Nas catequeses passadas demos início ao nosso percurso sobre o tema da esperança, relendo nesta perspetiva algumas páginas do Antigo Testamento. Agora desejamos começar a esclarecer o alcance extraordinário que esta virtude assume no Novo Testamento, quando encontra a novidade representada por Jesus Cristo e pelo evento pascal: a esperança cristã. Nós, cristãos, somos mulheres e homens de esperança.
É quanto sobressai de modo claro desde o primeiro texto que foi escrito, ou seja, a Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses. No trecho que ouvimos, podemos sentir todo o vigor e a beleza do primeiro anúncio cristão. A comunidade de Tessalonica é jovem, recém-fundada; e no entando, não obstante as dificuldades e as numerosas provações, está radicada na fé e celebra com entusiasmo e com alegria a ressurreição do Senhor Jesus. Então, o Apóstolo alegra-se de coração com todos, dado que quantos renascem na Páscoa se tornam verdadeiramente «filhos da luz e filhos do dia» (5, 5), em virtude da plena comunhão com Cristo.
Quando Paulo lhe escreve, a comunidade de Tessalonica tinha acabado de ser fundada, e só poucos anos a separam da Páscoa de Cristo. Por isso, o Apóstolo procura explicar todos os efeitos e consequências que este acontecimento singular e decisivo, isto é, a ressurreição do Senhor, comporta para a história e para a vida de cada um. Em particular, a dificuldade da comunidade não consistia tanto em reconhecer a ressurreição de Jesus, todos acreditavam, quanto em crer na ressurreição dos mortos. Sim, Jesus ressuscitou, mas a dificuldade consistia em crer que os mortos ressuscitam. Em tal sentido, esta carta revela-se atual como nunca. Cada vez que nos encontramos diante da nossa morte, ou da de uma pessoa querida, sentimos que a nossa fé é posta à prova. Sobressaem todas as nossas dúvidas, toda a nossa fragilidade, e questionamo-nos: «Mas realmente haverá vida depois da morte...? Ainda poderei ver e reabraçar as pessoas que amei...?». Eis a pergunta que há poucos dias, durante uma audiência, uma senhora me dirigiu manifestando uma dúvida: «Encontrarei os meus?”. Também nós, no contexto atual, temos necessidade de voltar à raiz e aos fundamentos da nossa fé, de maneira a adquirir a consciência sobre aquilo que Deus fez por nós em Jesus Cristo e o que significa a nossa morte. Todos nós temos um pouco de medo desta incerteza da morte. Vem-me à memória um velhinho, um bom idoso que dizia: «Não temo a morte. Tenho um pouco de medo de a ver aproximar-se». Temia isto.
Perante os temores e as perplexidades da comunidade, Paulo convida a manter firme sobre a cabeça, como um elmo, sobretudo nas provações e nos momentos mais difíceis da nossa vida, «a esperança da salvação». É um elmo. Eis o que é a esperança cristã. Quando se fala de esperança, podemos ser levados a entendê-la segundo o significado comum deste termo, ou seja, em referência a algo de bom que desejamos, mas que pode realizar-se ou não. Esperamos que aconteça, é como um desejo. Por exemplo, dizemos: «Espero que amanhã «Espero que amanhã o tempo seja bom!»; mas sabemos que, ao contrário, no dia seguinte o tempo pode ser mau... A esperança cristã não é assim. A esperança cristã é a espera de algo que já se cumpriu; ali está a porta, e espero chegar à porta. Que devo fazer? Caminhar rumo à porta! Tenho a certeza que chegarei à porta. Assim é a esperança cristã: ter a certeza de que estou a caminho de algo que existe, não de algo que eu desejo que exista. Esta é a esperança cristã. A esperança cristã é a expetativa de algo que já se cumpriu e que certamente se há de realizar para cada um de nós. Portanto, também a nossa ressurreição e a dos nossos amados defuntos não é algo que poderá realizar-se ou não, mas constitui uma realidade certa, dado que está radicada no evento da ressurreição de Cristo. Portanto, esperar significa aprender a viver na expetativa. Aprender a viver à espera e encontrar a vida. Quando uma mulher compreende que está grávida, cada dia aprende a viver na expetativa de fitar o olhar daquela criança que há de vir. Assim, também nós devemos viver e aprender destas expetativas humanas e viver à espera de fitar o Senhor, de encontrar o Senhor. Isto não é fácil, mas aprende-se: viver na na expetativa. Esperar significa e implica um coração humilde, um coração pobre. Somente o pobre sabe esperar. Quem já está repleto de si e dos seus pertences, não sabe depositar a própria confiança em nenhum outro, a não ser em si mesmo.
Escreve ainda São Paulo: «[Jesus] morreu por nós, a fim de que nós, quer em estado de vigília, quer de sono, vivamos em união com Ele» (1 Ts 5, 10). Estas palavras são sempre motivo de grande consolação e de paz. Portanto, somos chamados a rezar também pelas pessoas amadas que nos deixaram, a fim de que elas vivam em Cristo e permaneçam em plena comunhão connosco. Algo que me toca profundamente o coração é uma expressão de São Paulo, ainda dirigida aos Tessalonicenses. Ela enche-me da segurança da esperança. Reza assim: «Assim estaremos para sempre com o Senhor» (1 Ts 4, 17). Uma coisa boa: tudo passa, mas depois da morte estaremos para sempre com o Senhor. É a certeza total da esperança, a mesma que, muito tempo antes, levava Job a exclamar: «Sei que o meu redentor está vivo [...] Eu mesmo o contemplarei, vê-lo-ão os meus olhos e não os olhos de outrem» (Job 19, 25.27). E assim estaremos para sempre com o Senhor. Vós acreditais nisto? Pergunto-vos: credes nisto? Para terdes um pouco de força, convido-vos a dizê-lo três vezes comigo: «Assim estaremos para sempre com o Senhor». Encontrar-nos-emos lá, com o Senhor.
Papa Francisco
Audiência Geral 1.02.2017
Na quarta-feira passada vimos que São Paulo, na primeira Carta aos Tessalonicenses, exorta a permanecermos radicados na esperança da ressurreição (cf. 5, 4-11), com a bonita expressão «estaremos sempre com o Senhor» (4, 17). No mesmo contexto, o Apóstolo mostra que a esperança cristã não tem apenas um alcance pessoal, individual, mas comunitário, eclesial. Todos nós esperamos; todos nós temos esperança, inclusive de modo comunitário.
Por isso, o olhar é imediatamente ampliado por Paulo, abrangendo todas as realidades que compõem a comunidade cristã, pedindo-lhes que rezem umas pelas outras e que se ajudem reciprocamente. Ajudar-nos uns aos outros! E ajudar-nos não apenas nas necessidades, nas numerosas dificuldades da vida quotidiana, mas ajudar-nos na esperança, apoiar-nos na esperança. E não é por acaso que ele comece referindo-se precisamente àqueles aos quais foram confiados a responsabilidade e o governo pastoral. São os primeiros chamados a alimentar a esperança, e isto não porque são melhores que os outros, mas em virtude de um ministério divino que vai muito além das suas forças. Por este motivo, têm mais necessidade do que nunca do respeito, da compreensão e do apoio benévolo de todos.
Depois, presta-se atenção aos irmãos que mais correm o risco de perder a esperança, de cair no desespero. Nós recebemos sempre notícias de pessoas que caem no desespero e cometem gestos tremendos... O desespero leva-os a muitas ações negativas. Referimo-nos a quem está desanimado, àquele que é frágil, a quantos se sentem abatidos pelo peso da vida e pelas próprias culpas, e já não consegue levantar-se. Nestes casos, a proximidade e o afeto de toda a Igreja devem tornar-se ainda mais intensos e amorosos, assumindo a forma requintada da compaixão, que não quer dizer ter pena: compaixão significa padecer com o outro, sofrer com o próximo, aproximar-se de quem sofre; uma palavra, uma carícia, mas que venha do coração; isto é compaixão. Por quantos têm necessidade do conforto e da consolação. Isto é mais importante do que nunca: a esperança cristã não pode renunciar à caridade genuína e concreta. Na Carta aos Romanos, o próprio Apóstolo das nações afirma com o coração na mão: «Nós, que somos os fortes — que temos fé, esperança, ou que não temos muitas dificuldades — devemos suportar as fraquezas dos que são frágeis, e não agir à nossa maneira» (15, 1). Suportar as debilidades do próximo. Depois, este testemunho não permanece fechado nos confins da comunidade cristã: ressoa em todo o seu vigor também fora, no contexto social e civil, como apelo a não criar muros mas pontes, a não pagar o mal com o mal, a vencer o mal com o bem, a ofensa com o perdão — o cristão nunca pode dizer: vais pagar, nunca; este não é um gesto cristão; a ofensa vence-se com o perdão — a viver em paz com todos. Assim é a Igreja! E é isto que faz a esperança cristã, quando assume os lineamentos fortes, e ao mesmo tempo ternos, do amor. O amor é forte e terno. É bonito!
Então, compreende-se que não aprendemos a esperar sozinhos. Ninguém aprende a esperar sozinho. Não é possível! Para se alimentar, a esperança precisa necessariamente de um «corpo», no qual os vários membros se ajudem e se reavivem uns aos outros. Então, isto quer dizer que se nós esperamos é porque muitos dos nossos irmãos e irmãs nos ensinaram a esperar, mantendo viva a nossa esperança. E entre eles, distinguem-se os pequeninos, os pobres, os simples, os marginalizados. Sim, pois quem se fecha no próprio bem-estar não conhece a esperança: só espera no seu bem-estar, e isto não é esperança, mas segurança relativa; quem se fecha na própria satisfação, quem se sente sempre à vontade não conhece a esperança... Quem espera, ao contrário, são aqueles que experimentam cada dia a provação, a precariedade e o próprio limite. São estes nossos irmãos que nos dão o testemunho mais bonito, mais vigoroso, porque permanecem firmes na confiança no Senhor, conscientes de que, para além da tristeza, da opressão e da inevitabilidade da morte, a última palavra será sua, e será uma palavra de misericórdia, de vida e de paz. Quem aguarda, espera um dia ouvir esta expressão: «Vem, vem a mim, irmão; vem, vem a mim, irmã, para toda a eternidade!».
Caros amigos, se — como dissemos — a morada natural da esperança é um «corpo» solidário, no caso da esperança cristã este corpo é a Igreja, enquanto o sopro vital, a alma desta esperança é o Espírito Santo. Sem o Espírito Santo não se pode ter esperança. Então, eis por que razão no final o Apóstolo Paulo nos convida a invocá-lo incessantemente. Se não é fácil acreditar, ainda menos é esperar. É mais difícil esperar do que acreditar, é mais difícil! Mas quando o Espírito Santo habita nos nossos corações, é Ele quem nos leva a entender que não devemos temer, que o Senhor está próximo e cuida de nós; Ele molda as nossas comunidades, num Pentecostes perene, como sinais vivos de esperança para a família humana. Obrigado!
Papa Francisco
Audiência Geral 8.2.2017
Entre as figuras femininas que o Antigo Testamento nos apresenta, sobressai a de uma grande heroína do povo: Judite. O Livro bíblico que tem o seu nome descreve a imponente campanha militar do rei Nabucodonosor que, reinando em Nínive, amplia os confins do império derrotando e subjugando todos os povos ao seu redor. O leitor entende que se encontra diante de um inimigo grande e invencível, que semeia morte e destruição, e chega até à Terra Prometida, pondo em perigo a vida dos filhos de Israel.
Com efeito, o exército de Nabucodonosor, sob a guia do general Holofernes, impõe o cerco a uma cidade da Judeia, Betúlia, interrompendo o fornecimento de água, minando assim a resistência da população.
A situação torna-se dramática, a tal ponto que os habitantes da cidade vão ter com os anciãos para lhes pedir que se rendam aos inimigos. As suas palavras são desesperadas: «Agora não há ninguém para nos socorrer, e Deus entregou-nos nas mãos deles, para morrermos de sede, na miséria extrema. Chegaram a dizer isto: “Deus entregou-nos nas mãos deles”; o desespero daquela gente era grande. Entregai toda a cidade em cativeiro ao povo de Holofernes e a todo o seu exército» (Jt 7, 25-26). O fim já parece iniludível, esgotou-se a capacidade de se confiar a Deus. E quantas vezes nós chegamos a situações limite, quando nem sequer sentimos a capacidade de ter confiança no Senhor. É uma tentação horrível! E, paradoxalmente, parece que para fugir da morte não há outra coisa a fazer, a não ser entregar-se nas mãos de quem mata. Sabem que estes soldados entrarão para saquear a cidade, raptar as mulheres como escravas e depois matar todos os outros. É exatamente este «o limite».
E diante de tanto desespero, o chefe do povo procura propor um pretexto de esperança: resistir mais cinco dias, à espera da intervenção salvífica de Deus. Mas é uma esperança frágil, que o leva a concluir: «Mas se esses cinco dias passarem sem que nos venha o socorro, então farei segundo o que dizeis» (7, 25). Pobrezinho: estava sem saída. Concedem cinco dias a Deus — e nisto consiste o pecado — são concedidos cinco dias a Deus para intervir; cinco dias de espera, mas já na perspetiva do fim. Concedem cinco dias a Deus para os salvar, mas sabem que não têm confiança, esperam o pior. Na realidade, no meio do povo já ninguém é capaz de esperar. Estavam desesperados.
