Foi lançado recentemente o novo site www.lectionautas.com.br
Este é um site de Leitura orante diária com jovens. É uma parceria da Comissão bíblico-catequética nacional com a Sociedade Bíblica do Brasil (SSB).
O objetivo do site é estimular a leitura orante da Palavra de Deus com jovens. Por isso, uma das metas da Comissão Bíblico-Catequética é divulgá-lo para os jovens que participam da catequese de crisma. Mas, também grupos de jovens ou outro tipo de trabalho de evangelização das Juventudes.
Que o Lectionautas ajude o jovem a ser um navegante do amplo e fascinante oceano da Palavra de Deus!
Ajude-nos a divulgar o site para catequistas de crisma e entre os jovens.
Equipe do site.
A catequese, cada vez mais, tem trilhado caminhos de renovação na tentativa de fazer chegar até os interlocutores a Palavra de Deus. Por outro lado, grandes são os desafios enfrentados para dar conta de fazer chegar aos nossos catequizandos uma palavra que possibilita transformações em suas vidas.
A Palavra para nós é “Jesus Cristo”. Anunciamos Jesus Cristo: sua vida, paixão, morte, ressurreição, ascensão e envio do seu Espírito. Conhecer Jesus nos leva a conhecer a verdade da nossa fé cristã. Conhecer a Jesus nos leva descobrir onde se esconde o mistério da vida. E, conhecendo a vida, pode-se dar sentido para ela.
Buscar a verdade de fé
Na busca pela verdade de fé, vamos descobrir que ela não é uma fórmula que se pronuncia e a constitui, não é um dogma elaborado pelos sábios. Ela não tem pertença de ninguém: ela não é minha, nem sua, mas é uma verdade que supera a tudo e a todos. Então? Porque a busca pela verdade?
Não se busca uma verdade para dar sentido à vida. É preciso que deixe a verdade ir se incorporando a nós, se apoderando de nós, nos transformando. Na busca da verdade, somos conduzidos a uma atitude de abandono a esse “mistério”, “à confiança em Deus”, “amor à vida”, pois a verdade última é um mistério.
Na tradição cristã, somos chamados a crer na Ressurreição de Jesus. Dela brota a fé cristã. Mas a fé na ressurreição não pode ser entendida através de nossa mente, nem comprovada assim como desejou Tomé, aquele dia do seu encontro com Jesus, lá no Cenáculo. Veja o que Jesus disse a ele: “não seja incrédulo, mas creia”. Então, não sejamos incrédulos.
Diante dos fatos da vida, muitas vezes nos tornamos incrédulos e queremos a verdade sobre Deus. Uma verdade que existe, mas que é ela que vai se aproximando de nós quando nos colocamos no caminho da busca. Percorrer um caminho junto aos outros e deixar que os outros nos ajude a realizar o encontro com o mistério de Deus e fazer a experiência pessoal com Ele.
Que caminhos percorrer?
O caminho que me coloca no seguimento do Cristo Ressuscitado. Como saber que caminho é esse? Conhecendo a caminhada do próprio Jesus. O objetivo é trabalhar para a construção do Reino de Deus. Nesse sentido, no caminho da busca de faz necessário se esforçar para promover a paz, a justiça e a solidariedade, no desejo de que todas as pessoas vivam mais felizes. O diálogo que se produz na caminhada se torna possível porque a caminhada acontece quando a realiza testemunhando o amor de Jesus Cristo, o rosto de Deus nEle revelado e os valores do Reino. Todo diálogo é uma aventura. Ao viver e praticar o amor, este revela o Deus de Jesus Cristo e o coloca como ingrediente básico para a construção de seu Reino. Em Jesus Cristo, Deus mesmo, enquanto Verbo, “abre mão da condição divina” (Fl 2,6) e se faz humano.
Para nós cristãos, adquirimos a identidade de cristão quando somos batizados. O batismo é a porta de entrada para essa pertença em Cristo. Seguimos o caminho de batizados, nos dizemos cristãos, mas não sabemos o que isso significa. É fazendo o caminho que podemos, “ou não” descobrir que Deus é a Boa Notícia, aquela capaz de colocar alegria na vida. E se começa a perceber a presença de Deus na vida quando, verdadeiramente, puder experimentar que Ele faz a gente viver com mais paz e mais confiança; quando puder sentir que lhe dá forças para enfrentar os problemas e desafios da vida sem se oprimir, quando comprovar seu perdão e sua compreensão inesgotável.
E como experimentar que Ele é bom?
O caminho é Jesus Cristo: a Palavra de Deus encarnada; o Pão que alimenta e fortalece na caminhada. A vida cristã nos convoca para fazer uma experiência autêntica de adesão à pessoa de Jesus Cristo.
A catequese, que tem como tarefa fazer ecoar ou “ressoar” a Palavra de Deus, exige de nós catequistas, fazer a experiência autêntica de adesão à pessoa de Jesus Cristo e ajudar aos nossos catequizandos a fazer o mesmo. Ajudá-los a viver Deus, pois Deus é amor, e de Deus só pode brotar amor.
