No último dia 11 de outubro, o papa Bento XVI presidiu na Praça de São Pedro, em Roma, bela e solene celebração de início do “Ano da Fé”. A data foi escolhida para comemorar os cinquenta anos da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II e os 20 anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica.

Um ano antes, o Papa havia publicado a Carta Apostólica “Porta Fidei”, na qual diz que “hoje há necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo”. 

Aprofundando a reflexão sobre as consequências desse encontro com Jesus ressuscitado, Bento XVI diz que “é necessário que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé que vem de sempre”. 

A fé que vem de sempre...

Essa expressão me fez lembrar um momento forte da minha paternidade: o batismo dos meus filhos. O pequenino ali, alheio a tudo no colo da madrinha, e nós, pais e padrinhos, renovando e professando nossa fé, transmitida de geração a geração, repetindo palavras e gestos de renúncia ao Mal e adesão a Cristo e sua Igreja. Ao final, o sacerdote diz: “esta é a Fé na qual fomos batizados, razão da nossa alegria em Cristo Nosso Senhor...”.

Fé e alegria...

Sou de uma geração que teve dificuldades em associar essas duas riquezas. Na catequese daqueles tempos, a fé era uma senhora sisuda, ranzinza e mal humorada, a exigir que obedecêssemos cegamente a normas, mandamentos, regras e obrigações que frequentemente se mostravam incapazes de conciliar a crença em Deus com as alegrias da vida.

A própria imagem de Deus que surgia daí era a de um velho de barbas longas e um olho enorme, que via tudo, e estava sempre disposto a distribuir maldições e castigos a torto e a direito, fazendo pairar sobre todos a ameaça dos horrores do inferno pela eternidade...

Castigo eterno... horrores do inferno...

Nesse cenário éramos ‘convidados’ a mergulhar no mistério da fé. Convenhamos, foi demais para os corações e mentes daquela geração e até hoje há, por aí, gente que não aprendeu a amar a Deus e morre de medo do Diabo...

O Concílio que começou há cinquenta anos deu início a um processo de abrir as portas e janelas da Igreja para que o sopro do Espírito pudesse arejar os longos corredores da sua História. Não tem sido fácil. O que testemunhamos, desde então, é um abrir e fechar de portas, um contraste entre medo e liberdade, o desejo de deixar-se levar pela ação do Espírito e a tentativa de impedir que o mesmo Espírito continue soprando onde quer.

Mas a fé me diz que o novo, que vem de sempre, sempre vem...

Virtude teologal, ao lado da Esperança e do Amor, a Fé rompe as trevas e se faz Luz, iluminando o Amor, que como diz a insuperável carta de Paulo aos Coríntios, é a mais excelente das virtudes. 

Virtudes teologais dão pouco ibope num mundo que tem fixação por pecados capitais. Basta pegar o jornal do dia, ler as manchetes, assistir ou ouvir o noticiário na TV e no Rádio, acessar os portais da Internet e eles estão ali, escandalosamente expostos: Ira, Luxúria, Preguiça, Gula, Avareza, Inveja e Vaidade...

Em 2008 a Igreja publicou um documento em que fazia uma releitura atualizada, à luz da realidade do nosso tempo, nomeando os “sete pecados capitais do Sec. XXI”. Seriam eles: 

- A busca irresponsável por experimentos “moralmente dúbios” com células-tronco.

- O uso de drogas ilícitas e o abuso de drogas lícitas.

- A poluição do meio ambiente.

- O agravamento da injustiça social.

- A riqueza excessiva de poucos em contraste com a miséria absoluta de tantos.

- A existência de estruturas políticas, sociais e econômicas geradoras de pobreza.

- As violações bioéticas. 

Como vemos, o assunto é complexo e há vasto material de pesquisa para quem se interessar em aprofundá-lo. Ao longo deste “Ano da Fé” certamente muitas reflexões serão, e já estão sendo, feitas sobre o tema. Mas, antes de alçar voos mais altos nesta discussão é preciso mergulhar nas raízes da nossa experiência de fé e se perguntar: donde vem a minha crença minha fé? Creio em quem...?

Volto à simplicidade daquela pia batismal onde eu, meus pais e meus filhos renascemos no Espírito (João 3,5).

Contemplo a cena...

A roupinha branca que vestia o pequeno era a mesma usada por mim, quando do meu batismo, e guardada com todo cuidado e carinho por minha mãe. A roupa, a pia batismal, a água, a vela, o óleo, o sal, as palavras, tudo é sacramental. Coisas, em si, banais, descartáveis até, mas que abrigam a densidade do mistério que mora nas coisas. Mistério da fé...

Reencontrei a mesma alegria, anos depois, quando os mesmos filhos, crescidos, entraram na igreja, agora caminhando pelos próprios pés, para confirmar, pelo sacramento do Crisma, a Fé na qual foram batizados.

Meu coração, tocado pela memória emocionada, repete: Fé, razão da minha alegria...

Alegria de quem se sabe amado pelo Pai, o que gera confiança para me entregar à sua vontade, na gratuidade, sabendo que estou seguro, acolhido, compreendido, respeitado.

Hoje sei de onde vem a minha fé e em quem creio. Creio num Deus que é Amor, que me criou por amor e para o amor. Esta é a fé que me faz descrer do egoísmo, e acreditar, com todas as minhas forças, no poder do Amor.

Eduardo Machado

Educador e escritor

outubro-2012