É nesta situação que Judite entra em cena. Viúva, mulher de grande beleza e sabedoria, fala ao povo com a linguagem da fé. Corajosa, repreende o povo na cara (dizendo): «Agora tentais o Senhor Todo-Poderoso [...]. Não, irmãos, não provoqueis o Senhor nosso Deus! Se não quiser ajudar-nos nestes cinco dias, Ele tem o poder, nos dias que quiser, para nos ajudar ou então para nos exterminar diante dos nossos inimigos. [...] Por isso, aguardando a salvação da sua parte, supliquemos-lhe que venha em nosso auxílio e Ele escutará a nossa voz, se bem lhe aprouver» (8, 13.14-15.17). É a linguagem da esperança! Batamos à porta do Coração de Deus, Ele é Pai e pode salvar-nos! Aquela mulher, viúva, corre o risco de fazer má figura diante dos outros! Mas é corajosa, vai em frente! Esta é a minha opinião: as mulheres são mais corajosas do que os homens (aplausos na sala).
E com a força de um profeta, Judite repreende os homens do seu povo para os reconduzir à confiança em Deus; com o olhar de um profeta, ela vê mais além do horizonte limitado proposto pelos chefes e que o medo torna ainda mais restrito. Sem dúvida Deus intervirá — afirma ela — enquanto a proposta dos cinco dias de espera é um modo para o tentar e para se subtrair à sua vontade. O Senhor é Deus de salvação — e crê nisto — independentemente da forma que ela assuma. Libertar-se dos inimigos e deixar viver é salvação, mas nos seus planos insondáveis também a entrega à morte pode ser salvação. Como mulher de fé, ela sabe isto. Depois, conhecemos o fim, como termina a história: Deus salva.
Caros irmãos e irmãs, nunca coloquemos condições a Deus mas, ao contrário, deixemos que a esperança vença os nossos receios. Confiar em Deus quer dizer entrar nos seus desígnios sem nada pretender, aceitando inclusive que a sua salvação e o seu auxílio cheguem a nós de modo diverso das nossas expetativas. Pedimos ao Senhor vida, saúde, afetos, felicidade; e é justo fazê-lo, mas com a consciência de que até da morte Deus sabe haurir vida, que é possível experimentar a paz inclusive na doença e que até na solidão pode haver serenidade, e bem-aventurança no pranto. Não somos nós que podemos ensinar a Deus o que Ele deve fazer, aquilo de que temos necessidade. Ele sabe-o melhor do que nós e devemos ter confiança porque os seus caminhos e os seus pensamentos são diferentes dos nossos.
A senda que Judite nos indica é a via da confiança, da espera na paz, da oração e da obediência. É o caminho da esperança. Sem fáceis resignações, fazendo tudo o que está ao nosso alcance, mas permanecendo sempre no sulco da vontade do Senhor, porque — bem sabemos — ela rezou muito, falou tanto ao povo e depois partiu com coragem para procurar o modo de se aproximar do chefe do exército e conseguiu cortar-lhe a cabeça, degolá-lo. É intrépida na fé e nas obras. E procura sempre o Senhor! Com efeito, Judite tem um plano, coloca-o em prática com sucesso e leva o povo à vitória, mas sempre com a atitude de fé de quem aceita tudo das mãos de Deus, convicta da sua bondade.
Deste modo, uma mulher cheia de fé e de coragem dá nova força ao seu povo em perigo mortal e leva-o pelos caminhos da esperança, apontando-o também a nós. Quanto a nós, se tivermos um pouco de memória, quantas vezes ouvimos palavras sábias e corajosas de pessoas humildes, de mulheres simples que na opinião de alguns — sem as desprezar — eram ignorantes... Mas são palavras da sabedoria de Deus! As palavras das avós... Quantas vezes as avós sabem pronunciar a palavra certa, uma palavra de esperança, porque têm a experiência da vida, sofreram muito, confiaram em Deus e o Senhor concede-nos a graça de nos dar o conselho da esperança. E, percorrendo estes caminhos, será alegria e luz pascal confiar-nos ao Senhor com as palavras de Jesus: «Pai, se é do teu agrado, afasta de mim este cálice! Contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua» (Lc 22, 42). Esta é a prece da sabedoria, da confiança e da esperança.
Papa Francisco
Audiência Geral 25.01.2017
Bom dia, caros irmãos e irmãs!
Na Sagrada Escritura, entre os profetas de Israel sobressai uma figura um pouco singular, um profeta que procura subtrair-se à chamada do Senhor, rejeitando pôr-se ao serviço do plano divino de salvação. Trata-se do profeta Jonas, cuja história se narra num livrinho de apenas quatro capítulos, uma espécie de parábola portadora de um grande ensinamento, o da misericórdia de Deus que perdoa.
Jonas é um profeta «em saída» e também um profeta em fuga! É um profeta em saída, que Deus envia «para a periferia», Nínive, para converter os habitantes daquela grande cidade. Mas para um israelita como Jonas, Nínive representava uma realidade insidiosa, o inimigo que punha em perigo a própria Jerusalém, e portanto devia ser destruída, certamente não salva. Por isso, quando Deus envia Jonas a pregar naquela cidade, o profeta que conhece a bondade do Senhor e o seu desejo de perdoar, procura subtrair-se à sua tarefa e foge.
Durante a sua fuga, o profeta entra em contacto com alguns pagãos, os marinheiros da nau na qual tinha embarcado para se afastar de Deus e da sua missão. E foge para longe, porque Nínive estava situada na região do Iraque e ele foge para a Espanha, foge a sério. E é exatamente o comportamento daqueles homens pagãos, como depois será o dos habitantes de Nínive, que hoje nos permite refletir um pouco sobre a esperança que, diante do perigo e da morte, se exprime na oração.
Com efeito, durante a travessia do mar, abate-se uma tremenda tempestade e Jonas desce ao porão do navio, abandonando-se ao sono. Os marinheiros, ao contrário, vendo-se perdidos, «puseram-se a invocar cada qual o seu deus»: eram pagãos (Jn 1, 5). O capitão do navio acorda Jonas, dizendo-lhe: «O que fazes, dormes? Levanta-te e invoca o teu Deus, para ver se porventura Ele se lembra de nós e nos livra da morte» (Jn 1, 6).
A reação daqueles «pagãos» é a reação justa perante a morte, diante do perigo; porque é então que o homem faz uma experiência completa da sua fragilidade e da sua necessidade de salvação. O instintivo terror de morrer revela a necessidade de esperar no Deus da vida. «Para ver se porventura Ele se lembra de nós e nos livra da morte»: são as palavras da esperança que se torna oração, aquela súplica cheia de angústia que se eleva dos lábios do homem diante de um iminente perigo de morte.
Com muita facilidade desprezamos a súplica a Deus na necessidade, como se fosse apenas uma oração interessada e por isso imperfeita. Mas Deus conhece a nossa debilidade, sabe que nos recordamos dele para pedir ajuda, e com o sorriso indulgente de um pai, Deus responde benignamente.
Quando Jonas, reconhecendo as suas responsabilidades, se deixa lançar ao mar para salvar os seus companheiros de viagem, a tempestade aplaca-se. A morte incumbente impeliu aqueles homens pagãos à oração, fez com que o profeta, não obstante tudo, vivesse a sua vocação ao serviço dos outros aceitando sacrificar-se por eles, e agora leva os sobreviventes ao reconhecimento do verdadeiro Senhor e ao louvor. Os marinheiros que, tomados pelo medo, tinham rezado dirigindo-se aos próprios deuses, agora com sincero temor do Senhor reconhecem o verdadeiro Deus, oferecem sacrifícios e cumprem votos. A esperança que os tinha induzido a rezar para não morrer revela-se ainda mais poderosa e concretiza uma realidade que vai até além daquilo que eles esperavam: não só não perecem na tempestade, mas abrem-se ao reconhecimento do verdadeiro e único Senhor do céu e da terra.
Sucessivamente, também os habitantes de Nínive, diante da perspetiva de ser destruídos, rezarão impelidos pela esperança no perdão de Deus. Farão penitência, invocarão o Senhor e converter-se-ão a Ele, a começar pelo rei que, como o capitão do navio, dá voz à esperança dizendo: «Talvez Deus se arrependa [...] e não nos deixe perecer!» (Jn 3, 9). Inclusive para eles, assim como para a tripulação na tempestade, ter enfrentado a morte e dela ter saído vivos guiou-os à verdade. Assim, sob a misericórdia divina, e ainda mais à luz do mistério pascal, a morte pode tornar-se, como foi para São Francisco de Assis, «nossa irmã morte» e representar, para cada homem e para cada um de nós, a surpreendente ocasião de conhecer a esperança e de encontrar o Senhor. Que o Senhor nos leve a entender este vínculo entre oração e esperança. A oração leva-te em frente na esperança, e quando a situação se torna obscura, é preciso rezar mais! E haverá mais esperança.
Obrigado!
No passado mês de dezembro e na primeira parte de janeiro celebrámos o tempo do Advento e depois o do Natal: um período do ano litúrgico que desperta a esperança no povo de Deus. Esperar é uma necessidade primária do homem: esperar no futuro, acreditar na vida, o chamado «pensar positivo».
Mas é importante que esta esperança seja posta naquilo que pode deveras ajudar a viver e a dar sentido à nossa existência. É por isso que a Sagrada Escritura nos admoesta contra as falsas esperanças que o mundo nos apresenta, desmascarando a sua inutilidade e mostrando a sua insensatez. E faz isto de várias maneiras, mas sobretudo denunciando a falsidade dos ídolos nos quais o homem é continuamente tentado a pôr a sua confiança, fazendo deles objeto da sua esperança.
Em particular os profetas e sábios insistem sobre isto, tocando um ponto nevrálgico do caminho de fé do crente. Porque fé significa confiar em Deus — quem tem fé, confia em Deus — mas chega o momento em que, confrontando-se com as dificuldades da vida, o homem experimenta a fragilidade daquela confiança e sente a necessidade de certezas diversas, de seguranças tangíveis, concretas. Confio em Deus, mas a situação é um pouco crítica e eu preciso de uma certeza um pouco mais concreta. E está ali o perigo! Então somos tentados a procurar consolações até efémeras, que parecem preencher o vazio da solidão e aliviar a fadiga do crer. E pensamos que as devemos encontrar na segurança que o dinheiro pode dar, nas alianças com os poderosos, na mundanidade, nas falsas ideologias. Por vezes procuramo-las num deus que se possa submeter aos nossos pedidos e magicamente intervir para mudar a realidade e torná-la como a queremos; um ídolo, precisamente, que como tal nada pode fazer, impotente e mentiroso. Mas nós gostamos dos ídolos, gostamos tanto! Certa vez, em Buenos Aires, devia ir de uma igreja para outra, mil metros, mais ou menos. E fi-lo a pé. Há um parque no meio, e no parque havia pequenas mesinhas, mas muitas, tantas, onde estavam sentados os videntes. Estava cheio de gente, que faziam até a fila. Tu davas-lhe a mão e ele começava, mas, a conversa era sempre a mesma: há uma mulher na tua vida, há uma sombra que vem mas tudo vai correr bem... E depois, pagavas. E isto dá-te segurança? É a segurança de uma — permiti-me a palavra — de uma estupidez. Ir ter com o vidente ou a vidente que leem as cartas: isto é um ídolo! Isto é o ídolo, e quando nós lhes estamos tão afeiçoados: compramos falsas esperanças. Enquanto que na esperança da gratuitidade, que Jesus Cristo nos trouxe, gratuitamente dando a vida por nós, por vezes não confiamos muito nela.
Um salmo cheio de sabedoria apresenta-nos de modo muito sugestivo a falsidade destes ídolos que o mundo oferece à nossa esperança e na qual os homens de todas as épocas são tentados a confiar. É o Salmo 115, que recita assim:
«Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos dos homens. / Têm boca, mas não falam; olhos têm, mas não veem. / Têm ouvidos, mas não ouvem; narizes têm, mas não cheiram. / Têm mãos, mas não apalpam; pés têm, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. / A eles se tornem semelhantes os que os fazem, assim como todos os que neles confiam!» (vv. 4-8)
O salmista apresenta-nos, de maneira também um pouco irónica, a realidade absolutamente efémera destes ídolos. E devemos compreender que não se trata só de representações feitas de metal ou de outro material, mas também das que são construídas com a nossa mente, quando confiamos em realidades limitadas que transformamos em absolutas, ou quando reduzimos Deus aos nossos esquemas e às nossas ideias de divindade; um deus que se parece connosco, compreensível, previsível, precisamente como os ídolos dos quais fala o Salmo. O homem, imagem de Deus, fabrica para si mesmo um deus à sua própria imagem, e é até uma imagem mal feita: não ouve, não age e sobretudo não pode falar. Mas, nós ficamos mais contentes por ir ter com os ídolos do que com o Senhor. Muitas vezes sentimo-nos mais felizes com a esperança efémera que este falso ídolo nos dá, do que com a grande esperança certa que dá o Senhor.
À esperança num Senhor da vida que com a sua Palavra criou o mundo e conduz as nossas existências, contrapõe-se a confiança em simulacros mudos. As ideologias com a sua pretensão de absoluto, as riquezas — e isto é um grande ídolo — o poder e o sucesso, a vaidade, com a sua ilusão de eternidade e de omnipotência, valores como a beleza física e a saúde, quando se tornam ídolos aos quais sacrificar tudo, são realidades que confundem a mente e o coração, e em vez de favorecer a vida conduzem à morte. É mau e faz mal à alma ouvir aquilo que uma vez, há anos, escutei, na diocese de Buenos Aires: uma mulher bondosa, muito bonita, gabava-se da beleza, comentava, como se fosse natural: “Ah, sim, tive que abortar porque a minha figura é muito importante”. São estes os ídolos, e levam-te pelo caminho errado e não te dão a felicidade.
