Na catequese desta quarta-feira o Papa Francisco falou:
«Senhor, se quiseres, podes purificar-me!»: assim falou a Jesus um leproso; um leproso que não se resignava com a sua doença, nem com as normas sociais que faziam dele um excluído: devia manter-se separado, longe de todos. Este homem, porém, viola aquelas normas, entrando na cidade e aproximando-se de Jesus. Na sua súplica, o leproso mostra-se certo de que Jesus tem poder para curá-lo; tudo depende da vontade d’Ele. Profundamente impressionado com a fé daquele homem, o Senhor toca-o e diz-lhe: «Quero, fica purificado!»
Quantas vezes encontramos um pobre que se aproxima de nós, conseguimos sentir compaixão e até dar-lhe uma esmola, mas habitualmente não tocamos a sua mão. Esquecemo-nos de que aquele é o corpo de Cristo! Jesus ensina-nos a não ter medo de tocar o pobre e o marginalizado, porque naquela pessoa está Ele próprio. Creio eu nisto ou não? Sim; mas… E começam as desculpas para não nos envolvermos.
Tocar o pobre pode purificar-nos da hipocrisia e levar-nos a preocupar-nos com a sua condição. Mas pensemos em nós, nas nossas misérias… com sinceridade. Quantas vezes as cobrimos com a hipocrisia das «boas maneiras». É precisamente então que é preciso estar a sós, ajoelharmo-nos diante de Deus e rezar: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me!
O Papa fez então uma comparação com o que acontece nos dias de hoje. “Quantas vezes encontramos um pobre e, mesmo sendo generosos e sentindo compaixão, não o tocamos. Oferecemos uma moeda, mas evitamos tocar sua mão. Esquecemos que aquele é o corpo de Cristo! Jesus nos ensina a não ter medo de tocar o pobre e o excluído, porque Ele está neles. Tocar o pobre pode nos purificar da hipocrisia e nos preocupar por sua exclusão.”
Francisco aproveitou a deixa para apresentar alguns jovens que estavam com ele na tribuna de onde realiza a catequese. São jovens refugiados que participaram hoje da audiência geral. “Muitos pensam que seria melhor que eles tivessem permanecido em suas terras, mas ali eles estavam sofrendo. São os nossos refugiados, mas muitos os consideram excluídos. Por favor, eles são nossos irmãos!”
Depois de curar o leproso, Jesus recomendou que não o contasse para ninguém. Para o Papa essa ordem demonstra três coisas. A primeira é que a graça do Senhor não quer sensacionalismo; age com discrição e sem clamor. A segunda é que, ao apresentar oficialmente a sua cura e celebrar um sacrifício, o leproso foi readmitido na comunidade e na vida social. A sua reintegração completa a cura. Enfim, apresentando-se aos sacerdotes, o leproso dá testemunho do poder e da compaixão de Jesus. A fé do homem se abre à missão. “Ele era um excluído e se tornou um de nós.”
“Pensemos em nós, nas nossas misérias com sinceridade. Quantas vezes as cobrimos com a hipocrisia das ‘boas maneiras’! É preciso estar a sós, ajoelharmo-nos diante de Deus e rezar: ‘Senhor, se quiseres, podes purificar-me!’”.
Audiência Geral 22 de junho de 2016
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«Que queres que Eu faça por ti?»: Quando Deus se faz servo e liberta da marginalidade
Um dia Jesus, aproximando-se da cidade de Jericó, realiza o milagre de tornar a dar a vista a um cego que mendigava à beira do caminho (cf. Lucas 18, 35-43). Hoje queremos colher o significado deste sinal porque também nos toca diretamente. (…) Um cego, naqueles tempos – mas até há não muito tempo atrás – só podia viver de esmola.
A figura deste cego representa muitas pessoas que, ainda hoje, se encontram marginalizadas por causa de uma inferioridade física ou de outro género. Está separado da multidão, está ali sentado enquanto as pessoas passam ocupadas nos seus pensamentos… e em tantas outras coisas; e o caminho, que pode ser um lugar de encontro, para ele é, pelo contrário, o lugar da solidão… Tanta gente que passa… mas ele está ali sozinho.
É triste a imagem de um marginalizado, sobretudo no cenário da cidade de Jericó, o esplêndido e luxuriante oásis no deserto. Sabemos que precisamente em Jericó chega o povo de Israel no termo do longo êxodo do Egito: aquela cidade representa a porta de entrada na terra prometida. Recordamos as palavras que Moisés pronuncia naquela circunstância. Dizia assim: “Se houver junto de ti um indigente entre os teus irmãos, numa das tuas cidades, na terra que o Senhor, teu Deus, te há de dar, não endurecerás o teu coração e não fecharás a tua mão ao irmão necessitado. Sem dúvida, nunca faltarão pobres na terra; por isso, Eu te ordeno: Abre generosamente a mão ao teu irmão, ao pobre e ao necessitado que estiver na tua terra” (Deuteronómio 15, 7.11).
É estridente o contraste entre esta recomendação da Lei de Deus e a situação descrita no Evangelho: enquanto o cego grita invocando Jesus (tinha uma voz forte), as pessoas censuravam-no para o fazer calar. Não têm compaixão dele, ao invés, experimentam aversão pelo seu grito. (…) A indiferença e a hostilidade causam a cegueira e a surdez, impedem de ver os irmãos e não permitem reconhecer neles o Senhor. Indiferença e hostilidade (…).
Notamos um detalhe interessante. O evangelista diz que algumas pessoas da multidão explicam ao cego o motivo de toda aquela gente, dizendo: “Está a passar Jesus, o Nazareno!”. A passagem de Jesus é indicada com o mesmo verbo com que no livro do Êxodo se fala da passagem do anjo exterminador que salva os israelitas no Egito (cf. 12, 23). É a “passagem” da páscoa, o início da libertação. (…) Ao cego, portanto, é como se fosse anunciada a sua páscoa. Sem se deixar atemorizar, o cego grita mais vezes para Jesus, reconhecendo-o como Filho de David, o Messias esperado que, segundo o profeta Isaías, abriria os olhos aos cegos (35, 5). Diferentemente desta multidão, este cego vê com os olhos da fé. Graças a ela, a sua súplica tem uma poderosa eficácia. Com efeito, ao ouvi-lo, “Jesus parou e mandou que o conduzissem até Ele”. Desta forma, Jesus tira o cego da margem do caminho e coloca-o no centro da atenção dos seus discípulos e da multidão. (…)
Realiza-se assim uma dupla passagem. Primeira: as pessoas tinham anunciado uma boa nova ao cego mas não queriam ter nada a ver com ele; agora Jesus obriga todos a tomar consciência de que o bom anúncio implica colocar no centro do próprio caminho aquele que dele estava excluído. Segunda: à sua volta o cego não via, mas a sua fé abre-lhe o caminho da salvação e ele encontra-se no meio de quantos confluíram ao caminho para ver Jesus. Irmãos e irmãs, a passagem do Senhor é um encontro de misericórdia que a todos une em torno a Ele para permitir reconhecer quem precisa de ajuda e de consolação. (…)
Jesus dirige-se ao cego e pergunta-lhe: “Que queres que Eu faça por ti?”. Estas palavras de Jesus são impressionantes: o Filho de Deus está agora diante do cego como um humilde servo. (…) Deus faz-se servo do homem pecador. E o cego responde a Jesus, já não chamando-o “Filho de David”, mas “Senhor”, o título que a Igreja desde os inícios aplica a Jesus ressuscitado. O cego pede para poder ver de novo e o seu desejo é satisfeito: “Recupera a vista! A tua fé salvou-te”. Ele mostrou a sua fé invocando Jesus e querendo absolutamente encontra-lo, e isto levou-lhe como dom a salvação. Graças à fé agora pode ver e, sobretudo, sente-se amado por Jesus. Por isso a narrativa termina referindo que o cego “começou a segui-lo, glorificando a Deus”: faz-se discípulo, de mendigo a discípulo (…). Aquele que queriam calar, testemunha agora, em alta voz, o seu encontro com Jesus de Nazaré, e “todo o povo, ao ver, deu louvores a Deus”.
Ocorre um segundo milagre: o que acontece ao cego fez com que também a multidão ficasse a ver. A mesma luz ilumina a todos, irmanando-os na oração de louvor. Assim Jesus efunde a sua misericórdia sobre todos aqueles que encontra: chama-os, atrai-os a si, junta-os, cura-os e ilumina, criando um novo povo que celebra as maravilhas do seu amor misericordioso (…).
Papa Francisco
Audiência geral, Praça de S. Pedro, Vaticano, 15.6.2016
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 15.06.2016
«Fazei o que Ele vos disser»: Últimas palavras de Maria no Evangelho são as primeiras de cada cristão
O papa abriu hoje uma nova etapa nos comentários que profere nas audiências gerais que realiza às quartas-feiras, na Praça de S. Pedro, no Vaticano, centrando-se no milagre inicial de Jesus, depois de nas semanas anteriores ter oferecido a sua meditação sobre parábolas que evidenciavam a misericórdia. Excertos da catequese:
«Hoje detemo-nos no primeiro dos milagres de Jesus, que o evangelista João chama “sinais”, porque Jesus não os faz para suscitar maravilhamento, mas para revelar o amor do Pai. O primeiro destes sinais prodigiosos é narrado precisamente por João (2, 1-11) e realiza-se em Caná da Galileia. Trata-se de uma espécie de “portal de ingresso”, no qual são cunhadas palavras e expressões que iluminam todo o mistério de Cristo e abrem o coração dos discípulos à fé. Vejamos algumas.
Na introdução encontramos a expressão “Jesus com os seus discípulos”. Aqueles que Jesus chamou a segui-lo ligou-os a si numa comunidade e agora, como uma única família, são todos convidados para as bodas. Dando início ao seu ministério público nas bodas de Caná, Jesus manifesta-se como o esposo do povo de Deus, anunciado pelos profetas, e revela-nos a profundidade da relação eu nos une a Ele: é uma nova Aliança de amor.
Qual é o fundamento da nossa fé? Um ato de misericórdia com que Jesus nos ligou a si. E a vida cristã é a resposta a esse amor, é como a história de dois enamorados. Deus e o homem encontram-se, procuram-se, descobrem-se, celebram-se e amam-se: precisamente como o amado e a amada no Cântico dos Cânticos. Tudo o mais vem como consequência desta relação. A Igreja é a família de Jesus em que se derrama o seu amor; é este amor que a Igreja guarda e quer dar a todos.
No contexto da Aliança compreende-se também a observação de Nossa Senhora: “Não têm vinho”. Como é possível celebrar as bodas e fazer festa se falta aquilo que os profetas indicavam como um elemento típico do banquete messiânico? A água é necessária para viver, mas o vinho exprime a abundância do banquete e a alegria da festa. Uma festa de bodas onde falta o vinho faz envergonhar os novos esposos – imaginai vós acabar a festa das bodas bebendo chá! O vinho é necessário à festa.
Transformando em vinho a água das vasilhas utilizadas “para a purificação ritual dos judeus”, Jesus realiza um sinal eloquente: transforma a Lei de Moisés em Evangelho, portador de alegria. Como diz noutro passo o mesmo João: “A Lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”.
As palavras que Maria dirige aos servos coroam o quadro esponsal de Caná: “Fazei o que Ele vos disser”. É curioso, são as suas últimas palavras reportadas pelos Evangelhos, são a sua herança que entrega a todos nós. Esta é a herança que nos deixou, e é belo! Trata-se de uma expressão que evoca a fórmula de fé utilizada pelo povo de Israel no [deserto do] Sinai, em resposta às promessas da aliança: “O que o Senhor disse, nós o faremos!”. E com efeito, em Caná os servos obedecem. “Disse-lhes Jesus: ‘Enchei as vasilhas de água.’ Eles encheram-nas até cima. Então ordenou-lhes: ‘Tirai agora e levai ao chefe de mesa’”.
Nestas bodas é realmente estipulada uma Nova Aliança e aos servidores do Senhor, isto é, a toda a Igreja, é confiada a nova missão: “Fazei o que Ele vos disser”. Servir o Senhor significa escutar e colocar em prática a sua Palavra. É a recomendação simples mas essencial da Mãe de Jesus e é o programa de vida do cristão. Para cada um de nós, tirar da vasilha equivale a confiar-se à Palavra de Deus para experimentar a sua eficácia na vida. Então, juntamente como chefe de mesa que provou a água tornada vinho, também nós podemos exclamar: “Tu guardaste o melhor vinho até agora”. Sim, o Senhor continua a reservar aquele vinho bom para a nossa salvação, assim como continua a brotar do lado ferido do Senhor.
A conclusão da narrativa soa como uma sentença: “Assim, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos, com o qual manifestou a sua glória, e os discípulos creram nele”. As bodas de Caná são muito mais do que a simples narrativa do primeiro milagre de Jesus. Como um cofre, Ele guarda o segredo da sua pessoa e o objetivo da sua vinda: o Esposo esperado dá início às bodas que se cumprem no Mistério pascal. Nestas bodas Jesus liga a si os seus discípulos com uma nova e definitiva Aliança. Em Caná os discípulos de Jesus tornam-se a sua família e nasce a fé da Igreja. Àquelas bodas todos nós somos convidados, para que o vinho novo não volte a faltar.»
Antes do início da intervenção, Francisco saudou um grupo de casais que assinalam em 2016 os 50 anos de casamento: «Esse sim, é o vinho bom, obrigado pelo vosso testemunho».
Papa Francisco
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 08.06.2016 in: SNPC
«É preciso aprender a reencontrar o caminho para o nosso coração», aponta papa Francisco
Na passada quarta-feira escutamos a parábola do juiz e da viúva, sobre a necessidade de orar com perseverança. Hoje, com uma outra parábola, Jesus quer ensinar-nos qual é a atitude justa para rezar e invocar a misericórdia do Pai. É a parábola do fariseu e do publicano (cf. Lucas 18, 9-14).
Ambos os protagonistas vão ao templo para orar, mas agem de maneiras muito diferentes, obtendo resultados opostos. O fariseu ora ficando de pé e usa muitas palavras. A sua é, sim, ora oração de ação de graças dirigida a Deus, mas na realidade é uma ostentação dos próprios méritos, com ares de superioridade em relação aos «outros homens», qualificados como «ladrões, injustos, adúlteros», como, por exemplo, «este publicano».
