Catequese sobre os Atos dos Apóstolos: 3.
Bom dia, caros irmãos e irmãs!
Cinquenta dias depois da Páscoa, naquele Cenáculo que já é a casa deles e onde a presença de Maria, Mãe do Senhor, constitui o elemento de coesão, os Apóstolos vivem um evento que supera as suas expetativas. Reunidos em oração — a prece é o “pulmão” que dá fôlego aos discípulos de todos os tempos; sem oração não se pode ser discípulo de Jesus; sem oração não podemos ser cristãos! Ela é o ar, o pulmão da vida cristã — são surpreendidos pela irrupção de Deus. Trata-se de uma irrupção que não tolera o fechamento: escancara as portas através da força de um vento que recorda a ruah, o sopro primordial, e cumpre a promessa da “força” feita pelo Ressuscitado antes da sua despedida (cf. At 1, 8). Chega inesperadamente, do alto: «De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde eles estavam» (At 2, 2).
Depois, ao vento acrescenta-se o fogo que evoca a sarça ardente e o Sinai, com o dom das dez palavras (cf. Êx 19, 16-19). Na tradição bíblica, o fogo acompanha a manifestação de Deus. No fogo Deus concede a sua palavra viva e enérgica (cf. Hb 4, 12) que abre ao futuro; o fogo exprime simbolicamente a sua função de aquecer, iluminar e testar os corações, a sua cura na provação da resistência das obras humanas, na sua purificação e revitalização. Enquanto no Sinai se ouve a voz de Deus, em Jerusalém, na festa de Pentecostes, quem fala é Pedro, a rocha sobre a qual Cristo quis edificar a sua Igreja. A sua palavra, frágil e capaz até de renegar o Senhor, atravessada pelo fogo do Espírito, adquire força, torna-se capaz de trespassar os corações e de impelir à conversão. Com efeito, Deus escolhe aquilo que é fraco no mundo para confundir os fortes (cf. 1 Cor 1, 27).
Por conseguinte, a Igreja nasce do fogo do amor e de um “incêndio” que arde no Pentecostes e que manifesta a força da Palavra do Ressuscitado, imbuída de Espírito Santo. A Aliança nova e definitiva já não está fundamentada numa lei escrita em tábuas de pedra, mas na ação do Espírito de Deus, que renova tudo e é gravado em corações de carne.
A palavra dos Apóstolos impregna-se do Espírito do Ressuscitado e torna-se uma palavra nova, diferente, que no entanto é compreensível, como se fosse traduzida simultaneamente em todas as línguas: com efeito, «cada um os ouvia falar na própria língua» (At 2, 6). Trata-se da linguagem da verdade e do amor, que é a língua universal: até os analfabetos podem entendê-la. Todos compreendem a linguagem da verdade e do amor. Se te apresentares com a verdade do teu coração, com sinceridade, com amor, todos te hão de entender. Mesmo que tu não possas falar, faz uma carícia que seja verídica e amorosa.
O Espírito Santo não só se manifesta mediante uma sinfonia de sons que une e compõe harmoniosamente as diversidades, mas apresenta-se como o maestro que faz executar as partituras dos louvores pelas «grandes obras» de Deus. O Espírito Santo é o artífice da comunhão, é o artista da reconciliação que sabe remover as barreiras entre judeus e gregos, entre escravos e livres, para fazer de todos um só corpo. Ele edifica a comunidade dos crentes, harmonizando a unidade do corpo e a multiplicidade dos membros. Faz crescer a Igreja, ajudando-a a ir mais além dos limites humanos, dos pecados e de qualquer escândalo.
O assombro é grande, e alguém pergunta se aqueles homens estão embriagados. Então, Pedro intervém em nome de todos os Apóstolos e volta a ler aquele acontecimento à luz de Joel 3, onde se anuncia uma nova efusão do Espírito Santo. Os seguidores de Jesus não estão inebriados, mas vivem aquela que Santo Ambrósio define «a sóbria embriaguez do Espírito» que, através de sonhos e visões, acende a profecia no meio do povo de Deus. Esta dádiva profética não está reservada apenas a alguns, mas a todos aqueles que invocam o nome do Senhor.
Dali por diante, a partir desse momento, o Espírito de Deus impele os corações a acolher a salvação que passa através de uma Pessoa, Jesus Cristo, Aquele que os homens pregaram no madeiro da cruz e que Deus ressuscitou dos mortos, «libertando-o dos grilhões da morte» (At 2, 24). Foi Ele quem infundiu aquele Espírito que orquestra a polifonia de louvores e que todos podem ouvir. Como dizia Bento XVI, «o Pentecostes é isto: Jesus, e através dele o próprio Deus, vem a nós e atrai-nos para dentro de si» (Homilia, 3 de junho de 2006). O Espírito realiza a atração divina: Deus seduz-nos com o seu Amor e deste modo envolve-nos, para mover a história e encetar processos através dos quais Ele filtra a vida nova. Com efeito, só o Espírito de Deus tem o poder de humanizar e fraternizar cada contexto, a partir de quantos o recebem.
Peçamos ao Senhor que nos deixe experimentar um novo Pentecostes, que dilate os nossos corações e sintonize os nossos sentimentos com os de Cristo, para anunciarmos sem vergonha a sua palavra transformadora e testemunharmos o poder do amor que chama à vida tudo o que encontra.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 19.06.2019