A mensagem do Salmo é muito clara: se pusermos a esperança nos ídolos, tornamo-nos como eles: imagens vazias com mãos que não tocam, pés que não caminham, lábios que não podem falar. Não temos mais nada a dizer, tornamo-nos incapazes de ajudar, de mudar as coisas, incapazes de sorrir, de nos doarmos, incapazes de amar. E também nós, homens de Igreja, corremos este risco quando nos “mundanizamos”. É necessário permanecer no mundo mas defender-se das ilusões do mundo, que são estes ídolos que mencionei.
Como prossegue o Salmo, é preciso confiar e esperar em Deus, e Deus concederá a bênção. Diz assim o Salmo:
«Israel, confia no Senhor [...] / Casa de Aarão, confia no Senhor [...] / Vós, os que temeis ao Senhor, confiai no Senhor [...] / O Senhor lembrou-se de nós; ele nos abençoará» (vv. 9.10.11.12).
O Senhor recorda-se sempre. Até nos maus momentos ele se recorda de nós. E esta é a nossa esperança. E a esperança não desilude. Nunca. Nunca. Os ídolos desiludem sempre: são fantasias, não são realidades.
Eis a maravilhosa realidade da esperança: se confiarmos no Senhor tornamo-nos como Ele, a sua bênção transforma-nos em seus filhos, que partilham a sua vida. A esperança em Deus faz-nos entrar, por assim dizer, no raio de ação da sua recordação, da sua memória que nos bendiz e nos salva. E então pode brotar o aleluia, o louvor ao Deus vivo e verdadeiro, que por nós nasceu de Maria, morreu na cruz e ressuscitou na glória. E neste Deus nós temos esperança, e este Deus — que nunca é um ídolo — nunca desilude.
Saudação
Quero dizer-vos agora uma coisa que não gostaria de dizer, mas tenho que o fazer. Para entrar nas audiências há bilhetes nos quais está escrito numa, duas, três, quatro, cinco e seis línguas que «O bilhete é totalmente gratuito». Para entrar na audiência, quer na sala [Paulo VI] quer na praça, não se deve pagar, é uma visita gratuita que se faz ao Papa para falar com o Papa, com o bispo de Roma. Mas soube que há espertalhões, que pedem dinheiro pelos bilhetes. Se alguém disser que para aceder à audiência com o Papa é preciso pagar alguma quantia, está a burlar-te: está atento, está atenta! A entrada é gratuita. Aqui entra-se sem pagar, porque esta é casa de todos. Se alguém pretender que pagueis para entrar na audiência comete um crime, como um delinquente, e faz algo que não se deve fazer!
Amados peregrinos de língua portuguesa, cordiais saudações para todos vós, de modo especial para os membros do Grupo de Cavaquinhos de Passos de Silgueiros. Cantais bem! Sobre os vossos passos, invoco a graça do encontro com Deus: Jesus Cristo é a Tenda divina no meio de nós. Ide até Ele, vivei na sua amizade e tereis a vida eterna. Sobre vós e vossas famílias desça a Bênção de Deus!
Papa Francisco
Audiência Geral - 11.01.2017
Bom dia, prezados irmãos e irmãs!
Na catequese de hoje, gostaria de contemplar convosco uma figura de mulher que nos fala da esperança vivida no pranto. A esperança vivida no pranto! Trata-se de Raquel, esposa de Jacob e mãe de José e de Benjamin, aquela que, como nos descreve o Livro do Génesis, morre ao dar à luz o seu segundo filho, ou seja Benjamin.
O profeta Jeremias refere-se a Raquel, dirigindo-se aos israelitas no exílio para os consolar com palavras cheias de comoção e de poesia; ou seja, toma o pranto de Raquel, mas dá esperança:
Eis o que diz o Senhor: «Ouve-se em Ramá uma voz / lamentações e amargos soluços. / É Raquel que chora os filhos, / recusando ser consolada / porque já não existem» (Jr 31, 15).
Nestes versículos, Jeremias apresenta esta mulher do seu povo, a grande matriarca da sua tribo, numa realidade de dor e pranto, mas ao mesmo tempo com uma perspetiva de vida impensada. Raquel, que na narração do Génesis morrera dando à luz e assumira aquela morte para que o filho pudesse viver, é agora representada pelo profeta estando viva em Ramá, lá onde se reuniam os deportados, e chora os filhos que num certo sentido faleceram a caminho do exílio; filhos que, como ela mesma diz, «já não existem», pois desapareceram para sempre.
E por isso Raquel não quer ser consolada. Esta sua rejeição exprime a profundidade da sua dor e a amargura do seu pranto. Diante da tragédia da perda dos filhos, uma mãe não pode aceitar palavras ou gestos de consolação, que são sempre inadequados, nunca capazes de aliviar a dor de uma ferida que não pode nem quer ser cicatrizada. Uma dor proporcional ao amor.
Qualquer mãe sabe tudo isto; e são tantas, ainda hoje, as mães que choram, que não se resignam à perda de um filho, inconsoláveis diante de uma morte impossível de aceitar. Raquel encerra em si mesma a dor de todas as mães do mundo, de todos os tempos, e as lágrimas de cada ser humano que chora perdas irreparáveis.
Esta rejeição de Raquel que não quer ser consolada ensina-nos também quanta delicadeza nos é pedida face à dor de outrem. Para falar de esperança a quem está desesperado, é necessário compartilhar o seu desespero; para enxugar uma lágrima do rosto de quem sofre, é preciso unir ao seu o nosso pranto. Somente assim as nossas palavras podem ser realmente capazes de dar um pouco de esperança. E se não posso proferir palavras assim, com o pranto, com a dor, é melhor o silêncio, a carícia, o gesto, sem palavras.
E Deus, com a sua delicadeza e o seu amor, responde ao pranto de Raquel com palavras autênticas, não fingidas; com efeito, assim prossegue o texto de Jeremias:
Eis o que diz o Senhor, respondendo àquele pranto: «Cessa de gemer, / enxuga as tuas lágrimas! / As tuas penas receberão a recompensa / — oráculo do Senhor. / Voltarão (os teus filhos) da terra inimiga. / Desponta no teu futuro a esperança / — oráculo do Senhor. / Os teus filhos voltarão para a sua terra» (Jr 31, 16-17).
Precisamente devido ao pranto da mãe, ainda há esperança para os filhos, que voltarão a viver. Esta mulher, que tinha aceitado morrer no momento do parto para que o filho pudesse viver, com o seu pranto é agora princípio de vida nova para os filhos exilados, prisioneiros, desterrados. À dor e ao pranto amargo de Raquel, o Senhor responde com uma promessa que agora pode ser para ela motivo de verdadeira consolação: o povo poderá regressar do exílio e viver a sua relação com Deus na fé, livre. As lágrimas geraram esperança. E isto não é fácil de entender, mas é verdade. Muitas vezes, na nossa vida, as lágrimas semeiam esperança, são sementes de esperança.
Como sabemos, este texto de Jeremias é retomado depois pelo evangelista Mateus e aplicado ao massacre dos inocentes (cf. 2, 16-18). Um texto que nos põe diante da tragédia do assassinato de seres humanos indefesos, do horror do poder que despreza e suprime a vida. As crianças de Belém morreram por causa de Jesus. E Ele, por sua vez, Cordeiro inocente, viria a morrer por todos nós. O Filho de Deus entrou na dor dos homens. Não podemos esquecer isto. Quando alguém vem ter comigo e me dirige perguntas difíceis, por exemplo: «Diga-me, Padre, porque sofrem as crianças?», deveras eu não sei o que responder. E digo apenas: “Olha o Crucificado: Deus ofereceu-nos o seu Filho. Ele sofreu e talvez ali encontres uma resposta”. Mas não existem respostas aqui [indica a cabeça]. Somente olhando para o amor de Deus que dá o seu Filho, que oferece a sua vida por nós, poderá indicar algum caminho de consolação. E por isto dizemos que o Filho de Deus entrou na dor dos homens; compartilhou e aceitou a morte; a sua Palavra é definitivamente verbo de consolação, porque nasce do pranto.
E na cruz será Ele, Filho agonizante, quem dará uma renovada fecundidade à sua Mãe, confiando-lhe o discípulo João e tornando-a Mãe do povo dos fiéis. A morte é derrotada, cumprindo-se assim a profecia feita por Jeremias. Também as lágrimas de Maria, como as de Raquel, geraram esperança e vida nova. Obrigado!
Saudações
Com grande afeto, saúdo os peregrinos de língua portuguesa, e de modo particular os sacerdotes da diocese de Angra, desejando a cada um que sempre possa dar-se conta do dom maravilhoso que é pertencer à santa Mãe Igreja. Vele sobre o vosso caminho a Virgem Maria e vos ajude a ser sinal de confiança e esperança no meio dos vossos irmãos. Sobre vós e vossas famílias desça a Bênção de Deus!
Enfim, é com prazer que vos saúdo, jovens, doentes e recém-casados. Desejo-vos, caros jovens, que saibais considerar cada dia do ano novo como um dom de Deus, a viver com reconhecimento e retidão, caminhando sempre em frente. Sempre! O ano novo vos traga, prezados doentes, consolação no corpo e no espírito. O Senhor esteja próximo de vós e Nossa Senhora vos console. E vós, amados recém-casados, comprometei-vos a realizar uma sincera comunhão de vida segundo o desígnio de Deus.
Apelo após o massacre num cárcere de Manaus
Ontem chegaram do Brasil as dramáticas notícias do massacre ocorrido num cárcere de Manaus, onde um violentíssimo conflito entre bandos de rivais causou dezenas de mortos. Exprimo dor e preocupação pelo que aconteceu. Convido a rezar pelos defuntos, pelos seus familiares, por todos os prisioneiros daquela penitenciária e por quantos aí trabalham. E renovo o apelo para que as prisões sejam lugares de reeducação e de reinserção social, e as condições de vida dos presos sejam dignas de pessoas humanas.
Convido-vos a rezar por estes presos, mortos e vivos, e também por todos os prisioneiros do mundo, a fim de que os cárceres existam para reinserir e não sejam superlotados, para que sejam lugares de reinserção. Oremos a Nossa Senhora, Mãe dos prisioneiros: Ave Maria...
Papa Francisco
Audiência Geral 4.1.2017
São Paulo, na Carta aos Romanos, recorda-nos a grande figura de Abraão, para nos indicar o caminho da fé e da esperança. Acerca dele o apóstolo escreve: «Esperando, contra toda a esperança, Abraão teve fé e se tornou pai de muitas nações» (Rm 4, 18); «esperando, contra toda a esperança». Este conceito é forte: até quando não há esperança, eu espero. É assim o nosso pai Abraão. São Paulo está a referir-se à fé com que Abraão acreditou na palavra de Deus que lhe prometia um filho. Mas era deveras um confiar esperando «contra toda a esperança», porque era muito inverosímil o que o Senhor lhe estava a anunciar, sendo ele muito idoso — tinha quase cem anos — e a sua esposa era estéril. Não conseguiu! Mas foi Deus quem o disse, e ele acreditou. Não havia esperança humana porque ele era idoso e a esposa estéril: e ele acreditou.
Confiando nesta promessa, Abraão põe-se a caminho, aceita deixar a sua terra e tornar-se estrangeiro, esperando neste «impossível» filho que Deus lhe teria querido dar não obstante o seio de Sara já estivesse como que morto. Abraão acreditou, a sua fé abre-se a uma esperança aparentemente irracional; ela é a capacidade de ir além dos raciocínios humanos, da sabedoria e da prudência do mundo, além daquilo que normalmente é considerado sensatez, para acreditar no impossível. A esperança abre novos horizontes, torna capazes de sonhar aquilo que nem sequer é imaginável. A esperança faz entrar na escuridão de um futuro incerto para caminhar na luz. É bela a virtude da esperança; dá-nos tanta força para caminhar na vida.
Mas trata-se de um caminho difícil. E chega o momento, também para Abraão, da crise de desconforto. Confiou, deixou a sua casa, a sua terra, os seus amigos... Tudo. Partiu, chegou ao país que Deus lhe indicara, o tempo passou. Naquela época, fazer uma viagem como essa não era como hoje, de avião — faz-se em poucas horas — eram necessários meses, anos! O tempo passou, mas o filho não nasceu, o seio de Sara permaneceu fechado na sua esterilidade.
E Abraão, não digo que perdeu a paciência, mas lamentou-se com o Senhor. Aprendemos também isto do nosso pai Abraão: lamentar-se com o Senhor é uma forma de rezar. Por vezes ouço, quando confesso: «Lamentei-me com o Senhor...», e [eu respondo]: «A sério! Lamenta-te, Ele é pai!». E esta é uma maneira de rezar: lamenta-te com o Senhor, isto é bom. Abraão lamenta-se com o Senhor dizendo: «“Senhor Javé [...] Eu irei sem filhos, e o herdeiro de minha casa é Eliezer de Damasco” (Eliezer era aquele que regia todas as coisas). Abraão acrescentou: “Vós não me destes posteridade, e um escravo será o meu herdeiro”. Conduzindo-o fora, disse-lhe: “Levanta os olhos para os céus e conta as estrelas, se fores capaz...” Pois bem, disse ele, “assim será a tua descendência”. Abrão confiou no Senhor, e o Senhor lho imputou para justiça» (Gn 15, 2-6).