Neuza Silveira de Souza.
Comissão para Animação Bíblico-Catequética do Regional Leste 2
A leitura da Bíblia foi possibilitada a todos os fiéis a partir do Concílio Vaticano II. Voltando às fontes, na antiga tradição da Igreja apostólica e patrística, o Concílio exorta todas as pessoas a uma leitura e interpretação das Sagradas Escrituras, no mesmo Espírito em que foram escritas para apreender com exatidão o sentido dos seus textos (DV 12).
Quando lemos a Bíblia realizamos uma leitura a dois: Deus nos fala e nós escutamos e respondemos. Deus dialoga conosco e ao respondermos a ele estamos criando uma relação Interespiritual, profunda e verdadeira entre nós. “Eu e Ele”; “Tu e Ele” Esta conversa com Deus é a melhor forma de diálogo, porque Deus se revela e se compromete com amor de Pai, proporcionando um grande encontro com aquele que fala. A Bíblia é esse lugar de encontro. E a voz da Palavra, a revelação, é a voz de Deus que ressoa nas origens da criação, quebrando o silêncio do nada e dando origem às maravilhas do universo. É uma voz que desce às páginas das Sagradas Escrituras, que agora lemos à Luz do Espírito Santo. Deus não está indiferente aos acontecimentos da vida do ser humano: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo… Ouvi o seu clamor… pois eu conheço as suas angustias” (Ex 3,7), disse Deus a Moisés.
Ao lermos a Bíblia, ela que é fonte de vida, devemos fazê-lo, não buscando um conhecimento intelectual, mas um conhecimento vital. Nela procuramos encontrar o Senhor, lemo-la para encontrar em suas palavras humanas – texto sagrado que é – a palavra de Deus que constrói a fé, pois Jesus é o verdadeiro intérprete de toda realidade divina, ou seja, ele é aquele que explica o sentido e torna visível a ação de Deus na nossa história de vida. A leitura da Palavra de Deus nos conduz a uma fé obediente, uma fé confiança, adesão, amor que abraça toda a vida. É experiência de Deus.
Aprendi com um amigo meu que gosta de analisar o significado da letra escrita. Olhando para a formação da ‘Palavra’, em sua Etimologia, podemos dividi-la em: “pa-lavra”.
a) PÁ = instrumento de trabalho com a terra. Sua função é juntar, colher, transportar.
LAVRA = ação de lavrar (imprimir profundamente; inscrever, gravar, cultivar a terra), ou ainda: local de onde extrai pedras preciosas.
Assim sendo, PA-LAVRA é um instrumento da linguagem humana usada para cultivar, em profundidade, o CORAÇÃO humano. Como o homem do campo trabalha na terra retirando dela os seus frutos, assim é a palavra cotidiana na vida do ser humano.
Uma forma de tornar a Bíblia mais conhecida e, ao mesmo tempo, de melhor conhecer as Sagradas Escrituras, é estar sempre atento aos desafios dos novos movimentos religiosos que instrumentalizam a Palavra de Deus, cuidar do ministério dos catequistas, formar-se, instruir-se, viver a Palavra e dar testemunho. Levar também a Palavra aos não cristãos, aprender a dialogar com outras religiões criar relação com as diferentes culturas, é importante nesse processo. Tudo isso tem reflexos principalmente nas atividades pedagógicas da fé, sobretudo na catequese, por ser um período de ensinamento e maturidade, de reflexão vital sobre o mistério de Cristo. Influencia significativamente a iniciação integral e vital, ordenada e sistemática na Revelação que o próprio Deus fez ao homem em Jesus Cristo, que não está isolada da vida nem justaposta artificialmente a ela, e conservada na memória profunda da Tradição viva da Igreja.
É a partir de uma autêntica catequese renovada, atualizada, uma catequese de Inspiração catecumenal, que a Igreja pode deslocar solidamente toda a amplitude de elementos e funções de sua ação evangelizadora. Assim, é necessário que a catequese, como obra evangelizadora da Igreja, encontre seus fundamentos na natureza da revelação cristã e na Tradição viva da Igreja tal como esta se expressa na Constituição Dei Verbum, do Concílio Vaticano II.
A leitura da Bíblia é prática da Igreja
A Bíblia, nascida da experiência de vida da comunidade primitiva, ela só se compreende na comunidade. O lugar da ação, mediante o qual Deus se revela e dá a inteligência da palavra, é a Igreja. O fiel, parte viva da comunidade, recebe da Bíblia sua vida espiritual e vive em unidade com as realidades históricas da Palavra de Deus.
Olhando para o início da Bíblia temos o Antigo Testamento que, para responder às exigências do homem de hoje, ele já começa falando do desejo e da busca de Deus. Traz uma noção clara de Deus, mas é no Novo Testamento que vamos encontrar ensinamentos surpreendentes sobre a paternidade e a misericórdia de Deus. Em algumas parábolas e, sobretudo na morte e ressurreição de Jesus revelam-se misteriosos aspectos do amor, da sabedoria e do poder de Deus.
