aos discípulos e discípulas e a todos nós: “Como o Pai me enviou assim eu envio vocês” (Jo 20,21). No seu tempo, Jesus viveu e ensinou o povo a viver. O seu programa missionário foi o seu modo de vida que ele colocou em prática. Sabedor de que a plataforma de onde se parte para a Missão é a comunidade, e que esta precisa se encontrar em vida nova, vida de fraternidade, Jesus veio ajudar a comunidade ser como o rosto de Deus, transformado em Boa Nova para o povo.
Essa experiência de vida de comunidade como rosto de Deus quem vai nos ajudar a descobrir é a comunidade do Evangelista Marcos que, partindo da experiência de vida de Jesus, ajuda sua comunidade a concretizar a experiência missionária oferecendo a elas sete pontos básicos importantes que orientou a caminhada de sua comunidade e que também pode ser modelo de orientação para os nossos dias.
Seguindo os passos de Jesus, primeiro passo a criar/formar a comunidade. Segundo passo, despertar consciência crítica para em seguida, combater o mal e restaurar a vida para o serviço. Nos passos seguintes somos chamados a permanecer unidos ao Pai pela oração e manter a consciência da missão e reintegrar os marginalizados na convivência humana.
Assim, somos chamados a anunciar o amor, a mergulhar nas profundezas da existência humana, a abrir nossos corações em louvor, por todas as criaturas. Somos chamados a nos deixar angustiar diante de todas as formas de vida ameaçada, encontrando, assim, o sentido mais profundo da busca e propiciando o encontro com Cristo. Encontro que deve renovar-se constantemente pelo testemunho pessoal, pelo anúncio do querigma e pela ação missionária da comunidade.
A fé que recebemos precisa ser transmitida com o anúncio e com o nosso testemunho concreto. Ela é a resposta da revelação de Deus. Por isso, não se trata de estar simplesmente fazendo uma escolha, mas realizando a adesão da experiência de Jesus em nossas vidas. Uma experiência que nos coloca em situação de missionários de Cristo.
Neuza Silveira de Souza
Comissão bíblico-catequética do Regional Leste 2 da CNBB
No capítulo 24 do Evangelho de Jesus Cristo, Lucas, o evangelista, tenta mostrar a passagem da incredulidade à fé. Apresenta-nos, no relato dos discípulos de Emaús, Lc 24,13-35 uma importante orientação pedagógica deixada por Jesus que muito contribui para nossos encontros catequéticos. De fato, nesse encontro com os discípulos de Emaús, Ele nos ensina como se faz catequese.
O relato se enquadra entre outros dois, o anúncio da ressurreição e a aparição aos onze. Os destinatários da mensagem nessas três perícopes se encontram numa situação de não fé: as mulheres estão ‘apavoradas’, os discípulos de Emaús ‘cegos’ e os 12 discípulos ‘incrédulos’. Todos em busca, ou seja, desejosos de encontrar, tocar e ver o corpo de Jesus, não acreditando que esteja simplesmente morto.
A passagem da incredulidade à fé se faz por duas mediações: a memória dos acontecimentos e a Palavra da Escritura, apreendida a partir de uma adequada interpretação. “Passar para a fé requer que a pessoa se liberte do desejo de tocar-ver-encontrar para aceitar a escuta de uma palavra que vem dos anjos ou do próprio Ressuscitado, reconhecida como palavra de Deus”.
Os três relatos da fé no Ressuscitado mostram a iniciação sob o símbolo de ‘um caminho’ que parte de Jerusalém e volta à mesma cidade, lugar da morte de Jesus e de suas aparições, da efusão do Espírito e de reunião comunitária, de onde nasce a Igreja. As mulheres, os discípulos de Emaús e os Onze voltam a Jerusalém convertidos e missionários.
No relato dos discípulos de Emaús Jesus não é visível, mas está vivo. É o ausente que se faz presente em seus sinais: leitura da Palavra, ceia fraterna, fração do pão. Assim, pode-se dizer que cada vez que a comunidade cristã anuncia a morte e ressurreição de Jesus ‘segundo as Escrituras’, converte-se em sinal sacramental de Cristo e mediação da passagem da ‘não fé’ à fé, isto é, do ‘desconhecimento’ ao ‘reconhecimento’, do desconcerto à missão.
Refletindo sobre esse texto nos passos da Leitura Orante, podemos reconstruir o caminho atentos a cada cena, e nos deixando adentrar nessas trilhas que o relato nos apresenta. Somos convidados a também percorrer esse caminho, a partir das nossas realidades e ir em busca do Jesus Cristo das origens dos Evangelhos, para viver bem o cristianismo, hoje.