A cena tem lugar durante a noite, fora está escuro, mas também o coração de Abraão está escuro pela desilusão, pelo desencorajamento, pela dificuldade de continuar a esperar em algo impossível. O patriarca já tem uma idade muito avançada, parece não haver mais tempo para um filho, e será um servo que o substituirá herdando tudo.
Abraão dirige-se ao Senhor, mas Deus, mesmo se está ali presente e fala com ele, parece que agora se afastou, como se não tivesse mantido a palavra dada. Abraão sente-se sozinho, está velho e cansado, a morte está sobranceira. Como continuar a confiar?
Contudo, já este seu lamentar-se é uma forma de fé, é uma oração. Apesar de tudo, Abraão continua a crer em Deus e a esperar que alguma coisa ainda possa acontecer. Caso contrário, por que interpelar o Senhor, lamentar-se com Ele, recordar-lhe as suas promessas? A fé não é só silêncio que tudo aceita sem replicar, a esperança não é certeza que te preserva da dúvida e da perplexidade. Mas muitas vezes, a esperança é escuridão; mas está ali a esperança... que te leva em frente. Fé é também lutar com Deus, mostrar-lhe a nossa amargura, sem fingimentos «piedosos». «Zanguei-me com Deus e disse-lhe isto e aquilo...». Mas Ele é pai, Ele compreendeu-te: vai em paz! É preciso ter esta coragem! Eis em que consiste a esperança. E é também esperança não ter receio de ver a realidade por aquilo que ela é e aceitar as suas contradições.
Por conseguinte, Abraão, na fé, dirige-se a Deus para que o ajude a continuar a esperar. É curioso, não pediu um filho. Pediu: «Ajuda-me a continuar a esperar», a oração de ter esperança. E o Senhor responde insistindo com a sua promessa inverosímil: o herdeiro não será um servo, mas um filho, nascido de Abraão, por ele gerado. Nada mudou, da parte de Deus. Ele continua a reafirmar quanto já dissera, e não oferece pontos de apoio a Abraão, para que se sinta tranquilo. A sua única segurança é confiar na palavra do Senhor e continuar a esperar.
Aquele sinal que Deus dá a Abraão é um pedido para que continue a crer e a esperar: «Levanta os olhos para os céus e conta as estrelas [...] assim será a tua descendência» (Gn 15, 5). É de novo uma promessa, é novamente algo que se deve esperar para o futuro. Deus conduz Abraão fora da tenda, na realidade fora das suas visões restritas, e mostra-lhe as estrelas. Para crer, é necessário saber ver com os olhos da fé; são só estrelas, que todos podem ver, mas para Abraão devem tornar-se o sinal da fidelidade de Deus.
É esta a fé, é este o caminho da esperança que cada um de nós deve percorrer. Se também a nós permanece como única possibilidade olhar para as estrelas, então chegou o momento de confiar em Deus. Não há coisa mais bonita. A esperança não desilude. Obrigado.
Saudações
Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha cordial saudação para todos, desejando-vos todas as consolações e graças do Deus Menino. Nos vossos corações, famílias e comunidades, resplandeça a luz do Salvador, que nos revela o rosto terno e misericordioso do Pai do Céu. Ele vos abençoe com um Ano Novo sereno e feliz!
Sinto-me feliz por saudar de modo especial os jovens, os doentes e os recém-casados; a estes eu chamo corajosos, porque é preciso coragem para casar e fazê-lo por toda a vida: que coragem! Que os santos Inocentes mártires, que hoje recordamos, ajudem todos a ser fortes na fé, olhando para o Deus Menino, que no mistério do Natal se oferece pela humanidade inteira. Queridos jovens, sabei também vós crescer como ele: obedientes aos pais e prontos a compreender e a seguir a vontade do Pai que está nos céus. Queridos doentes, desejo que diviseis, na luz viva de Belém, o sentido do vosso sofrimento. E exorto-vos, queridos corajosos recém-casados, a ser constantes, ao construir a vossa família, o amor e a dedicação além de qualquer sacrifício e a não terminar o dia sem fazer as pazes entre vós.
Papa Francisco
Audiência Geral 28.12.2016
Ao presidir a Audiência Geral desta quarta-feira, 7/09/2016, o Papa Francisco lembrou que é a misericórdia que salva, por meio de Jesus Cristo, que não veio para punir os pecadores, mas chamá-los à conversão.
“Deus não mandou seu Filho ao mundo para punir os pecadores muito mesmo para destruir os maus. A eles é feito o convite à conversão para que, vendo os sinais da bondade divina, possam reencontrar a estrada do retorno”.
Ao recordar novamente o Evangelho de Mateus, no trecho em que Jesus diz “bem-aventurado aquele que não vê em mim motivo de escândalo”, o Papa explicou que “escândalo significa obstáculo”.
“A advertência de Jesus é sempre atual: também hoje o homem constrói imagens de Deus que lhe impede de sentir a sua real presença”.
A partir desse aviso, Francisco elencou 5 destes obstáculos atuais:
1.“Alguns tecem uma fé ‘faça você mesmo’ que reduz Deus ao espaço limitado dos próprios desejos e das próprias convicções. Mas esta fé não é conversão ao Senhor que se revela, ao contrário, impede-O de provocar a nossa vida e a nossa consciência”.
2. “Outros reduzem Deus a um falso ídolo; usam seu santo nome para justificar os próprios interesses ou até mesmo o ódio e a violência”.
3. “Para outros, Deus é somente um refúgio psicológico no qual estar seguro nos momentos difíceis: trata-se de uma fé dobrada em si mesma, impermeável à força do amor misericordioso de Jesus que conduz em direção aos irmãos”.
4. “Outros ainda consideram Cristo somente um bom mestre de ensinamentos éticos, um entre tantos na história”.
5. “Finalmente, há quem sufoca a fé em uma relação puramente intimista com Jesus, anulando o seu impulso missionário capaz de transformar o mundo e a história. Nós cristãos acreditamos no Deus de Jesus Cristo, e o seu desejo é aquele de crescer na experiência viva do seu mistério de amor”, afirmou o Papa e concluiu:
“Tenhamos o compromisso de não colocar nenhum obstáculo ao agir misericordioso do Pai, e peçamos o dom de uma fé grande para que também nós sejamos sinais e instrumentos de misericórdia”.
Papa Francisco
imagem: site do Vaticano 2020
Papa proclama santa Madre Teresa de Calcutá e sublinha que Igreja deve estar onde há «uma mão estendida»
Santa Madre Teresa de Calcutá: é assim que os católicos passam a partir de agora a chamar e a pedir a intercessão à fundadora das Missionárias da Caridade, figura cuja vida e ação se estenderam muito para além das fronteiras físicas e espirituais do catolicismo.
Na missa em que canonizou a mais recente santa da Igreja, celebrada esta manhã na Praça de S. Pedro, no Vaticano, o papa frisou que para os cristãos «não existe alternativa à caridade»: «Estamos chamados a por em prática o que pedimos na oração e professamos na fé».
«Como o Senhor veio até mim e se inclinou sobre mim na hora da necessidade, assim vou ao seu encontro e inclino-me sobre aqueles que perderam a fé ou vivem como se Deus não existisse, sobre os jovens sem valores e ideais, sobre as famílias em crise, sobre os doentes e os prisioneiros, sobre os refugiados e imigrantes, sobre os fracos e desamparados no corpo e no espírito, sobre os menores abandonados à própria sorte, bem como sobre os idosos deixados sozinhos. Onde quer que haja uma mão estendida pedindo ajuda para levantar-se, ali deve estar a nossa presença e a presença da Igreja, que apoia e dá esperança», vincou.
Francisco sublinhou que «seguir Jesus é um compromisso sério e ao mesmo tempo alegre; exige radicalidade e coragem para reconhecer o divino Mestre no mais pobre e colocar-se ao seu serviço. Para isso, os voluntários que servem os últimos e necessitados por amor de Jesus não esperam nenhum agradecimento ou gratificação, mas renunciam tudo isso porque encontraram o amor verdadeiro»
«Para Deus são agradáveis todas as obras de misericórdia, porque no irmão que ajudamos, reconhecemos o rosto de Deus que ninguém pode ver. Todas as vezes em que nos inclinamos para as necessidades dos irmãos, damos de comer e beber a Jesus; vestimos, apoiamos e visitamos o Filho de Deus», declarou.
Na parte final da homilia, o papa centrou-se em Madre Teresa, que «ao longo de toda a sua existência, foi uma dispensadora generosa da misericórdia divina, fazendo-se disponível a todos, através do acolhimento e da defesa da vida humana, dos nascituros e daqueles abandonados e descartados. Comprometeu-se na defesa da vida, proclamando incessantemente que "quem ainda não nasceu é o mais fraco, o menor, o mais miserável". Inclinou-se sobre as pessoas indefesas, deixadas moribundas à beira da estrada, reconhecendo a dignidade que Deus lhes dera; fez ouvir a sua voz aos poderosos da Terra, para que reconhecessem a sua culpa diante dos crimes da pobreza criada por eles mesmos».
«A misericórdia foi para ela o “sal”, que dava sabor a todas as suas obras, e a luz que iluminava a escuridão de todos aqueles que nem sequer tinham mais lágrimas para chorar pela sua pobreza e sofrimento», apontou, destacando que «a sua missão nas periferias das cidades e nas periferias existenciais» continua a ser hoje «um testemunho eloquente da proximidade de Deus junto dos mais pobres entre os pobres».
Ao mundo do voluntariado, o papa exortou a que a nova santa seja «o modelo de santidade»: «Que esta incansável agente de misericórdia nos ajude a entender mais e mais que o nosso único critério de ação é o amor gratuito, livre de qualquer ideologia e de qualquer vínculo e que é derramado sobre todos sem distinção de língua, cultura, raça ou religião».
«Madre Teresa gostava de dizer: "Talvez não fale a língua deles, mas posso sorrir". Levemos no coração o seu sorriso e o ofereçamos a quem encontremos no nosso caminho, especialmente àqueles que sofrem. Assim abriremos horizontes de alegria e de esperança numa humanidade tão desesperançada e necessitada de compreensão e ternura», concluiu Francisco.
A memória litúrgica de Madre Teresa de Calcutá celebra-se anualmente a 5 de setembro, pelo que esta segunda-feira vai ser invocada como santa pela primeira vez.
Após a Eucaristia com o rito da canonização, Francisco presidiu à oração do "Angelus", invocadora da Virgem Maria, tendo recordado palavras proferidas por Santa Madre Teresa de Calcutá: «Sou albanesa de sangue, indiana de cidadania. Para aqueles que se referem à minha fé, sou uma irmã católica. Segundo a minha vocação, pertenço ao mundo. Mas quanto ao que diz respeito ao meu coração, pertenço inteiramente ao Coração de Jesus».
Na missa estiveram presentes os presidentes da Albânia, Antiga República Jugoslava da Macedónia e Kosovo, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, a rainha de Espanha, o presidente dos Bektashi, fraternidade muçulmana albanesa, e o bispo da Igreja protestante de Calcutá.
No "Angelus" Francisco recordou «quantos se gastam ao serviço dos irmãos em contextos difíceis e arriscados», «especialmente as muitas religiosas que dão a sua vida sem se pouparem».
«Rezemos em particular pela irmã missionária espanhola, irmã Isabel, que foi morta há dois dias na capital do Haiti, um país tão sofrido, para o qual faço votos de que cessem tais atos de violência e haja maior segurança para todos. Recordemos também outras irmãs que, recentemente, sofreram violência noutros países», assinalou o papa.
Rui Jorge Martins
Publicado em 04.09.2016 no SNPC
imagem: site do Vaticano 2020
O papa retomou hoje (1.09.2016), no Vaticano, as catequeses sobre a misericórdia que profere nas audiências-gerais da quarta-feira, depois de na última semana ter cancelado a sua intervenção, substituindo pela oração pelas vítimas do sismo que atingiu Itália.
Francisco meditou sobre o texto do Evangelho em que uma mulher afligida por uma hemorragia que durava há 12 anos se aproximou por trás de Jesus e lhe tocou na orla do manto, convicta de que com este gesto poderia ser curada, o que veio a acontecer depois de ouvir as palavras de Cristo: «Tem confiança, a tua fé te salvou» (Mateus 9, 20-22).
«Jesus, mais uma vez, com o seu comportamento cheio de misericórdia, indica à Igreja o percurso a cumprir para ir ao encontro de cada pessoa, para que cada uma possa ser curada no corpo e no espírito e recuperar a dignidade de filho e filha de Deus», afirmou o papa.
Francisco acentuou também que este trecho bíblico coloca todos em guarda, «inclusive a comunidade cristã, contra visões da feminilidade desvirtuadas por preconceitos e suspeitas lesivas da sua intangível dignidade».
Excertos da catequese:
«Quanta fé tinha esta mulher! Raciocina assim [pensando que ao tocar no manto de Jesus seria curada] porque é animada por muita fé e muita esperança e, com um toque de astúcia, realiza quanto tem no coração.
O desejo de ser salva por Jesus é tal que a faz ir além das prescrições estabelecidas pela lei de Moisés. Esta pobre mulher de muitos anos não está simplesmente doente, mas é considerada impura porque atingida por hemorragias. É por isso excluída da liturgia, da vida conjugal, das normais relações com o próximo.
O evangelista Marcos acrescenta que ela tinha consultado muitos médicos, recorrendo aos seus meios para lhes pagar e suportando tratamentos dolorosos, mas só tinha piorado. Era uma mulher descartada pela sociedade. É importante considerar esta condição – descartada – para compreender o seu estado de ânimo: ela sente que Jesus pode libertá-la da doença e do estado de marginalização e de indignidade em que se encontra há anos. Numa palavra: sabe e sente que Jesus a pode salvar.
