O teólogo alegra-se com a escolha do nome do Papa. Cada nome de algum Papa do passado carrega o peso da história do antecessor. O nome Francisco rompe com tal tradição. Gesto original, simbólico. Sem especificação, o pensamento dirige-se primeiro ao santo de Assis. Lá o novo Papa busca inspiração para a vida de pontífice, confirmando teor de vida simples que já vinha levando como bispo e cardeal de Buenos Aires.
Esse nome faz-nos esperar que ele cumprirá a missão de fazer a Igreja Católica mais parecida com o santo de Assis que, por sua vez, na simplicidade e pobreza, seguia a Jesus Cristo, o pobre de Nazaré. Na linha da simplicidade e pobreza pessoal de vida, ele exprime desejo de renovação na Igreja. Mais:esse teor de vida o aproximou dos pobres em Buenos Aires. Aquilo que começou lá como arcebispo tem, agora, chance de prosseguir em nível amplo de toda a Igreja. A proximidade com os pobres possui força enorme de conversão. João XXIII sonhou que o Concílio Vaticano II encarrilhasse a Igreja na direção dos pobres. E conseguiu.
Agora surgiu a ocasião do Papa Francisco realizar os desejos de João XXIII. Não passou despercebido outro gesto simbólico no momento em que apareceu diante da multidão na Praça de São Pedro. Inclinou-se, pediu que rezassem por ele e que o abençoassem. E só depois ele mesmo abençoou o povo. A primeira bênção que recebeu veio da multidão dos fiéis, que em noite de chuva, ali esperava para vê-lo e saudá-lo.
Os gestos simbólicos lançaram luzes de esperança. E no momento do início de pontificado, não cabe vasculhar o passado atrás de sombras e deitá-las sobre a imagem do Papa, mas antes acreditar na confissão de amor, como no caso do primeiro Papa Pedro.
Certamente soa no coração de Francisco a frase do apóstolo: "Senhor, tu sabes que eu te amo!" Esse amor por Jesus histórico no seguimento, cerne da espiritualidade inaciana, marcou-o desde o noviciado. Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio faz girar a vida espiritual em torno do seguimento de Jesus. Isso ele terá assimilado nos longos anos que viveu na Companhia de Jesus, antes de ser nomeado bispo e depois cardeal arcebispo de Buenos Aires.
Havia no ar o desejo de que viesse alguém de cunho profundamente pastoral, depois de termos tido um Papa teólogo, intelectual, acadêmico de Universidade alemã com rigor de pensamento. E o fato de ter vivido na Argentina dos dias de hoje ter-lhe-á proporcionado a experiência de ver como um país, que antes vivia uma realidade estilo classe média, decai grandemente e gera massas de pobres a amontoarem-se nas periferias por obra do sistema capitalista neoliberal.
Conheceu de perto a triste figura das grandes cidades latino-americanas e assim adquiriu conhecimento e compreensão do mundo dos pobres. Falar-se-á dele não por informação acadêmica, mas a partir da experiência vivida no cotidiano. Não lhe cabem adjetivos de conservador ou de tradicional. Vale mais dizer que lhe habitam o coração vivências que o aproximam dos pobres. E daí refletirão luzes e força pela presença do Espírito, para ajudar a Igreja no caminho em direção aos pobres.
Pe. João Batista Libânio sj
É jesuíta, Teólogo e professor da Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (FAJE)
(texto publicado em Opinião e Notícias-Arquidiocese de BH)
Imagem: site do Vaticano 2020
Equipe do site
18.03.2013
A frase não é novidade: “o poder é solitário”. Eu acrescento: quanto mais poder mais solidão. E o poder absoluto, então, conduz à solidão absoluta. Talvez por isso Deus, por ser amor, mais que poder, quis ser três, para não ser solidão. É o sentimento que me vêm ao coração diante da notícia da renúncia de Bento XVI.
A mídia, pega no pulo (de carnaval) rapidamente nos abasteceu de algumas informações e muita especulação. Sabemos, agora, que a renúncia papal é acontecimento raro na vida da Igreja, que a última foi há 600 anos. Sabemos como vai ser o conclave para a eleição do novo papa, quem vai participar e até os favoritos para vencer.
Especula-se sobre as razões de Bento XVI. O comunicado lido por ele numa reunião com bispos é sucinto:
"Caríssimos irmãos,
Convoquei-vos para este Consistório não só por causa das três canonizações, mas também para vos comunicar uma decisão de grande importância para a vida da Igreja. Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando.
Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro, que me foi confiado pela mão dos Cardeais em 19 de Abril de 2005, pelo que, a partir de 28 de Fevereiro de 2013, às 20 horas, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice.
Caríssimos Irmãos, verdadeiramente de coração, vos agradeço por todo o amor e a fadiga com que carregastes comigo o peso do meu ministério, e peço perdão por todos os meus defeitos. Agora confiemos a Santa Igreja à solicitude do seu Pastor Supremo, Nosso Senhor Jesus Cristo, e peçamos a Maria, sua Mãe Santíssima, que assista, com a sua bondade materna, os Padres Cardeais na eleição do novo Sumo Pontífice. Pelo que me diz respeito, nomeadamente no futuro, quero servir de todo o coração, com uma vida consagrada à oração, a Santa Igreja de Deus.
Vaticano, 10 de Fevereiro de 2013.
BENEDICTUS PP XVI".
Tento rezar, para além das palavras que sublinhei, do cargo e dos títulos, os sentimentos de Joseph Ratzinger.
Revejo a história do jovem que em meio ao terror nazista que assolava a sua Alemanha, escolheu ser padre. Num país vizinho, que seria um dos maiores alvos de Hitler e seus asseclas, a Polônia, outro jovem, Karol Wojtyla, na mesma época, fazia o mesmo caminho.
Anos mais tarde a vida dos dois, que o horror da guerra poderia ter transformado em inimigos, em carrasco e vítima, se entrelaçaria de forma definitiva. O jovem polaco se viu papa e transformou o alemão em um de seus mais destacados assessores. Morto João Paulo II, o cardeal Ratzinger o sucede no trono de Pedro. Ambos experimentam imensa solidão...
Penso comigo; para além do que me informa a mídia, o que sei de Joseph Ratzinger? Conversei com amigos que o conheceram pessoalmente, antes mesmo de ser bispo. Falaram-me de um homem decente, um intelectual respeitado, um servo dedicado à sua Igreja. Culto, gentil, educado, tímido, mas firme em suas ideias e convicções. De repente, seu nome está associado a crimes hediondos; teria sido nazista, acobertou padres pedófilos, puniu pensadores que queriam mais abertura na Igreja. Na geleia geral midiática, não se sabe em que labirinto da mentira pode haver uma fresta para se enxergar vislumbres de verdade.
Mas imagino que, ao redor de Bento, as intrigas do poder deixavam pouco espaço para o Espírito soprar. Mas Ele, teimoso, providente, sopra, onde e como quer...
Não sei as razões de Bento XVI, mas imagino o sofrimento de Joseph Ratzinger. Por dez anos fui mero diretor de uma escola e pude experimentar as contradições do poder, mesmo em situação e espaço tão limitados. Imagine ser líder espiritual de mais de um bilhão de pessoas no mundo inteiro...
Agora, passado o carnaval, a mídia poderá se debruçar sobre o espetáculo raro da escolha de um Papa. Teremos, com certeza, uma Quaresma espetacular. Especialistas vão opinar, especular, o público dará seus palpites. Os únicos que ficarão alheios a tudo serão os heróis confinados do Big Brother Brasil.
Joseph Ratzinger estará confinado ao seu silêncio, mas ao revelar sua fragilidade em praça pública o papa Bento quebrou um pouco da sua imensa solidão. Até seus críticos mais ferozes ficaram, talvez, surpresos. Como alguém pode abrir mão, assim, de tanto poder?
Quem sabe, um sopro do Espírito, nas entrelinhas das palavras de Bento, a sussurrar em nossos ouvidos, a nos chamar, cada vez mais, a ser uma Igreja mais povo e menos poder, mais mística e menos dogmática, mais fraterna e menos hierárquica, mais comunhão e menos solidão. Quem sabe...
Hoje, eu que sou um católico que tenta todos os dias, cada vez mais, se converter ao cristianismo, rezo com Joseph Ratzinger, agora que Bento XVI é quase apenas História.