O Papa Francisco, em uma de suas homilias, nos fala de um cristianismo formal, que nos faz mal porque reduzimos o Evangelho a um fato social, sociológico, e não a uma relação pessoal com Jesus. Ele diz: “Jesus fala a cada um de nós. A pregação de Jesus é para cada um de nós. E nós, muitas vezes, tratamos o cristianismo como se fosse um costume social, uma roupa que vestimos e depois a deixamos de lado”.
Refletindo sobre o caminho de Emaús, pode-se dizer que é um caminho que nos leva a viver o cristianismo realmente, e não formalmente. Precisamos apenas descobrir nesse caminho os passos pedagógicos de Jesus.
Nas nossas práticas e vivências da fé, muitas vezes esquecemos de que, para conhecer a Deus, não se pode começar por Deus. Se alguém quer conhecer a Jesus, inclusive conhecer Jesus como Filho de Deus, se começar por Deus, não vai conhecer Jesus, nem vai descobrir Jesus como Filho de Deus. Assim é importante partir do homem Jesus e a partir daí refletir sobre sua divindade. Nossa tarefa de cristãs e cristãos verdadeiros é recuperar a memória do Jesus histórico, memória essa que foi se apagando no decorrer dos tempos. Recuperar a história de Jesus é reler a história da fé de Jesus, Ele que não se relaciona com seu Pai em uma visão beatífica permanente, mas em uma vida de fé, com toda a obscuridade e risco que isso implica. Uma fé que significa não possessão de Deus e de seu reinado, mas sim ‘busca constante e crente do Reino de Deus’.
Vamos conhecer o relato dos discípulos de Emaús, nos passos da Leitura orante:
Lc 24, 13-24 – Nas primeiras cenas do diálogo dos discípulos é Jesus quem se aproxima e entra no diálogo. Quer saber sobre o que os dois estão conversando e se coloca na escuta. Jesus escuta os dois discípulos que falam da situação que estão vivendo naquele momento: tristeza, desânimo, incompreensão dos últimos acontecimentos. Parte da vida, dos fatos. Eles falam da dor pela perda de um amigo. Jesus fica por dentro da realidade, percebe seus sentimentos e dúvidas. Nessa conversa sobre a vida, Jesus se coloca na escuta dos discípulos.
Lc 24,25-27- “Iluminando com a palavra de Deus”, Jesus ilumina a vida dos discípulos com a Palavra de Deus. É o momento de Julgar, iluminar, confrontar. Julgar é discernir. É importante despertar gosto, amor, intimidade, respeito pela Bíblia. Assim, depois de escutá-los Jesus vai ajuda-los na leitura daquela realidade e com a Palavra de Deus ilumina os acontecimentos da história, especialmente os relacionados com a vida e com a morte. Ao refletir sobre a palavra de Deus, Jesus os leva a compreender e a interpretar de modo diferente os fatos ou a situação vivida por eles. A mensagem central é esta: “Jesus Cristo está vivo”. Este é o segundo passo do encontro catequético de Jesus: escutar a Palavra de Deus para orientar e dar novo sentido a vida.
Lc 24, 28-31 – Oração – Celebrar – Jesus Celebra com os discípulos.
Chegando à encruzilhada do caminho, eles convidam Jesus a ficar para o jantar. Jesus se dá a conhecer ao abençoar e partilhar o pão. O caminhante se revela como Jesus. Revela-se e desaparece no momento em que se manifesta sua identidade. Os discípulos são crentes que devem viver as exigências da fé. Compartilharam o pão e deverão ser testemunhas e missionários. O pão é o sinal de uma entrega, de Cristo e de seus discípulos que se tornará Sacramento da Eucaristia. Este terceiro passo nos reportam à celebração comunitária, à Eucaristia, onde acontece o encontro pessoal com ele e com os outros irmãos e irmãs. É necessário ir conduzindo para o encontro pessoal com Deus. É momento para agradecer, louvar, pedir, comprometer-se com uma vida mais humana, fraterna. Na oração deve-se despertar para a vivência e o compromisso.
LC 24, 32-35 – Compromisso – Agir – Jesus desperta para uma nova atitude de fé e vida. Pelo compromisso se aprende a ligar a fé com a vida em comunidade. Também aprende a dar uma resposta de fé frente á realidade do dia a dia da vida. O compromisso quer despertar para os sinais da presença do Reino de Deus. Passar por essa experiência com o Cristo ressuscitado desperta nos discípulos uma nova atitude de fé e vida. Acontece uma grande transformação na vida deles. Acende-se a luz da fé, da esperança, da coragem, do entusiasmo, do amor. Começam a testemunhar: por palavras, atitudes e gestos, a Boa Notícia de Jesus Cristo – A MISSÃO.