“Ninguém conhece o Pai” (Mt 11,27); “Ninguém jamais viu Deus” (Jo 6,46). Jesus é o revelador do Pai, isto é, aquele que o faz conhecido. “Ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelá-lo” (Mt 11,27). “Aquele que crê em mim não crê em mim, mas naquele que me enviou; e aquele que me vê vê aquele que me enviou” (Jo 12,44-45). Ensinamentos como esses são encontrados no Novo Testamento e vem demonstrar como são misteriosos a sabedoria e poder de Deus. Jesus Cristo é que nos revela o agir de Deus que é diferente do agir do Homem. Á luz da Bíblia, toda autoridade foi dada a Jesus Cristo no céu e sobre a terra (cf. Mt 28,28), é nele que habita, em forma corporal, toda a plenitude da divindade (cf. Cl 2,9), e onde foram criadas todas as coisas (cf. Jo 1,1-4; Cl 1,16; Há 1,1-3).
O convite para iniciarmos a nossa catequese com o querigma traz consigo esse sentido: de, primeiramente, conhecer a Jesus que vai nos levar ao conhecimento do amor do Pai. O querígma ocupa o primeiro lugar na iniciação cristã como anúncio da fé pascal. Falar sobre ele é falar da ‘Proclamação da Palavra’; O primeiro anúncio é interpelante. Ele oferece a porta de entrada da experiência cristã. E como crerão se ninguém proclamar?
Neusa Silveira de Souza
Comissão para animação bíblico-catequética do regional Leste 2
Na catequese, procuramos critérios para o uso da Bíblia a serviço da educação de uma fé engajada. As circunstâncias locais hão de inspirar adaptações apropriadas a cada realidade. Dois objetivos gerais se impõem no uso da Bíblia pela catequese: formar comunidade de fé e alimentar a identidade cristã.
A Bíblia é fonte de Catequese porque tem em seu centro a história da salvação. É uma inspiração para encontrarmos o caminho certo de acordo com o plano de salvação de Deus. Para trabalhar com a Bíblia na Catequese é preciso saber usá-la dentro do contexto atual da vida, levando a um compromisso pessoal, comunitário e social.
Por ocasião do mês da Bíblia, o bispo de Querétaro, Dom Mario de Gasperín Gasperín, biblista reconhecido, escreveu um “Decálogo para ler a Bíblia com proveito”, que compartilhamos a seguir, por considerá-lo de interesse geral e nos ajuda a aproveitar bem o uso da mesma na catequese e realizar uma boa leitura.
Decálogo para ler a Bíblia com proveito
1. Nunca achar que somos os primeiros que leram a Santa Escritura. Muitos, muitíssimos, através dos séculos, a leram, meditaram, viveram e transmitiram. Os melhores intérpretes da Bíblia são os santos.
2. A Escritura é o livro da comunidade eclesial. Nossa leitura, ainda que seja em solidão, jamais poderá ser solitária. Para lê-la com proveito, é preciso inserir-se na grande corrente eclesial que é conduzida e guiada pelo Espírito Santo.
3. A Bíblia é “Alguém”. Por isso, é lida e celebrada ao mesmo tempo. A melhor leitura da Bíblia é a que se faz na Liturgia.
4. O centro da Sagrada Escritura é Cristo; por isso, tudo deve ser lido sob o olhar de Cristo e buscando n’Ele seu cumprimento. Cristo é a chave interpretativa da Sagrada Escritura.
5. Nunca esquecer de que na Bíblia encontramos fatos e frases, obras e palavras intimamente unidas umas às outras; a Palavra anuncia e ilumina os fatos, e os fatos realizam e confirmam a Palavra.
6. Uma maneira prática e proveitosa de ler a Escritura é começar com os Santos Evangelhos, continuar com os Atos dos Apóstolos e Cartas e ir misturando com algum livro do Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Juízes, Samuel etc. Não querer ler o livro do Levítico de uma só vez, por exemplo. Os Salmos devem ser o livro de oração dos grupos bíblicos. Os profetas são a “alma” do Antigo Testamento: é preciso dedicar-lhes um estudo especial.
7. A Bíblia é conquistada como a cidade de Jericó: “dando voltas”. Por isso, é bom ler os lugares paralelos. É um método interessante e muito proveitoso. Um texto esclarece o outro, segundo o que diz Santo Agostinho: “O Antigo Testamento fica patente no Novo e o Novo está latente no Antigo”.
8. A Bíblia deve ser lida e meditada com o mesmo espírito com que foi escrita. O Espírito Santo é o seu principal autor e intérprete. É preciso invocá-lo sempre antes de começar a lê-la e, no final, agradecer-lhe.
9. A Santa Bíblia nunca deve ser utilizada para criticar e condenar os demais.
10. Todo texto bíblico tem um contexto histórico em que se originou e um contexto literário em que foi escrito. Um texto bíblico, fora do seu contexto histórico e literário, é um pretexto para manipular a Palavra de Deus. Isso é tomar o nome de Deus em vão.
