Se a morte nos intriga, e não poderia ser diferente, não é menos verdade que o nascimento é igualmente rodeado pelo mistério. São múltiplos os nascimentos que, sem cessar, nos interrogam: o nascimento do mundo, o nosso próprio nascimento, o nascimento de uma criança, o nascimento de uma nova sociedade, o nascimento de uma coragem ali onde sequer era esperada, de um horizonte inimaginável, de uma resistência súbita onde a capitulação parecia inevitável, a doçura de uma amizade, a irrupção da solidariedade ao invés do costumeiro egoísmo, o amanhecer de um amor, o espetáculo de um poema.  

 

Entretanto, a força do hábito nos distrai, torna-nos cativos da repetição e desvia nosso olhar do que está sempre irrompendo. Pressionados pelas urgências do cotidiano, obrigados a reiterar comportamentos, interpomos entre nós e a experiência uma camada espessa que dissipa a novidade e dificulta o espanto. Ainda assim, prossegue a permanente brotação da realidade, o eterno movimento do mundo, rebelde aos nossos esforços de aprisioná-la, diverso de nossas expectativas.

 

 Daí que a surpresa sempre pode ocorrer, acreditemos ou não. É que chegamos depois dos começos, quando a fonte já corria e porque é próprio do mistério envolver, e nutrir, cada nascimento. Pertencentes ao mundo, quem sabe aprenderemos a acolher essa disposição para os nascimentos e a cultivar a coragem dos recomeços.

 

 Criados um dia, nos foi dada, no horizonte de nossa humanidade, a potência de criar.  Que neste natal o nascimento do Menino nos lembre disso.

 

 

Para pensar na quinzena:

 

“Então, o que não somos,

  escuridão,

  silêncio,

  ausência,

  é um lugar exato

  para sentir

  como todo o novo

  começa.”

Benjamin Gonzáles Buelta  sj        

 

 

Ricardo Fenati

Filósofo e membro da equipe do Centro Loyola de Belo Horizonte-MG

15.12.2012