É precisamente aqui que está o problema: aquele fariseu ora a Deus, mas na verdade olha para si próprio. Ora-se a si próprio (…). Apesar de se encontrar no templo, não sente a necessidade de se prostrar diante da majestade de Deus; está de pé, sente-se seguro, quase como se fosse o proprietário do templo. Ele elenca as boas obras realizadas: é irrepreensível, observante da Lei para além do devido, jejua «duas vezes por semana» e paga a “dízima” de tudo o que possui. Em resumo, mais que orar, o fariseu compraz-se da própria observância dos preceitos. Todavia a sua atitude e as suas palavras estão longe do modo de agir e de falar de Deus, que ama todos os homens e não despreza os pecadores. Em síntese, aquele fariseu, que se tem por justo, negligencia o mandamento mais importante: o amor por Deus e pelo próximo.
Não basta, por isso, perguntarmo-nos acerca do quanto oramos, devemos também interrogarmo-nos sobre como oramos, ou melhor, como é o nosso coração: é importante examiná-lo para avaliar os pensamentos, os sentimentos, e extirpar arrogância e hipocrisia. (…) Somos todos tomados pelo frenesi do ritmo quotidiano, muitas vezes à mercê de sensações, dos transtornos, das confusões. É preciso aprender a reencontrar o caminho para o nosso coração, recuperar o valor da intimidade e do silêncio, porque é aí que Deus nos encontra e nos fala. Só a partir daí podemos encontrar os outros e falar com eles. O fariseu encaminhou-se para o templo, está seguro de si, mas não se dá conta de ter perdido o caminho do seu coração.
O publicano, ao contrário – o outro – apresenta-se no templo com espírito humilde e arrependido: «detendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos para o céu, mas batia-se no peito». A sua oração é brevíssima, não tão longa como a do fariseu: «Ó Deus, tem piedade de mim, pecador». (…) [Neste momento o papa Francisco convida as milhares de pessoas presentes na Praça de S. Pedro, no Vaticano, a dizer três vezes esta oração]. Com efeito, os cobradores de impostos – ditos precisamente “publicanos” – eram considerados pessoas impuras, submetidas aos dominadores estrangeiros, eram malvistos pelo povo e, geralmente, associados aos “pecadores”.
A parábola ensina que se é justo ou pecador não pela sua pertença social, mas pela maneira de se relacional com Deus e os irmãos. Os gestos de penitência e as poucas e simples palavras do publicano testemunham a sua consciência acerca da sua pobre condição. A sua oração é essencial. Age de maneira humilde, seguro apenas de ser um pecador necessitado de piedade. Se o fariseu não pedia nada porque já tinha tudo, o publicano só pode mendigar a misericórdia de Deus. Isto, sim, é belo: mendigar a misericórdia de Deus. Apresentando-se de “mãos vazias”, com o coração despido e reconhecendo-se pecador, o publicano mostra a todos nós a condição necessária para receber o perdão do Senhor. No fim, ele próprio, tão desprezado, torna-se um ícone do verdadeiro crente.
Jesus conclui a parábola com uma sentença: «Eu digo-vos: este – [isto é, o publicano] –, diferentemente do outro, voltou para sua casa justificado, porque quem se exalta será humilhado e quem, pelo contrário, se humilha será exaltado». Destes dois, quem é o corrupto? O fariseu. O fariseu é precisamente o ícone daquele que finge orar (…). Assim, na vida quem se crê justo e julga os outros e os despreza é um corrupto e um hipócrita. A soberba compromete cada boa ação, esvazia a oração, afasta de Deus e dos outros. Se Deus privilegia a humildade não é para nos aviltar: a humildade é, antes, a condição necessária para se ser reerguido por Ele, experimentando a misericórdia que vem preencher os nossos vazios. Se a oração do soberbo não alcança o coração de Deus, a humildade do pobre abre-o. (…) É esta humildade que a Virgem Maria exprime no cântico do Magnificat: «Olhou a humildade da sua serva. […] De geração em geração a sua misericórdia estende-se por aqueles que o temem». Que ela nos ajude, a nossa Mãe, a orar com coração humilde. (…). [O papa convida novamente a repetir: «Ó Deus, tem piedade de mim, pecador»].
Papa Francisco
Audiência geral, Praça de S. Pedro, Vaticano, 1.6.2016
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 01.06.2016 no SNPC
«A oração não é uma varinha mágica»: Relação com Deus é mais importante que os pedidos, afirma papa
O papa afirmou hoje, no Vaticano, que «a oração não é uma varinha mágica», mas «ajuda a conservar a fé em Deus e a confiar-se a Ele, mesmo quando não se compreende a sua vontade».
Na audiência geral semanal, que decorreu na Praça de S. Pedro perante milhares de pessoas, Francisco salientou a «necessidade de orar sempre», de acordo com o trecho do Evangelho que serviu de base para a meditação, no qual um magistrado iníquo acede à justa pretensão de uma viúva, mas só depois de muita insistência desta (cf. Lucas 18, 1-8).
«Uma pobre viúva ali só, está sem defesa e podia ser ignorada e deixada sem justiça, assim como o órfão, o estrangeiro, o migrante. Perante a indiferença do juiz, a viúva recorre à sua única arma: continuar insistentemente a importuná-lo, apresentando-lhe o seu pedido de justiça. E precisamente com esta perseverança, alcança o objetivo», apontou.
Da parábola, emergem duas conclusões, acentuou Francisco: «Se a viúva conseguiu dobrar o juiz desonesto com os pedidos insistentes, quanto mais Deus, que é Pai bom e justo, “fará justiça aos seus eleitos que lhe clamam dia e noite”; e, além disso, não os “fará esperar muito”, mas agirá “prontamente”».
«Todos nós experimentamos momentos de exaustão e de desencorajamento, sobretudo quando a nossa oração parece ineficaz. Mas Jesus assegura-nos: diferentemente do juiz desonesto, Deus acolhe prontamente os seus filhos, ainda que isto não signifique que o faça nos tempos e nos modos que nós queremos», frisou.
Para Francisco, «o objeto da oração passa para segundo plano; o que importa antes de tudo é a relação com o Pai. Eis o que faz a oração: transforma o desejo e modela-o segundo a vontade de Deus, qualquer que ela seja, porque quem ora aspira, em primeiro lugar, à união com Ele».
A parábola do “juiz iníquo” termina com uma interrogação colocada por Jesus aos seus discípulos: «Quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a Terra?».
«Com esta pergunta todos nós somos colocados em guarda: não devemos desistir da oração, mesmo se não é correspondida. É a oração que conserva a fé, sem ela a fé vacila. Peçamos ao Senhor uma fé que se faz oração incessante, perseverante, como a da viúva da parábola, uma fé que se alimenta do desejo da sua vinda», apontou o papa.
Na oração, concluiu Francisco, experimenta-se «a compaixão de Deus, que como um Pai vai ao encontro dos seus filhos, repleto de amor misericordioso».
Após a meditação, Francisco recordou que nesta quarta-feira se assinala o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas: «É um dever de todos proteger as crianças, sobretudo as expostas a elevado risco de exploração, tráfico e condutas desviantes».
«Espero que as autoridades civis e religiosas possam sacudir e sensibilizar as consciências, para evitar a indiferença diante da miséria de crianças sós, exploradas e afastadas das suas famílias e do seu contexto social, crianças que não podem crescer serenamente e olhar com esperança para o futuro», declarou.
Os atentados terroristas ocorridos na segunda-feira na «amada Síria», que causaram a morte de «uma centena de civis indefesos»: «Exorto todos a rezar ao Pai misericordioso, a rezar a Nossa Senhora, para que dê o repouso eterno às vítimas, a consolação aos familiares e converta o coração de quantos semeiam morte e destruição».
O papa vincou hoje (18/05/2016), no Vaticano, que «ignorar o pobre é desprezar Deus», tendo também recordado parte do “Magnificat”, expressão de louvor proferida por Maria, quando louva Deus porque «derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes», «aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias».
As palavras de Francisco, pronunciadas na audiência semanal que decorreu na Praça de S. Pedro, foram inspiradas na parábola do Evangelho em que «um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e fazia todos os dias esplêndidos banquetes» despreza um pedinte, de nome Lázaro, que, «coberto de chagas», desejava «saciar-se com o que caía da mesa» do proprietário abastado (Lucas 16, 19-27).
«Nenhum mensageiro e nenhuma mensagem poderão substituir os pobres que encontramos no caminho, porque neles se encontra o próprio Jesus: “Tudo aquilo que fizestes a um só destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes"», sublinhou o papa, citando outro passo do Novo Testamento.
Excertos da catequese:
«A vida destas duas pessoas parece decorrer em pistas paralelas: as suas condições de vida são opostas e, de todo, não comunicantes. O portão da casa do rico está sempre fechado ao pobre, que jaz do lado de fora, procurando comer alguma sobra da mesa do rico. Este veste roupas de luxo, enquanto Lázaro está coberto de chagas; o rico faz diariamente lautos banquetes, enquanto Lázaro morre de fome. Só os cães tomam conta dele e vão lamber as suas feridas. Esta cena recorda a dura admoestação do Filho do homem no juízo final: “Tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, estava […] nu e não me vestistes». Lázaro representa o grito silencioso dos pobres de todos os tempos e a contradição de um mundo cujas riquezas e recursos estão nas mãos de poucos.»
Jesus diz que um dia aquele homem rico morre, os pobres e ricos morrem, têm o mesmo destino, todos nós sem exceção, e então dirige-se a Abraão, suplicando-lhe, com o apelativo de “pai”. Reivindica por isso ser seu filho, pertencente ao povo de Deus. Todavia, enquanto viveu, não mostrou qualquer consideração por Deus, pelo contrário, fez de si próprio o centro de tudo, fechado no seu mundo de luxo e de desperdício. Ao excluir Lázaro, não teve em qualquer conta nem o Senhor nem a sua lei. Ignorar o pobre é desprezar Deus. E isto devemos aprendê-lo bem, ignorar o pobre é desprezar Deus.
Há um motivo particular na parábola que deve ser notado: o rico não tem um nome, enquanto que o do pobre é repetido cinco vezes, e “Lázaro” significa “Deus ajuda”. Lázaro, que jaz diante da porta, é um chamamento vivo para se recordar de Deus, mas o rico não acolhe tal chamamento. Será condenado, portanto, não pelas suas riquezas, mas porque foi incapaz de sentir compaixão por Lázaro e de o socorrer.»
«Na segunda parte da parábola reencontramos Lázaro e o rico depois da sua morte. No além, a situação inverteu-se: o pobre Lázaro foi levado pelos anjos ao céu, junto de Abraão, enquanto que o rico, ao contrário, é precipitado entre os tormentos. Então o rico, “ergueu os olhos e viu, ao longe, Abraão, e Lázaro junto dele”. Ele parece ver Lázaro pela primeira vez, mas as suas palavras traem-no: “Pai Abraão – diz -, tem piedade de mim e manda Lázaro – já o conhecia – molhar em água a ponta do dedo e refrescar-me a língua, porque sofro terrivelmente nestas chamas”. Agora o rico reconhece Lázaro e pede-lhe ajuda, enquanto que em vida fingia que não o via. Quantas vezes tanta gente finge não ver o pobre, para eles os pobres não existem».
«Primeiro, negava-lhe as sobras da sua mesa, e agora queria que ele lhe levasse de beber. Ainda acredita poder dispor de direitos pela sua precedente condição social. Declarando impossível satisfazer o seu pedido, Abraão em pessoa oferece a chave de toda a narrativa: ele explica que bens e males foram distribuídos de modo a compensar a injustiça terrena, e a porta que separava, em vida, o rico do pobre, transformou-se num “grande abismo”. Quando Lázaro estava sob a sua casa, para o rico havia a possibilidade de salvação, escancarar a porta e ajudar Lázaro, mas agora, quando ambos morreram, a situação tornou-se irreparável. Deus nunca é chamado diretamente, mas a parábola coloca claramente em guarda: a misericórdia de Deus para connosco está ligada à nossa misericórdia para com o próximo; quando esta falta, também aquela não encontra espaço no nosso coração fechado, não pode entrar. Se eu não abro a porta do meu coração ao pobre, aquela porta permanece fechada, mesmo para Deus, e isto é terrível.»
«Neste ponto, o rico pensa nos sues irmãos, que se arriscam a ter o mesmo fim, e pede a Lázaro que regresse ao mundo para os avisar. Mas Abraão replica: “Têm Moisés e os profetas, que os escutem”. Para nos convertermos não devemos esperar acontecimentos prodigiosos, mas abrir o coração à Palavra de Deus, que nos chama a amar a Deus e o próximo. A Palavra de Deus pode fazer reviver um coração ressequido e curá-lo da sua cegueira. O rico conhecia a Palavra de Deus, mas não a escutou, não a acolheu no coração, porque foi incapaz de abrir os olhos e de ter compaixão do pobre. Nenhum mensageiro e nenhuma mensagem podem substituir os pobres que encontramos no caminho, porque neles se encontra o próprio Jesus: “Tudo aquilo que fizestes a um só destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”. Também na inversão das sortes que a parábola descreve está oculto o mistério da nossa salvação, em que Cristo une a pobreza à misericórdia.»
«Queridos irmãos e irmãs, escutando este Evangelho, todos nós, juntamente com os pobres da Terra, possamos cantar com Maria: «Derrubou os poderosos de seus tronos, exaltou os humildes; aos famintos encheu de bens, aos ricos despediu de mãos vazias”.»
Após a catequese, Francisco dirigiu uma saudação «com especial afeto» às «crianças ucranianas, órfãs e refugiadas por causa do conflito» que continua a ocorrer no país, tendo renovado a sua oração «para que se chegue a uma paz duradoura, que possa aliviar a população tão sofrida e ofereça um futuro sereno às novas gerações»
No dia em que se assinala o aniversário de nascimento do papa S. João Paulo II, Francisco rezou pela Polônia e paro povo polaco.
Papa Francisco 18.05.2016
Imagem: site do vaticano 21.10.2021
«Mesmo nas situações mais duras da vida, Deus quer abraçar-me»: O papa e a parábola do Pai misericordioso
O papa meditou hoje sobre a parábola bíblica do Pai misericordioso (Lucas 15, 11-32), também conhecida pela parábola do filho pródigo, tendo lembrado as pessoas que «fizeram escolhas erradas e não conseguem olhar para o futuro», bem como «aqueles que têm fome de misericórdia e de perdão e acreditam que não a merecem».