A Bíblia na catequese é instrumento para aprender a caminhada do povo. A catequista deve conhecer a Bíblia, não tanto para ensinar a Bíblia (curso bíblico), mas para viver da Bíblia (história, fé, moral, acontecimentos) como instrumento catequético e para agir de acordo com a vontade de Deus. Ser mulheres e homens bíblicos.
A Bíblia não é ponto de chegada, mas ponto de partida. É cristalização da memória vivida, logo, é a mínima expressão da experiência. Ela é palavra de Deus em linguagem Humana; Nela temos o plano de salvação de Deus e a resposta da humanidade.
Diz o Papa Francisco em uma de suas homilias catequéticas: A Palavra de Deus percorre um caminho dentro de nós. Escutamo-la com os ouvidos e ela passa para o coração; não permanece nos ouvidos, mas deve chegar ao coração; e do coração às mãos, às boas obras. Eis o percurso da Palavra de Deus: dos ouvidos ao coração e às mãos. Aprendamos estas coisas.
Neusa Silveira de Souza
Comissão bíblico-catequética do Leste 2
Nesse ano que se inicia teremos uma nova oportunidade para viver dentro da vontade de Deus, desfrutando de sua comunhão e companhia. E nada melhor do que começar o ano com comprometimento de maior encontro com Deus através de sua Palavra. Neste sentido, enquanto método, a Igreja nos apresenta a Lectio Divina ou Leitura Orante da Palavra de Deus, método que nos proporciona uma grande riqueza espiritual, podendo ser feita individualmente ou em grupo. Em grupo, temos como ponto de acréscimo a riqueza da partilha, que ajuda no crescimento espiritual de cada participante, porque a experiência da outra pessoa se torna aprendizado e enriquecimento espiritual, para cada membro presente no encontro.
Mas, o que é Leitura Orante da Palavra de Deus? É uma prática muito antiga na Igreja, mas que ficou por muito tempo desconhecida pelos cristãos. Atualmente, ela voltou a florescer e está novamente ocupando seu lugar na Igreja, nas casas religiosas, nos cursos bíblicos, nas famílias e é praticada também individualmente pelo Povo de Deus em geral. Trata-se de uma reflexão sobre um trecho da Sagrada Escritura e, em geral, pode-se fazê-la sobre as leituras da liturgia do dia, conforme as circunstâncias ou preferências. Ela é feita em passos que se alternam durante a oração-meditação, que nos levam à conclusões pessoais, espirituais e à prática das virtudes sugeridas pelo texto, como também pelas inspirações divinas.
O Concílio Vaticano II recomenda, com grande insistência, a Leitura Orante da Palavra de Deus, quer pela piedosa leitura, quer por cursos apropriados (cf. Dei Verbum nº 25). O Documento de Aparecida (cf. nº 247;249) e as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (cf. 2008-2010, n°6) destacam a Leitura Orante com seus cinco passos: Leitura, Meditação, Oração, Contemplação e Ação, como um meio privilegiado de encontro pessoal com Jesus Cristo. Os documentos ainda incentivam a prática dos Grupos Bíblicos de Reflexão, dos Círculos Bíblicos e das reuniões de grupos. A Pontifícia Comissão Bíblica ensina que a Leitura Orante corresponde a uma prática antiga da Igreja (A Interpretação da Bíblia na Igreja, cap. IV). E por fim, ensina o Sínodo da Palavra, realizado em Roma, nos dias 05 a 26 de outubro 2008, que “o método mais prático de acesso à Bíblia é a Leitura Orante”.
Enquanto passos vemos o seguinte:
1º Passo: Leitura do texto. É uma leitura lenta e atenta da Palavra de Deus. É escutar e conhecer bem o que diz o texto;
2º Passo: Meditação. O que o texto diz para mim? Ruminar, mastigar, guardar na memória. Meditar é guardar no coração e deixar-se amar;
3º Passo: Contemplação. O que o texto me leva a experimentar? É saborear, degustar, deixar-se envolver pela Palavra. É silenciar, estar quieto, em descanso sob o olhar amoroso de Deus. Sentir-se tocado, envolvido, amado, aceito, acolhido, perdoado, pacificado. Permanecer na presença, em receptividade, atenção amorosa nos braços do Pai. Dar espaço para Deus, para o irmão e a realidade da vida, afetivamente. Toda contemplação é para ser comunicada e vivida, em vista da transformação pessoal, comunitária e social;
4º Passo: Oração. O que o texto me faz dizer para Deus? Ouvir, agradecer, pedir. É conversar com Deus e ouvir os Seus apelos;
5º Passo: Ação. O que o texto me sugere a viver? A escuta da Palavra de Deus nos leva também a assumir um compromisso com a realidade. Foi isso que fez Moisés quando ouviu o chamado do Senhor e se colocou a serviço para a libertação do povo de Deus, que era escravo no Egito. Assim agiram os Profetas que foram chamados, escutaram o convite do Senhor, denunciaram as injustiças e anunciaram a mensagem de Deus. Temos tantos outros exemplos na Sagrada Escritura, sem nos esquecermos de Maria, a mãe de Jesus. Quando ela escutou a Palavra vinda de Deus, por meio do Anjo Gabriel, ela humildemente se colocou a serviço respondendo: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1,38).
