A páscoa é a celebração da vida. Celebração da força da vida que se renova apesar da morte. Celebração da força do nosso Deus, mais forte que a morte. Um Deus que ressuscita na morte, triunfando sobre todas as forças contrárias à vida. Um Deus vitorioso, apesar de todas as previsões opostas. Assim se apresenta o Deus pascal, e é assim que nós o lembramos na celebração da páscoa.
Mas esta celebração da páscoa não se restringe a uma festa anual. Cada celebração litúrgica faz memória desta passagem da morte para a vida, que marcou a experiência de Jesus e daqueles que aderiram ao seu caminho. Assim, na celebração do matrimônio, também se entoa um cântico de vitória sobre a morte. É o cântico do amor. É a celebração da união amorosa de duas pessoas que, diante de Deus e para toda a vida, celebram o seu amor. O cântico delas se une ao cântico do Deus vitorioso, que vence a morte e que é fonte de amor. As duas pessoas, na celebração de seu casamento, celebram a força divina que é mais forte que qualquer morte, celebram o mistério pascal na sua forma mais direta, mais íntima e mais intensa.
“O amor é forte como a morte, a paixão é violenta como o sepulcro, os seus ardores são chamas de fogo, uma faísca do Senhor”, assim podemos ler no Cântico dos Cânticos (8,6). É esta paixão que os noivos celebram no seu casamento, e é este amor que declaram diante de si mesmos, diante da comunidade e diante de Deus. E nesta celebração, o amor deles se une ao de Deus, à paixão dele pela vida e à sua vitória contra todas as forças do mal. Deus demonstrou que é mais forte do que a morte quando ressuscitou o seu filho Jesus. Nele, quem tem a última palavra não é a negatividade da morte, mas a vida de Deus. A morte, para Deus, nunca tem a última palavra. Ele “faz viver os mortos e chama à existência as coisas que não existem” (Rom 4,17).
Em cada celebração renovamos nosso compromisso com tudo o que promove a vida no mundo e, na celebração de seu matrimônio, o casal, por sua vez, celebra a sua opção de construir junto um caminho que dê testemunho do amor de Deus e de vencer o que ameaça este propósito: egoísmo, infidelidade, tédio, estresse, dinheiro, carreira e esfriamento do amor. Expressa o desejo de que estes condicionamentos nunca venham a prevalecer sobre o seu casamento.
Situações de morte acontecem e, elas acontecerão até nos melhores dos assim chamados matrimônios cristãos. Seria ilusão e idealização não levar isto em conta. O sacramento não transforma os dados psíquicos, sociais e econômicos do casal. Mas, na celebração sacramental do matrimônio, os noivos exprimem a esperança de que, ao longo de sua existência juntos, todos os conflitos serão superados pela força do amor que une suas vidas e pela graça do sacramento.
A celebração do casamento, assim, não é pura cerimônia, isolada da vida, depois da qual se volta às coisas profanas do dia a dia. É momento de intensa alegria, que marca o início de uma vida nova, em comum. O casal expressa a sua convicção de que o amor é mais forte do que qualquer dificuldade, e se entrega nas mãos de Deus para que, pela sua graça, possa permanecer na alegria que nasce desta entrega amorosa.
No matrimônio a verdade do sacramento é o amor que une um homem e uma mulher. A experiência de amar e sentir-se amado é tão essencial que, na bíblia, ela foi tomada como imagem da aliança de Deus com seu povo. E, no N.T., como expressão do amor nupcial de Cristo com sua esposa, a Igreja (como vimos acima). Quando assistimos ao consentimento mútuo de duas pessoas movidas unicamente pelo amor, estamos diante do sacramento do amor de Deus para com o seu povo. Toda a comunidade, então, é chamada a renovar a aliança com Deus. E da mesma maneira que Cristo entregou a sua vida como prova de amor à sua amada, a Igreja, o casal que se entrega mutuamente participa deste mistério. A vivência como casal se torna sinal da presença do Deus da vida à medida que cada um dos cônjuges despoja-se de si mesmo para amar e deixar-se amar inteiramente. A sua vida em comum se torna projeto dinâmico, rumo à realização daquilo que é o grande projeto pascal de Deus: o Reino.
O reino de Deus não começa a se realizar por uma ação milagrosa vinda do céu, mas pelo agir de homens e mulheres que têm a coragem de testemunhar o amor, no meio de um mundo cheio de contradições. Este testemunho, os noivos começam, de maneira especial, no momento da celebração de seu casamento e devem continuar por toda a sua vida, apesar dos perigos, dos fracassos e dos retrocessos.
(BLANK, Renold. “O mistério pascal que acontece no matrimônio”. Revista de Liturgia, 155 setembro-outubro-1999, p. 33.)