Eduardo Machado
(crônica publicada no blog de Eduardo Machado em 12.02.2013)
imagem: pexels.com
Cristão é quem crê que Jesus é o Cristo
O que caracteriza o cristão é que ele acredita em Jesus de Nazaré como sendo o Cristo (em hebraico, Messias, em português, Ungido). A isso, ele deve seu nome de cristão. Mas essa ligação entre o “ser cristão” e Cristo não é tão evidente quanto se poderia esperar. Num programa de tevê com entrevistas na rua foi feita a pergunta: “Que é, para você, ser cristão?” Apenas uma das pessoas entrevistadas mencionou Jesus Cristo em sua resposta. Todas as outras falaram em coisas gerais: ter fé, fazer o bem, ajudar as pessoas... Houve até quem respondesse ao que não foi perguntado, mas que estava presente em sua cabeça: “Todas as religiões são boas”...
Ser cristão implica fundamentalmente a fé naquele que é chamado o Cristo, ou Messias: Jesus de Nazaré. Sem a fé no Cristo, ninguém pode ser chamado cristão. Porém, é preciso considerar o que significa Cristo ou Messias na mentalidade do povo de Jesus, o que o povo entendia por “esperar o Messias”. E depois deve-se ver em que sentido esse conceito foi aplicado a Jesus de Nazaré por aqueles que são chamados de “cristãos” e o que isso significa para a compreensão do ser humano.
O que significa crer em Jesus de Nazaré como sendo o Messias ou Cristo torna-se compreensível quando se conhece a tradição transmitida de geração em geração no povo do qual ele nasceu e que se encontra “na Lei e nos Profetas”, ou seja, nas Escrituras. Estas veem o ser humano como coroação da obra criadora de Deus, mas também como ameaçado e ferido pelo pecado, pelo orgulho que se opõe ao plano de Deus. Contudo, Deus conduz a humanidade à reconciliação e à paz, especialmente por seus “eleitos”: Noé, Abraão, Jacó-Israel e o povo de Israel, conduzido por Moisés.
Nesse desígnio de Deus, nesta “Aliança”, o servo de Deus e Ungido por excelência era Davi. Pela boca do profeta Natã, Deus lhe prometeu uma realeza que duraria para sempre. Por isso, quando a casa de Davi desapareceu no tempo do exílio babilônico, surgiu a expectativa de um novo Ungido.
Os cristãos são, então, os que crêem que Jesus de Nazaré foi aquele que, na terminologia do povo judeu, era chamado o Ungido (Messias, Cristo). Mas não o foi no modo como o povo o imaginava. Jesus, depois de participar do movimento de renovação lançado por João Batista, se pôs a anunciar a proximidade do Reino de Deus, entendido como a realização da vontade amorosa do Pai, que ele mesmo experimentou de maneira única. À luz dessa sua experiência, ele reinterpretava a Lei e os Profetas. Ensinava que o Messias não era um potentado, mas o Filho do Homem que veio não para ser servido, mas para servir e dar sua vida. Fiel até o fim à sua palavra e àqueles a quem a transmitiu, não recuou diante das ameaças que os poderosos lhe destinavam. Morreu na cruz como um criminoso. Mas, ressuscitando-o dos mortos, Deus mostrou que Jesus havia agido segundo sua vontade e é, sempre e de modo único, o seu “Filho”.
Jesus não foi o Messias do modo como o povo o esperava; ele foi o Messias inesperado. E ele é para sempre o Homem Novo, Adão passado a limpo, no qual a humanidade é reconciliada com Deus, o Pai.
A comunidade de Jesus: a história e a vida
Para que conservassem sua palavra e sua prática, Jesus chamou seus seguidores a formar comunidade: a Igreja. Enquanto animada pelo espírito de Jesus, ela se configurou como comunidade de amor fraterno e solidariedade material.
Para compreender uma instituição pode-se descrever como ela se desenvolveu desde suas origens até hoje. Olhando para história da Igreja, vemos a diferença entre o padrão fundamental e permanente da comunidade cristã e as formas circunstanciais que ela revestiu historicamente, especialmente na assim chamada “Cristandade” medieval e moderna, que está indo para o fim, sem que isso signifique o fim da comunidade cristã.
Depois de séculos de perseguição a Igreja tornou-se, por força das circunstâncias, a guardiã da cultura ocidental e, ao mesmo tempo, um poder político: a Cristandade. Nessa configuração, a Igreja se identificava com a sociedade. Isso teve por consequência que muitos eram batizados, sem opção pessoal, apenas por razões sociais e culturais. Além disso, a Igreja enquanto instituição teve dificuldade em promover reformas em seu próprio seio e teve de enfrentar a Reforma protestante e a emancipação política e cultural da sociedade moderna. Depois de uma reação exageradamente defensiva, a Igreja aprendeu, sobretudo com o Concílio Vaticano II, a ler os sinais dos tempos, a abrir-se ao sopro do Espírito e aos anseios do mundo e a entrar em diálogo com as perguntas da sociedade e da própria comunidade eclesial.