Infelizmente a maioria dos cristãos creem que estão “ocupados demais” nos seu dia-a-dia, para revigorarem a mente e o coração com a Palavra de Deus. O que não percebem é que ter tempo é uma questão de prioridade e preferência, e que a longo prazo, um momento orante não custaria nada, pois o restante do dia será com certeza mais proveitoso, do que negligenciar a leitura bíblica. Deus deixou sua Palavra, a Sagrada Escritura, e por meio dela viesse a alimentar-se espiritualmente. Da mesma forma como Deus enviava o pão dos céus aos israelitas quando peregrinavam em direção à terra prometida, hoje o Senhor continua enviando alimento espiritual, através de sua Palavra enquanto peregrinamos nesta terra em direção ao Reino dos Céus. Que Deus abençoe este ano e que tenhamos ricas experiências da Leitura Orante da Palavra de Deus.
Fernando Acácio de Oliveira
Não conheço melhor iniciação ao infinito do que a experiência da leitura, e da leitura bíblica. Os comentadores judeus do Antigo Testamento estavam convictos de que para cada passo da Torá existiriam 49 possibilidades de interpretação. Quarenta e nove é o resultado da multiplicação de sete por sete, e sete é o símbolo do infinito. Por isso, a própria leitura da Bíblia pressupõe sempre uma hipótese de infinito. Para não falar da sua natureza de Palavra associada de modo único à Revelação de Deus. Infinito é também a tarefa que o leitor da Bíblia sente, não raro, ao tomar contato com o texto. Por outro lado, esta atração mostra-nos que precisamos de uma iniciação ao mundo textual que nos está à frente. Não basta que nos coloquemos a ler a Bíblia: necessitamos de uma hermenêutica, simples ou complexa que seja. A Palavra bíblica é uma janela, um espelho, uma fonte, uma luz, e em cada uma destas modalidades ela é imprescindível não só para a construção do caminho crente, mas também para o crescimento cultural.
Todavia não é possível aceder a ela sem colocar em campo uma espécie de arte da leitura. Precisamente com esta necessidade o meu trabalho entra em diálogo. Gosto muito daquele provérbio inglês que diz «clarity, charity». A clareza alcança-se percorrendo o caminho do amor. A arte de ler não é mais do que a arte de amar. A certo momento, conta Flaubert, Santo Antônio, perturbado por grandes fragilidades, pede a Deus que lhe infunda coragem, e entra na sua cabana. Acende uma tocha que lhe permita ver e ler o grande livro e, ainda vacilante, entre fantasmas que o impelem para derivas que ele recusa, abre a Bíblia várias vezes (cinco, precisa a narrativa), à procura de proteção. De todas as cinco vezes, porém, fecha o livro com as mãos trêmulas. As obsessões contra as quais luta, na purificada via da ascese, tornam a assaltá-lo, incontroláveis, nas descrições do texto sagrado. Uma voz do céu ordena que coma da grande toalha que desce à terra, aprestada de répteis e quadrúpedes. A violência, o sangue e o excesso misturam-se na névoa de tenebrosos sortilégios e presságios… Segundo Michel de Foucault, no prefácio à obra de Flaubert, o eremita compreende que «O livro é o lugar da tentação».
Por isso afasta de si a Bíblia, invocando a ajuda de Deus. Ao contar esta história de Santo António Abade, Flaubert, no fundo, o que conta? Que é inútil impor ao texto um programa de compreensão, quando nos é pedido o contrário: que nos exponhamos ao texto, na nossa fragilidade, para receber dele, e à sua maneira, um eu mais vasto. Na realidade, só aquele que nunca se aproximou dela ignora que a Bíblia é um lugar de prova. Livro sagrado para os crentes de mais de uma religião, super clássico da literatura, chave indispensável para decifrar o pensamento e a história, objeto interminável de curiosidade, de recepção e estudo, a Bíblia requer, evidentemente, uma arte da interpretação. Ela possui uma espessura histórica inalienável, que deve ser tomada em consideração: escrita entre há dois e três mil anos, em línguas com expressividade muito diferente daquela que têm as nossas, numa gramática muito particular, escrita na água, no corpo, na chama, alcança gêneros muito específicos e diversificados que representam, por si, um colossal desafio para qualquer leitor. Mais do que um livro é uma biblioteca: pode ser lida como cancioneiro, livro de viagens, memorial de corte, antologia de orações, cântico de amor, panfleto político, oráculo profético, correspondência epistolar, livro de imagens, texto messiânico. E, ligada a esta humana palavra, a revelação de Deus. Cipriano (200-258) dizia: «Se na oração falamos com Deus, na leitura Deus fala conosco». Jerônimo (347-420), escrevendo a um discípulo, recomendava: «Nunca afastar a mão do Livro e não desviar dele os teus olhos». Cassiodoro (490-583), referindo-se à farmácia da “lectio”, escrevia: «Como um fértil campo produz ervas odorosas úteis à nossa saúde, assim a “lectio divina” oferece sempre uma cura para a alma ferida». E é ainda uma imagem campestre a que serve a João Damasceno (675-750): «Batamos à porta desse belíssimo jardim das Escrituras».