Este caso faz refletir sobre como a mulher será muitas percecionada e representada. Todos somos postos em guarda, inclusive a comunidade cristã, contra visões da feminilidade desvirtuadas por preconceitos e suspeitas lesivas da sua intangível dignidade. Nesse sentido são precisamente os Evangelhos a restabelecer a verdade e a reconduzi-la a um ponto de vista libertador.
Jesus admirou a fé desta mulher que todos evitavam e transformou a sua esperança em salvação. Não sabemos o seu nome, mas as poucas linhas com que os Evangelhos descrevem o seu encontro com Jesus delineiam um itinerário de fé capaz de restabelecer a verdade e a grandeza da dignidade de cada pessoa. No encontro com Cristo abre-se para todos, homens e mulher de cada lugar e de cada tempo, a via da libertação e da salvação.
O Evangelho de Mateus diz que quando a mulher tocou o manto de Jesus, Ele “se voltou” e “a viu”, e portanto dirige-lhe a palavra. Como dizíamos, por causa do seu estado de exclusão, a mulher agiu às escondidas, nas costas de Jesus, estava algo receosa, para não ser vista. Jesus, ao invés, vê-a e o seu olhar não é de reprovação (…), mas de misericórdia e ternura. Ele sabe o que aconteceu e procura o encontro pessoal com ela, encontro que no fundo a própria mulher desejava. Isto significa que Jesus não só a acolhe mas a considera digna de tal encontro, ao ponto de lhe fazer dom da sua palavra e da sua atenção.
Na parte central da narrativa o termo salvação ocorre três vezes: “Se conseguir apenas tocar o seu manto, serei salva. Jesus voltou-se, viu-a e disse: ‘Coragem, filha, a tua fé te salvou!’. E a partir daquele instante a mulher foi salva”. Este «coragem, filha» exprime toda a misericórdia de Deus por aquela pessoa. (…)
Depois, a “salvação” assume múltiplas conotações: antes de tudo restitui a saúde à mulher; depois liberta-a das discriminações sociais e religiosas; além disso, realiza a esperança que ela trazia no coração, anulando os seus medos e o seu desconforto; por fim, restitui-a à comunidade, libertando-a da necessidade de agir às escondidas. (…)
A salvação que Jesus dá é total, reintegra a vida da mulher na esfera do amor de Deus e, ao mesmo tempo, restabelece-a na sua plena dignidade.
Em resumo, não é o manto que a mulher tocou a dar-lhe a salvação, mas a palavra de Jesus, acolhida na fé, capaz de a consolar, curar e restabelece-la na relação com Deus e com o seu povo.
Jesus é a única fonte de bênção de quem brota a salvação para todos os homens, e a fé é a disposição fundamental para a acolher. Jesus, mais uma vez, com o seu comportamento cheio de misericórdia, indica à Igreja o percurso a cumprir para ir ao encontro de cada pessoa, para que cada uma possa ser curada no corpo e no espírito e recuperar a dignidade de filho e filha de Deus.»
Papa Francisco
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Nas catequeses precedentes entramos gradualmente no grande mistério da misericórdia de Deus. Meditamos sobre a ação do Pai no Antigo Testamento e depois, através das narrações evangélicas, vimos que Jesus, nas suas palavras e nos seus gestos, é a encarnação da Misericórdia. Ele, por sua vez, ensinou aos seus discípulos: «Sede misericordiosos como o Pai» (Lc 6, 36). É um compromisso que interpela a consciência e a ação de cada cristão. Com efeito, não é suficiente experimentar a misericórdia de Deus na própria vida; é necessário que quem a recebe se torne também sinal e instrumento para os outros. Além disso, a misericórdia não está reservada só para alguns momentos particulares, mas abraça toda a nossa existência diária.
Por conseguinte, como podemos ser testemunhas de misericórdia? Não pensemos que se trata de realizar grandes esforços nem gestos sobre-humanos. Não, não é assim. O Senhor indica-nos um caminho muito simples, feito de pequenos gestos que contudo aos seus olhos têm um grande valor, a tal ponto que nos disse que com base neles seremos julgados. De facto, uma das páginas mais bonitas do Evangelho de Mateus oferece-nos o ensinamento que poderíamos considerar, de qualquer maneira, como «o testamento de Jesus» por parte do evangelista, que experimentou diretamente sobre si a ação da Misericórdia. Jesus diz que todas as vezes que damos de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede, que vestimos uma pessoa nua e acolhemos um estrangeiro, que visitamos um doente ou um preso, é a Ele que o fazemos (cf. Mt 25, 31-46). A Igreja definiu estes gestos «obras de misericórdia corporal», porque socorrem as pessoas nas suas necessidades materiais.
Contudo, há também outras sete obras de misericórdia chamadas «espirituais», relativas a outras exigências igualmente importantes, sobretudo hoje, porque tocam o íntimo das pessoas e com frequência fazem sofrer mais. Certamente todos se recordam de uma que entrou na linguagem comum: «Suportar pacientemente as pessoas inoportunas». E há; há muitas pessoas inoportunas! Poderia parecer algo sem importância, que nos faz sorrir, mas contém um sentimento de caridade profunda; e assim é também para as outras seis, que é bom recordar: aconselhar os que têm dúvidas, ensinar os ignorantes, advertir os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, rezar a Deus pelos vivos e pelos mortos. São ações diárias! «Sinto-me aflito...» — «Mas Deus ajudar-te-á, não tenho tempo...». Não! Paro, ouço, perco o meu tempo e consolo a pessoa, este é um gesto de misericórdia que é feito não só a ela mas também a Jesus!
Nas próximas Catequeses refletiremos sobre estas obras, que a Igreja nos apresenta como o modo concreto de viver a misericórdia. Ao longo dos séculos, muitas pessoas simples as puseram em prática, dando assim testemunho genuíno da fé. Por outro lado, a Igreja, fiel ao seu Senhor, nutre um amor preferencial pelos mais débeis. Frequentemente são as pessoas mais próximas de nós que precisam da nossa ajuda. Não devemos ir em busca de sabe-se lá quais feitos a realizar. É melhor iniciar pelas mais simples, que o Senhor nos indica como as mais urgentes. Infelizmente num mundo atingido pelo vírus da indiferença, as obras de misericórdia são o melhor antídoto. De facto, orientam a nossa atenção para as exigências mais elementares dos nossos «irmãos mais necessitados» (Mt 25, 40), nos quais Jesus está presente. Jesus está sempre presente neles. Onde houver uma necessidade, uma pessoa carente, quer material quer espiritualmente, Jesus está ali. Reconhecer o seu rosto no de quem é carente é um verdadeiro desafio contra a indiferença. Permite que estejamos sempre vigilantes, evitando que Cristo passe ao nosso lado sem que o reconheçamos. Vem à mente a frase de Santo Agostinho: «Timeo Iesum transeuntem» (Serm., 88, 14, 13), «Temo que o Senhor passe» e eu não o reconheça, que o Senhor passe ao meu lado numa dessas pessoas simples, necessitadas e eu não me dê conta de que é Jesus. Tenho medo de que o Senhor passe e não o reconheça! Perguntei-me por que Santo Agostinho disse que temia a passagem de Jesus. Infelizmente, a resposta está nos nossos comportamentos: porque com frequência estamos distraídos, somos indiferentes, e quando o Senhor passa ao nosso lado nós perdemos a ocasião do encontro com Ele.
As obras de misericórdia despertam em nós a exigência e a capacidade de tornar viva e operante a fé com a caridade. Estou convicto de que através destes simples gestos diários podemos realizar uma verdadeira revolução cultural, como aconteceu no passado. Se cada um de nós, todos os dias, realizar uma delas, isto será uma revolução no mundo! Mas todos, cada um de nós! Quantos Santos ainda hoje são recordados não pelas grandes obras que realizaram mas pela caridade que souberam transmitir! Pensemos na Madre Teresa de Calcutá, que foi canonizada recentemente: não nos lembramos dela por tantas casas que abriu no mundo mas porque se inclinava sobre cada pessoa que encontrava no meio da rua para lhe restituir a dignidade. Quantas crianças abandonadas abraçou; quantos moribundos acompanhou até ao limiar da eternidade, segurando-os pela mão! Estas obras de misericórdia são os traços do Rosto de Jesus Cristo que cuida dos seus irmãos mais débeis para levar a cada um a ternura e a proximidade de Deus. Que o Espírito Santo nos ajude, que o Espírito Santo acenda em nós o desejo de viver este estilo de vida: pelo menos de fazer uma por dia, pelo menos! Memorizemos de novo as obras de misericórdia corporais e espirituais e peçamos ao Senhor que nos ajude a pô-las em prática diariamente e no momento em que vemos Jesus numa pessoa carente.
APELO PELA SÍRIA
Gostaria de frisar e confirmar a minha proximidade a todas as vítimas do desumano conflito na Síria. É com um sentido de urgência que renovo o meu apelo, implorando, com todas as minhas forças, os responsáveis, a fim de que se providencie a um imediato cessar-fogo, que seja imposto e respeitado pelo menos durante o tempo necessário para permitir a retirada dos civis, sobretudo das crianças, que ainda estão encurralados sob os sangrentos bombardeamentos.
APELO
Amanhã, 13 de outubro, decorre o Dia internacional para a redução dos desastres naturais, que neste ano propõe o tema: «Reduzir a mortalidade». De facto os desastres naturais poderiam ser evitados ou pelo menos limitados, porque os seus efeitos muitas vezes se devem às faltas de cuidados do meio ambiente por parte do homem. Portanto, encorajo a unir os esforços de modo clarividente na tutela da nossa casa comum, promovendo uma cultura de prevenção, com a ajuda também dos novos conhecimentos, reduzindo os riscos para as populações mais vulneráveis.
Saudações
Amados peregrinos de língua portuguesa, saúdo-vos cordialmente a todos, com menção especial para o grupo de Cabanelas e Cervães, de São Paulo e para os membros da Comunidade Shalom. Voltemos a aprender de cor as obras de misericórdia e peçamos ao Senhor que nos ajude a pô-las em prática. Sobre vós e vossas famílias, desça, misericordiosa, a Bênção de Deus.
Papa Francisco
Audiência Geral de 12.10.2016
Imagem: site vaticano 11.11.20
CATEQUESE
Sala Paulo VI – Vaticano
Quarta-feira, 17 de agosto de 2016
Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje queremos refletir sobre o milagre da multiplicação dos pães. No início do relato que Mateus faz (cfr 14, 13-21), Jesus acaba de receber a notícia da morte de João Batista e, com um barco, atravessa o lago em busca de “um lugar deserto, à parte” (v. 13). O povo, porém, soube e o precedeu a pé de forma que “descendo do barco, Ele viu uma grande multidão, moveu-se de compaixão para com ela e curou seus doentes” (v. 14). Assim era Jesus: sempre com a compaixão, sempre pensando nos outros. Impressiona a determinação do povo, que teme ser deixado sozinho, como que abandonado. Morto João Batista, profeta carismático, confia-se em Jesus, do qual o próprio João Batista tinha dito: “Aquele que vem depois de mim é mair forte que eu” (Mt 3, 11). Assim, a multidão o segue para todo lugar, para escutá-lo e para levar-lhes os doentes. E vendo isso Jesus se comove. Jesus não é frio, não tem um coração frio. Jesus é capaz de se comover. De um lado, Ele se sente ligado a essa multidão e não quer que vá embora; por outro, precisa de momentos de solidão, de oração, com o Pai. Tantas vezes passa a noite rezando com o seu Pai.
Também naquele dia, então, o Mestre se dedicou ao povo. A sua compaixão não é um vago sentimento; mostra, em vez disso, toda a força da sua vontade de estar próximo a nós e nos salvar. Jesus nos ama tanto e quer ser próximo a nós.
Ao cair da noite, Jesus se preocupa de dar de comer a todas as pessoas, cansadas e famintas, e cuida de quantos o seguem. E quer envolver nisso os seus discípulos. De fato diz a eles: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (v. 16) E demonstrou a esses que os poucos pães e peixes que tinham, com a força da fé e da oração, podiam ser partilhados para todo aquele povo. Jesus faz um milagre, mas é o milagre da fé, da oração, suscitado pela compaixão e pelo amor. Assim, Jesus “partiu os pães e lhe deu aos discípulos e os discípulos à multidão” (v. 19). O Senhor vai ao encontro das necessidades dos homens, mas quer tornar cada um de nós concretamente participantes da sua compaixão.
Agora nos concentrando no gesto da benção de Jesus: Ele “tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos ao céu, recitou a benção, partiu os pães e lhes deu” (v. 19). Como se vê, são os mesmos gestos que Jesus fez na Última Ceia; e são também os mesmos que cada sacerdote faz quando celebra a Santa Eucaristia. A comunidade cristã nasce e renasce continuamente desta comunhão eucarística. Viver a comunhão com Cristo, portanto, está longe de permanecer passivos e estranhos à vida cotidiana, ao contrário, sempre mais nos insere na relação com os homens e as mulheres do nosso tempo, para oferecer a eles o sinal concreto da misericórdia e da atenção de Cristo. Enquanto nos alimenta de Cristo, a Eucaristia que celebramos transforma pouco a pouco também nós em corpo de Cristo e alimento espiritual para os irmãos. Jesus quer alcançar todos para levar a todos o amor de Deus. Por isso torna todo crente servidor da misericórdia. Jesus viu a multidão, sentiu compaixão por essa e multiplicou os pães; assim faz o mesmo com a Eucaristia. E nós crentes, que recebemos este pão eucarístico somos impulsionados por Jesus a levar este serviço aos outros, com a sua mesma compaixão. Esse é o percurso.