Por outro lado, pode-se descrever a estrutura e a vida da Igreja como aparece hoje e deve ser entendida na comunhão e participação ativa dos seus membros. Considerando o ser da Igreja cristã, dizemos que ela é a comunidade dos que aderem a Jesus como o Cristo, o Messias. Ela continua a vocação do “povo eleito”, agora, porém, reunido em Cristo Jesus, num corpo bem articulado e animado pelo Espírito que ele mesmo recebeu do Pai. Nesse corpo, os fiéis são incorporados pelos sacramentos da iniciação cristã: pelo Batismo com a profissão de fé em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; pela Crisma ou unção que significa a configuração com o Cristo, o “Ungido” do Pai; pela Eucaristia ou banquete fraterno, no qual Jesus se faz presente como alimento para a prática de nossa vida. Os outros sacramentos acompanham o caminho dos que, por essa incorporação, são qualificados como “cristãos”. Assim, tudo o que o cristão faz na vida é o “verdadeiro culto” que o povo cristão oferece a Deus. Os ministros ordenados estão a serviço de tudo isso, mas todos os cristãos conscientes devem dizer: “A Igreja somos nós”.
A vida do cristão: o caminho do amor fiel
A vida do cristão é a vida centrada em Cristo, mas, como a vida de Cristo era centrada no amor de Deus a ser repartido entre todos, também a vida do cristão estará a serviço desse plano de amor.
Tal visão destoa da sociedade hedonista em que vivemos. Esta não gosta de ouvir falar em cruz e sacrifício, mas nos convida a gozar o máximo que pudermos, mesmo à custa dos outros. O cristão consciente, ao contrário, vê que o caminho de Jesus é o da doação da própria vida, quer vivendo, quer morrendo, como ele nos mostrou. Como qualquer pessoa sadia, o cristão não deseja o sofrimento nem para si nem para os outros, mas não se esquiva dele se é por causa do amor e para que seus irmãos e irmãs na humanidade possam participar da plenitude da vida que Deus criou para todos.
Assim, a prática da vida cristã pode ser descrita como mística e ética. A mística é a contemplação de Jesus, pela qual a gente vê a própria vida em unidade com a de Jesus. “Para mim, viver é Cristo” disse São Paulo (Filipenses 1,21). A ética (ou moral) significa o modo de proceder em conformidade com os valores que orientam a comunidade cristã: os valores que Jesus nos ensinou por sua própria prática de vida. A vida cristã é seguir Jesus pelo caminho que ele trilhou, julgando a realidade como ele julgaria e agindo como ele agiria nas circunstâncias de hoje.
Para julgar e agir eticamente como Jesus é preciso tê-lo diante dos olhos: seu ensinamento, sua prática de vida. Não há ética cristã sem o momento místico, que nos faz ver a realidade de Deus que transparece em Jesus. Jesus é o rosto de Deus que projeta sua luz sobre o caminho do nosso viver. Trilhar nosso caminho à luz de Cristo é viver diante da face de Deus.
O ser cristão é, portanto, desde a raiz, uma experiência mística: o viver na presença de Jesus, o Cristo, e no Espírito que por instância dele nos vem da parte do Pai. Essa mística é alimentada pela liturgia, na qual está incrustada o Pai-Nosso, a oração cotidiana do cristão, como a pérola na ostra. A celebração da Mesa da Palavra e da Mesa Eucarística do Senhor estrutura esse envolvimento místico segundo o ritmo do ano litúrgico, cujo ápice é a Páscoa, a tal ponto que cada domingo pode ser chamado de “Páscoa semanal”. Esta mística cristã abre espaço para muitas formas de contemplação e de oração, de acordo com a diversidade das culturas e das experiências pessoais.
A união do fiel com Cristo determina sua prática de vida, a ética cristã. Esta se origina no olhar da consciência fixado em Cristo e iluminado pelo Espírito de Deus, em todas as situações decisivas, em todas as encruzilhadas da vida. O cristão recebe nisso a ajuda de normas práticas (mandamentos) e de atitudes ou qualidades (virtudes)
Mais profunda, todavia, é a opção fundamental pró ou contra o caminho que nos é apresentado no projeto de Cristo. Essa opção, quando vivida com seriedade, determina em última instância o valor de nossa vida à luz do Fim.