Poderemos multiplicar por mil os aforismos deste gênero, que mostram como a tradição cristã se foi pensando, desde o início, como uma prática de leitura. Uma leitura infinita. Qualquer palavra, e ainda mais a palavra literária com que é urdido o texto bíblico, é instância de representação. Designa «a um tempo indicação e aparição; relação com um objeto e manifestação de si». Esta palavra (aquela que denominamos «prosa de Deus») está portanto radicada num território de duplicidade: por um lado é uma espécie de aura, pura respiração, sintoma indissociável, revelação; por outro é direção, evocação, referência que assinala a necessidade de uma indagação. Como naquele passo de Juízes 5, 22 («então ressoaram os cascos dos cavalos na corrida entusiástica dos seus valentes guerreiros»), em que a sonoridade dos dois substantivos plurais (“midda’arôt da’arôt”) imita o bater dos cascos dos animais na pradaria, a palavra torna presente uma experiência, o rumor original desse interminável galope, e ao mesmo tempo testemunha uma experiência que está para além dessa. O ato da comunicação bíblica é constituído por esta duplicidade inconsútil: a estratégia do pensamento identifica-se com e todavia é apenas parcialmente identificável na estratégia verbal e discursiva. A representação é, assim, condição desta linguagem. E a linguagem é o teatro de Deus.
Pe. José Tolentino Mendonça
Biblista e escritor português
In "Avvenire"
Trad. / edição: SNPC
Publicado em 28.11.2017
Outubro é um mês muito especial para nossa Igreja! Pois, voltamo-nos o olhar para reflexão do Dia Mundial das Missões. A cada ano, somos convidados a unir numa determinada temática, que desperta para intensificação das iniciativas de animação e cooperação missionária em todo o mundo. Neste ano, é destacado o seguinte tema: “A alegria do Evangelho para uma Igreja em saída”, escolhido pelas Pontifícias Obras Missionárias (POM) para a Campanha Missionária. E o lema: “Juntos na missão permanente”.
Neste mês, o convite é refletir novamente sobre a missão no coração da fé cristã a luz da Sagrada Escritura. É o que diz a mensagem de sua santidade, o Papa Francisco, para o Dia Mundial das Missões 2017, que vem com este título “A missão no coração da fé cristã”. Nesta mensagem o Papa frisa: “A missão da Igreja, destinada a todos os homens de boa vontade, funda-se sobre o poder transformador do Evangelho”.
Nestas palavras do Papa, concentra-se a pessoa de Jesus como o primeiro e maior evangelizador, que nos envia a anunciar sem cessar o Evangelho do amor de Deus Pai, com a força do Espírito Santo. Desse modo, é importante reparar que a temática missionária é uma chave de interpretação bíblica oferecida ao povo. O propósito da Palavra de Deus aqui, é a formação contínua da Igreja missionária que ocorre quando esta tem significado dentro de uma comunidade e é transformada pelo Evangelho.
Não é apenas a continuidade bíblica e histórica da Igreja com as gerações anteriores que torna essencial para a sua reflexão e o engajamento na missão. É essencial estarmos próximos e em unidade com a Igreja universal, que compreende a sua tarefa neste mundo a motivação, o meio, a prioridade, o alvo, a abrangência e o significado da missão derivada da própria missão de Deus para e a favor do mundo. Esta compreensão se informa por meio de uma reflexão atenciosa à revelação de Deus nas Escrituras Sagradas e aos diversos contextos particulares. É o desejo de Jesus expresso na sua oração sacerdotal pela unidade dos seus discípulos (cf. Jo 17,21).
Não só os evangelhos em si, mas todo o conteúdo da Bíblia é missionário. Missão nunca foi invenção ou produto humano, pois vemos que este princípio partiu de Deus e está no centro da Sagrada Escritura. Se Deus é um Deus missionário e se a Bíblia é inspirada por Deus, logo, significa que a Sagrada Escritura é um Livro missionário. Não temos missão sem a Sagrada Escritura, nem podemos entender a Bíblia à parte da missão de Deus. Assim, por meio da Sagrada Escritura o próprio Deus está evangelizando, isto é, comunicando as boas novas ao mundo. A Bíblia não contém missão! Ela própria é o meio e o alvo da missão. Sem a Palavra de Deus, a evangelização é impossível. Sem a Bíblia não temos nenhuma Palavra de vida para anunciar às nações, nenhuma garantia para ir até elas, nenhuma ideia de como ir e realizar uma missão, e também nenhuma esperança de sucesso para o mundo.