Neuza Silveira de Souza
Comissão bíblico-catequética do Regional Leste 2 da CNBB
A formação dos catequistas é algo precioso que não se pode deixar perder de vista. A catequese de Iniciação à Vida Cristã pode dar grandes passos quando o catequista recebe a formação de catequese iniciática, catecumenal. Faz-se necessário passar pela experiência catecumenal e mistagógica.
A Iniciação Cristã apresenta características que ajuda no processo iniciático da transmissão da fé, um dos maiores desafios de hoje nas pastorais, sobretudo se entende a fé como experiência fundante que gera entrega, conversão, sentido existencial, projeto de vida. A Igreja de hoje vê o catecumenato como um caminho a percorrer, com as devidas adaptações, para responder aos atuais desafios da transmissão da fé.
A mistagogia, tema central da Iniciação cristã, traz consigo característica maior do paradigma da iniciação cristã catecumenal. É ela que inicia a pessoa catequizanda e catequizadora no entendimento do mistério da fé que o transformou a partir das catequeses iniciáticas, pois o entendimento se dá junto à prática, ou seja, nas vivências experiências. E aqui há um fato curioso a ser observado, porque muitas vezes alguém participa de um encontro e passa pelas experiências, mas não se permite transformar e levar as novidades da Boa-Notícia para o cotidiano da vida.
Pode-se ver nas orientações da Igreja que se encontram apresentadas no documento 107 que a vivência da mistagogia se dá numa progressiva introdução no mistério Pascal de Cristo, deixando-se envolver num processo itinerante de imersão nas celebrações litúrgicas e no aprofundamento bíblico-teológico dos sacramentos da Iniciação. Um itinerário que para caminhar por ele tem-se que ir experimentando todo o sabor e beleza dos símbolos, ritos, celebrações de modo pessoal, comunitário e social.
Ao fazer a experiência de vida envolvida no mistério de Cristo e descobrir novos valores dados pelo anúncio da fé, e se deixar interiorizar por esses valores, fazê-los seus, sendo capaz de deixar que eles resignifiquem sua vida, então essa pessoa se torna o protagonista da história.
Vamos pensar um pouco sobre a história do encontro de Jesus com a Samaritana. O documento 107 da CNBB apresenta esse ícone bíblico “Jesus e a Samaritana” com o objetivo de ajudar nas reflexões e dar passos no caminho da ação evangelizadora.
Nesse caminho percorrido por Jesus e a Samaritana desde o encontro pessoal no poço de Jacó até a saída de Jesus da Samaria, depois de ter passado um tempo com eles, muitas coisas aconteceram. Simbolicamente podemos dizer que também nossos encontros de catequeses mistagógicas podem fazer esse mesmo itinerário e pelos caminhos muitas coisas tais como: entendimento da fé, anuncio da Boa-Nova, entusiasmo, conversão, mudança de vida, novo agir, novo jeito de pensar e viver, novas relações comunitárias e sociais, etc.
Para nos ajudar ainda mais, temos na Bíblia outros encontros realizados por Jesus que favorecem a compreensão na construção de nossos próprios itinerários: o documento 107 cita o encontro de Jesus com os discípulos de Emaús (Lc 2413-35); o encontro com Zaqueu (Lu 19,1-10); o caminhar juntos e gastar um tempo com aqueles do primeiro chamado (Mc 1,16-20), encontros esses que foram se dando no caminho iniciático da fé.
Dentre tantas experiências de encontros apresentados na Bíblia, gostaria de partilhar com vocês um encontro muito fecundo para nós catequistas, que é o encontro de Jonas com Deus.
Em que esse encontro pode ajudar em nossas catequeses e formação?
O Encontro de Jonas ajuda-nos a repensar a saída de nós mesmo para irmos ao encontro do outro e fazer a experiência de estar juntos, vivenciando juntos e se colocando na escuta da mensagem que o Senhor quer que seja transmitida. Isto quer dizer que não falamos em nosso, nem de acordo com nossas crenças, mas a partir da Igreja, em nome da Igreja, fazendo bom uso do discernimento.