Na intervenção que proferiu durante a audiência geral, realizada na Praça de S. Pedro, no Vaticano, Francisco sublinhou que a parábola permite «conhecer a misericórdia infinita de Deus». Excertos da catequese:
«Comecemos pelo fim, isto é, da alegria do coração do Pai, que diz: “Façamos festa, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado”. Com estas palavras o pai interrompeu o filho menor no momento em que confessava a sua culpa: “Já não sou digno de ser chamado teu filho”.
Esta expressão é insuportável para o coração do pai, que, antes, se apressa a restituir ao filho os sinais da sua dignidade: a bela roupa, o anel, o calçado. Jesus não descreve um pai ofendido e ressentido, que lhe diz ‘vais pagar-mas’ (…); ao contrário, a única coisa que o pai tem no coração é que este filho está diante de si são e salvo.
O acolhimento do filho que regressa é descrito de modo comovente: “Quando ainda estava longe, o seu pai viu-o, teve compaixão, correu ao seu encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e beijou-o”. Viu-o ao longe, significa que o esperava continuamente, do alto. Esperava-o, é uma coisa bela a ternura do pai.
A misericórdia do pai é extravasante, incondicional, e manifesta-se ainda antes que o filho fale. Certo, o filho sabe que errou e reconhece-o: “Pequei… trata-me como um dos teus assalariados”. Mas estas palavras dissolvem-se perante o perdão do pai. O abraço e o beijo do seu papá fazem-lhe compreender que foi sempre considerado filho, apesar de tudo, mas é sempre o seu filho.
É importante este ensinamento de Jesus: a nossa condição de filhos de Deus é fruto do amor do coração do Pai; não depende dos nossos méritos ou das nossas ações, e por isso ninguém a pode tirar. Ninguém pode tirar esta dignidade, nem sequer o diabo.
Esta palavra de Jesus encoraja-nos a nunca desesperar. Penso nas mães e nos pais apreensivos quando veem os filhos afastar-se em caminhos perigosos. Penso nos párocos e catequistas que por vezes se perguntam se o seu trabalho foi em vão. Mas penso também em quem se encontra na prisão, parecendo-lhe que a sua vida acabou; a quantos fizeram escolhas erradas e não conseguem olhar para o futuro; a todos aqueles que têm fome de misericórdia e de perdão e acreditam que não a merecem.
Em qualquer situação da vida, não devo esquecer que nunca deixarei de ser filho de Deus, de um Pai que me ama e espera o meu regresso. Mesmo nas situações mais duras da vida, Deus espera-me, quer abraçar-me.
Na parábola há um outro filho, o maior; também ele precisa de descobrir a misericórdia do pai. Ele ficou sempre em casa, mas é muito diferente do pai. As suas palavras não conhecem a ternura: “Eu sirvo-te há tantos anos e nunca desobedeci a uma ordem tua… mas agora que voltou este teu filho…”. Fala com desprezo. Nunca diz “pai”, “irmão”. Vangloria-se de ter ficado sempre junto ao pai e de o ter servido; todavia nunca viveu com alegria esta proximidade. E agora acusa o pai de nunca lhe ter dado um cabrito para festejar. Pobre pai! Um filho tinha ido embora e o outro nunca lhe foi verdadeiramente próximo. O sofrimento do pai é como o sofrimento de Deus e de Jesus, quando nos afastamos ou quando pensamos que somos próximos e, em vez disso, não o somos.
O filho maior tem também necessidade de misericórdia. Este filho representa-nos quando perguntamos se vale a pena cansarmo-nos tanto se depois nada recebemos em troca. Jesus recorda-nos que na casa do Pai não se permanece para ter uma compensação, mas porque se tem a dignidade dos filhos corresponsáveis. Não se trata de uma permuta com Deus, mas de estar no seguimento de Jesus, que se deu a si próprio, sem medida, na cruz.
“Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu, mas tínhamos de fazer festa e alegrar-nos”. Assim diz o pai ao filho maior. A sua lógica é da misericórdia. O filho menor pensava que merecia um castigo por causa dos próprios pecados, o filho maior esperava uma recompensa pelos seus serviços. Os dois irmãos não falam entre eles, vivem histórias diferentes, mas ambos pensam segundo uma lógica estranha a Jesus: se fazes bem, recebes um prémio, se fazes mal, és castigado.
Esta lógica é subvertida pelas palavras do pai: “Tínhamos de fazer festa e alegrar-nos porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado”. O filho recuperou o filho perdido, e agora pode igualmente restituí-lo ao seu irmão. Sem o menor, também o filho maior deixa de ser um “irmão”. A maior alegria para o pai é ver que os seus filhos se reconhecem irmãos.
Os filhos podem decidir unir-se à alegria do pai ou recusar. Devem interrogar-se sobre os próprios desejos e sobre a visão que têm da vida. A parábola termina deixando o final suspenso: não sabemos o que o filho maior decidiu. E isto é um estímulo para nós. Este Evangelho ensina-nos que todos temos necessidade de entrar na casa do Pai e participar na sua alegria, na festa da misericórdia e da fraternidade. Irmãos e irmãs, abramos o nosso coração, para sermos misericordiosos como o Pai.»
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 11.05.2016 no SNPC de Portugal
A parábola do Evangelho em que um pastor é impelido a abandonar as suas 99 ovelhas para ir recuperar uma que se tinha transviado esteve na base da catequese que o papa proferiu esta manhã, na Praça de S. Pedro, no Vaticano, durante a audiência-geral semanal.
«Estamos todos avisados: a misericórdia para com os pecadores é o estilo com que Deus age, e a tal misericórdia Ele é absolutamente fiel: nada nem ninguém poderão demovê-lo da sua vontade de salvação», acentuou.
Excertos da intervenção:
«Trata-se de um paradoxo que induz a duvidar do agir do pastor: é sensato abandonar as noventa e nove por uma só ovelha? Ainda mais não estando na segurança de um redil, mas no deserto? Segundo a tradição bíblica, o deserto é lugar de morte onde é difícil encontrar alimento e água, sem refúgio e à mercê das feras e dos ladrões. Que poderão fazer noventa e nove ovelhas indefesas?»
«O ensinamento que Jesus nos quer dar é sobretudo o de que nenhuma ovelha pode estar perdida. O Senhor não pode resignar-se ao facto de que mesmo uma só pessoa possa perder-se. O agir de Deus é o de quem vai á procura dos filhos perdidos, para depois fazer festa e alegrar-se com todos por os ter reencontrado. Trata-se de um desejo irreprimível: nem sequer as noventa e nove ovelhas podem deter o pastor e tê-lo fechado no redil.»
«O rebanho do Senhor está sempre a caminho: não possui o Senhor, não pode iludir-se de o aprisionar nos nossos esquemas e nas nossas estratégias. O pastor será encontrado onde está a ovelha perdida. O Senhor, portanto, deve ser procurado onde Ele quer encontrar-nos, não onde nós pretendemos encontrá-lo. De nenhum outro modo se poderá recompor o rebanho a não ser seguindo a via traçada da misericórdia do pastor.»
«Enquanto procura a ovelha perdida, ele provoca as noventa e nove para que participem na reunificação do rebanho. Então não é só a ovelha [perdida] que é levada [pelo pastor] às costas, mas todo o rebanho seguirá o pastor até à sua casa para fazer festa com «amigos e vizinhos».
«Deveremos refletir muitas vezes nesta parábola, porque na comunidade cristã há sempre alguém que falta e foi-se embora deixando o lugar vazio. Às vezes isto é desencorajador e leva-nos a crer que é uma perda inevitável, uma doença sem remédio. É então que corremos o perigo de nos fecharmos dentro de um redil, onde não haverá o odor das ovelhas mas mau cheiro de fechamento.»
«Isto acontece quando falta o impulso missionário que nos leva a encontrar os outros. Na visão de Jesus não há ovelhas definitivamente perdidas (…), mas só ovelhas que vão ser reencontradas. A perspetiva, portanto, é totalmente dinâmica, aberta, estimulante e criativa. Impele-nos a sair à procura para empreender um caminho de fraternidade.»
«Nenhuma distância pode manter longe o pastor; e nenhum rebanho pode renunciar a um irmão. Encontrar quem se perdeu é a alegria do pastor e de Deus, mas é também a alegria de todo o rebanho. Somos todos ovelhas reencontradas e recolhidas pela misericórdia do Senhor, chamados a recolher para junto dele todo o rebanho.»
Na saudação aos peregrinos de língua portuguesa, o papa Francisco afirmou: «Irmãos e amigos, estais em boas mãos, estais nas mãos da Virgem Maria. Ela vos proteja da tentação de prescindir dos outros, pensando em salvar-vos sozinhos. Rezai por mim! Que Deus vos abençoe!»
Durante este Jubileu [da Misericórdia] refletimos várias vezes sobre o facto de Jesus se exprimir com uma ternura única, sinal da presença e da bondade de Deus. Hoje deter-nos-emos sobre um passo comovente do Evangelho (cf. Mateus 11, 28-30), no qual Jesus diz: «Vinde a mim, vós todos que andais cansados e oprimidos, e eu vos darei descanso (…). Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para a vossa vida».
O convite do Senhor é surpreendente: chama a segui-lo pessoas simples e sobrecarregadas por uma vida difícil, pessoas que têm muitas necessidades, e promete-lhes que nele encontrarão repouso e alívio.
O convite é dirigido de forma imperativa: «Vinde a mim», «tomai o meu jugo» e «aprendei de mim». Procuremos colher o significado destas expressões. Se todos os líderes do mundo pudessem dizer isto. O primeiro imperativo é: «Vinde a mim».
Dirigindo-se àqueles que estão cansados e oprimidos, Jesus apresenta-se como o Servo do Senhor descrito no livro do profeta Isaías, que diz: «O Senhor deu-me uma língua de discípulo, para que eu saiba dirigir uma palavra aos desanimados». A estes desanimados da vida, o Evangelho junta muitas vezes os pobres e os pequenos. Trata-se de quantos não podem contar com os próprios meios nem com amizades importantes.
Estes só podem confiar em Deus. Conscientes da própria condição humilde e mísera, sabem que dependem da misericórdia do Senhor, esperando dele a única ajuda possível. No convite de Jesus encontram finalmente resposta à sua espera: tornando-se seus discípulos, recebem a promessa de encontrar descanso para toda a vida. Uma promessa que no termo do Evangelho é estendida a todas as pessoas: «Ide – disse Jesus aos apóstolos – e fazei discípulos todos os povos».
Acolhendo o convite a celebrar este ano de graça do Jubileu, em todo o mundo os peregrinos atravessam a Porta da Misericórdia aberta nas catedrais e nos santuários, em muitas igrejas do mundo, nos hospitais, nas prisões, tudo isto para encontrar Jesus, a sua amizade, o descanso que só Jesus sabe dar.
Este caminho exprime a conversão de cada discípulo que se coloca no seguimento de Jesus. E a conversão consiste sempre no descobrir a misericórdia do Senhor, infinita e inesgotável, é grande a misericórdia do Senhor. Atravessando a Porta Santa, portanto, professamos que o amor está presente no mundo e que este amor é mais poderoso do qualquer género de mal, no qual o homem, a humanidade, o mundo estão envolvidos.
O segundo imperativo diz: «Tomai o meu jugo». No contexto da Aliança, a tradição bíblica utiliza a imagem do jugo para indicar o vínculo estreito que liga o povo a Deus e, consequentemente, a submissão à sua vontade expressa na Lei. Em polémica com os escribas e fariseus, Jesus põe sobre os seus discípulos o seu jugo, no qual a Lei encontra o seu cumprimento. Quer ensinar-lhes que descobrirão a vontade de Deus mediante a sua pessoa, mediante Jesus, não mediante leis e prescrições frias que o próprio Jesus condena. Ele está no centro da sua relação com Deus, está no coração das relações entre os discípulos e coloca-se como fulcro da vida de cada um. Recebendo o “jugo de Jesus” cada discípulo entra assim em comunhão com Ele e é tornado partícipe do mistério da sua cruz e do seu destino de salvação.
Daqui se segue o terceiro imperativo: «Aprendei de mim». Aos seus discípulos Jesus preconiza um caminho de conhecimento e de imitação. Jesus não é um mestre que com severidade impõe aos outros pesos que Ele não carrega – esta é a acusação que fazia aos doutores da lei. Ele dirige-se aos humildes e aos pequenos porque Ele próprio é pobre e provado pelas dores. Para salvar a humanidade Jesus não percorreu um caminho fácil; ao contrário, o seu caminho foi doloroso e difícil. Como recorda a Carta aos Filipenses: «Humilhou-se a si mesmo fazendo-se obediente até à morte, e a uma morte de cruz». O jugo que os pobres e os oprimidos carregam é o próprio jugo que Ele levou antes deles: por isso é um jugo leve. Ele tomou sobre as costas as dores e os pecados de toda a humanidade.
Para o discípulo, portanto, receber o jugo de Jesus significa receber a sua revelação e acolhê-la: nele a misericórdia de Deus assumiu a pobreza dos homens, dando assim a todos a possibilidade da salvação. Mas porque é que Jesus é capaz de dizer isto? Porque Ele fez-se tudo para todos, deu-se aos pobres, às pessoas, trabalhava todos os dias com elas, Jesus não era um príncipe. É mau para a Igreja quando os pastores se tornam príncipes, afastados das pessoas, dos mais pobres. Esse não é o espírito de Jesus; a estes pastores Jesus repreendia e dizia: «Fazei aquilo que dizem mas não aquilo que fazem».
Queridos irmãos e irmãs, também para nós há momentos de exaustão e de desilusão. Recordemos então estas palavras do Senhor, que nos dão muita consolação e nos fazem compreender se estamos a colocar as nossas forças ao serviço do bem. Com efeito, às vezes a nossa exaustão é causada por termos posto a confiança em coisas que não são o essencial, porque nos afastámos daquilo que vale realmente na vida. O Senhor ensina-nos a não ter medo de o seguir, porque a esperança que nele colocamos não será desiludida.
