O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira
Rio, 27 de dezembro de 1947
Do livro Belo Belo (1948)
Sim, Maria
Em vossa vida
Deus fez maravilhas
Gerações vos louvam
Em todas as horas
Com flores, cantos
e vivas, Nossa Senhora!
Coroada estais nos céus
Serva humilde e fiel
E aqui na terra?
Se não podemos
dar-vos outra coroa
aceitai, mãe tão boa
nossa humilde oração!
E ajudai-nos
a viver a profecia
dita no Magnificat
Tirar do trono
Quem se sente dono
Do outro, da criação
Ao machismo dizer não
E não a todo egoísmo
E um dia, esperamos
Convosco estar na divina glória
E para sempre cantar
A eterna vitória
Dom Vicente Ferreira
Bispo auxiliar de Belo Horizonte-MG
14.08.2021
Crédito de Imagem: Michael A. Martínez, S.J.
Mãos abertas
Antes de me deitar à noite,
Examino minhas mãos,
Asseguro que estão vazias -
Porque isso significa
Que tenho dado tudo no dia.
Antes de me despertar na manhã,
Examino minhas mãos,
Asseguro que estão vazias -
Porque isso significa
Que estou disposto a receber tudo no dia.
Quando sigo a Cristo,
Examino minhas mãos,
Asseguro que estão vazias
E contêm suas chagas -
Porque agora dar e receber são um.
Michael A. Martínez, S.J.
História do Poema
Originalmente escrito em espanhol no 2014, “Manos Abiertas” foi a sínteses pessoal do mês de Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola na República Dominicana. Vamos pedir a graça de ter as mãos vazias necessárias para receber todos os presentes de Deus e as mãos abertas para doar esses presentes a todos com que nos encontremos no caminho. Esta é a meta dos Exercícios Espirituais – a liberdade de e a liberdade para.
Em 2016, como parte de meus estudos de Pós-Graduação em “Comunicação Digital” de Loyola University Chicago, adaptei o poema visual e musicalmente usando minhas mãos, as mãos de meus colegas Jesuítas e as mãos de jovens em risco da cidade de Chicago, EUA.
O vídeo tem legendas em português, espanhol e inglês:
Para mais conteúdo de Michael A. Martínez, S.J., visite: www.mikemartinezsj.com
O poema foi publicado por primeira vez em The Jesuit Post.
Ensina-nos, Senhor, a atravessar de olhos abertos a Tua Páscoa vivendo-a como história atual que completamente nos envolve,
Ensina-nos, Senhor, a aceitar o convite para a última ceia e a testemunhar que também hoje a nós Te entregas por amor,
Ensina-nos, Senhor, a assistir à Tua prisão reconhecendo que tantas vezes Te beijamos no beijo de Judas e Te negamos em cada uma das negações de Pedro,
Ensina-nos, Senhor, a acompanhar-Te no desamparado caminho da cruz e a fazê-lo com a compaixão de Verónica e a comovente disponibilidade do Cireneu,
Ensina-nos, Senhor, a permanecer como Maria junto a cruz e a aceitá-la, precisamente ali, como nossa Mãe,
Ensina-nos, Senhor, a reclamar o Teu corpo como o fez Nicodemos e a buscar um sepulcro novo no jardim,
Ensina-nos, Senhor, a seguir Maria Madalena ao sepulcro de manhã cedo levando perfumes e lágrimas para honrar a Tua morte e a sermos como ela surpreendidos pela irrupção da Tua Vida,
Ensina-nos, Senhor, a correr ao lado dos apóstolos Pedro e João e a compreender que hoje se acreditarmos também nós poderemos ver.
Dom José Tolentino Mendonça
In: imissio.net 3.04.2021
O Filho de Deus, o Bendito por natureza, vem fazer-nos filhos benditos por graça. Sim, Deus vem ao mundo como filho para nos tornar filhos de Deus. Que dom maravilhoso! Hoje Deus deixa-nos maravilhados, ao dizer a cada um de nós: «Tu és uma maravilha». Irmã, irmão, não desanimes! Estás tentado a sentir-te como um erro? Deus diz-te: «Não é verdade! És meu filho». Tens a sensação de não estar à altura, temor de ser inapto, medo de não sair do túnel da provação? Deus diz-te: «Coragem! Estou contigo». Não te diz com palavras, mas fazendo-Se filho como tu e por ti, para te lembrar o ponto de partida de cada renascimento teu: reconhecer-te filho de Deus, filha de Deus.
Este é o ponto de partida de qualquer renascimento. Este é o coração indestrutível da nossa esperança, o núcleo incandescente que sustenta a existência: por baixo das nossas qualidades e defeitos, mais forte do que as feridas e fracassos do passado, os temores e ansiedades face ao futuro, está esta verdade: somos filhos amados. E o amor de Deus por nós não depende nem dependerá jamais de nós: é amor gratuito. Esta noite não encontra outra explicação, senão na graça. Tudo é graça. O dom é gratuito, sem mérito algum da nossa parte, pura graça. Esta noite «manifestou-se – disse-nos São Paulo – a graça de Deus» (Tit 2, 11). Nada é mais precioso!
Papa Francisco
Trecho da Homilia de Natal 24.12.2020
Tempo e Profecia
Neste novo tempo nascerá uma haste,
Surgirá também um rebento de uma flor
Haveremos de nos encantar com a beleza
Haveremos de nos espantarmos com tal mistério
A profecia tornar-se-á habitação, morada da esperança
Os desanimados
Os tristes
Os humildes
Viverão com os corações inclinados e sentirão fome do horizonte.
Neste novo tempo uma flor irá desabrochar
A esperança nos acompanhará
O surgimento da vida anunciará
Um rumor entre o tempo e a eternidade.