Pode-se perguntar: quem é Jonas? Ele é um evangelizador missionário convocado por Deus para ir evangelizar Nínive, uma grande cidade, capital do Império Assírio, grande para Deus que amava seus habitantes. Jonas foi levar a mensagem de Deus: dizer àquele povo que Nínive seria destruída por causa das tamanhas maldades ali praticadas
Jonas seria o instrumento para a salvação do povo no projeto de Deus. Tinha que levar ao povo a mensagem que Deus lhe dizia. Acontece que Jonas faz a opção de fugir da ordem de Deus, se esconder na cidade de Társis, desejando ir para longe da face do Senhor. Sentia que o que Deus lhe pedia não era ajusto para aquele povo que foi terrível para com o próprio Deus. Vimos aqui que Deus tem compaixão de Nínive, mas Jonas não que quer entender. Faz seu próprio julgamento. Jonas se preocupa mais com ele mesmo do que com a grande cidade e todos os seus habitantes. Jonas conhece Deus sem entendê-lo. Pensa ser possível fugir de Deus.
A história vai se desenvolvendo e na ação de Deus sobre a tempestade no Mar, a ação dos marinheiros ao tentar proteger a todos, jogando seus pertences ao mar, remando fortemente contra a maré na tentativa de chegar a terra e, ainda, rogando ao Deus de Jonas, mesmo sem nele crer, nada foi possível fazer. Isto porque a iniciativa é sempre de Deus e Jonas, afinal, acabou sendo jogado ao mar e engolido pela Baleia.
Na experiência de se sentir naufragando no fundo do mar, chegar até o xeol, ele se arrepende de sua decisão, clama por Deus e este o possibilita chegar até à grande nação a ser evangelizada. O seu arrependimento provoca a ação de Deus, mas não o livra de sua missão de evangelizar Nínive. Essa história, muitas vezes, remete o leitor à sua própria realidade e mostra que o arrependimento não é uma escapatória, pois a ação dos homens tem consequências e todos são chamados a ter o olhar atento a elas, pois as ações afetam tanto as pessoas que as praticam quanto as que recebem. No caso de Jonas, ele se arrependeu, foi até Nínive e profetizou anunciando a mensagem que Deus lhe disse. Os homens de Nínive creram em Deus, convocaram um Jejum e vestiram-se de panos de sacos. Deus gostou das ações do povo de Nínive e também se arrependeu de sua ira. Vendo que todos tinham se convertido Deus não realizou a ameaça proposta.
Esta ação de Deus não agradou a Jonas, pois em seu julgamento pessoal e, não sendo capaz de perceber a extensão do arrependimento dos homens de Nínive, percepção essa somente possível por Deus, Jonas se revolta contra Deus.
Foi preciso mais um agir de Deus. Levar Jonas a mais uma experiência pessoal para que ele pudesse compreender o amor misericordioso de Deus. A ele foi dado uma mamoneira para lhe fazer sombra, e logo em seguida, depois de um tempo que ele saboreou o bem-estar da sombra, Deus a tirou dele. Jonas não entendeu e foi reclamar a Deus porque destruir a mamoneira. Ele estava até gostando dela porque lhe fazia sombra.
Nessa experiência de receber de graça a mamoneira para lhe fazer o bem, sem nada lhe custar, Deus leva Jonas a entender como os Ninivitas o agradaram se arrependendo do mal que causavam a ele.
Com essa história pode-se traçar um itinerário iniciático de formação mistagógica que nos faz perceber que é no caminho, na vivência das experiências uns com os outros, nas dificuldades encontradas pelas estradas da vida que o catequista cresce e se percebe instrumento de Deus para levar ao outro a mensagem que ele pediu, ajudando aos outros a compreenderem o mistério da nossa fé e se transformar no seu agir. Isso acontece ao mesmo tempo em que também quem evangeliza se transforma aprendendo com as ações transformadoras dos outros. E todos fazem o caminho mistagógico de se adentrar mistério de Deus e se deixar conduzir por ele.
Neuza Silveira de Souza
Comissão bíblico-catequética do Regional Leste 2 da CNBB
Batizar significa identificar-se com a causa de Jesus. É preciso crer, pois o batismo sem fé (pessoal, quando é o próprio adulto que procura a Igreja e pede o batismo, ou dos pais, no caso do batismo da criança) é um banho de água inexpressivo. Da mesma forma, a fé sem o batismo é uma fé sem expressão.
A fé e o batismo estão intimamente ligados, são dons de Deus aceitos por aquele que crê. Ao ser batizado a pessoa constitui-se membro da comunidade cristã, pois o cristão não se faz sozinho, isolado, mas juntos na vivência com a comunidade e nas trocas de experiências.