Por isso somos chamados a aprender dele o que significa viver de misericórdia para sermos instrumentos de misericórdia. Viver de misericórdia para sermos instrumentos de misericórdia, viver de misericórdia quer dizer ser necessitados de Jesus e aprendermos assim a ser misericordiosos com os outros. Ter fixo o olhar no Filho de Deus faz-nos compreender quanto caminho ainda temos de fazer; mas ao mesmo tempo infunde-nos a alegria de saber que estamos a caminhar com Ele e nunca estamos sós. Coragem, por isso, coragem! Não nos deixemos tirar a alegria de sermos discípulos do Senhor. «Mas, padre, eu sou um pecador»: deixa-te ir e, Jesus, sente sobre ti a sua misericórdia e o teu coração será repleto de alegria e perdão. Não nos deixemos roubar a esperança de viver esta vida juntamente com Ele e com a força da sua consolação.
Papa Francisco
Audiência geral, Vaticano, 14.9.2016
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 14.09.2016 no SNPC de Portugal
Imagem: site do Vaticano 2020
Ouvimos o trecho do Evangelho de Lucas (6, 36-38), do qual foi tirado o lema deste Ano Santo Extraordinário: Misericordiosos como o Pai. A expressão completa é: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (v. 36). Não se trata de um slogan de efeito, mas de um compromisso de vida. Para compreender bem esta expressão, podemos confrontá-la com a paralela do Evangelho de Mateus, onde Jesus diz: «Sede, pois, perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está nos Céus» (5, 48). No chamado sermão da montanha, que começa com as Bem-Aventuranças, o Senhor ensina que a perfeição consiste no amor, cumprimento de todos os preceitos da Lei. Nesta mesma ótica, são Lucas explicita que a perfeição é o amor misericordioso: ser perfeito significa ser misericordioso. Alguém que não é misericordioso é perfeito? Não! É boa a pessoa que não é misericordiosa? Não! A bondade e a perfeição radicam-se na misericórdia. Sem dúvida, Deus é perfeito. No entanto, se o considerarmos assim, para os homens será impossível tender para esta perfeição absoluta. Contudo, tê-lo diante dos olhos como misericordioso permite-nos entender melhor em que consiste a sua perfeição, impelindo-nos a ser como Ele, cheios de amor, compaixão, misericórdia. Mas questiono-me: são realistas as palavras de Jesus? É realmente possível amar como Deus ama, ser misericordioso como Ele?
Se olharmos para a história da salvação, veremos que toda a revelação de Deus é um amor incessante e incansável pelos homens: Deus é como um pai ou como uma mãe que ama com um amor insondável, derramando-o copiosamente sobre cada criatura. A morte de Jesus na cruz é o ápice da história de amor de Deus pelo homem. Um amor tão grande que só Deus o pode concretizar. É evidente que, comparado com este amor desmedido, o nosso amor será sempre imperfeito. Mas quando Jesus nos pede para ser misericordiosos como o Pai, não pensa na quantidade! Pede aos seus discípulos que se tornem sinal, canais, testemunhas da sua misericórdia.
E a Igreja não pode deixar de ser sacramento da misericórdia de Deus no mundo, em todos os tempos e para a humanidade inteira. Portanto, cada cristão está chamado a ser testemunha da misericórdia, e isto acontece no caminho da santidade. Pensemos em quantos santos se tornaram misericordiosos porque deixaram que seus corações se enchessem de misericórdia divina. Deram corpo ao amor do Senhor, derramando-o nas múltiplas necessidades da humanidade sofredora. Neste florescer de tantas formas de caridade é possível entrever os reflexos da face misericordiosa de Cristo.
Interroguemo-nos: para os discípulos, o que significa ser misericordiosos? Jesus explica-o com dois verbos: «perdoar» (v. 37) e «doar» (v. 38).
A misericórdia exprime-se antes de tudo no perdão: «Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados» (v. 37). Jesus não tenciona subverter o curso da justiça humana, mas recorda aos discípulos que para manter relações fraternas é preciso suspender o juízo e a condenação. Com efeito, o perdão é o pilar que sustenta a vida da comunidade cristã, porque é nele que se manifesta a gratuitidade do amor com que Deus nos amou primeiro. O cristão deve perdoar! Mas porquê? Porque foi perdoado. Todos nós que estamos hoje aqui, na praça, fomos perdoados. Todos nós, na nossa vida, tivemos necessidade do perdão de Deus. E dado que fomos perdoados, devemos perdoar. Recitamos todos os dias no Pai-Nosso: «Perdoai-nos os nossos pecados, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido». Ou seja, perdoar as ofensas, perdoar tantas coisas, porque nós fomos perdoados de tantas ofensas, de tantos pecados. Assim, é fácil perdoar: se Deus me perdoou, por que razão não devo perdoar os outros? São maiores do que Deus? Este pilar do perdão mostra-nos a gratuitidade do amor de Deus, que nos amou primeiro. É errado julgar e condenar o irmão que peca. Não porque não queremos reconhecer o pecado, mas porque condenar o pecador interrompe o vínculo de fraternidade com ele e despreza a misericórdia de Deus, que no entanto não quer renunciar a nenhum dos seus filhos. Não temos o poder de condenar o nosso irmão que erra, não estamos acima dele: ao contrário, temos o dever de o resgatar para a dignidade de filho do Pai e de o acompanhar no seu caminho de conversão.
À sua Igreja, a nós, Jesus indica também um segundo pilar: «doar». Perdoar é o primeiro pilar; doar é o segundo. «Dai e ser-vos-á dado [...] também vós sereis julgados segundo a medida com a qual medirdes» (v. 38). Deus doa muito além dos nossos méritos, mas será ainda mais generoso com quantos, aqui na terra, tiverem sido generosos. Jesus não diz o que acontecerá com quantos não doam, mas a imagem da «medida» constitui uma admoestação: com a medida do amor que dermos, somos nós mesmos que decidimos como seremos julgados, como seremos amados. Observando bem, há uma lógica coerente: na medida em que se recebe de Deus, dá-se ao irmão; e na medida em que se dá ao irmão, recebe-se de Deus!
Por isso, o amor misericordioso é o único caminho a percorrer. Quanta necessidade temos todos nós de ser um pouco mais misericordiosos, de não falar mal do próximo, de não julgar, de não «depenar» os outros com críticas, invejas e ciúmes. Devemos perdoar, ser misericordiosos, viver a nossa existência no amor. Este amor permite que os discípulos de Jesus não percam a identidade recebida dele, reconhecendo-se como filhos do mesmo Pai. Assim, no amor que eles puserem em prática na vida reflete-se a Misericórdia que não conhece ocaso (cf. 1 Cor 13, 1-12). Mas não nos esqueçamos disto: misericórdia e dom; perdão e dom. É assim que o coração se dilata, abrindo-se ao amor. Ao contrário, o egoísmo e a raiva reduzem o coração, que se endurece como uma pedra. O que preferis, um coração de pedra ou um coração repleto de amor? Se escolherdes um coração cheio de amor, sede misericordiosos!
Papa Francisco
Audiência Geral 21.09.2016 - Catequese das quartas-feiras
As palavras que Jesus pronuncia durante a sua Paixão encontram o seu ápice no perdão. Jesus perdoa: «Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34). Não são apenas palavras, porque se tornam um gesto concreto no perdão oferecido ao «bom ladrão», que estava ao seu lado. São Lucas fala de dois malfeitores crucificados com Jesus, que se dirigem a Ele com atitudes opostas.
O primeiro insulta-o, assim como o insulta todo o povo, e como fazem os chefes do povo, mas este pobre homem, impelido pelo desespero, diz: «Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!» (Lc 23, 39). Este grito dá testemunho da angústia do homem diante do mistério da morte e da trágica consciência de que só Deus pode ser a resposta libertadora: por isso, é impensável que o Messias, o Enviado de Deus, possa estar na cruz sem fazer nada para se salvar. Não compreendiam isto. Não entendiam o mistério do sacrifício de Jesus. E no entanto, Jesus salvou-nos permanecendo na cruz. Todos nós sabemos que não é fácil «permanecer na cruz», nas nossas pequenas cruzes de cada dia. Mas Ele permaneceu naquela grande cruz, naquele enorme sofrimento, e foi ali que nos salvou; foi ali que nos mostrou o seu poder supremo e que nos perdoou. É ali que se cumpre o seu dom de amor e que brota para sempre a nossa salvação. Morrendo na cruz, inocente entre dois criminosos, Ele testemunha que a salvação de Deus pode alcançar qualquer homem, em todas as condições, até na mais negativa e dolorosa. A salvação de Deus é para todos, sem excluir ninguém. É oferecida a todos. Por isso, o Jubileu constitui um tempo de graça e de misericórdia para todos, bons e maus, quantos são saudáveis e aqueles que sofrem. Recordai-vos daquela parábola que Jesus narra sobre a festa de casamento do filho de um poderoso da terra: quando os convidados não queriam participar, disse aos seus empregados: «Ide às encruzilhadas e convidai para as bodas todos aqueles que encontrardes» (Mt 22, 9). Todos nós somos chamados: bons e maus. A Igreja não existe só para os bons ou para quantos parecem bons ou para aqueles que se julgam bons; a Igreja existe para todos, e até de preferência para os maus, porque a Igreja é misericórdia. E este tempo de graça e de misericórdia faz-nos recordar que nada nos pode separar do amor de Cristo! (cf. Rm 8, 39). A quem está bloqueado num leito de hospital, a quantos vivem fechados numa prisão, àqueles que se encontram impedidos pelas guerras, digo: olhai para o Crucifixo; Deus está convosco, permanece convosco na cruz e oferece-se como Salvador a todos, a todos nós. A vós que sofreis tanto, digo: Jesus foi crucificado por vós, por nós, por todos. Deixai que o vigor do Evangelho penetre no vosso coração e vos console, dando-vos esperança e a íntima certeza de que ninguém está excluído do seu perdão. Contudo, podeis perguntar-me: «Mas diga-me, Padre, quem fez as piores coisas na vida, tem a possibilidade de ser perdoado?» — «Sim, sim!»: ninguém está excluído do perdão de Deus. Deve simplesmente aproximar-se arrependido de Jesus, com a vontade de ser abraçado por Ele!».
Assim era o primeiro malfeitor. O outro é o chamado «bom ladrão». As suas palavras são um maravilhoso modelo de arrependimento, uma catequese concentrada para aprender a pedir perdão a Jesus. Primeiro, ele dirige-se ao seu companheiro: «Nem sequer temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício?» (Lc 23, 40). Deste modo, põe em evidência o ponto de partida do arrependimento: o temor de Deus. Mas não o medo de Deus, não: o temor filial de Deus. Não é receio, mas aquele respeito que se deve a Deus, porque Ele é Deus. Trata-se de um respeito filial, porque Ele é Pai. O bom ladrão evoca a atitude fundamental que abre à confiança em Deus: a consciência do seu poder supremo e da sua bondade infinita. É este respeito confiante que ajuda a deixar espaço a Deus e a confiar na sua misericórdia.
Depois, o bom ladrão declara a inocência de Jesus e confessa abertamente a sua culpa: «Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas Ele não cometeu mal algum» (Lc 23, 41). Portanto, Jesus está ali na cruz para permanecer com os culpados: através desta proximidade, Ele oferece-lhes a salvação. Aquilo que é escândalo para os chefes, para o primeiro ladrão e para quantos se encontravam ali e zombavam de Jesus, na realidade é o fundamento da sua fé. E assim o bom ladrão torna-se testemunha da Graça; aconteceu o impensável: Deus amou-me a tal ponto que morreu na cruz por mim. A própria fé deste homem é fruto da graça de Cristo: os seus olhos contemplam no Crucificado o amor de Deus por ele, pobre pecador. É verdade, era ladrão, tinha roubado durante a vida inteira. Mas no fim, arrependido daquilo que fizera, olhando para Jesus, tão bom e misericordioso, conseguiu roubar o céu: ele é um bom ladrão!
Por fim, o bom ladrão dirige-se diretamente a Jesus, invocando a sua ajuda: «Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino» (Lc 23, 42). Chama-o pelo nome, «Jesus», com confiança, e assim confessa o que aquele nome indica: «O Senhor salva»: é isto que significa «Jesus». Aquele homem pede a Jesus que se recorde dele. Quanta ternura naquela expressão, quanto humanidade! É a necessidade que o ser humano tem de não ser abandonado, que Deus esteja sempre perto dele. Deste modo, um condenado à morte torna-se modelo do cristão que se confia a Jesus. Um condenado à morte é um modelo para nós, um modelo para o homem, para o cristão que confia em Jesus; e também modelo da Igreja que, na liturgia, muitas vezes invoca o Senhor, rezando: «Recorda-te... Recorda-te do teu amor...».
Enquanto o bom ladrão fala no futuro: «Quando entrares no teu Reino», a resposta de Jesus não se faz esperar; mas Ele fala no presente: «Hoje estarás comigo no Paraíso» (v. 43). Na hora da cruz, a salvação de Cristo alcança o seu apogeu; e a sua promessa ao bom ladrão revela o cumprimento da sua missão, ou seja, salvar os pecadores. No início do seu ministério, na sinagoga de Nazaré, Jesus tinha proclamado «a liberdade aos cativos» (Lc 4, 18); em Jericó, na casa do pecador público Zaqueu, proclamou que «o Filho do homem — isto é, Ele mesmo — veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19, 10). Na cruz, o derradeiro ato confirma a realização deste desígnio salvífico. Do início ao fim, Ele revelou-se como misericórdia, revelou-se como encarnação definitiva e irrepetível do amor do Pai. Jesus é verdadeiramente o semblante da misericórdia do Pai. E o bom ladrão chamou-o pelo nome: «Jesus». Trata-se de uma invocação breve, e todos nós podemos fazê-la muitas vezes durante o dia: «Jesus». Simplesmente «Jesus». E assim, fazei-a durante o dia inteiro.
Saudações
Queridos peregrinos de língua portuguesa, saúdo-vos cordialmente a todos, nomeadamente aos membros da «Comunidade católica de língua portuguesa na Alemanha», com votos de que, neste Ano Santo, possais fazer experiência da misericórdia de Deus para serdes testemunhas daquilo que mais lhe agrada: perdoar aos seus filhos e filhas. Rezai também por mim! Deus vos abençoe!