O Deus de Jesus e do cristão: “Meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”
Quem foi o Deus de Jesus, o Deus do qual Jesus experimentou a presença e o amor em sua própria vida? É o Pai que nele se manifesta, o Deus Trindade, que é também o Deus proclamado na profissão de fé daqueles que optam por Jesus, o Cristo.
A experiência fundamental da vida de quem opta por Jesus, na fé, na esperança e no amor, resume-se maravilhosamente no “tudo é graça” de Agostinho. Precisa ser configurada numa vivência confessional, com opção e identidade assumidas e alicerçada na devida iniciação, para que possa ser comunicada e transmitida a outros, especialmente às gerações por vir.
Segundo o Evangelho de João (1,18), ninguém jamais viu Deus. Ninguém pode por seu próprio esforço formar uma imagem dele. O cristão olha em primeiro lugar para Jesus, na sua vida humana, na carne, contemplando a entrega de sua vida por amor e fidelidade. E então diz: “Assim é Deus”. Esse Deus da doação total no amor está presente em nossa vida como o Deus Pai e Filho e Espírito Santo, em cujo nome somos batizados. Esse é o núcleo da profissão da fé cristã, pela qual iniciamos nossa vida como cristãos conscientes, cristãos por opção.
Como se apresenta, então, o “ser cristão”? Partindo daquilo que Jesus vivenciou no seu tempo, no seio de seu povo, vimos o que chegou até nós: aquilo que a comunidade, nascida do acontecer de Jesus, assumiu como seu legado e vivenciou na prática, no tempo e nas circunstâncias históricas próprias, em meio a imperfeições, porém animada pelo Espírito de Jesus. Na perspectiva de nossa profissão da fé batismal, refletimos sobre aquele que chamamos “Deus”, não como uma ideia pré-concebida, mas como aquele que se dá a conhecer no caminho humano de Jesus e que nos convoca a vivenciar, sem esmorecer, a fé, a esperança e o amor, na liberdade dos filhos de Deus. Quem recebe tudo isso como graça, recebe também a missão de viver disso e de transmiti-lo, fielmente, em formas novas.
Pe. Johan Konings sj
Doutor em Sagrada Escritura e professor da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia -FAJE
No último dia 11 de outubro, o papa Bento XVI presidiu na Praça de São Pedro, em Roma, bela e solene celebração de início do “Ano da Fé”. A data foi escolhida para comemorar os cinquenta anos da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II e os 20 anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica.
Um ano antes, o Papa havia publicado a Carta Apostólica “Porta Fidei”, na qual diz que “hoje há necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo”.
Aprofundando a reflexão sobre as consequências desse encontro com Jesus ressuscitado, Bento XVI diz que “é necessário que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé que vem de sempre”.
A fé que vem de sempre...
Essa expressão me fez lembrar um momento forte da minha paternidade: o batismo dos meus filhos. O pequenino ali, alheio a tudo no colo da madrinha, e nós, pais e padrinhos, renovando e professando nossa fé, transmitida de geração a geração, repetindo palavras e gestos de renúncia ao Mal e adesão a Cristo e sua Igreja. Ao final, o sacerdote diz: “esta é a Fé na qual fomos batizados, razão da nossa alegria em Cristo Nosso Senhor...”.
Fé e alegria...
Sou de uma geração que teve dificuldades em associar essas duas riquezas. Na catequese daqueles tempos, a fé era uma senhora sisuda, ranzinza e mal humorada, a exigir que obedecêssemos cegamente a normas, mandamentos, regras e obrigações que frequentemente se mostravam incapazes de conciliar a crença em Deus com as alegrias da vida.
A própria imagem de Deus que surgia daí era a de um velho de barbas longas e um olho enorme, que via tudo, e estava sempre disposto a distribuir maldições e castigos a torto e a direito, fazendo pairar sobre todos a ameaça dos horrores do inferno pela eternidade...
Castigo eterno... horrores do inferno...
Nesse cenário éramos ‘convidados’ a mergulhar no mistério da fé. Convenhamos, foi demais para os corações e mentes daquela geração e até hoje há, por aí, gente que não aprendeu a amar a Deus e morre de medo do Diabo...