Em alguns textos do livro de Atos dos Apóstolos encontramos algumas narrativas que nos ajuda a descobrir um possível esquema de iniciação. Podemos observar as narrações sobre três personagens bíblicos que tem como objetivo descrever o acesso à fé e à conversão: temos o texto sobre o etíope eunuco (um pagão não romano), Saulo (um Judeu) e Cornélio (um pagão romano).
Lê-se em At 8,26-40 o batismo do etíope eunuco que representa o pagão estéril. Retornando de uma viagem feita a Jerusalém, sentado em sua carruagem, lia as escrituras, (o texto bíblico faz referencia á leitura das profecias de Isaias) e percebia não entender bem o que se lia. Quem é o eunuco? O texto diz ser um estrangeiro, ministro das finanças da Rainha. Um homem, portanto, culto, simpatizante da religião judaica, embora não circuncidado, pode-se dizer, um ‘temente a Deus’, talvez um prosélito, aberto à fé que se esforça em conhecer as Escrituras. Talvez, em Jerusalém, tenha conseguido um pergaminho copiado com o texto de Isaias. Vai lendo em voz alta, como era costume, até que se inventou a leitura mental.
Felipe aparece no caminho do eunuco. Podemos imaginar um missionário itinerante que sai em busca de novas pessoas para evangelizar. Ele é um missionário entre os samaritanos, em oposição a Simão, um mago que fazia comércio com o religioso, apesar de estar batizado. Por uma ordem superior, Felipe, neste dia, escolheu uma estrada pouco movimentada, que une a capital com a cidade costeira de gaza (cerca de 100 Km) e ali vê o eunuco que passa em sua carruagem. Felipe reconhece de ouvido o texto lido pelo eunuco, que lia em voz alta, e se aproxima da carruagem. Pode-se dizer que aqui começa o processo de iniciação em suas várias etapas.
1º Passo – o eunuco pede para ser guiado, orientado sobre o que está lendo – Etapa pré-catecumenal. O estrangeiro compreende o sentido material do texto escrito, apresentado como um paradoxo inaudito, mas não sabe identificar o personagem de quem se fala. Neste caso, identifica-lo é compreender o texto, a personagem é tão surpreendente que, com o que aprendeu com os doutores judeus ao participar do culto, não consegue ‘entender o que lê’. Ao pedir a Felipe para explicar, este verbo na língua grega quer dizer, guiar, encaminhar. O eunuco sentia falta de algo mais. Via que não bastava somente fazer a peregrinação até ao templo de Jerusalém. Felipe lhe anuncia a Boa-Nova de Jesus, ou seja, oferece ao eunuco um encontro de catequese, falando sobre a páscoa de Jesus, sua morte e ressurreição. Dá a ele o querígma, chave de compreensão das Escrituras.
2º Passo – Felipe o catequiza sobre o Reino, o dom do Espírito e o batismo, O eunuco continua seu caminho, mas ao descobrir uma fonte pelo caminho, pede para ser batizado. Pergunta-se a si mesmo: o que me impede de ser batizado? O fato de ser estrangeiro? Ser eunuco? Morar em uma casa real? Na pergunta estão subentendidas as dúvidas e incertezas das primeiras comunidades sobre quem poderia ser batizado. O texto, em Lucas, nos diz que o gesto de Felipe é coisa de Deus, do seu Espírito. Esta é a etapa do aprofundamento, a catequese de iniciação central. Assim também são nossos gestos e ações catequéticas: coisas de Deus.
3º Passo – Felipe e o eunuco submergem na água para significar que o batismo é ruptura com o passado e entrada numa nova vida. É a hora da celebração sacramental. Experimentar e viver o mistério mistagógico.
Logo depois de batizado, o eunuco percebe a ausência de Felipe que, em seguida desaparece, como desapareceu Cristo na ceia com os discípulos de Emaús, para manifestar que o Senhor está presente nos sinais sacramentais. O eunuco segue o ‘caminho’ cristão com alegria, e o evangelizador, Felipe, continua seu trabalho de evangelizar, levar a Boa-Nova do Espírito a outras pessoas.
Como sugestão, leia as outras passagens nos textos sobre a conversão e batismo do Judeu Saulo e do centurião Cornélio descobrindo nas leituras os passos da Iniciação Cristã. Destas compreensões dos Evangelhos brota a catequese de estilo catecumenal na Igreja do século III e chega ao auge no século IV, quando do reconhecimento do cristianismo como religião oficial do Império.