Dirijo mais uma vez o meu pensamento à amada e martirizada Síria. Continuo a receber notícias dramáticas sobre o destino das populações de Alepo, às quais me sinto unido no sofrimento, através da oração e da proximidade espiritual. Enquanto manifesto profunda dor e sentida preocupação pelo que continua a acontecer naquela cidade já martitizada, onde morrem crianças, idosos, doentes, jovens, idosos, tantos... renovo a todos o apelo, a fim de que se comprometam com todas as forças a favor da tutela dos civis, como obrigação imperativa e urgente. Apelo à consciência dos responsáveis pelos bombardeamentos, que deverão prestar contas a Deus!
Enfim, dirijo a minha saudação aos jovens, aos doentes e aos recém-casados. O exemplo de caridade de são Vicente de Paulo — que ontem recordamos como padroeiro das associações de caridade — vos leve, amados jovens, a realizar os projetos do vosso futuro com um alegre e abnegado serviço ao próximo; vos ajude, caros doentes, a enfrentar o sofrimento com o olhar fixo em Cristo; e vos anime, diletos recém-casados, a construir uma família sempre aberta aos pobres e ao dom da vida.
Papa Francisco 29.09.2016
Catequese das quartas feitas - Audiência geral
Ao princípio da celebração de hoje, dirigimos esta oração ao Senhor: «Criai em nós um coração generoso e fiel, para podermos servir-Vos, sem cessar, com lealdade e pureza de espírito» (Oração Coleta).
Sozinhos, não somos capazes de formar em nós um coração assim; só Deus pode fazê-lo e, por isso, Lho pedimos na oração, Lho suplicamos como um dom, como uma «criação» d’Ele. Desta forma, fomos introduzidos no tema da oração, que aparece no centro das leituras bíblicas deste domingo e nos interpela também a nós aqui reunidos para a canonização de alguns Santos e Santas novos. Estes alcançaram a meta, tiveram um coração generoso e fiel, graças à oração: rezaram com todas as forças, lutaram e venceram.
Rezaram… como Moisés, que foi sobretudo homem de Deus, homem de oração. Hoje, no episódio da batalha contra Amalec, vemo-lo de pé no cimo da colina com os braços erguidos; mas de vez em quando, com o peso, caíam-lhe os braços e, nesses momentos, o povo perdia; então Aarão e Hur fizeram Moisés sentar-se numa pedra e sustentavam os seus braços erguidos, até à vitória final.
Este é o estilo de vida espiritual que a Igreja nos pede: não para vencer a guerra, mas para vencer a paz!
No episódio de Moisés, há uma lição importante: o compromisso da oração exige que nos apoiemos uns aos outros. O cansaço é inevitável; por vezes, já não a conseguimos fazer, mas, com o apoio dos irmãos, a nossa oração pode continuar, até que o Senhor leve a bom termo a sua obra.
Escrevendo a Timóteo, seu discípulo e colaborador, São Paulo recomenda-lhe que permaneça firme naquilo que aprendeu e crê firmemente (cf. 2 Tm 3, 14). Contudo, também Timóteo não o conseguiria sozinho: não se vence a «batalha» da perseverança sem a oração. Não uma oração esporádica, intermitente, mas feita como Jesus ensina no Evangelho de hoje: «orar sempre, sem desfalecer» (Lc 18, 1). Esta é a maneira cristã de agir: ser firme na oração para se manter firme na fé e no testemunho. Entretanto, dentro de nós, surge uma voz: «Mas, Senhor, como é possível não nos cansarmos? Somos seres humanos; o próprio Moisés se cansou!» É verdade, cada um de nós cansa-se. Mas não estamos sozinhos, fazemos parte dum Corpo. Somos membros do Corpo de Cristo, a Igreja, cujos braços estão dia e noite erguidos para o céu, graças à presença de Cristo ressuscitado e do seu Espírito Santo. E só na Igreja e graças à oração da Igreja é que podemos permanecer firmes na fé e no testemunho.
Ouvimos a promessa de Jesus no Evangelho: Deus fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite (cf. Lc 18, 7). Eis o mistério da oração: grita, não te canses e, se te cansares, pede ajuda para manteres as mãos erguidas. Esta é a oração que Jesus nos revelou e deu no Espírito Santo. Rezar não é refugiar-se num mundo ideal, não é evadir-se numa falsa tranquilidade egoísta. Pelo contrário, rezar é lutar e deixar que o próprio Espírito Santo reze em nós. É o Espírito Santo que nos ensina a rezar, guia na oração e faz rezar como filhos.
Os Santos são homens e mulheres que se entranham profundamente no mistério da oração. Homens e mulheres que lutam mediante a oração, deixando rezar e lutar neles o Espírito Santo; lutam até ao fim, com todas as suas forças; e vencem, mas não sozinhos: o Senhor vence neles e com eles. Também estas sete testemunhas, que hoje foram canonizadas, travaram o bom combate da fé e do amor através da oração. Por isso permaneceram firmes na fé, com o coração generoso e fiel. Que Deus nos conceda também a nós, pelo exemplo e intercessão delas, ser homens e mulheres de oração; gritar a Deus dia e noite, sem nos cansarmos; deixar que o Espírito Santo reze em nós, e orar apoiando-nos mutuamente para permanecermos com os braços erguidos, até que vença a Misericórdia Divina.
Papa Francisco
Homilia da Santa Missa e canonização dos beatos
Salomão Leclercq, José Sanchez del Río, Manuel González García, Ludovico Pavoni
Afonso Maria Fusco, José Gabriel del Rosario Brochero, Elisabete da Santíssima Trindade
16.10.2016
Uma das consequências do chamado «bem-estar» é que as pessoas tendem a fechar-se em si mesmas, tornando-se insensíveis às exigências dos outros, iludindo-se com a apresentação de modelos de vida efémeros, que desaparecem depois de alguns anos, como se a nossa vida fosse uma moda para seguir e mudar em cada estação. Não é assim. A realidade deve ser recebida e enfrentada pelo que é, e com frequência nos deparamos com situações de necessidade urgente. É por isso que, entre as obras de misericórdia, encontramos a referência à fome e à sede: dar de comer aos famintos — há muitos hoje em dia — e de beber aos sedentos. Quantas vezes os meios de comunicação informam sobre populações que sofrem por falta de alimentos e de água, com graves consequências, especialmente para as crianças.
Face a determinadas notícias e sobretudo a certas imagens, a opinião pública comove-se e têm início campanhas de ajuda para estimular a solidariedade. As doações são generosas e deste modo podemos contribuir para aliviar o sofrimento de muitos. Esta forma de caridade é importante, mas talvez não nos envolve diretamente. Quando, ao contrário, indo pelas ruas, nos cruzamos com uma pessoa em necessidade, ou um pobre bate à porta da nossa casa, é muito diferente porque já não estamos diante de uma imagem, mas somos envolvidos em primeira pessoa. Já não há distância alguma entre mim e ele ou ela, e sinto-me interpelado. A pobreza em abstrato não nos interpela, mas faz-nos pensar, faz-nos lamentar; contudo quando vemos a pobreza na carne de um homem, de uma mulher, de uma criança, isto nos interpela! E portanto, o hábito que temos de fugir dos necessitados, de não nos aproximarmos deles, colorindo um pouco a realidade dos necessitados com os hábitos da moda para nos afastar dela. Quando me cruzo com o pobre já não há distância alguma entre nós. Neste caso, qual é a minha reação? Desvio o olhar e sigo em frente? Ou paro para falar e interesso-me do seu estado? E se fizermos isto haverá alguém que diz «Este é louco porque fala com um pobre!». Verifico se posso acolher a pessoa de algum modo ou procuro livrar-me dela rapidamente? Mas talvez ela peça só o necessário: algo para comer e beber. Pensemos um momento: quantas vezes recitamos o «Pai-Nosso», e no entanto não prestamos atenção àquelas palavras: «O pão nosso de cada dia nos dai hoje».
Na Bíblia, um Salmo diz que Deus é aquele que «dá o alimento a todos os viventes» (136, 25). A experiência da fome é dura. Quantos viveram períodos de guerra ou carestia sabem-no. Entretanto esta experiência repete-se todos os dias e convive ao lado da abundância e do desperdício. São sempre atuais as palavras do apóstolo Tiago: «De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Acaso esta fé poderá salvá-lo? Se a um irmão ou a uma irmã faltarem roupas e o alimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: “Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos”, mas não lhes der o necessário para o corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se não tiver obras, está morta em si mesma» (2, 14-17) porque é incapaz de realizar obras, de praticar caridade, de amar. Há sempre alguém que sente fome e sede e precisa de mim. Não posso delegar outra pessoa. Este pobre precisa de mim, da minha ajuda, da minha palavra, do meu compromisso. Estamos todos envolvidos nisto.
Também este é o ensinamento daquela página do Evangelho na qual Jesus, vendo o povo que há horas o seguia, pergunta aos seus discípulos: «Onde compraremos pão para que todos estes tenham o que comer?» (cf. Jo 6, 5). E os discípulos respondem: «É impossível, é melhor que os dispense...», Mas Jesus diz-lhes: «Não. Dai-lhes vós mesmos de comer» (cf. Mc 14. 16). Então entregaram a Jesus os poucos pães e peixes que traziam consigo, e Ele benzeu-os, partiu-os e fez com que fossem distribuídos a todos. É uma lição muito importante para nós. Diz-nos que o pouco que temos, se nos confiarmos às mãos de Jesus e o partilharmos com fé, torna-se uma riqueza superabundante.
O Papa Bento XVI, na Encíclica Caritas in veritate, afirma: «Dar de comer aos famintos é um imperativo ético para toda a Igreja. [...] O direito à alimentação e à água revestem um papel importante para a consecução de outros direitos [...] É necessária a maturação duma consciência solidária que considere a alimentação e o acesso à água como direitos universais de todos os seres humanos, sem distinções nem discriminações» (n. 27). Não nos esqueçamos das palavras de Jesus: «Eu sou o pão da vida» (Jo 6, 35) e «Venha a mim quem tem sede» (Jo 7, 37). Para todos nós, crentes, estas palavras são uma provocação a reconhecer que, através do dar de comer aos famintos e de beber aos sedentos, passa a nossa relação com Deus, um Deus que revelou em Jesus o seu rosto de misericórdia.
Saudações
Queridos peregrinos de língua portuguesa, de coração vos saúdo a todos, nomeadamente aos grupos de Mogi Guaçu e de Pereiras, desejando-vos neste Ano Jubilar a graça de experimentar a grande força da Misericórdia, que nos faz entrar no coração de Deus e nos torna capazes de olhar o mundo com mais bondade. Assim Deus vos abençoe a vós e às vossas famílias.
Papa Francisco
Audiência Geral 19.10.2016
Prossigamos a reflexão sobre as obras de misericórdia corporais, que o Senhor Jesus nos confiou a fim de que a nossa fé se mantenha sempre viva e dinâmica. De fato, estas obras tornam evidente que os cristãos não estão cansados nem são preguiçosos na expetativa do encontro final com o Senhor, mas que todos os dias vão ter com Ele, reconhecendo o seu rosto naquele de tantas pessoas que pedem ajuda. Hoje meditemos sobre esta palavra de Jesus: «Era estrangeiro e acolhestes-me; estava nu e vestistes-me» (Mt 25, 35-36). No nosso tempo é atual como nunca a obra relativa aos estrangeiros. A crise econômica, os conflitos armados e as mudanças climáticas impelem muitas pessoas a emigrar. Contudo, as migrações não são um fenômeno novo, mas pertencem à história da humanidade. Consiste em falta de memória histórica pensar que elas sejam próprias apenas da nossa época.
A Bíblia oferece-nos muitos exemplos concretos de migração. É suficiente pensar em Abraão. A chamada de Deus impeliu-o a deixar o seu país e ir para outro: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar» (Gn12, 1). E assim aconteceu também para o povo de Israel, que do Egito, onde era escravo, caminhou durante quarenta dias no deserto até alcançar a terra prometida por Deus. A própria Sagrada Família — Maria, José e o menino Jesus — foi obrigada a emigrar para fugir das ameaças de Herodes: «José levantou-se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito. Ali permaneceu até à morte de Herodes» (Mt 2, 14-15). A história da humanidade é feita de migrações: em cada latitude não há povo que não tenha conhecido o fenômeno migratório.
A propósito, durante os séculos assistimos a grandes expressões de solidariedade, embora não tenham faltado também tensões sociais. Hoje, o contexto de crise econômica infelizmente favorece o emergir de comportamentos de fechamento e não acolhimento. Nalgumas partes do mundo erguem-se muros e barreiras. Às vezes parece que a obra silenciosa de muitos homens e mulheres que, de várias maneiras, se prodigalizam para ajudar e assistir os refugiados e os migrantes seja obscurecida pelo rumor de outros que dão voz a um egoísmo instintivo. Contudo o fechamento não é uma solução, pelo contrário, acaba por favorecer os tráficos criminosos. A única solução é a solidariedade. Solidariedade com o migrante, solidariedade com o estrangeiro...
Hoje o compromisso dos cristãos neste âmbito é urgente assim como era no passado. Observando só o século passado, recordamos a admirável figura de Santa Francisca Cabrini, que dedicou a sua vida juntamente com as suas companheiras aos migrantes rumo aos Estados Unidos da América. Também hoje precisamos destes testemunhos a fim de que a misericórdia possa alcançar muitos necessitados. É um compromisso que envolve todos, sem exclusão. As dioceses, as paróquias, os institutos de vida consagrada, as associações e os movimentos, assim como cada cristão, todos são chamados a acolher os irmãos e as irmãs que fogem da guerra, da fome, da violência e das condições de vida desumanas. Todos juntos somos uma grande força de apoio para quantos perderam pátria, família, trabalho e dignidade. Há alguns dias aconteceu uma pequena história urbana. Havia um refugiado à procura de uma rua e uma senhora aproximando-se dele, disse-lhe: «O senhor está a procurar algo?». O refugiado, que estava descalço, respondeu: «Gostaria de ir à praça de São Pedro para atravessar a Porta Santa». E a senhora pensou: «Mas sem sapatos como fará para caminhar?». E chamou um táxi. Mas o migrante, aquele refugiado cheirava mal e o motorista do táxi quase não o deixava entrar, mas no final aceitou levá-lo. E a senhora, ao lado dele, durante o percurso perguntou-lhe sobre a sua história de refugiado e de migrante: dez minutos para chegar à praça. O homem narrou a sua história de dor, de guerra, de fome e a razão pela qual fugiu da sua pátria para migrar para aqui. Quando chegaram, a senhora abriu a bolsa para pagar o táxi e o taxista, que no início não queria que o migrante entrasse porque cheirava mal, disse à senhora: «Não, senhora, sou eu que devo pagar-lhe porque me fez ouvir uma história que mudou o meu coração». Esta senhora sabia o que significa a dor de um migrante porque tem sangue armênio e conhece o sofrimento do seu povo. Quando fazemos algo deste tipo, no início não aceitamos porque nos incomoda um pouco, «... o mau cheiro...». Mas no final, a história perfuma-nos a alma e faz-nos mudar. Pensai nesta história e pensemos no que podemos fazer pelos refugiados.