O grau de compromisso da Igreja com a evangelização mundial é medido com o grau de sua convicção da autoridade da Palavra de Deus. Quando perdemos a confiança bíblica, também se perde o zelo pela evangelização e a missão se torna infrutífera. Por outro lado, quando confiamos na Bíblia, fica determinada a ação evangelizadora da Igreja e consequentemente, colhemos os frutos da atividade missionária. A Bíblia é a nossa autoridade em missão! Ela revela a mensagem do Evangelho, os motivos corretos para missão e os objetivos e métodos que nos fazem fiéis ao projeto de Deus. Desse modo, estaremos diretamente ou indiretamente preparando uma nova geração de missionários capazes de vivenciar formas renovadas de anúncio evangélico, colocando a Palavra de Deus no centro da missão evangelizadora da Igreja, fazendo dela o elemento que une as várias dimensões da missão, isto é, da presença ao diálogo, da justiça e da paz à defesa da integridade da criação, da ecologia e da ética ao envolvimento nos processos de transformação social e cultural.
Que possamos impulsionar uma leitura familiar e comunitária das Escrituras, incentivando os jovens na leitura e no apreço das Escrituras Sagradas, mantendo-as vitalmente unidas aos demais sacramentos da vida cristã. Inspirando na Bíblia todos os demais programas de pastoral, assegurar conteúdos bíblicos aos manuais de catequese e às homilias e usar as novas tecnologias para fazer conhecer a Palavra de Deus, contribuindo para a consistência de um todo mais coerente em prol da missão em toda a Igreja.
Fernando Acácio de Oliveira
Seminarista da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim-ES, pós-graduado em Sagrada Escritura pelo Centro Universitário Claretiano-SP. Atualmente está graduando em Teologia no IFTAV-ES.
Chegamos ao Mês da Bíblia. Com o tema “Para que n’Ele nossos povos tenham vida – Primeira Carta aos Tessalonicenses”, o lema deste ano traz como enfoque “Anunciar o Evangelho e doar a própria vida” (cf. 1Ts 2,8). O Mês da Bíblia 2017 tem como proposta de estudo a Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses, com o objetivo de levar as pessoas a um encontro pessoal e comunitário com a Palavra, na doação da própria vida. Este é indicado pela Comissão Bíblico Catequética, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em parceria com as Instituições Bíblicas e o Serviço de Animação Bíblica.
Desse modo, é importante reparar que a temática parte da comunidade de Tessalônica, formada em meio à luta, perseguição, trabalho árduo, batalha incessante. Um foco de perseguições é descrito como proveniente das autoridades judaicas e poderosas da época. A leitura da Carta nos desafia a cultivar uma espiritualidade no conflito. A defesa e doação da vida nos coloca na contramão dos que tiram proveito da corrupção, da violência e da morte. Anunciar o Evangelho e defender a vida são os dois lados de uma mesma moeda. A realidade desse anúncio incomoda, o discípulo missionário deve estar disposto a doar a própria vida (cf. 1 Ts 2,8). Foi assim com Jesus e com os profetas, bem como com os cristãos de Tessalônica (cf. 1 Ts 2,15-16).
Deus não abandona os seus missionários, os fortalece e está junto em sua luta. Porém, para andar na luz diante dos conflitos é preciso vigilância: “Não dormir”, “vigiar”, “ser sóbrios” (cf. 1Ts 5, 6). A exortação à sobriedade é própria dos filhos da luz, como lemos em 1Ts 5, 8 com o acréscimo da vivência das virtudes da fé, do amor e da esperança. A vigilância dá identidade à vida cristã. Significa que os cristãos “filhos do dia”, caminham sob a luz de Cristo, com um novo projeto de vida.
O final da 1ª Carta aos Tessalonicenses faz um apelo à oração e ação de graças: “A oração é a respiração da alma”! Como a comunidade poderia resistir na fé, recobrar o ânimo em meio aos sofrimentos? Certamente com a ajuda de orações contínuas. “Orai continuamente” (1Ts 5,17). Os missionários dão graças a Deus e sempre se lembram da comunidade nas orações (cf. 1Ts 1,2). É um reconhecimento que o anúncio da Palavra em meio a sofrimentos e tribulações produziu fruto, pela graça de Deus.
O Documento 105 da CNBB nos recorda: “Permanecendo Igreja, como ramo na videira (cf. Jo 15,5), o cristão transita do ambiente eclesial ao mundo civil para, a modo de sal, luz (cf. Mt 5,13-14) e fermento (cf. Mt 13,33) somar com todos os cidadãos de boa vontade, na construção da cidadania plena para todos. Não é preciso ‘sair’ da Igreja para ‘ir’ ao mundo, como não é preciso ‘sair’ do mundo para ‘entrar’ e ‘viver’ na Igreja’”.