O relato da multiplicação dos pães e dos peixes se conclui com a constatação de que todos se saciaram e recolheram os pedaços que sobraram (cfr v. 20). Quando Jesus, com a sua compaixão e o seu amor, nos dá uma graça, nos perdoa os pecados, nos abraça, nos ama, não faz as coisas pela metade, mas completamente. Como aconteceu aqui: todos ficaram satisfeitos. Jesus preenche o nosso coração e a nossa vida com o seu amor, com o seu perdão, com a sua compaixão. Jesus, então, permitiu aos seus discípulos executar a sua ordem. Desse modo, esses conhecem o caminho a percorrer: alimentar o povo e mantê-lo unido; isso é, estar a serviço da vida e da comunhão. Invoquemos, então, o Senhor, para que sempre torne a sua Igreja capaz deste santo serviço e para que cada um de nós possa ser instrumento de comunhão na própria família, no trabalho, na paróquia e nos grupos de pertença, um sinal visível da misericórdia de Deus que não quer deixar ninguém na solidão e na necessidade, a fim de que descendam a comunhão e paz entre os homens e a comunhão dos homens com Deus, porque essa comunhão é vida para todos.
Papa Francisco
imagem: site do vaticano 2020
Nesta liturgia, a Palavra de Deus contém um binómio central: fechamento/abertura. E, relacionado com esta imagem, está também o símbolo das chaves, que Jesus promete a Simão Pedro para que ele possa, sem dúvida, abrir às pessoas a entrada no Reino dos Céus, e não fechá-la como faziam alguns escribas e fariseus hipócritas que Jesus censura (cf. Mt 23, 13).
A leitura dos Atos dos Apóstolos (12, 1-11) apresenta-nos três fechamentos: o de Pedro na prisão; o da comunidade reunida em oração; e – no contexto próximo da nossa perícope – o da casa de Maria, mãe de João chamado Marcos, a cuja porta foi bater Pedro depois de ter sido libertado.
E vemos que a principal via de saída dos fechamentos é a oração: via de saída para a comunidade, que corre o risco de se fechar em si mesma por causa da perseguição e do medo; via de saída para Pedro que, já no início da missão que o Senhor lhe confiara, é lançado na prisão por Herodes e corre o risco de ser condenado à morte. E enquanto Pedro estava na prisão, «a Igreja orava a Deus, instantemente, por ele» (At 12, 5). E o Senhor responde à oração com o envio do seu anjo para o libertar, «arrancando-o das mãos de Herodes» (cf. v. 11). A oração, como humilde entrega a Deus e à sua santa vontade, é sempre a via de saída dos nossos fechamentos pessoais e comunitários. É a grande via de saída dos fechamentos.
O próprio Paulo, ao escrever a Timóteo, fala da sua experiência de libertação, de saída do perigo de ser ele também condenado à morte; mas o Senhor esteve ao seu lado e deu-lhe força para poder levar a bom termo a sua obra de evangelização dos gentios (cf. 2 Tm 4, 17). Entretanto Paulo fala duma «abertura» muito maior, para um horizonte infinitamente mais amplo: o da vida eterna, que o espera depois de ter concluído a «corrida» terrena. Assim é belo ver a vida do Apóstolo toda «em saída» por causa do Evangelho: toda projetada para a frente, primeiro, para levar Cristo àqueles que não O conhecem e, depois, para se lançar, por assim dizer, nos seus braços e ser levado por Ele «a salvo para o seu Reino celeste» (v. 18).
Mas voltemos a Pedro... A narração evangélica (Mt 16, 13-19) da sua confissão de fé e consequente missão a ele confiada por Jesus mostra-nos que a vida do pescador galileu Simão – como a vida de cada um de nós – se abre, desabrocha plenamente quando acolhe, de Deus Pai, a graça da fé. E Simão põe-se a caminhar – um caminho longo e duro – que o levará a sair de si mesmo, das suas seguranças humanas, sobretudo do seu orgulho misturado com uma certa coragem e altruísmo generoso. Decisiva neste seu percurso de libertação é a oração de Jesus: «Eu roguei por ti [Simão], para que a tua fé não desapareça» (Lc22, 32). E igualmente decisivo é o olhar cheio de compaixão do Senhor depois que Pedro O negou três vezes: um olhar que toca o coração e liberta as lágrimas do arrependimento (cf. Lc 22, 61-62). Então Simão Pedro foi liberto da prisão do seu eu orgulhoso, do seu eu medroso, e superou a tentação de se fechar à chamada de Jesus para O seguir no caminho da cruz.
Como já aludi, no contexto próximo da passagem lida dos Atos dos Apóstolos, há um detalhe que pode fazer-nos bem considerar (cf. 12, 12-17). Quando Pedro, miraculosamente liberto, se vê fora da prisão de Herodes, vai ter à casa da mãe de João chamado Marcos. Bate à porta e, de dentro, vem atender uma empregada chamada Rode, que, tendo reconhecido a voz de Pedro, em vez de abrir a porta, incrédula e conjuntamente cheia de alegria corre a informar a patroa. A narração, que pode parecer cómica – e pode ter dado início ao chamado «complexo de Rode» –, deixa intuir o clima de medo em que estava a comunidade cristã, fechada em casa e fechada também às surpresas de Deus. Pedro bate à porta. – «Vai ver quem é!» Há alegria, há medo… «Abrimos ou não?» Entretanto ele corre perigo, porque a polícia pode prendê-lo. Mas o medo paralisa-nos, sempre nos paralisa; fecha-nos, fecha-nos às surpresas de Deus. Este detalhe fala-nos duma tentação que sempre existe na Igreja: a tentação de fechar-se em si mesma, à vista dos perigos. Mas mesmo aqui há uma brecha por onde pode passar a ação de Deus: Lucas diz que, naquela casa, «numerosos fiéis estavam reunidos a orar» (v. 12). A oração permite que a graça abra uma via de saída: do fechamento à abertura, do medo à coragem, da tristeza à alegria. E podemos acrescentar: da divisão à unidade. Sim, digamo-lo hoje com confiança, juntamente com os nossos irmãos da Delegação enviada pelo amado Patriarca Ecuménico Bartolomeu para participar na festa dos Santos Padroeiros de Roma. Uma festa de comunhão para toda a Igreja, como põe em evidência também a presença dos Arcebispos Metropolitas que vieram para a bênção dos Pálios, que lhes serão impostos pelos meus Representantes nas respetivas Sedes.
Os Santos Pedro e Paulo intercedam por nós para podermos realizar com alegria este caminho, experimentar a ação libertadora de Deus e a todos dar testemunho dela.
Papa Francisco
Homilia da Missa de São Pedro e São Paulo - 29.06.2016
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Na catequese desta quarta-feira o Papa Francisco falou:
«Senhor, se quiseres, podes purificar-me!»: assim falou a Jesus um leproso; um leproso que não se resignava com a sua doença, nem com as normas sociais que faziam dele um excluído: devia manter-se separado, longe de todos. Este homem, porém, viola aquelas normas, entrando na cidade e aproximando-se de Jesus. Na sua súplica, o leproso mostra-se certo de que Jesus tem poder para curá-lo; tudo depende da vontade d’Ele. Profundamente impressionado com a fé daquele homem, o Senhor toca-o e diz-lhe: «Quero, fica purificado!»
Quantas vezes encontramos um pobre que se aproxima de nós, conseguimos sentir compaixão e até dar-lhe uma esmola, mas habitualmente não tocamos a sua mão. Esquecemo-nos de que aquele é o corpo de Cristo! Jesus ensina-nos a não ter medo de tocar o pobre e o marginalizado, porque naquela pessoa está Ele próprio. Creio eu nisto ou não? Sim; mas… E começam as desculpas para não nos envolvermos.
Tocar o pobre pode purificar-nos da hipocrisia e levar-nos a preocupar-nos com a sua condição. Mas pensemos em nós, nas nossas misérias… com sinceridade. Quantas vezes as cobrimos com a hipocrisia das «boas maneiras». É precisamente então que é preciso estar a sós, ajoelharmo-nos diante de Deus e rezar: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me!
O Papa fez então uma comparação com o que acontece nos dias de hoje. “Quantas vezes encontramos um pobre e, mesmo sendo generosos e sentindo compaixão, não o tocamos. Oferecemos uma moeda, mas evitamos tocar sua mão. Esquecemos que aquele é o corpo de Cristo! Jesus nos ensina a não ter medo de tocar o pobre e o excluído, porque Ele está neles. Tocar o pobre pode nos purificar da hipocrisia e nos preocupar por sua exclusão.”
Francisco aproveitou a deixa para apresentar alguns jovens que estavam com ele na tribuna de onde realiza a catequese. São jovens refugiados que participaram hoje da audiência geral. “Muitos pensam que seria melhor que eles tivessem permanecido em suas terras, mas ali eles estavam sofrendo. São os nossos refugiados, mas muitos os consideram excluídos. Por favor, eles são nossos irmãos!”
Depois de curar o leproso, Jesus recomendou que não o contasse para ninguém. Para o Papa essa ordem demonstra três coisas. A primeira é que a graça do Senhor não quer sensacionalismo; age com discrição e sem clamor. A segunda é que, ao apresentar oficialmente a sua cura e celebrar um sacrifício, o leproso foi readmitido na comunidade e na vida social. A sua reintegração completa a cura. Enfim, apresentando-se aos sacerdotes, o leproso dá testemunho do poder e da compaixão de Jesus. A fé do homem se abre à missão. “Ele era um excluído e se tornou um de nós.”
“Pensemos em nós, nas nossas misérias com sinceridade. Quantas vezes as cobrimos com a hipocrisia das ‘boas maneiras’! É preciso estar a sós, ajoelharmo-nos diante de Deus e rezar: ‘Senhor, se quiseres, podes purificar-me!’”.
Audiência Geral 22 de junho de 2016
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«Que queres que Eu faça por ti?»: Quando Deus se faz servo e liberta da marginalidade
Um dia Jesus, aproximando-se da cidade de Jericó, realiza o milagre de tornar a dar a vista a um cego que mendigava à beira do caminho (cf. Lucas 18, 35-43). Hoje queremos colher o significado deste sinal porque também nos toca diretamente. (…) Um cego, naqueles tempos – mas até há não muito tempo atrás – só podia viver de esmola.
A figura deste cego representa muitas pessoas que, ainda hoje, se encontram marginalizadas por causa de uma inferioridade física ou de outro género. Está separado da multidão, está ali sentado enquanto as pessoas passam ocupadas nos seus pensamentos… e em tantas outras coisas; e o caminho, que pode ser um lugar de encontro, para ele é, pelo contrário, o lugar da solidão… Tanta gente que passa… mas ele está ali sozinho.
É triste a imagem de um marginalizado, sobretudo no cenário da cidade de Jericó, o esplêndido e luxuriante oásis no deserto. Sabemos que precisamente em Jericó chega o povo de Israel no termo do longo êxodo do Egito: aquela cidade representa a porta de entrada na terra prometida. Recordamos as palavras que Moisés pronuncia naquela circunstância. Dizia assim: “Se houver junto de ti um indigente entre os teus irmãos, numa das tuas cidades, na terra que o Senhor, teu Deus, te há de dar, não endurecerás o teu coração e não fecharás a tua mão ao irmão necessitado. Sem dúvida, nunca faltarão pobres na terra; por isso, Eu te ordeno: Abre generosamente a mão ao teu irmão, ao pobre e ao necessitado que estiver na tua terra” (Deuteronómio 15, 7.11).
É estridente o contraste entre esta recomendação da Lei de Deus e a situação descrita no Evangelho: enquanto o cego grita invocando Jesus (tinha uma voz forte), as pessoas censuravam-no para o fazer calar. Não têm compaixão dele, ao invés, experimentam aversão pelo seu grito. (…) A indiferença e a hostilidade causam a cegueira e a surdez, impedem de ver os irmãos e não permitem reconhecer neles o Senhor. Indiferença e hostilidade (…).
Notamos um detalhe interessante. O evangelista diz que algumas pessoas da multidão explicam ao cego o motivo de toda aquela gente, dizendo: “Está a passar Jesus, o Nazareno!”. A passagem de Jesus é indicada com o mesmo verbo com que no livro do Êxodo se fala da passagem do anjo exterminador que salva os israelitas no Egito (cf. 12, 23). É a “passagem” da páscoa, o início da libertação. (…) Ao cego, portanto, é como se fosse anunciada a sua páscoa. Sem se deixar atemorizar, o cego grita mais vezes para Jesus, reconhecendo-o como Filho de David, o Messias esperado que, segundo o profeta Isaías, abriria os olhos aos cegos (35, 5). Diferentemente desta multidão, este cego vê com os olhos da fé. Graças a ela, a sua súplica tem uma poderosa eficácia. Com efeito, ao ouvi-lo, “Jesus parou e mandou que o conduzissem até Ele”. Desta forma, Jesus tira o cego da margem do caminho e coloca-o no centro da atenção dos seus discípulos e da multidão. (…)
Realiza-se assim uma dupla passagem. Primeira: as pessoas tinham anunciado uma boa nova ao cego mas não queriam ter nada a ver com ele; agora Jesus obriga todos a tomar consciência de que o bom anúncio implica colocar no centro do próprio caminho aquele que dele estava excluído. Segunda: à sua volta o cego não via, mas a sua fé abre-lhe o caminho da salvação e ele encontra-se no meio de quantos confluíram ao caminho para ver Jesus. Irmãos e irmãs, a passagem do Senhor é um encontro de misericórdia que a todos une em torno a Ele para permitir reconhecer quem precisa de ajuda e de consolação. (…)
Jesus dirige-se ao cego e pergunta-lhe: “Que queres que Eu faça por ti?”. Estas palavras de Jesus são impressionantes: o Filho de Deus está agora diante do cego como um humilde servo. (…) Deus faz-se servo do homem pecador. E o cego responde a Jesus, já não chamando-o “Filho de David”, mas “Senhor”, o título que a Igreja desde os inícios aplica a Jesus ressuscitado. O cego pede para poder ver de novo e o seu desejo é satisfeito: “Recupera a vista! A tua fé salvou-te”. Ele mostrou a sua fé invocando Jesus e querendo absolutamente encontra-lo, e isto levou-lhe como dom a salvação. Graças à fé agora pode ver e, sobretudo, sente-se amado por Jesus. Por isso a narrativa termina referindo que o cego “começou a segui-lo, glorificando a Deus”: faz-se discípulo, de mendigo a discípulo (…). Aquele que queriam calar, testemunha agora, em alta voz, o seu encontro com Jesus de Nazaré, e “todo o povo, ao ver, deu louvores a Deus”.