Percebe-se que a Igreja que evangeliza naquele tempo é uma Igreja aberta a todos, aos pagãos, com os quais se manifesta o universalismo da primeira comunidade cristã. Desde o tempo de Jesus e de seu Batismo por João, está o princípio de um rito de iniciação cristã, gesto de incorporação ao povo da nova aliança e símbolo do perdão de Deus.
Hoje, Pós Vaticano Segundo, a Igreja nos convida, ou nos convoca para retornar a esse tempo fértil da Igreja e buscar elementos que nos possibilite a trabalhar nossas catequeses inspirada nesse modelo catecumenal.
Neuza Silveira de Souza
Comissão para animação Bíblico-Catequética do Leste 2
De acordo com vários teólogos que estudam e interpretam as atividades práticas sobre o batismo, tendo como base as experiências das primeiras comunidades e o contexto histórico do tempo de Jesus, pode-se dizer que bem antes do tempo de Jesus já havia um batismo que caracterizava a iniciação de uma pessoa ao judaísmo. Os pagãos convertidos ao judaísmo eram introduzidos na sinagoga mediante um rito. Havia os chamados ‘temente a Deus’ (aqueles que renunciavam ao politeísmo e desejavam fazer parte do judaísmo com todos os direitos e deveres), bem como os prosélitos (aqueles que aceitavam a circuncisão e podiam comer a páscoa). Os ‘tementes a Deus não eram circuncidados, mas participavam do rito de iniciação.
Havia purificações rituais previstas pela lei judaica que explicava o banho dos prosélitos. (prosélitos eram aqueles que aceitavam a circuncisão e podiam comer a páscoa). O batismo deles, como imersão total, ocorria oito dias da circuncisão como incorporação à comunidade israelita e como perdão dos pecados ou libertação de toda impureza pagã. Nesse rito do batismo estava implícita a aceitação da fé e da lei judaica. Para as mulheres convertidas ao judaísmo havia o banho como rito, mas não havia circuncisão.
A maneira pela qual se confirmava a verdadeira conversão dos prosélitos na fé e no amor verdadeiro a Deus, como verdadeira adesão pessoal ao judaísmo, era através das condições impostas para sua admissão.
- Havia um exame ou julgamento para a admissão: diante de três pessoas ou testemunhas que, dialogando com eles, indagavam sobre os motivos da conversão. E, ao mesmo tempo, eles eram advertidos sobre as perseguições que aconteciam aos judeus.
- Após essa aceitação dos mesmos como membros da fé judaica, iniciava-se um período de instrução catequética, por um tempo determinado, para conhecer os mandamentos, a caridade, os castigos e o mundo futuro.
- Após a catequese acontecia os ritos: circuncisão, banho e oferecimento de um sacrifício. Essa oferta do sacrifício permaneceu até o tempo da destruição do Templo de Jerusalém, por volta dos anos 70 d.C. Dentre esses ritos, o banho era essencial.
Esse banho dos prosélitos que teve início um pouco antes do tempo de Jesus permaneceu em uso no início da era cristã quando os primeiros discípulos começaram a estruturar a Igreja e os discípulos cristãos das primeiras comunidades viveu essa experiência, principalmente quando todos se encontravam na Diáspora, submetidos às leis restritivas imperiais e da dispersão dos crentes entre os pagãos. (Diáspora são as cidades que se encontravam fora de Israel).
No início do cristianismo primitivo, as primeiras comunidades cristãs também sofreram influência das comunidades de Qumrãn, com a grande conversão dos povos essênios ao cristianismo. Depois da destruição do Templo. Os essênios convertidos levaram suas experiências de práticas batismais paras as comunidades cristãs. Era um conjunto de práticas correspondentes a cada etapa da iniciação das pessoas nas regras da comunidade.
1ª etapa – um trabalho para a conversão, uma mudança de vida que implicava, de um lado, numa tomada de consciência do mal cometido e, de outro lado, supunha uma iluminação divina.
2ª etapa – Para o ingresso na comunidade necessitava de uma caminhada junto com a mesma, e só depois de um ano da admissão, se aprovada, seria incluída como membro de pertença à comunidade. Nesse período de um ano acontecia uma série de etapas: um responsável examinava minuciosamente as aptidões dos candidatos e sua capacidade de viver as regras da comunidade. A decisão para a pertença, no final do tempo era dada pela comunidade que poderia aceitar ou recusar o candidato.
3ª etapa – Se o candidato fosse admitido ele então entraria para uma nova etapa de dois anos de durabilidade, durante os quais participava nos banhos, mas não na refeição comunitária do meio dia. No final desse tempo eles tinham a admissão plena.