Outro aspeto é vestir quem está nu: o que significa senão restituir dignidade a quem a perdeu? Certamente, dando roupas a quem não as tem; mas pensemos também nas mulheres vítimas do tráfico obrigadas a estar pelas ruas, ou noutras pessoas, são demasiados os modos de usar o corpo humano como mercadoria, até dos menores. E também não ter um trabalho, uma casa, um salário justo é uma forma de nudez, ou ser discriminados pela raça, pela fé, são todas formas de «nudez», diante das quais como cristãos somos chamados a estar atentos, vigilantes e prontos a agir.
Queridos irmãos e irmãs, não caiamos na armadilha de nos fecharmos em nós mesmos, indiferentes às necessidades dos irmãos e preocupados só com os nossos interesses. É precisamente na medida em que nos abrimos aos outros que a vida se torna fecunda, as sociedades restabelecem a paz e as pessoas recuperam a sua plena dignidade. E não vos esqueçais daquela senhora, do migrante que cheirava mal, nem do taxista ao qual o migrante mudou a alma.
Papa Francisco
Audiência Geral 26.10.2016
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A vida de Jesus, sobretudo nos três anos do seu ministério público, foi um encontro incessante com as pessoas. Entre elas, ocuparam um lugar especial os doentes. Quantas páginas dos Evangelhos narram estes encontros! O paralítico, o cego, o leproso, o endemoninhado, o epilético e numerosos enfermos de todos os tipos... Jesus fez-se próximo de cada um deles e curou-os com a sua presença e com o poder da sua força purificadora. Portanto, não pode faltar entre as obras de misericórdia a de visitar e assistir as pessoas enfermas.
Juntamente com ela podemos inserir também a de estar próximo das pessoas que se encontram na prisão. Com efeito, quer os doentes quer os presos vivem uma condição que limita a sua liberdade. E exatamente quando ela nos falta, sentimos como é preciosa! Jesus deu-nos a possibilidade de ser livres, não obstante os limites da doença e as restrições. Oferece-nos a liberdade que deriva do encontro com Ele e do sentido novo que este encontro confere à nossa condição pessoal.
Com estas obras de misericórdia o Senhor convida-nos a um gesto de grande humanidade: a partilha. Recordemos esta palavra: a partilha. Quem está doente, sente-se muitas vezes só. Não podemos esconder que, sobretudo nos nossos dias, é exatamente na doença que experimentamos de maneira mais profunda a solidão, que permeia uma grande parte da vida. Uma visita pode levar a pessoa doente a sentir-se menos só e um pouco de companhia é um ótimo remédio! Um sorriso, uma carícia, um aperto de mão, são gestos simples, mas muito importantes para quem se sente abandonado a si mesmo. Quantas pessoas se dedicam a visitar os enfermos nos hospitais ou nas casas! É uma impagável obra de voluntariado! Quando ela é feita em nome do Senhor, então torna-se inclusive expressão eloquente e eficaz de misericórdia. Não deixemos sós as pessoas doentes! Não impeçamos que elas encontrem alívio, e que nós sejamos enriquecidos pela proximidade a quantos sofrem. Os hospitais são verdadeiras «catedrais da dor», onde contudo se torna evidente também a força da caridade que sustém e sente compaixão.
Penso igualmente em quantos se encontram presos no cárcere. Jesus não se esqueceu também deles. Inserindo a visita aos encarcerados entre as obras de misericórdia, Ele quis convidar-nos antes de tudo a não sermos juízes de ninguém. Sem dúvida, se alguém está na prisão é porque errou, não respeitou a lei e a convivência civil. É por isso que se encontra na prisão, para cumprir a sua pena. Mas independentemente do que tiver feito, o preso continua a ser sempre amado por Deus. Quem pode entrar no íntimo da sua consciência, para compreender o que ele sente? Quem pode entender a sua dor e o seu remorso? É demasiado fácil lavar as mãos, afirmando que ele errou. Ao contrário, o cristão está chamado a responsabilizar-se por ele, para que quem errou compreenda o mal cometido e volte a cair em si mesmo. A falta de liberdade é indubitavelmente uma das maiores privações para o ser humano. Se a ela se acrescentar a degradação devida às condições muitas vezes desprovidas de humanidade nas quais estas pessoas se encontram a viver, então é verdadeiramente o caso em que o cristão se sente provocado a fazer de tudo para lhes restituir a dignidade.
Visitar as pessoas na prisão é uma obra de misericórdia que, sobretudo hoje, adquire um valor especial para as variadas formas de justicialismo às quais estamos submetidos. Portanto, ninguém aponte o dedo contra alguém. Ao contrário, todos nos tornemos instrumentos de misericórdia, com atitudes de partilha e de respeito. Penso com frequência nos presos... penso muitas vezes neles e trago-os no coração. Interrogo-me sobre o que os levou a cometer crimes e como puderam ceder às várias formas de mal. E no entanto, juntamente com tais pensamentos, sinto que todos precisam de proximidade e de ternura, porque a misericórdia de Deus realiza prodígios. Quantas lágrimas vi escorrer no rosto de prisioneiros que talvez nunca tinham chorado na sua vida; e isto só porque se sentiram acolhidos e amados.
E não nos esqueçamos que também Jesus e os Apóstolos fizeram a experiência da prisão. Nas narrações da Paixão, conhecemos os sofrimentos aos quais o Senhor foi submetido: capturado, arrastado como malfeitor, escarnecido, coroado de espinhos... Ele, o único Inocente! E inclusive são Pedro e são Paulo estiveram no cárcere (cf. At 12, 5; Fl 1, 12-17). Na tarde do domingo passado — dedicado ao Jubileu dos Presos — veio visitar-me um grupo de encarcerados paduanos. Perguntei-lhes o que teriam feito no dia seguinte, antes de voltar para Pádua. Disseram-me: «Iremos ao cárcere Mamertino para compartilhar a experiência de são Paulo». Foi bom, fez-me bem ouvir isto. Aqueles presos queriam encontrar Paulo prisioneiro. É algo bom, fez-me bem. E também ali, no cárcere, rezaram e evangelizaram. É comovedora a página dos Atos dos Apóstolos, onde se descreve o aprisionamento de Paulo: ele sentia-se só e desejava que alguns dos seus amigos o visitassem (cf. 2 Tm 4, 9-15). Sentia-se só, porque a grande maioria o tinha abandonado... o grande Paulo.
Como se vê, estas obras de misericórdia são antigas, e no entanto sempre atuais. Jesus deixou aquilo que fazia para ir visitar a sogra de Pedro; uma antiga obra de caridade. Jesus cumpriu-a. Não caiamos na indiferença, mas tornemo-nos instrumentos da misericórdia de Deus. Todos nós podemos ser instrumentos da misericórdia de Deus, e isto fará mais bem a nós do que aos outros, porque a misericórdia passa através de um gesto, de uma palavra, de uma visita, e esta misericórdia é um ato para restituir alegria e dignidade a quem a perdeu.
Saudações
Queridos peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos vos saúdo, especialmente aos membros dos grupos e entes vindos do Brasil e de Portugal, convidando-vos a pedir ao Senhor uma fé grande para verdes a realidade com o olhar de Jesus e uma caridade generosa para vos aproximardes das pessoas com o seu coração misericordioso. Assim Deus vos abençoe a vós e às vossas famílias!
Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos de expressão árabe, de maneira particular aos provenientes da Jordânia e da Terra Santa. A visita aos doentes e aos encarcerados infunde-lhes muito alívio e encorajamento, a fim de que não sintam a amargura da solidão. A visita proporciona uma grande riqueza também a quantos a realizam e leva a dar graças a Deus pela bênção da saúde e da liberdade. Somos nós que nos enriquecemos, quando nos aproximamos daqueles que sofrem, porque quem sofre desperta em nós a certeza da nossa pequenez e da nossa necessidade de Deus e dos outros. Que o Senhor abençoe todos vós e vos proteja do maligno!
Dirijo uma especial saudação aos jovens, aos doentes e aos recém-casados. Hoje celebramos a Dedicação da Basílica de São João de Latrão, Catedral de Roma. Rezai pelo Sucessor do Apóstolo Pedro, amados jovens, a fim de que ele confirme sempre os irmãos na fé; senti a proximidade do Papa na oração, estimados enfermos, para enfrentar a prova da enfermidade; ensinai com simplicidade a fé aos vossos filhos, diletos recém-casados, alimentando-a com o amor pela Igreja e pelos seus Pastores.
Papa Francisco
Audiência Geral - 9.11.2016
Dedicamos a catequese de hoje a uma obra de misericórdia que todos conhecemos muito bem, mas que talvez não a ponhamos em prática como deveríamos: suportar pacientemente as pessoas inoportunas. Todos somos capazes de identificar uma presença que pode incomodar: acontece quando encontramos alguém pela rua, ou quando recebemos um telefonema... Imediatamente pensamos: «Por quanto tempo tenho que ouvir as lamentações, as conversas, as solicitações ou as ostentações desta pessoa?». Às vezes acontece até que as pessoas inoportunas são as mais próximas de nós: entre os parentes há sempre alguma; no lugar de trabalho nunca faltam; e nem no tempo livre ficamos isentos delas. O que devemos fazer com as pessoas inoportunas? Mas também nós muitas vezes somos inoportunos para os outros. Por que entre as obras de misericórdia também ela está inserida?Suportar pacientemente as pessoas inoportunas?
Na Bíblia vemos que o próprio Deus deve usar misericórdia para suportar as lamentações do seu povo. Por exemplo no livro do Êxodo o povo resulta deveras insuportável: primeiro chora porque é escravo no Egito, e Deus liberta-o; depois, no deserto, lamenta-se porque não tem o que comer (cf. 16, 3), e Deus manda-lhe o maná (cf. 16, 13-16), e não obstante tudo as lamentações não cessam. Moisés era o mediador entre Deus e o povo, e também ele às vezes foi inoportuno para o Senhor. Mas Deus teve paciência e assim ensinou a Moisés e ao povo esta dimensão essencial da fé.
Portanto, surge espontânea uma primeira pergunta: às vezes fazemos o exame de consciência para verificar se também nós resultamos inoportunos aos outros? É fácil apontar o dedo contra defeitos e falhas dos outros, mas devemos aprender a pôr-nos no lugar dos outros.
Olhemos sobretudo para Jesus: quanta paciência teve nos três anos da sua vida pública! Certa vez, enquanto caminhava com os discípulos, foi interpelado pela mãe de Tiago e João, a qual lhe disse: «Ordena que estes meus dois filhos se sentem no teu Reino, um à tua direita e outro à tua esquerda» (Mt 20, 21). A mãe fazia a lobby pelos seus filhos, mas era a mãe... Jesus aproveita também esta situação para oferecer um ensinamento fundamental: o seu não é um reino de poder, e não é um reino de glória como os terrenos, mas de serviço e doação aos outros. Jesus ensina a ir sempre ao essencial e a olhar mais longe para assumir com responsabilidade a própria missão. Poderíamos ver aqui a evocação a outras duas obras de misericórdia espiritual: advertir os pecadores e ensinar os ignorantes. Pensemos no grande compromisso que podemos assumir quando ajudamos as pessoas a crescer na fé e na vida. Por exemplo, os catequistas — entre os quais se inserem muitas mães e religiosas — que dedicam tempo para ensinar aos jovens os elementos basilares da fé. Quanto esforço sobretudo quando os jovens prefeririam divertir-se a ouvir o catecismo!
Acompanhar na busca do essencial é bom e importante, porque nos faz partilhar a alegria de saborear o sentido da vida. Com frequência, acontece que nos encontramos com pessoas que dão importância a aspetos superficiais, efémeros e banais; muitas vezes porque não encontraram alguém que as estimulasse a procurar outra coisa, a apreciar os tesouros verdadeiros. Ensinar a olhar para o essencial é uma ajuda determinante, especialmente numa época como a nossa que parece ter perdido a orientação e persegue satisfações a curto prazo. Ensinar a descobrir o que o Senhor quer de nós e como lhes podemos corresponder significa pôr-nos a caminho para crescer na própria vocação, na vereda da alegria autêntica. Assim, as palavras de Jesus à mãe de Tiago e João, e depois ao grupo inteiro dos discípulos, indicam o caminho para evitar a queda na inveja, na ambição e na adulação, tentações que estão sempre à espreita também entre nós cristãos. A exigência de aconselhar, advertir e ensinar não nos deve fazer sentir superiores aos outros, mas obriga-nos antes de tudo a penetrar em nós mesmos para verificar se somos coerentes com quanto exigimos dos outros. Não nos esqueçamos das palavras de Jesus: «Por que vês tu o argueiro no olho do teu irmão e não reparas na trave que está no teu olho?» (Lc 6, 41). O Espírito Santo nos ajude a ser pacientes no suportar e humildes e simples no aconselhar.
Papa Francisco
Audiência Geral 16.11.2016
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Acabado o jubileu, hoje voltamos à normalidade, mas permanecem ainda algumas reflexões sobre as obras de misericórdia, e assim continuemos a falar sobre isto.
A reflexão sobre as obras de misericórdia espiritual hoje diz respeito a duas ações fortemente interligadas entre elas: aconselhar os duvidosos e ensinar aos ignorantes, ou seja, a quantos não sabem. A palavra ignorante é demasiado forte, mas quer dizer aqueles que não sabem algo e aos quais se deve ensinar. São obras que se podem viver quer numa dimensão simples, familiar, ao alcance de todos, quer — especialmente a segunda, a de ensinar — num plano mais institucional, organizado. Pensemos, por exemplo, em quantas crianças sofrem ainda de analfabetismo. Não se pode compreender isto: num mundo onde o progresso técnico-científico chegou a um patamar tão alto, há crianças analfabetas! É uma injustiça. Quantas crianças sofrem por falta de instrução. É uma condição de grande injustiça que mina a própria dignidade da pessoa. Além disso, sem instrução tornam-se facilmente reféns da exploração e de várias formas de degradação social.
