Crer em Deus não é uma relação centrada em si mesmo, mas é um sair de si como Deus mesmo nos mostrou, enviando seu próprio Filho ao mundo.
Rosimeire Fernanda Costa
A experiência de Deus não é apenas a nossa experiência, mas também a experiência de Deus conosco. A vida é feita de experiências e viver a vida é a arte de construí-la com sentido, pois são as experiências que perpassam nossa vida que provocam, estimulam e possibilitam o exercício de aprender com a realidade na qual nos encontramos.
A experiência articula-se entre dois polos: o objeto e o sujeito. Olhando para a etimologia da palavra ‘experiência’ pode-se afirmar que “(ex)(peri)(ência) é a ciência ou o conhecimento que o ser humano adquire quando sai de si (ex) e procura compreender um objeto por todos os lados (peri)”. Movimento de saída de si para perceber a realidade de outro ponto de vista, de vários lados, e, sobretudo, aprender com o novo que está sendo contemplado.
A experiência vai além do simples ‘vivenciar’, pois ela indica um processo reflexivo que existe no próprio ato de viver. Nesse sentido, toda experiência tem uma forma de expressão, provocada pelo sujeito que a realiza.
Segundo o teólogo jesuíta Henrique C. L. Vaz, (2002), em sua obra Escritos de Filosofia “problemas de fronteiras, a diversificação das formas da experiência obedece a três modos de presença do ser no nosso pensar: a experiência objetiva (que é a experiência das coisas), a experiência intersubjetiva (que é a presença do outro), e a presença subjetiva (a presença de nós a nós mesmo). Essas experiências levam à tríplice dimensão da linguagem: a linguagem das coisas, a linguagem do outro e a linguagem do eu. O equilíbrio dessas formas de linguagem qualifica a experiência e produz verdadeiras formas simbólicas, conferindo sentido e significado ao ser humano. Isso qualifica o ato de viver”.
Sabedor de que a experiência constrói e sustenta a relação entre o conhecimento das coisas que vamos tomando conhecimento (as teorias que significam ver, observar, contemplar, relacionar) e a prática, que se refere ao conjunto de ações habituais, repetidas e apreendidas, ao sairmos de nós mesmos em busca dessas experiências, iremos perceber que são elas, (as experiências) que irão possibilitar ao ser humano a reflexão e compreensão dos fenômenos e construção da vida com sentido.
Surge daqui o grande desafio: como pensar a transcendentalidade (infinitude) presente na imanência (finitude) da vida humana?
O ser humano, criatura de Deus, criado totalmente voltado para Deus, chamado a se manter firme nessa relação através da sua espiritualidade existencial em si (infinitude), ou seja, chamado a entrar, livre e gratuitamente, em comunicação com Ele, vive aqui neste mundo, lugar teológico de encontro com Deus, em busca da concretização desse encontro através da materialidade de suas ações humanas de bem, verdade, bondade, justiça (finitude). Assim, infinitude e finitude se conectam no interior das pessoas, promovendo, através da infinitude, a abertura ao mistério transcendente. Na articulação entre infinitude e finitude, abertura transcendental e território simbólico, estão a possibilidade de se deixar ser conduzido para novas experiências do mistério e assim, experimentar Deus. A partir dessas experiências, o ser humano é capaz de conferir sentido à sua vida, pois ele se torna capaz de contemplar suas ações existenciais e delas retirarem um sentido ao existir.
Segundo LIBANIO (2004), em sua obra sobre a Fé, ele dizia ser a mesma uma experiência humana fundamental que se faz entre as pessoas e que se prolongam para as coisas, mistérios e religiões. Daí pode perceber que a fé cristã ela é comunitárias e pode ser compreendida como disposição para dialogar e acolher ou não o mistério transcendente, ato de profunda liberdade em que o ser humano se dispõe ou não a crer.
Para ir além, passando da fé pessoal, (antropológica) para a fé religiosa encontramos na teologia cristã clássica duas expressões latinas para designar o momento da fé do sujeito vivido em articulação com a fé religiosa. Fides quareferia-se à aceitação da pessoa a uma realidade a ela apresentada e a expressão fides quae designava o conteúdo mesmo dessa fé a que a pessoa estava dando seu aceite. Nesse sentido pode-se dizer que a pessoa cristã crê em Jesus Cristo e nas verdades proclamadas a seu respeito porque foi dito pela religião cristã, na qual a pessoa confia. Ocorre aqui uma profunda articulação. Uma pessoa acredita em algo porque foi dito por outra pessoa em quem ela confia. Assim, a fé pessoal é vivida em sintonia com o que é apresentado pela religião.
Diante dessa reflexão sobre a fé vivencial e experiencial podemos chegar á realidade em que nos encontramos com a dificuldade de transmissão da fé cristã. Esse pensar teológico sobre a fé coloca a nós catequistas e evangelizadores em alerta quanto ao processo de evangelizar, ou seja, transmitir os conteúdos da fé necessários para proporcionar aos catequizandos a possibilidade do encontro com Jesus Cristo, vivenciar sua fé pessoal e eclesial de forma a geral proximidade com o mistério transcendente.
Para além da disposição interior, pessoal, para se abrir ao diálogo e acolher o mistério transcendente, está também o necessário conhecimento, crença e fé autêntica de quem evangeliza, para gerar confiabilidade naquele que crê e está aberto à vivência religiosa com todos os seus ritos, práticas, doutrinas, tradições, mitos, artes que possibilitam essa religação com o mundo divino.
Neuza Silveira de Souza
Comissão para animação Bíblico-Catequética do Regional Leste 2