Ocorre um segundo milagre: o que acontece ao cego fez com que também a multidão ficasse a ver. A mesma luz ilumina a todos, irmanando-os na oração de louvor. Assim Jesus efunde a sua misericórdia sobre todos aqueles que encontra: chama-os, atrai-os a si, junta-os, cura-os e ilumina, criando um novo povo que celebra as maravilhas do seu amor misericordioso (…).
Papa Francisco
Audiência geral, Praça de S. Pedro, Vaticano, 15.6.2016
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 15.06.2016
«Fazei o que Ele vos disser»: Últimas palavras de Maria no Evangelho são as primeiras de cada cristão
O papa abriu hoje uma nova etapa nos comentários que profere nas audiências gerais que realiza às quartas-feiras, na Praça de S. Pedro, no Vaticano, centrando-se no milagre inicial de Jesus, depois de nas semanas anteriores ter oferecido a sua meditação sobre parábolas que evidenciavam a misericórdia. Excertos da catequese:
«Hoje detemo-nos no primeiro dos milagres de Jesus, que o evangelista João chama “sinais”, porque Jesus não os faz para suscitar maravilhamento, mas para revelar o amor do Pai. O primeiro destes sinais prodigiosos é narrado precisamente por João (2, 1-11) e realiza-se em Caná da Galileia. Trata-se de uma espécie de “portal de ingresso”, no qual são cunhadas palavras e expressões que iluminam todo o mistério de Cristo e abrem o coração dos discípulos à fé. Vejamos algumas.
Na introdução encontramos a expressão “Jesus com os seus discípulos”. Aqueles que Jesus chamou a segui-lo ligou-os a si numa comunidade e agora, como uma única família, são todos convidados para as bodas. Dando início ao seu ministério público nas bodas de Caná, Jesus manifesta-se como o esposo do povo de Deus, anunciado pelos profetas, e revela-nos a profundidade da relação eu nos une a Ele: é uma nova Aliança de amor.
Qual é o fundamento da nossa fé? Um ato de misericórdia com que Jesus nos ligou a si. E a vida cristã é a resposta a esse amor, é como a história de dois enamorados. Deus e o homem encontram-se, procuram-se, descobrem-se, celebram-se e amam-se: precisamente como o amado e a amada no Cântico dos Cânticos. Tudo o mais vem como consequência desta relação. A Igreja é a família de Jesus em que se derrama o seu amor; é este amor que a Igreja guarda e quer dar a todos.
No contexto da Aliança compreende-se também a observação de Nossa Senhora: “Não têm vinho”. Como é possível celebrar as bodas e fazer festa se falta aquilo que os profetas indicavam como um elemento típico do banquete messiânico? A água é necessária para viver, mas o vinho exprime a abundância do banquete e a alegria da festa. Uma festa de bodas onde falta o vinho faz envergonhar os novos esposos – imaginai vós acabar a festa das bodas bebendo chá! O vinho é necessário à festa.
Transformando em vinho a água das vasilhas utilizadas “para a purificação ritual dos judeus”, Jesus realiza um sinal eloquente: transforma a Lei de Moisés em Evangelho, portador de alegria. Como diz noutro passo o mesmo João: “A Lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”.
As palavras que Maria dirige aos servos coroam o quadro esponsal de Caná: “Fazei o que Ele vos disser”. É curioso, são as suas últimas palavras reportadas pelos Evangelhos, são a sua herança que entrega a todos nós. Esta é a herança que nos deixou, e é belo! Trata-se de uma expressão que evoca a fórmula de fé utilizada pelo povo de Israel no [deserto do] Sinai, em resposta às promessas da aliança: “O que o Senhor disse, nós o faremos!”. E com efeito, em Caná os servos obedecem. “Disse-lhes Jesus: ‘Enchei as vasilhas de água.’ Eles encheram-nas até cima. Então ordenou-lhes: ‘Tirai agora e levai ao chefe de mesa’”.
Nestas bodas é realmente estipulada uma Nova Aliança e aos servidores do Senhor, isto é, a toda a Igreja, é confiada a nova missão: “Fazei o que Ele vos disser”. Servir o Senhor significa escutar e colocar em prática a sua Palavra. É a recomendação simples mas essencial da Mãe de Jesus e é o programa de vida do cristão. Para cada um de nós, tirar da vasilha equivale a confiar-se à Palavra de Deus para experimentar a sua eficácia na vida. Então, juntamente como chefe de mesa que provou a água tornada vinho, também nós podemos exclamar: “Tu guardaste o melhor vinho até agora”. Sim, o Senhor continua a reservar aquele vinho bom para a nossa salvação, assim como continua a brotar do lado ferido do Senhor.
A conclusão da narrativa soa como uma sentença: “Assim, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos, com o qual manifestou a sua glória, e os discípulos creram nele”. As bodas de Caná são muito mais do que a simples narrativa do primeiro milagre de Jesus. Como um cofre, Ele guarda o segredo da sua pessoa e o objetivo da sua vinda: o Esposo esperado dá início às bodas que se cumprem no Mistério pascal. Nestas bodas Jesus liga a si os seus discípulos com uma nova e definitiva Aliança. Em Caná os discípulos de Jesus tornam-se a sua família e nasce a fé da Igreja. Àquelas bodas todos nós somos convidados, para que o vinho novo não volte a faltar.»
Antes do início da intervenção, Francisco saudou um grupo de casais que assinalam em 2016 os 50 anos de casamento: «Esse sim, é o vinho bom, obrigado pelo vosso testemunho».
Papa Francisco
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 08.06.2016 in: SNPC
«É preciso aprender a reencontrar o caminho para o nosso coração», aponta papa Francisco
Na passada quarta-feira escutamos a parábola do juiz e da viúva, sobre a necessidade de orar com perseverança. Hoje, com uma outra parábola, Jesus quer ensinar-nos qual é a atitude justa para rezar e invocar a misericórdia do Pai. É a parábola do fariseu e do publicano (cf. Lucas 18, 9-14).
Ambos os protagonistas vão ao templo para orar, mas agem de maneiras muito diferentes, obtendo resultados opostos. O fariseu ora ficando de pé e usa muitas palavras. A sua é, sim, ora oração de ação de graças dirigida a Deus, mas na realidade é uma ostentação dos próprios méritos, com ares de superioridade em relação aos «outros homens», qualificados como «ladrões, injustos, adúlteros», como, por exemplo, «este publicano».
É precisamente aqui que está o problema: aquele fariseu ora a Deus, mas na verdade olha para si próprio. Ora-se a si próprio (…). Apesar de se encontrar no templo, não sente a necessidade de se prostrar diante da majestade de Deus; está de pé, sente-se seguro, quase como se fosse o proprietário do templo. Ele elenca as boas obras realizadas: é irrepreensível, observante da Lei para além do devido, jejua «duas vezes por semana» e paga a “dízima” de tudo o que possui. Em resumo, mais que orar, o fariseu compraz-se da própria observância dos preceitos. Todavia a sua atitude e as suas palavras estão longe do modo de agir e de falar de Deus, que ama todos os homens e não despreza os pecadores. Em síntese, aquele fariseu, que se tem por justo, negligencia o mandamento mais importante: o amor por Deus e pelo próximo.
Não basta, por isso, perguntarmo-nos acerca do quanto oramos, devemos também interrogarmo-nos sobre como oramos, ou melhor, como é o nosso coração: é importante examiná-lo para avaliar os pensamentos, os sentimentos, e extirpar arrogância e hipocrisia. (…) Somos todos tomados pelo frenesi do ritmo quotidiano, muitas vezes à mercê de sensações, dos transtornos, das confusões. É preciso aprender a reencontrar o caminho para o nosso coração, recuperar o valor da intimidade e do silêncio, porque é aí que Deus nos encontra e nos fala. Só a partir daí podemos encontrar os outros e falar com eles. O fariseu encaminhou-se para o templo, está seguro de si, mas não se dá conta de ter perdido o caminho do seu coração.
O publicano, ao contrário – o outro – apresenta-se no templo com espírito humilde e arrependido: «detendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos para o céu, mas batia-se no peito». A sua oração é brevíssima, não tão longa como a do fariseu: «Ó Deus, tem piedade de mim, pecador». (…) [Neste momento o papa Francisco convida as milhares de pessoas presentes na Praça de S. Pedro, no Vaticano, a dizer três vezes esta oração]. Com efeito, os cobradores de impostos – ditos precisamente “publicanos” – eram considerados pessoas impuras, submetidas aos dominadores estrangeiros, eram malvistos pelo povo e, geralmente, associados aos “pecadores”.
A parábola ensina que se é justo ou pecador não pela sua pertença social, mas pela maneira de se relacional com Deus e os irmãos. Os gestos de penitência e as poucas e simples palavras do publicano testemunham a sua consciência acerca da sua pobre condição. A sua oração é essencial. Age de maneira humilde, seguro apenas de ser um pecador necessitado de piedade. Se o fariseu não pedia nada porque já tinha tudo, o publicano só pode mendigar a misericórdia de Deus. Isto, sim, é belo: mendigar a misericórdia de Deus. Apresentando-se de “mãos vazias”, com o coração despido e reconhecendo-se pecador, o publicano mostra a todos nós a condição necessária para receber o perdão do Senhor. No fim, ele próprio, tão desprezado, torna-se um ícone do verdadeiro crente.
Jesus conclui a parábola com uma sentença: «Eu digo-vos: este – [isto é, o publicano] –, diferentemente do outro, voltou para sua casa justificado, porque quem se exalta será humilhado e quem, pelo contrário, se humilha será exaltado». Destes dois, quem é o corrupto? O fariseu. O fariseu é precisamente o ícone daquele que finge orar (…). Assim, na vida quem se crê justo e julga os outros e os despreza é um corrupto e um hipócrita. A soberba compromete cada boa ação, esvazia a oração, afasta de Deus e dos outros. Se Deus privilegia a humildade não é para nos aviltar: a humildade é, antes, a condição necessária para se ser reerguido por Ele, experimentando a misericórdia que vem preencher os nossos vazios. Se a oração do soberbo não alcança o coração de Deus, a humildade do pobre abre-o. (…) É esta humildade que a Virgem Maria exprime no cântico do Magnificat: «Olhou a humildade da sua serva. […] De geração em geração a sua misericórdia estende-se por aqueles que o temem». Que ela nos ajude, a nossa Mãe, a orar com coração humilde. (…). [O papa convida novamente a repetir: «Ó Deus, tem piedade de mim, pecador»].
Papa Francisco
Audiência geral, Praça de S. Pedro, Vaticano, 1.6.2016
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 01.06.2016 no SNPC
«A oração não é uma varinha mágica»: Relação com Deus é mais importante que os pedidos, afirma papa
O papa afirmou hoje, no Vaticano, que «a oração não é uma varinha mágica», mas «ajuda a conservar a fé em Deus e a confiar-se a Ele, mesmo quando não se compreende a sua vontade».
Na audiência geral semanal, que decorreu na Praça de S. Pedro perante milhares de pessoas, Francisco salientou a «necessidade de orar sempre», de acordo com o trecho do Evangelho que serviu de base para a meditação, no qual um magistrado iníquo acede à justa pretensão de uma viúva, mas só depois de muita insistência desta (cf. Lucas 18, 1-8).
«Uma pobre viúva ali só, está sem defesa e podia ser ignorada e deixada sem justiça, assim como o órfão, o estrangeiro, o migrante. Perante a indiferença do juiz, a viúva recorre à sua única arma: continuar insistentemente a importuná-lo, apresentando-lhe o seu pedido de justiça. E precisamente com esta perseverança, alcança o objetivo», apontou.
Da parábola, emergem duas conclusões, acentuou Francisco: «Se a viúva conseguiu dobrar o juiz desonesto com os pedidos insistentes, quanto mais Deus, que é Pai bom e justo, “fará justiça aos seus eleitos que lhe clamam dia e noite”; e, além disso, não os “fará esperar muito”, mas agirá “prontamente”».
«Todos nós experimentamos momentos de exaustão e de desencorajamento, sobretudo quando a nossa oração parece ineficaz. Mas Jesus assegura-nos: diferentemente do juiz desonesto, Deus acolhe prontamente os seus filhos, ainda que isto não signifique que o faça nos tempos e nos modos que nós queremos», frisou.