O Concílio que começou há cinquenta anos deu início a um processo de abrir as portas e janelas da Igreja para que o sopro do Espírito pudesse arejar os longos corredores da sua História. Não tem sido fácil. O que testemunhamos, desde então, é um abrir e fechar de portas, um contraste entre medo e liberdade, o desejo de deixar-se levar pela ação do Espírito e a tentativa de impedir que o mesmo Espírito continue soprando onde quer.
Mas a fé me diz que o novo, que vem de sempre, sempre vem...
Virtude teologal, ao lado da Esperança e do Amor, a Fé rompe as trevas e se faz Luz, iluminando o Amor, que como diz a insuperável carta de Paulo aos Coríntios, é a mais excelente das virtudes.
Virtudes teologais dão pouco ibope num mundo que tem fixação por pecados capitais. Basta pegar o jornal do dia, ler as manchetes, assistir ou ouvir o noticiário na TV e no Rádio, acessar os portais da Internet e eles estão ali, escandalosamente expostos: Ira, Luxúria, Preguiça, Gula, Avareza, Inveja e Vaidade...
Em 2008 a Igreja publicou um documento em que fazia uma releitura atualizada, à luz da realidade do nosso tempo, nomeando os “sete pecados capitais do Sec. XXI”. Seriam eles:
- A busca irresponsável por experimentos “moralmente dúbios” com células-tronco.
- O uso de drogas ilícitas e o abuso de drogas lícitas.
- A poluição do meio ambiente.
- O agravamento da injustiça social.
- A riqueza excessiva de poucos em contraste com a miséria absoluta de tantos.
- A existência de estruturas políticas, sociais e econômicas geradoras de pobreza.
- As violações bioéticas.
Como vemos, o assunto é complexo e há vasto material de pesquisa para quem se interessar em aprofundá-lo. Ao longo deste “Ano da Fé” certamente muitas reflexões serão, e já estão sendo, feitas sobre o tema. Mas, antes de alçar voos mais altos nesta discussão é preciso mergulhar nas raízes da nossa experiência de fé e se perguntar: donde vem a minha crença minha fé? Creio em quem...?
Volto à simplicidade daquela pia batismal onde eu, meus pais e meus filhos renascemos no Espírito (João 3,5).
Contemplo a cena...
A roupinha branca que vestia o pequeno era a mesma usada por mim, quando do meu batismo, e guardada com todo cuidado e carinho por minha mãe. A roupa, a pia batismal, a água, a vela, o óleo, o sal, as palavras, tudo é sacramental. Coisas, em si, banais, descartáveis até, mas que abrigam a densidade do mistério que mora nas coisas. Mistério da fé...
Reencontrei a mesma alegria, anos depois, quando os mesmos filhos, crescidos, entraram na igreja, agora caminhando pelos próprios pés, para confirmar, pelo sacramento do Crisma, a Fé na qual foram batizados.
Meu coração, tocado pela memória emocionada, repete: Fé, razão da minha alegria...
Alegria de quem se sabe amado pelo Pai, o que gera confiança para me entregar à sua vontade, na gratuidade, sabendo que estou seguro, acolhido, compreendido, respeitado.
Hoje sei de onde vem a minha fé e em quem creio. Creio num Deus que é Amor, que me criou por amor e para o amor. Esta é a fé que me faz descrer do egoísmo, e acreditar, com todas as minhas forças, no poder do Amor.
Eduardo Machado
Educador e escritor
outubro-2012
Congresso Teológico Nacional
20 Anos do Catecismo da Igreja Católica e Ano da Fé
Entre os dias 07 e 09 de setembro, aconteceu em Curitiba-PR, o Congresso Teológico Nacional, organizado pelas Comissões Pastorais da CNBB para Animação Bíblico-Catequética, para Educação e Cultura e para a Doutrina da Fé. Além de inúmeros teólogos conferencistas brasileiros, o Congresso contou também a presença do secretário da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, dom Luís Francisco Ladaria Ferrer.
O Congresso foi organizado com conferências gerais pelas manhãs e grupos temáticos pelas tardes; sendo quatro grupos temáticos. Foram proferidas cinco conferências gerais e quatro conferências específicas nos grupos temáticos. As conferências dos grupos temáticos foram: “As fontes do Catecismo da Igreja Católica”; “Temas Teológicos Transversais no Catecismo da Igreja Católica”; “A Catequese e o Catecismo da Igreja Católica” e “A Fé no Catecismo da Igreja Católica”. O Congresso contou com mais de 200 participantes.