Esse tipo de catecumenato oferecia um tempo de aprendizagem prática da fé e de conhecimento das normas de vida na comunidade.
Podemos observar através dessa prática de fé cristã exercida pelos discípulos de Jesus, que o cristianismo caminhou por muito tempo sobre a influência do judaísmo nas comunidades cristãs, pois estas nasceram num contexto religioso que praticava banhos rituais. É só observar as experiências de vida da comunidade cristã primitiva narrada nos Atos dos Apóstolos, em seus capítulos de 3 a 15. Com todo esse desenvolvimento das catequeses iniciais que eram oferecidas para se ingressar nas comunidades cristãs, pode-se dizer que o batismo, porta de entrada para a vida cristã, não é um rito novo, mas um banho recebido da prática judaica, porém reformado e atualizado pela pessoa de Jesus Cristo e sua promessa.
As práticas batismais dos primeiros cristãos estão bem próximas do batismo de João Batista. Ele proclamou e praticou um batismo em sinal de conversão, para o perdão dos pecados (Mt 1,4; Lc 3,3). Batizar para João Batista equivale a ‘ser submerso’ ou morrer, ou seja, um batismo que levava a um arrependimento e conversão, uma saída de um mundo de injustiça para um mundo de justiça e compromisso com a vida. Nesse sentido o batismo de João Batista é original. É uma imersão única e irrepetivel. É gesto profético de conversão e perdão, cujo valor se tem à fé do batizado na palavra recebida de Deus através de seu servo. É um gesto escatológico na espera de um juízo de Deus.
A conversão e o perdão proclamados por João Batista são dons escatológicos de Deus e ao mesmo tempo, são exigências para o homem. Sabemos que Jesus foi batizado por João (Mc 1,9), mas com uma diferença porque não confessou seus pecados nem teve que converter-se (Jo 1,5), mas tomou consciência de sua missão na sociedade injusta de seu tempo. Era necessário transformá-la para tornar visível o reinado de Deus.
O Batismo Cristão
O batismo cristão supera o banho judaico. Vai além do batismo de João Batista. Com o batismo cristão se entra no âmbito escatológico do reino que vem. Nos ensinamentos de Jesus, ou seja, em sua mensagem proclamada está a proximidade do reino de Deus e na exigência da conversão Jesus está a afirmação da sua própria obra soberana. Com Palavras e gestos Jesus perdoa os pecados, um perdão que se funda na misericórdia de Deus e sua conversão proclamada se refere ao reino de Deus e ao Deus do reino. Jesus é o próprio sacramento fontal. Com sua morte Deus nos concede seu Espírito para que nós continuemos a Obra de Jesus: Batizados, somos chamados ao compromisso de acabar com as injustiças e construir uma sociedade justa. Nesse sentido, o batismo cristão não aparece como um rito de iniciação orientado para a salvação, mas representa um selo sacramental perante o juízo vindouro, pois ele é obra do Espírito de Cristo, em cujo nome é celebrado, ao mesmo tempo em que entra na comunidade dos que creem no ressuscitado. Pode-se dizer que batizar significa identificar-se com a causa de Jesus, implica numa conversão aos valores do reino de Deus e num compromisso de vida.
Neuza Silveira de Souza
Comissão Bíblico catequética do Regional Leste 2
A Bíblia é a primeira fonte da catequese. O Diretório Nacional de Catequese coloca a Bíblia como fonte principal, e como conteúdo da mensagem catequética, a pessoa de Jesus Cristo. E a catequese, procurando concentrar naquilo que é comum para os cristãos, exerce as tarefas de iniciação, instrução e educação, respeitando o ritmo de crescimento de cada um e as etapas de amadurecimento da fé. O crescimento e amadurecimento da fé provêm de uma boa formação catequética.
A Palavra de Deus é a base para a oração
Conhecer a Bíblia implica coloca-la na vida. Nós católicos, rezamos, mas nem sempre oramos. Na catequese, muitas vezes se ensina mais a rezar (recitar orações) do que orar como resposta a Deus que se comunica conosco. A catequese introduz, inicia na escuta e na acolhida da Palavra e provoca em nós uma resposta.
A leitura da Bíblia como forma de oração é o modo mais básico e espontâneo do contato com a Bíblia. O leitor percorre a Sagrada Escritura tendo em vista o diálogo com Deus. Há vários esquemas de leitura orante, entre os quais destacamos como proposta a Leitura Orante, uma prática de oração com quatro momentos: leitura, meditação, oração e contemplação, como um momento de reflexão que muito contribui para um encontro pessoal com Deus e para transformar a Palavra em vida. Nesse sentido, a oração nos leva para um quinto momento que é a ação, ou seja, o agir cristão. Colocar a Palavra na vida.