A Igreja, ao longo dos séculos, sentiu a exigência de se comprometer no âmbito da instrução porque a sua missão de evangelização comporta o empenho de restituir dignidade aos mais pobres. Desde o primeiro exemplo de uma «escola» fundada precisamente aqui em Roma por São Justino, no segundo século, para que os cristãos conhecessem melhor a Sagrada Escritura, até São José de Calasanz, que abriu as primeiras escolas populares gratuitas da Europa, temos uma longa lista de santos e santas que em várias épocas levaram instrução aos mais desfavorecidos, sabendo que através deste caminho teriam ultrapassado a miséria e a discriminação. Quantos cristãos, leigos, irmãos e irmãs consagrados, sacerdotes dedicaram a própria vida à instrução, à educação das crianças e dos jovens. Isto é grande: convido-vos a prestar-lhe uma homenagem com uma calorosa salvas de palma! [aplauso dos fiéis]. Estes pioneiros da instrução tinham compreendido profundamente a obra de misericórdia, tornando-a um estilo de vida capaz de transformar a própria sociedade. Através de um trabalho simples e com poucas estruturas souberam restituir dignidade a muitas pessoas! E a instrução que proporcionavam era muitas vezes orientada também para o trabalho. Mas pensemos em São João Bosco, que preparava os meninos de rua para o trabalho, com o oratório e também com as escolas, os ofícios. Foi assim que surgiram muitas e diversas escolas profissionais, que habilitavam para o trabalho e educavam nos valores humanos e cristãos. Portanto, a instrução é deveras uma forma peculiar de evangelização.
Quanto mais cresce a instrução, mais as pessoas adquirem certezas e consciências, das quais todos necessitamos na vida. Uma boa instrução ensina-nos o método crítico, que inclui também um certo tipo de dúvida, útil para colocar perguntas e verificar os resultados alcançados, em vista de um conhecimento maior. Mas a obra de misericórdia de aconselhar os duvidosos não diz respeito a este tipo de dúvida. Ao contrário, expressar a misericórdia para com os duvidosos equivale a aliviar aquela dor e aquele sofrimento que provém do medo e da angustia que são consequências da dúvida. Portanto, é um ato de verdadeiro amor com o qual se tenciona apoiar uma pessoa na debilidade provocada pela incerteza.
Penso que alguém poderia questionar-me: «Padre, mas eu tenho tantas dúvidas sobre a fé, o que devo fazer? O senhor nunca tem dúvidas?». Tenho muitas... Certamente nalguns momentos as dúvidas surgem para todos! As dúvidas mexem com a fé, no sentido positivo, são o sinal de que queremos conhecer melhor e mais profundamente a Deus, Jesus, e o mistério do seu amor por nós. «Mas, tenho esta dúvida: procuro, estudo, vejo e peço conselhos sobre como agir». Estas são dúvidas que fazem crescer! Por conseguinte, é bom que façamos algumas perguntas sobre a nossa fé, porque deste modo somos impelidos a aprofundá-la. Todavia, as dúvidas devem ser também ultrapassadas. Por isso é necessário ouvir a Palavra de Deus, e compreender o que nos ensina. Um caminho importante que pode ajudar muito neste sentido é a catequese, com a qual o anúncio da fé vem ao nosso encontro no concreto da vida pessoal e comunitária. E há, ao mesmo tempo, outro caminho igualmente importante, o de viver o mais possível a fé. Não façamos da fé uma teoria abstrata onde as dúvidas se multiplicam. Ao contrário, façamos da fé a nossa vida. Procuremos praticá-la no serviço aos irmãos, especialmente dos mais necessitados. E então muitas dúvidas esvaecem, porque sentimos a presença de Deus e a verdade do Evangelho no amor que, sem o nosso mérito, habita em nós e compartilhemos com os outros.
Como podemos observar, queridos irmãos e irmãs, também estas duas obras de misericórdia não estão distantes da nossa vida. Cada um de nós pode comprometer-se em vivê-las para pôr em prática a palavra do Senhor quando diz que o mistério do amor de Deus não foi revelado aos sábios e aos inteligentes, mas aos pequeninos (cf. Lc 10, 21; Mt 11, 25-26). Portanto, o ensinamento mais profundo que somos chamados a transmitir e a certeza mais verdadeira para sair da dúvida, é o amor de Deus com o qual fomos amados (cf. 1 Jo 4, 10). Um grande amor, gratuito e concedido para sempre. Deus nunca retrocede com o seu amor! Vai sempre em frente e espera; doa para sempre o seu amor, do qual devemos sentir grande responsabilidade, para sermos o seu testemunho oferecendo misericórdia aos nossos irmãos. Obrigado.
Papa Francisco
Audiência Geral 23.11.2016
Com a catequese de hoje concluímos o ciclo dedicado à misericórdia. As catequeses acabam mas a misericórdia deve continuar! Demos graças a Deus por tudo isto, conservando-o no coração como consolação e conforto.
A última obra de misericórdia espiritual pede que se reze pelos vivos e pelos defuntos. Ao seu lado podemos pôr também a última obra de misericórdia corporal que exorta a sepultar os mortos. Este último pedido pode parecer estranho, mas nalgumas regiões do mundo nas quais se vive sob o flagelo da guerra, com bombardeamentos que dia e noite semeiam medo e vítimas inocentes, esta obra é tristemente atual. A Bíblia oferece um bonito exemplo a este propósito: o do velho Tobit, o qual, arriscando a própria vida, sepultava os mortos apesar da proibição do rei (cf. Tb 1, 17-19; 2, 2-4). Também hoje há quem põe em risco a vida para dar sepultura às pobres vítimas das guerras. Por conseguinte, esta obra de misericórdia corporal não está distante da nossa existência diária. E faz-nos pensar no que acontece na Sexta-Feira Santa, quando a Virgem Maria, com João e algumas mulheres estavam ao pé da cruz de Jesus. Depois da sua morte, veio José de Arimateia, um homem rico, membro do Sinédrio que se tornou discípulo de Jesus, e ofereceu-lhe o seu sepulcro novo, escavado na rocha. Foi pessoalmente ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus: uma verdadeira obra de misericórdia realizada com grande coragem (cf. Mt 27, 57-60)! Para os cristãos, a sepultura é um ato de piedade e também de grande fé. Depomos no túmulo o corpo dos nossos entes queridos com a esperança da sua ressurreição (cf. 1 Cor 15, 1-34). Este rito permanece muito forte e sentido no nosso povo, e encontra ressonâncias especiais no mês de novembro dedicado em particular à recordação e à oração pelos defuntos.
Rezar pelos defuntos, antes de tudo, é um sinal de gratidão pelo testemunho que nos deixaram e pelo bem que praticaram. É uma ação de graças ao Senhor por no-los ter doado e pelo seu amor e amizade. A Igreja reza pelos defuntos de modo particular durante a Santa Missa. O sacerdote diz: «Recordai Senhor dos vossos fiéis que nos precederam com o sinal da fé e dormem o sono da paz. Doai, Senhor, a eles e a todos os que repousam em Cristo, a beatitude, a luz e a paz» (Cânone romano). Uma recordação simples, eficaz, cheia de significado, porque confia os nossos entes queridos à misericórdia de Deus. Rezemos com esperança cristã para que estejam com Ele no paraíso, na expectativa de nos encontrarmos naquele mistério de amor que não compreendemos, mas que sabemos ser verdadeiro porque é uma promessa que Jesus fez. Todos ressuscitaremos e permaneceremos para sempre com Jesus, com Ele.
A recordação dos fiéis defuntos não deve fazer com que nos esqueçamos de rezar também pelos vivos, que connosco diariamente enfrentam as provações da vida. A necessidade desta oração é ainda mais evidente se a pusermos à luz da profissão de fé que diz: «Creio na comunhão dos santos». É o mistério que exprime a beleza da misericórdia que Jesus nos revelou. De fato, a comunhão dos santos indica que todos estamos imersos na vida de Deus e vivemos no seu amor. Todos, vivos e defuntos, estamos na comunhão, isto é, como uma união; unidos na comunidade de quantos receberam o Batismo, e de quantos se nutriram do Corpo de Cristo e fazem parte da grande família de Deus. Todos somos a mesma família, unidos. E por isso rezemos uns pelos outros.
Quantos modos diversos temos para rezar pelo nosso próximo! Todos são válidos e aceites por Deus se feitos com o coração. Penso de maneira particular nas mães e pais que abençoam os seus filhos de manhã e à noite. Ainda permanece este hábito nalgumas famílias: abençoar o filho é uma oração; penso na oração pelos doentes, quando vamos visitá-los e rezamos por eles; na intercessão silenciosa, às vezes com as lágrimas, em muitas situações difíceis pelas quais rezar. Ontem veio à Missa em Santa Marta um homem bom, um empresário. Aquele homem jovem deve fechar a sua fábrica porque não consegue mantê-la e chorava dizendo: «Não tenho coragem de deixar sem trabalho mais de cinquenta famílias. Poderia declarar a falência da empresa: volto para casa com o meu dinheiro, mas o meu coração chorará a vida inteira por estas cinquenta famílias». Eis um bom cristão que reza com as obras: veio à missa para rezar a fim de que o senhor lhe indique uma solução, não só para ele, mas para as cinquenta famílias. Este é um homem que sabe rezar, com o coração e com as ações, sabe orar pelo próximo. Está numa situação difícil. E não procura a saída mais fácil: «Que se arranjem eles». Este é um cristão. Fez-me muito bem ouvi-lo! E talvez haja tantos como ele, hoje, neste momento em que muitas pessoas sofrem pela falta de trabalho; penso também no agradecimento por uma boa notícia sobre um amigo, um parente, um colega... «Obrigado, Senhor, por esta boa coisa!», também isto é rezar pelos outros! Agradecer ao Senhor quando as coisas correm bem. Às vezes, como diz São Paulo, «não sabemos como rezar de modo conveniente, mas o próprio Espírito intercede com gemidos inexprimíveis» (Rm 8, 26). É o Espírito que ora dentro de nós. Portanto, abramos o nosso coração de maneira que o Espírito Santo, perscrutando os desejos que estão no mais profundo de nós, possa purificá-los e realizá-los. Contudo, por nós e pelos outros, peçamos sempre que se faça a vontade de Deus, como no Pai-Nosso, porque a sua vontade é certamente o maior bem, o bem de um Pai que nunca nos abandona: rezar e deixar que o Espírito Santo reze em nós. Isto é bonito na vida: rezar agradecendo, louvando a Deus, pedindo algo, chorando quando há uma dificuldade, como aquele homem. Mas o coração esteja sempre aberto ao Espírito para que reze em nós, connosco e por nós.
Concluindo estas catequeses sobre a misericórdia, comprometamo-nos a rezar uns pelos outros para que as obras de misericórdia corporais e espirituais se tornem cada vez mais o estilo da nossa vida. As catequeses, como disse no início, acabam aqui. Fizemos o percurso das catorze obras de misericórdia mas a misericórdia continua e devemos exercê-la nestes catorze modos. Obrigado.
Saudação
Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos de língua portuguesa aqui presentes. Neste início de Advento, somos convidados a ir ao encontro de Jesus que nos espera em todos os necessitados, aos quais podemos levar ajuda com as obras de misericórdia. Também eu quero recordar hoje a dor do povo brasileiro pela tragédia do time de futebol e rezar pelos jogadores defuntos, pelas suas famílias. Na Itália sabemos bem o que isso significa, pois lembramos o acidente aéreo de Superga em 1949. São tragédias duras. Rezemos por eles!
Papa Francisco
30 de novembro de 2016
Audiência Geral
Imagem: site do Vaticano
Hoje começamos uma nova série de catequeses, sobre o tema da esperança cristã. É muito importante, porque a esperança não desilude. O otimismo desengana, a esperança não! Precisamos muito dela nesta época que parece obscura, na qual às vezes nos sentimos perdidos diante do mal e da violência que nos circundam, perante a dor de tantos nossos irmãos. É necessária a esperança! Sentimo-nos confusos e até um pouco desanimados, porque nos descobrimos impotentes e temos a impressão que esta obscuridade nunca acaba.
Mas não podemos deixar que a esperança nos abandone, pois com o seu amor Deus caminha ao nosso lado. «Espero, porque Deus está ao meu lado»: todos nós podemos dizer isto. Cada um de nós pode dizer: «Espero, tenho esperança, pois Deus caminha comigo». Caminha e leva-me pela mão. Deus não nos deixa sós. O Senhor Jesus venceu o mal, abrindo-nos a senda da vida.
Então, em particular neste tempo de Advento que é tempo de espera, quando nos preparamos para receber mais uma vez o mistério consolador da Encarnação e a luz do Natal, é importante refletir sobre a esperança. Deixemo-nos ensinar pelo Senhor o que quer dizer esperar. Portanto, ouçamos as palavras da Sagrada Escritura, começando pelo profeta Isaías, o grande profeta do Advento, o grande mensageiro da esperança.
Na segunda parte do seu livro, Isaías dirige-se ao povo com um anúncio de consolação:
«Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus.
Fortalecei Jerusalém,
dizei-lhe em voz alta que as suas lidas terminaram,
que a sua falta foi expiada [...]».
Uma voz clama:
«Abri no deserto um caminho para o Senhor,
endireitai na estepe uma senda para o nosso Deus.
Todos os vales sejam aterrados,
todas as montanhas e colinas se abaixem;
os cimos sejam aplainados
as escarpas se nivelem!
Então manifestar-se-á a glória do Senhor;
todas as criaturas juntas apreciarão o esplendor,
porque a boca do Senhor o prometeu» (40, 1-2.3-5).
Deus Pai consola, suscitando consoladores aos quais pede que animem o povo, os seus filhos, anunciando que acabou a tribulação, terminou a dor e os pecados foram perdoados. É isto que cura o coração aflito e assustado. Por isso, o profeta pede que se prepare o caminho para o Senhor, abrindo-se aos seus dons e à sua salvação.