Para Francisco, «o objeto da oração passa para segundo plano; o que importa antes de tudo é a relação com o Pai. Eis o que faz a oração: transforma o desejo e modela-o segundo a vontade de Deus, qualquer que ela seja, porque quem ora aspira, em primeiro lugar, à união com Ele».
A parábola do “juiz iníquo” termina com uma interrogação colocada por Jesus aos seus discípulos: «Quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a Terra?».
«Com esta pergunta todos nós somos colocados em guarda: não devemos desistir da oração, mesmo se não é correspondida. É a oração que conserva a fé, sem ela a fé vacila. Peçamos ao Senhor uma fé que se faz oração incessante, perseverante, como a da viúva da parábola, uma fé que se alimenta do desejo da sua vinda», apontou o papa.
Na oração, concluiu Francisco, experimenta-se «a compaixão de Deus, que como um Pai vai ao encontro dos seus filhos, repleto de amor misericordioso».
Após a meditação, Francisco recordou que nesta quarta-feira se assinala o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas: «É um dever de todos proteger as crianças, sobretudo as expostas a elevado risco de exploração, tráfico e condutas desviantes».
«Espero que as autoridades civis e religiosas possam sacudir e sensibilizar as consciências, para evitar a indiferença diante da miséria de crianças sós, exploradas e afastadas das suas famílias e do seu contexto social, crianças que não podem crescer serenamente e olhar com esperança para o futuro», declarou.
Os atentados terroristas ocorridos na segunda-feira na «amada Síria», que causaram a morte de «uma centena de civis indefesos»: «Exorto todos a rezar ao Pai misericordioso, a rezar a Nossa Senhora, para que dê o repouso eterno às vítimas, a consolação aos familiares e converta o coração de quantos semeiam morte e destruição».
O papa vincou hoje (18/05/2016), no Vaticano, que «ignorar o pobre é desprezar Deus», tendo também recordado parte do “Magnificat”, expressão de louvor proferida por Maria, quando louva Deus porque «derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes», «aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias».
As palavras de Francisco, pronunciadas na audiência semanal que decorreu na Praça de S. Pedro, foram inspiradas na parábola do Evangelho em que «um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e fazia todos os dias esplêndidos banquetes» despreza um pedinte, de nome Lázaro, que, «coberto de chagas», desejava «saciar-se com o que caía da mesa» do proprietário abastado (Lucas 16, 19-27).
«Nenhum mensageiro e nenhuma mensagem poderão substituir os pobres que encontramos no caminho, porque neles se encontra o próprio Jesus: “Tudo aquilo que fizestes a um só destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes"», sublinhou o papa, citando outro passo do Novo Testamento.
Excertos da catequese:
«A vida destas duas pessoas parece decorrer em pistas paralelas: as suas condições de vida são opostas e, de todo, não comunicantes. O portão da casa do rico está sempre fechado ao pobre, que jaz do lado de fora, procurando comer alguma sobra da mesa do rico. Este veste roupas de luxo, enquanto Lázaro está coberto de chagas; o rico faz diariamente lautos banquetes, enquanto Lázaro morre de fome. Só os cães tomam conta dele e vão lamber as suas feridas. Esta cena recorda a dura admoestação do Filho do homem no juízo final: “Tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, estava […] nu e não me vestistes». Lázaro representa o grito silencioso dos pobres de todos os tempos e a contradição de um mundo cujas riquezas e recursos estão nas mãos de poucos.»
Jesus diz que um dia aquele homem rico morre, os pobres e ricos morrem, têm o mesmo destino, todos nós sem exceção, e então dirige-se a Abraão, suplicando-lhe, com o apelativo de “pai”. Reivindica por isso ser seu filho, pertencente ao povo de Deus. Todavia, enquanto viveu, não mostrou qualquer consideração por Deus, pelo contrário, fez de si próprio o centro de tudo, fechado no seu mundo de luxo e de desperdício. Ao excluir Lázaro, não teve em qualquer conta nem o Senhor nem a sua lei. Ignorar o pobre é desprezar Deus. E isto devemos aprendê-lo bem, ignorar o pobre é desprezar Deus.
Há um motivo particular na parábola que deve ser notado: o rico não tem um nome, enquanto que o do pobre é repetido cinco vezes, e “Lázaro” significa “Deus ajuda”. Lázaro, que jaz diante da porta, é um chamamento vivo para se recordar de Deus, mas o rico não acolhe tal chamamento. Será condenado, portanto, não pelas suas riquezas, mas porque foi incapaz de sentir compaixão por Lázaro e de o socorrer.»
«Na segunda parte da parábola reencontramos Lázaro e o rico depois da sua morte. No além, a situação inverteu-se: o pobre Lázaro foi levado pelos anjos ao céu, junto de Abraão, enquanto que o rico, ao contrário, é precipitado entre os tormentos. Então o rico, “ergueu os olhos e viu, ao longe, Abraão, e Lázaro junto dele”. Ele parece ver Lázaro pela primeira vez, mas as suas palavras traem-no: “Pai Abraão – diz -, tem piedade de mim e manda Lázaro – já o conhecia – molhar em água a ponta do dedo e refrescar-me a língua, porque sofro terrivelmente nestas chamas”. Agora o rico reconhece Lázaro e pede-lhe ajuda, enquanto que em vida fingia que não o via. Quantas vezes tanta gente finge não ver o pobre, para eles os pobres não existem».
«Primeiro, negava-lhe as sobras da sua mesa, e agora queria que ele lhe levasse de beber. Ainda acredita poder dispor de direitos pela sua precedente condição social. Declarando impossível satisfazer o seu pedido, Abraão em pessoa oferece a chave de toda a narrativa: ele explica que bens e males foram distribuídos de modo a compensar a injustiça terrena, e a porta que separava, em vida, o rico do pobre, transformou-se num “grande abismo”. Quando Lázaro estava sob a sua casa, para o rico havia a possibilidade de salvação, escancarar a porta e ajudar Lázaro, mas agora, quando ambos morreram, a situação tornou-se irreparável. Deus nunca é chamado diretamente, mas a parábola coloca claramente em guarda: a misericórdia de Deus para connosco está ligada à nossa misericórdia para com o próximo; quando esta falta, também aquela não encontra espaço no nosso coração fechado, não pode entrar. Se eu não abro a porta do meu coração ao pobre, aquela porta permanece fechada, mesmo para Deus, e isto é terrível.»
«Neste ponto, o rico pensa nos sues irmãos, que se arriscam a ter o mesmo fim, e pede a Lázaro que regresse ao mundo para os avisar. Mas Abraão replica: “Têm Moisés e os profetas, que os escutem”. Para nos convertermos não devemos esperar acontecimentos prodigiosos, mas abrir o coração à Palavra de Deus, que nos chama a amar a Deus e o próximo. A Palavra de Deus pode fazer reviver um coração ressequido e curá-lo da sua cegueira. O rico conhecia a Palavra de Deus, mas não a escutou, não a acolheu no coração, porque foi incapaz de abrir os olhos e de ter compaixão do pobre. Nenhum mensageiro e nenhuma mensagem podem substituir os pobres que encontramos no caminho, porque neles se encontra o próprio Jesus: “Tudo aquilo que fizestes a um só destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”. Também na inversão das sortes que a parábola descreve está oculto o mistério da nossa salvação, em que Cristo une a pobreza à misericórdia.»
«Queridos irmãos e irmãs, escutando este Evangelho, todos nós, juntamente com os pobres da Terra, possamos cantar com Maria: «Derrubou os poderosos de seus tronos, exaltou os humildes; aos famintos encheu de bens, aos ricos despediu de mãos vazias”.»
Após a catequese, Francisco dirigiu uma saudação «com especial afeto» às «crianças ucranianas, órfãs e refugiadas por causa do conflito» que continua a ocorrer no país, tendo renovado a sua oração «para que se chegue a uma paz duradoura, que possa aliviar a população tão sofrida e ofereça um futuro sereno às novas gerações»
No dia em que se assinala o aniversário de nascimento do papa S. João Paulo II, Francisco rezou pela Polônia e paro povo polaco.
Papa Francisco 18.05.2016
Imagem: site do vaticano 21.10.2021
«Mesmo nas situações mais duras da vida, Deus quer abraçar-me»: O papa e a parábola do Pai misericordioso
O papa meditou hoje sobre a parábola bíblica do Pai misericordioso (Lucas 15, 11-32), também conhecida pela parábola do filho pródigo, tendo lembrado as pessoas que «fizeram escolhas erradas e não conseguem olhar para o futuro», bem como «aqueles que têm fome de misericórdia e de perdão e acreditam que não a merecem».
Na intervenção que proferiu durante a audiência geral, realizada na Praça de S. Pedro, no Vaticano, Francisco sublinhou que a parábola permite «conhecer a misericórdia infinita de Deus». Excertos da catequese:
«Comecemos pelo fim, isto é, da alegria do coração do Pai, que diz: “Façamos festa, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado”. Com estas palavras o pai interrompeu o filho menor no momento em que confessava a sua culpa: “Já não sou digno de ser chamado teu filho”.
Esta expressão é insuportável para o coração do pai, que, antes, se apressa a restituir ao filho os sinais da sua dignidade: a bela roupa, o anel, o calçado. Jesus não descreve um pai ofendido e ressentido, que lhe diz ‘vais pagar-mas’ (…); ao contrário, a única coisa que o pai tem no coração é que este filho está diante de si são e salvo.
O acolhimento do filho que regressa é descrito de modo comovente: “Quando ainda estava longe, o seu pai viu-o, teve compaixão, correu ao seu encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e beijou-o”. Viu-o ao longe, significa que o esperava continuamente, do alto. Esperava-o, é uma coisa bela a ternura do pai.
A misericórdia do pai é extravasante, incondicional, e manifesta-se ainda antes que o filho fale. Certo, o filho sabe que errou e reconhece-o: “Pequei… trata-me como um dos teus assalariados”. Mas estas palavras dissolvem-se perante o perdão do pai. O abraço e o beijo do seu papá fazem-lhe compreender que foi sempre considerado filho, apesar de tudo, mas é sempre o seu filho.
É importante este ensinamento de Jesus: a nossa condição de filhos de Deus é fruto do amor do coração do Pai; não depende dos nossos méritos ou das nossas ações, e por isso ninguém a pode tirar. Ninguém pode tirar esta dignidade, nem sequer o diabo.
Esta palavra de Jesus encoraja-nos a nunca desesperar. Penso nas mães e nos pais apreensivos quando veem os filhos afastar-se em caminhos perigosos. Penso nos párocos e catequistas que por vezes se perguntam se o seu trabalho foi em vão. Mas penso também em quem se encontra na prisão, parecendo-lhe que a sua vida acabou; a quantos fizeram escolhas erradas e não conseguem olhar para o futuro; a todos aqueles que têm fome de misericórdia e de perdão e acreditam que não a merecem.
Em qualquer situação da vida, não devo esquecer que nunca deixarei de ser filho de Deus, de um Pai que me ama e espera o meu regresso. Mesmo nas situações mais duras da vida, Deus espera-me, quer abraçar-me.
Na parábola há um outro filho, o maior; também ele precisa de descobrir a misericórdia do pai. Ele ficou sempre em casa, mas é muito diferente do pai. As suas palavras não conhecem a ternura: “Eu sirvo-te há tantos anos e nunca desobedeci a uma ordem tua… mas agora que voltou este teu filho…”. Fala com desprezo. Nunca diz “pai”, “irmão”. Vangloria-se de ter ficado sempre junto ao pai e de o ter servido; todavia nunca viveu com alegria esta proximidade. E agora acusa o pai de nunca lhe ter dado um cabrito para festejar. Pobre pai! Um filho tinha ido embora e o outro nunca lhe foi verdadeiramente próximo. O sofrimento do pai é como o sofrimento de Deus e de Jesus, quando nos afastamos ou quando pensamos que somos próximos e, em vez disso, não o somos.
O filho maior tem também necessidade de misericórdia. Este filho representa-nos quando perguntamos se vale a pena cansarmo-nos tanto se depois nada recebemos em troca. Jesus recorda-nos que na casa do Pai não se permanece para ter uma compensação, mas porque se tem a dignidade dos filhos corresponsáveis. Não se trata de uma permuta com Deus, mas de estar no seguimento de Jesus, que se deu a si próprio, sem medida, na cruz.
“Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu, mas tínhamos de fazer festa e alegrar-nos”. Assim diz o pai ao filho maior. A sua lógica é da misericórdia. O filho menor pensava que merecia um castigo por causa dos próprios pecados, o filho maior esperava uma recompensa pelos seus serviços. Os dois irmãos não falam entre eles, vivem histórias diferentes, mas ambos pensam segundo uma lógica estranha a Jesus: se fazes bem, recebes um prémio, se fazes mal, és castigado.
Esta lógica é subvertida pelas palavras do pai: “Tínhamos de fazer festa e alegrar-nos porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado”. O filho recuperou o filho perdido, e agora pode igualmente restituí-lo ao seu irmão. Sem o menor, também o filho maior deixa de ser um “irmão”. A maior alegria para o pai é ver que os seus filhos se reconhecem irmãos.
Os filhos podem decidir unir-se à alegria do pai ou recusar. Devem interrogar-se sobre os próprios desejos e sobre a visão que têm da vida. A parábola termina deixando o final suspenso: não sabemos o que o filho maior decidiu. E isto é um estímulo para nós. Este Evangelho ensina-nos que todos temos necessidade de entrar na casa do Pai e participar na sua alegria, na festa da misericórdia e da fraternidade. Irmãos e irmãs, abramos o nosso coração, para sermos misericordiosos como o Pai.»
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 11.05.2016 no SNPC de Portugal
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