Dom Ladaria proferiu a conferência de abertura que tratou do tema “Catecismo da Igreja Católica (CIC): gênese, estrutura e perspectivas”. Ele apresentou uma panorâmica do documento, recordando que o CIC veio depois da catequese. O arcebispo lembrou ainda que o Catecismo faz parte do Magistério da Igreja, recorrendo as verdades da fé em diversos níveis e por isso, deve ser bem compreendido. Dom Ladaria disse ainda que o Catecismo é uma norma segura, um “porto seguro” para a Catequese e fruto do Concílio Vaticano II. É uma síntese sistemática e orgânica da fé da Igreja através de sua Tradição. O segundo conferencista do dia, o frade dominicano Carlos Josaphat, falou sobre a estrutura do CIC e a vida cristã, destacando as fontes de inspiração do documento: Sagrada Escritura, Liturgia e Magistério. Destacou a mística do texto. “Hoje se a Igreja não contar com uma base mística, dinâmica, ela não poderá enfrentar os desafios da humanidade”, destacou.
No segundo dia, o tema da primeira conferência geral foi o “Ano da Fé: a fé aberta para todos”, proferida por Dom Ladaria e a segunda conferência “A dimensão individual e eclesial da Fé Cristã”, proferida pelo Pe. Dr. Mário de França Miranda. O Secretário da Congregação para a Doutrina da fé lembrou aos presentes que um dos diversos motivos que levou o Papa Bento XVI a proclamar o Ano da Fé foi o momento que estamos vivendo. Muitos têm deixado a fé. Estamos vivendo um momento de analfabetismo religioso. Diante desta situação é mister assumirmos um compromisso eclesial, expressando assim, nosso amor ao próximo e à Cristo. Já o Pe. França Miranda disse aos presentes que a fé não pode ser vivida desvinculada de sua época. “A transmissão da fé se dá pelo anúncio da Palavra de Deus e pelo testemunho da comunidade cristã, através do exemplo de seus membros”.
A última conferência geral foi proferida por dom Ladaria e ele, com convicção, destacou que Cristo é quem dá sentido ao mundo; é a razão do universo; a razão pessoal. Somos amantes dessa razão.
Participamos do terceiro grupo temático, cujo tema foi “A Catequese e o Catecismo da Igreja Católica”. Foi um momento de grande crescimento e o Catecismo da Igreja foi desmitificado pelos conferencistas.
Dom Albano Cavalin, arcebispo emérito de Londrina, falou do processo de tradução do CIC. Ele lembrou que a chegada do Catecismo no Brasil foi um momento “doloroso” para a Igreja. Para ele a tradução do CIC ainda continua; é preciso melhorar a sua linguagem. O Catecismo é um meio, um instrumento para a Catequese. Para Dom Cavalin, “o melhor catecismo é o catequista, ensopado da Bíblia”. Pe. Luiz Alves de Lima falou sobre a recepção do Catecismo no Brasil. Ele iniciou sua conferência lembrando que o catecismo é um gênero literário, próprio do cristianismo que possibilita sintetizar a fé cristã. O Catecismo exprime a Palavra de Deus em nossa história hoje. Para Pe. Lima, o problema na recepção do Catecismo aconteceu porque ele é uma atualização para aqueles que têm fé, sendo assim, ele não deve ser o primeiro instrumento no processo de evangelização. A evangelização acontece a partir do Evangelho.
No segundo dia de trabalho do grupo temático, os conferencistas foram a Professora Elza Helena de Abreu e o Pe. Janison Sá Soares. A Profa. Elza falou sobre “a concepção de catequese subjacente ao Catecismo da Igreja Católica”. Segundo ela, a concepção de catequese fundamenta todo o Catecismo e para conhecê-lo, é preciso conhecermos bem os documentos do Concílio Vaticano II. Pe. Janison, falou sobre o processo de Iniciação Cristã e os diversos documentos da Igreja que trataram deste tema após a publicação do CIC.
Será preparado um livro com todas as conferências proferidas, cujo lançamento está previsto para novembro deste ano, pelas Edições CNBB.
De forma sintética pode-se notar como o Congresso foi proveitoso e iluminador, pois em se tratando do CIC, um novo olhar brotou do coração dos participantes.
Diác. Lúcio Camargos
Estefânia Maciel
Comissão Bíblico-Catequética da Diocese de Divinópolis-MG
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