Para o povo, a consolação começa com a possibilidade de caminhar pela vereda de Deus, uma senda nova, endireitada e viável, um caminho a preparar no deserto, de modo a podê-lo atravessar e regressar à pátria. Porque o povo ao qual o profeta se dirige vivia a tragédia do exílio na Babilónia e agora, ao contrário, ouve dizer que poderá voltar para a sua terra, através de um caminho que se tornou fácil e amplo, sem vales nem montanhas que dificultem o caminho, uma estrada aplainada no deserto. Portanto, preparar esta vereda quer dizer preparar um caminho de salvação e de libertação de todos os obstáculos e tropeços.
O exílio foi um momento dramático na história de Israel, quando o povo perdeu tudo. O povo perdeu a pátria, a liberdade, a dignidade e até a confiança em Deus. Sentia-se abandonado e sem esperança. Ao contrário, eis o apelo do profeta que reabre o coração à fé. O deserto é um lugar onde é difícil viver, mas exatamente ali é possível caminhar agora para regressar não só à pátria mas a Deus, e voltar a esperar e sorrir. Quando estamos na escuridão, nas dificuldades, não sorrimos, e é precisamente a esperança que nos ensina a sorrir para encontrar o caminho que conduz a Deus. Uma das primeiras coisas que acontecem com as pessoas que se desligam de Deus é que deixam de sorrir. Talvez sejam capazes de dar uma gargalhada, uma após a outra, uma piada, uma risada... mas falta o sorriso! Só a esperança suscita o sorriso: é o sorriso da esperança de encontrar Deus.
A vida é muitas vezes um deserto, é difícil caminhar na vida, mas se nos confiarmos a Deus ela pode tornar-se bonita e ampla como uma rodovia. É suficiente nunca perder a esperança, continuar a crer sempre, não obstante tudo. Quando nos encontramos diante de uma criança, talvez possamos ter muitos problemas e dificuldades, mas o sorriso vem-nos de dentro, porque estamos perante a esperança: a criança é uma esperança! E assim devemos saber ver na vida o caminho da esperança que nos leva a encontrar Deus, o Deus que por nós se fez Menino. E far-nos-á sorrir, dando-nos tudo!
Depois, exatamente estas palavras de Isaías são citadas por João Batista na sua pregação, que convidava à conversão: Assim rezava: «Uma voz que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor» (Mt 3, 3). É uma voz que grita onde parece que ninguém possa ouvir — quem pode ouvir no deserto? — que clama na confusão devida à crise de fé. Não podemos negar que o mundo de hoje está em crise de fé. Diz-se: «Creio em Deus, sou cristão» — «Sou daquela religião...» mas a tua vida está muito distante de ser cristã, muito longe de Deus! A religião, a fé, decaiu numa expressão: «Creio?» — «Sim!». Mas aqui trata-se de voltar para Deus, converter o coração a Deus e percorrer este caminho para o encontrar. Ele espera-nos. Esta é a pregação de João Batista: preparar. Preparar o encontro com este Menino que nos restituirá o sorriso. Quando João Batista anuncia a vinda de Jesus é como se os israelitas ainda estivessem no exílio, porque vivem sob a dominação romana, que os torna estrangeiros na própria pátria, governados por ocupantes poderosos que decidem sobre as suas vidas. Mas a verdadeira história não é feita pelos poderosos, mas por Deus, juntamente com os seus pequeninos. A verdadeira história — que permanecerá para a eternidade — é escrita por Deus com os seus pequeninos: Deus com Maria, Deus com Jesus, Deus com José, Deus com os pequeninos. Os pequeninos e simples que encontramos ao redor de Jesus recém-nascido: Zacarias e Isabel, idosos e marcados pela esterilidade, Maria, jovem virgem noiva de José, os pastores desprezados que nada contavam. São os pequeninos, que se tornaram grandes graças à sua fé, os pequeninos que sabem continuar a esperar. A esperança é a virtude dos pequeninos. Os grandes, os satisfeitos, não conhecem a esperança, não sabem o que ela é.
São eles os pequeninos com Deus, com Jesus, que transformam o deserto do exílio, da solidão desesperada e do sofrimento numa vereda direta na qual caminhar para ir ao encontro da glória do Senhor. Vamos ao ponto: deixemos que nos ensinem a esperança. Esperemos confiantes na vinda do Senhor, e qualquer que seja o deserto das nossas vidas — cada um sabe em que deserto caminha — tornar-se-á um jardim de flores. A esperança não desilude!
Papa Francisco
Audiência Geral 7.12.2016
Aproximamo-nos do Natal e, mais uma vez, o profeta Isaías nos ajuda a abrir-nos à esperança recebendo a Boa Nova da vinda da salvação.
O capítulo 52 de Isaías começa com o convite dirigido a Jerusalém para que desperte, sacuda a poeira que a cobre, se livre das cadeias que a prendem e vista trajes de gala, porque o Senhor veio para libertar o seu povo (vv. 1-3). E acrescenta: «O meu povo conhecerá o meu nome, naquele dia compreenderá que sou Eu quem diz: Eis-me!» (v. 6).
A este «eis-me!» pronunciado por Deus, que resume toda a sua vontade de salvação e de proximidade a nós, responde o cântico de júbilo de Jerusalém, segundo o convite do profeta. É um momento histórico muito importante. É o fim do exílio da Babilónia, é para Israel a possibilidade de voltar a encontrar Deus e, na fé, de se encontrar a si mesmo. O Senhor faz-se próximo e o «pequeno resto», ou seja, o pequeno povo que permanecer depois do exílio e que no exílio perseverou na fé, que atravessou a crise e continuou a crer e a esperar até no meio da escuridão, aquele «pequeno resto» poderá ver as maravilhas de Deus.
Nesta altura o profeta insere um cântico de exultação: «Como são belos sobre as montanhas / os pés do mensageiro que anuncia a paz, / do mensageiro que traz as boas novas e anuncia a libertação, / que diz a Sião: “O teu Deus reina!”. / [...] / Prorrompei todos em brados de alegria, / ruínas de Jerusalém / porque o Senhor se compadeceu do seu povo, / e resgatou Jerusalém! / O Senhor descobriu o seu braço santo / aos olhares das nações; / e todos os confins da terra verão / o triunfo do nosso Deus» (Is 52, 7.9-10).
Estas palavras de Isaías, sobre as quais queremos meditar um pouco, referem-se ao milagre da paz, e fazem-no de uma maneira muito especial, pondo o olhar não no mensageiro mas nos seus pés que correm rápidos: «Como são belos sobre as montanhas os pés do mensageiro...».
Parece o esposo do Cântico dos Cânticos, que corre para a sua amada: «Ei-lo que vem, saltando sobre os montes, pulando sobre as colinas» (Ct 2, 8). Assim também corre o mensageiro de paz, para anunciar a feliz notícia de libertação, de salvação, proclamando que Deus reina.
Deus não abandonou o seu povo e não se deixou derrotar pelo mal, porque Ele é fiel e a sua graça é maior do que o pecado. É isto que devemos aprender, porque nós somos teimosos e não o aprendemos. Mas farei uma pergunta: quem é maior, Deus ou o pecado? Deus! E quem vence no final, Deus ou o pecado? Deus! É Ele capaz de derrotar o maior pecado, o mais vergonhoso, o mais terrível, o pior pecado? Com que arma vence Deus o pecado? Com o amor! Isto quer dizer que «Deus reina»; são estas as palavras da fé num Senhor cujo poder se inclina sobre a humanidade, abaixando-se para oferecer a misericórdia e libertar o homem daquilo que nele deturpa a bonita imagem de Deus, porque quando vivemos no pecado a imagem de Deus é desfigurada. E o cumprimento de tanto amor será precisamente o Reino instaurado por Jesus, aquele Reino de perdão e de paz que nós celebramos com o Natal e que se realiza definitivamente na Páscoa. E a alegria mais linda do Natal é este júbilo interior de paz: o Senhor cancelou os meus pecados, o Senhor perdoou-me, o Senhor teve misericórdia de mim, veio para me salvar. Eis a alegria do Natal!
Irmãos e irmãs, são estas as razões da nossa esperança. Quando parece que tudo terminou, quando diante de tantas realidades negativas a fé se torna cansativa e temos a tentação de dizer que já nada tem sentido, eis ao contrário a boa notícia trazida por aqueles pés velozes: Deus vem realizar algo de novo, instaurar um reino de paz; Deus «descobriu o seu braço» e vem trazer liberdade e consolação. O mal não triunfará para sempre, há um fim para a dor. O desespero é derrotado porque Deus está no meio de nós.
E também nós somos estimulados a despertar um pouco, como Jerusalém, segundo o convite que lhe dirige o profeta; somos chamados a tornar-nos homens e mulheres de esperança, colaborando para a vinda deste Reino feito de luz e destinado a todos, homens e mulheres de esperança. Como é desagradável quando encontramos o cristão que perdeu a esperança! «Eu não espero nada, tudo acabou para mim»: assim diz o cristão que não é capaz de fitar horizontes de esperança e, diante do seu coração, só tem um muro. Mas Deus destrói estes muros com o perdão! Por isso devemos rezar para que Deus nos dê a esperança cada dia, a nós e a todos, aquela esperança que nasce quando vemos Deus no presépio em Belém. A mensagem da Boa Nova que nos foi confiada é urgente, e também nós devemos correr como o mensageiro sobre as montanhas, porque o mundo não pode esperar, a humanidade tem fome e sede de justiça, de verdade e de paz.
E vendo o pequeno Menino de Belém, os pequeninos do mundo descobrirão que a promessa se cumpriu, que a mensagem se realizou. Num Menino recém-nascido, necessitado de tudo, envolto em panos e colocado numa manjedoura, está encerrado todo o poder do Deus que salva. O Natal é um dia para abrir o coração: é preciso abrir o coração a tanta pequenez, que se encontra ali naquele Menino, e tanta maravilha. É a maravilha do Natal, para o qual nos preparamos com esperança neste tempo de Advento. É a surpresa de um Deus Menino, de um Deus pobre, de um Deus frágil, de um Deus que abandona a sua grandeza para se fazer próximo de cada um de nós.
Papa Francisco
Audiência Geral
16/12/2016
Quando se fala de esperança, muitas vezes referimo-nos ao que não está no poder do homem e que não é visível. Com efeito, o que esperamos vai para além das nossas forças e do nosso olhar. Mas o Natal de Cristo, inaugurando a redenção, fala-nos de uma esperança diferente, uma esperança confiável, visível e compreensível, porque fundada em Deus. Ele entra no mundo e dá-nos a força de caminhar com Ele, Deus caminha connosco em Jesus, para a plenitude da vida; estar de maneira nova no presente, ainda que difícil. Então, esperar, para o cristão, significa a certeza de estar a caminho com Cristo para o Pai que nos espera. A esperança nunca está parada, está sempre em caminho e faz-nos caminhar.
Esta esperança, que o Menino de Belém nos dá, oferece uma meta, um destino bom ao presente, a salvação da humanidade, a bem-aventurança a quem se confia a Deus misericordioso. S. Paulo resume tudo isto com a expressão: «Na esperança fomos salvos». Isto é, caminhando desta forma, com esperança, estamos salvos, aqui podemos perguntar-nos se caminhamos com esperança ou estamos fechados, ou abertos, à esperança que ma faz caminhão, não só com Jesus. E uma bela pergunta a colocar-se.
Nas casas dos cristãos, durante o tempo do Advento, é preparado o presépio, segundo a tradição que remonta a S. Francisco de Assis. Na sua simplicidade, o presépio transmite esperança; cada personagem está imerso nesta atmosfera de esperança.
Antes de tudo notamos o lugar em que nasce Jesus: Belém. Pequeno burgo da Judeia onde mil anos antes tinha nascido David, o pastorinho eleito por Deus como rei de Israel. Belém não é uma capital, e por isso é preferida pela Providência divina, que gosta de agir através dos pequenos e dos humildes. Naquele lugar nasce o «filho de David» tão esperado, Jesus, no qual a esperança de Deus e a esperança do homem se encontram.
Depois olhamos Maria, Mãe da esperança. Com o seu “sim” abriu a Deus a porta do nosso mundo: o seu coração de jovem estava repleto de esperança, toda animada pela fé; e assim Deus escolheu-a e ela acreditou na sua palavra. Aquela que por nove meses foi a arca da nova e eterna Aliança, na gruta contempla o Menino e vê nele o amor de Deus, que vem para salvar o seu povo e toda a humanidade.
Junto a Maria está José, descendente de Jessé e de David; também ele acreditou na palavra do anjo, e olhando para Jesus na manjedoura medita que aquele Menino vem do espírito Santo, e que o próprio Deus lhe ordenou que o chamasse assim, “Jesus”. Nesse nome está a esperança para cada homem, porque mediante aquele filho de mulher Deus salvará a humanidade da morte e do pecado. Por isso é importante ver o presépio.
E no presépio estão os pastores, que representam os humildes e os pobres que esperavam o Messias, o «conforto de Israel» e a «redenção de Jerusalém». Naquele Menino veem a realização das promessas e esperam que a salvação de Deus chegue finalmente para cada um deles. Quem confia nas próprias, sobretudo materiais, não espera a salvação de Deus. As seguranças próprias não nos salvarão, a única segurança que nos salva é a esperança em Deus, ela que nos faz caminhar para o bem, com alegria e com alegria de se tornar feliz por toda a eternidade. Os pequenos, ao invés, confiam em Deus, esperam nele e rejubilam quando reconhecem naquele Menino o sinal indicado pelos anjos.
E precisamente o coro dos anjos anuncia do alto o grande desígnio que aquele Menino realiza: «Glória a Deus no mais alto dos céus e sobre a terra paz aos homens, que Ele ama». A esperança cristã exprime-se no louvor e no agradecimento a Deus, que inaugurou o seu Reino de amor, de justiça e de paz.
Nestes dias, contemplando o presépio, preparamo-nos para o Natal do Senhor. Será verdadeiramente uma festa se acolhermos Jesus, semente de esperança que Deus depõe nos sulcos da nossa história pessoal e comunitária. Cada “sim” a Jesus que vem é uma semente de esperança; tenhamos confiança neste gérmen de esperança, neste “sim” que nos quer salvar. Bom Natal de esperança a todos!
Papa Francisco
Audiência geral, Vaticano, 21.12.2016
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 21.12.2016 no SNPC
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