A Palavra de Deus está presente na catequese
A Palavra de Deus se encontra um pouco mais elaborada na leitura da Bíblia na catequese e na doutrinação. Ela quando bem trabalhada na catequese e bem vivenciada na vida, desperta no coração o desejo de Deus, sua busca e contemplação. Ela tem suas raízes na revelação cristã. Assim, a catequese deve tomar como modelo a pedagogia de Jesus, seu jeito simples de ser e viver. Um agir que nos convida a nos colocarmos no seu seguimento e a nos empenharmos na comunidade como discípulos e discípulas missionários, ou seja, constituir pertença na vida comunitária. Quando se trabalha a catequese com as pessoas adultas elas serão constituídas discípulos missionários de Cristo que ajudarão a levar o anúncio a todas as nações em cumprimento à ordem do Cristo Ressuscitado: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos… ensinando-os a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,19-20). A leitura da Bíblia, na catequese, exige um conhecimento relativamente sólido e profundo da chamada ‘história da salvação’, dos dogmas e da moral, a fim de que a experiência do povo da Bíblia possa ser constantemente atualizada. A Bíblia leva ao encontro com Jesus vivo na sua comunidade. Ela nos faz arder o coração, nos leva ao Pai e aos irmãos e, por seu Espírito, nos envia em missão.
A Palavra de Deus está presente na Liturgia
A leitura da Bíblia usada na liturgia e na pregação estabelece o vínculo entre vários textos que falam do mesmo tipo de presença e de ação de Deus na história humana. Essa leitura também leva o leitor e o ouvinte a um compromisso de vida. Ajuda a nos introduzir no Mistério Pascal.
A liturgia requer da catequese um trabalho pedagógico de iniciação gradativa para que seja celebrada. Ela é ação sagrada por excelência, cume para qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, fonte da qual deriva sua força e requer uma participação plena, consciente e ativa. Assim, na catequese, o uso apropriado dos recursos tais como: símbolos, figuras, objetos, animações, encenações, audiovisuais e momentos de oração contribuem para o cultivo da fé, as vivências e experiências na vida da comunidade.
Estas três formas de leitura na Bíblia: em forma de oração, na liturgia e na catequese forma a chamada ‘leitura pastoral da bíblia’.
Outras formas de leitura da Bíblia, de forma mais elaborada, seria a teologia que leva a uma reflexão sistemática e abrangente sobre os conteúdos da fé e a exegese que propõe uma leitura analítica para compreender o texto bíblico em si mesmo.
Para nós leigos, ao fazermos uma leitura Bíblica, se faz necessário estar atentos a alguns passos para a melhor compreensão do texto. Citamos alguns exemplos.
Prestando atenção a algumas dicas de autores biblistas, eles nos oferecem ‘dicas’ de boas leituras para quem não conhece as línguas originais da Bíblia. Existe um bom método de leitura que ajuda a ler e a estudar o texto bíblico mais profundamente. Bom seria sempre fazer a leitura do texto consultando mais de uma tradução e prestar atenção nas diferenças entre elas. Também ler o texto em uma Bíblia que contém boas notas de rodapé e referencias a textos paralelos. As notas de rodapé oferecem informações de grande utilidade para se compreender o texto e o ambiente histórico e social que ele descreve. As referências a textos paralelos remetem o leitor a passagens bíblicas que, de várias maneiras, esclarecem o texto que se está lendo.
Outra orientação é observar ao redor do texto que se está lendo, onde ele se encontra situado. Isto é, ler um pouco acima do texto, e um pouco abaixo do mesmo; olhar o título próximo ao texto e a que grupo de temas ele pertence. Esse método ajuda a situar o texto no seu contexto.
Aproveitando este mês de setembro que, dentro do Ano litúrgico é considerado o mês da Bíblia e vamos dedicar um pouco mais a esses cuidados com a leitura da Bíblia. Cada uma das formas de ler a Palavra de Deus é válida. A Palavra de Deus sempre escapa aos esquemas humanos. Sua leitura vem sempre iluminada com a luz do Espírito Santo que nos ajuda oferecendo o Dom entendimento. A Palavra nos inicia no Mistério da vida do Cristo.
Neuza Silveira de Souza
Comissão Bíblico catequética do Regional Leste 2
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