Igor Cristiano Oliveira -
24 de dezembro de 2020
Não é ficção nem simbologia.
O Divino fez-se poesia
No princípio era poesia,
A poesia fez-se palavra,
Fez-se verbo
Fez-se humanidade redentora...
No princípio era o verso,
O verso fez-se melodia...
Fez-se pretexto
Fez-se corpo
No princípio era a saudade,
A saudade fez-se presença,
Fez-se nostalgia...
Fez-se fraqueza
No princípio era o desejo
O desejo fez-se cioforia
Fez-se espera...
Fez-se carne
E armou sua poesia entre nós.
Igor Cristiano Oliveira Nascimento
16 de agosto de 2020
Imagem: Igor Cristiano Oliveira Nascimento
Não deixes que termine
sem teres crescido um pouco.
Sem teres sido feliz,
sem teres alimentado teus sonhos.
Não te deixes vencer pelo desalento.
Não permitas que alguém te negue
o direito de expressar-te,
que é quase um dever.
Não abandones tua ânsia
de fazer de tua vida algo extraordinário.
Não deixes de crer
que as palavras e as poesias sim
podem mudar o mundo.
Porque passe o que passar,
nossa essência continuará intacta.
Somos seres humanos cheios de paixão.
A vida é deserto e oásis.
Nos derruba, nos lastima, nos ensina,
nos converte em protagonistas
de nossa própria história.
Ainda que o vento sopre contra,
a poderosa obra continua,
tu podes trocar uma estrofe.
Não deixes nunca de sonhar,
porque só nos sonhos
pode ser livre o homem.
Não caias no pior dos erros: o silêncio.
A maioria vive num silêncio espantoso.
Não te resignes, e nem fujas.
Valorize a beleza das coisas simples,
se pode fazer poesia bela,
sobre as pequenas coisas.
Não atraiçoes tuas crenças.
Todos necessitamos de aceitação,
mas não podemos remar contra nós mesmos.
Isso transforma a vida em um inferno.
Desfruta o pânico que provoca
ter a vida toda a diante.
Procures vivê-la intensamente
sem mediocridades.
Pensa que em ti está o futuro,
e encara a tarefa com orgulho e sem medo.
Aprendes com quem pode ensinar-te
as experiências daqueles que nos precederam.
Não permitas que a vida
se passe sem teres vivido…
Walt Whitman
poeta americano
DA ROTINA
Varrer o dia de ontem
que ainda resta pela sala,
o dia que persiste,
quase invisível
pelo chão,
nos objetos
sobre os móveis da sala.
Varrer amanhã
o pó de hoje.
Varrer,
varrer hoje.
(E domingo quebrar nos dentes
o copo
e sua água de vidro.
Segunda, não esquecer:
varrer todos os vestígios.)
Micheliny Verunschk
In Geografia Íntima do Deserto
Landy, São Paulo, 2003
É por amor!
"Lamentar é algo que nos empobrece e nos faz lembrar vivamente de nossa pequenez. Mas é precisamente aqui, no meio da dor, da pobreza ou da fraqueza que o Dançarino nos convida a levantar e a dar os primeiros passos.
É dentro do nosso sofrimento, e nunca fora dele, que Jesus entra em nossa tristeza, toma-nos pela mão, puxa-nos gentilmente, fazendo-nos ficar de pé e nos convida a dançar.
E descobrimos o caminho da oração, como o salmista: "Converteste o meu pranto em dança" (Sl 30,11) porque, no âmago da nossa tristeza, encontramos a graça de Deus.
E, enquanto dançamos, percebemos que não precisamos ficar confinados ao diminuto espaço da nossa tristeza, mas podemos sair dali. Paramos de centralizar nossa vida em nós mesmos. Chamamos os outros para dançarem conosco a dança maior. Aprendemos a dar espaço a outros, e principalmente ao "Outro Gracioso' que está no nosso meio. E quando nos fazemos presentes para Deus e seu povo, nossa vida é ainda mais enriquecida.
Constatamos que o mundo é nossa pista de dança: nosso passo torna-se mais leve e ligeiro, porque Deus está chamando outros a dançarem também."
Henri Nouwen,
In: 'Transforma meu pranto em dança'.
"Manifestou-se a graça de Deus. Graça é sinônimo de beleza. Nesta noite, na beleza do amor de Deus redescobrimos também a nossa beleza, porque somos os amados de Deus. No bem e no mal, na saúde e na doença, felizes ou tristes, sempre aparecemos lindos a seus olhos: não pelo que fazemos, mas pelo que somos. Em nós, há uma beleza indelével, intangível; uma beleza incancelável, que é o núcleo do nosso ser. Deus no-lo recorda hoje, tomando amorosamente a nossa humanidade e assumindo-a, «desposando-a» para sempre.
A «grande alegria», anunciada aos pastores nesta noite, é verdadeiramente «para todo o povo». Naqueles pastores, que santos não eram certamente, estamos também nós, com as nossas fragilidades e fraquezas. Deus, tal como chamou a eles, chama a nós também, porque nos ama. E, nas noites da vida, diz-nos como a eles: «Não temais» (Lc 2, 10). Coragem, não percais a confiança nem a esperança; não penseis que amar seja tempo perdido! Nesta noite, o amor venceu o medo, manifestou-se uma nova esperança; a luz gentil de Deus venceu as trevas da arrogância humana. Humanidade, Deus ama-te e, por ti, fez-Se homem; já não estás sozinha."
Papa Francisco
Homilia na Celebração do Natal 24.12.2019
A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu voo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
— Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.
Manoel Bandeira.
Publicação original: in Estrela da Tarde (1963)
"Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração."
António Ramos Rosa - Viagem através duma nebulosa, 1960.
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