Doar a vida é manter o clima de alegria e esperança mesmo nas dificuldades: “Ficai sempre alegres” (1Ts 5,16). Enfim, alegrai-vos. O imperativo indica ordem, portanto há uma necessidade de agir em meio à comunidade, especialmente em favor dos mais fracos e aqueles que não se encaixam em todas as exigências da Igreja. A exortação é sempre em favor da construção da comunidade, para reanimar e criar um clima fraterno a luz da Palavra de Deus.
Fernando Acácio de Oliveira
Seminarista da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim-ES, pós-graduado em Sagrada Escritura pelo Centro Universitário Claretiano-SP. Atualmente está graduando em Teologia no IFTAV-ES e pós-graduando em Direito Matrimonial Canônico no ISTA-BH.
A Bíblia Sagrada é o mais importante livro para a integração da fé dos cristãos. No entanto, nem todas as pessoas a conhecem profundamente e nem tem a consciência que a Bíblia é a Palavra de Deus criadora, viva e eficaz, isto é, Palavra que transmite o amor de Deus para a humanidade. Completa em parábolas e vários relatos de experiências de intimidade com Deus, a Bíblia é um conjunto de livros escritos em torno de 1.600 anos, numa faixa de tempo que vai do séc. XIV a.C. ao século I d.C. em diferentes estágios da humanidade.
É importante compreender que a Bíblia foi escrita para os homens e pelos homens; logo, ela apresenta duas faces integrantes: a divina e a humana. Assim, para interpretá-la bem é necessário o reconhecimento da sua face humana e consequentemente compreender a sua mensagem divina. Não se pode interpretar a Bíblia só em nome da “mística”, pois, podemos ser levados por ideias religiosas pré-concebidas, ou mesmo, podemos cair no subjetivismo. Por outro lado, não se pode querer usar apenas os critérios científicos (linguística, arqueologia, história, entre outros), é necessário, após o exame científico do texto, buscar o sentido teológico.
Na Bíblia é o próprio Deus que por amor a humanidade se revela através de sua Palavra. Ela é “viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4, 12). Além disso, “toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra” (2 Tm 3, 16-17). Ela serve para que as pessoas creiam em Cristo (cf. Jo 20, 30-31), para ajudar os cristãos a caminharem (cf. Sl 118(119), 105) e para nossa instrução (cf. 1 Cor 10, 11).
São Jerônimo dizia que “desconhecer as Sagradas Escrituras é ignorar o próprio Jesus Cristo”. Santa Teresinha do Menino Jesus, falando do Evangelho, escreveu: “Acima de tudo, o que me sustenta durante a oração é o Evangelho. Nele encontro tudo o que necessita minha pobre alma. Nele continuamente descubro novas luzes e sentidos ocultos e misteriosos” (Ms A 83v). No entanto, não basta conhecer a Bíblia, é preciso colocá-la em prática de maneira fiel e criativa (cf. Tg 1, 22). A Bíblia precisa tornar fonte da nossa força, luz de nossa caminhada e objetivo de nosso trabalho.
Na segunda epístola de São Pedro lemos “que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal” (2 Pd 1, 20) e também que “nelas há algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras” (2Pd 3, 16b). Desse modo, o Concílio Ecumênico Vaticano II esclarece-nos que: “[...] para bem captar o sentido dos textos sagrados, deve-se atender com não menor diligência ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura, levada em conta a tradição viva da Igreja toda e a analogia da fé” (DV 12).
Contudo, depois de todos esses pontos de discussões em relação à Bíblia, é visível que a fé cristã ver Jesus como verbo encarnado e vivo da Palavra de Deus que se manifesta em seu ser a agir. O mais importante é entender que a verdadeira leitura bíblica deve sempre ter em vista a finalidade principal de toda a Bíblia, que é anunciar Jesus Cristo e dar testemunho de sua Pessoa. É louvável que cada um de nós impulsione uma leitura familiar e comunitária da Bíblia, incentive os jovens na leitura e no apreço das Escrituras Sagradas, mantendo-as vitalmente unidas aos demais sacramentos da vida cristã, inspirando na Bíblia todos os demais programas de pastoral, assegurando conteúdos bíblicos aos itinerários catequéticos e às homilias, usando as novas tecnologias para fazer conhecer a Palavra de Deus. Que possamos aderir a Pessoa de Jesus com amor e vivenciar com integridade o sentido da Bíblia em nossa vida cotidiana.
Fernando Acácio de Oliveira
Seminarista da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim-ES, pós-graduado em Sagrada Escritura pelo Centro Universitário Claretiano-SP. Atualmente está graduando em Teologia no IFTAV-ES e pós-graduando em Direito Matrimonial Canônico no ISTA-BH.
Para nós cristãos, o primeiro passo para responder ao amor de Jesus é entrarmos pela porta do Batismo. No Batismo, recebemos o Espírito Santo nos fazendo morada de Deus. Assim somos reconhecidos por Deus como Filhos porque o Espírito do Filho habita e age em nós. É a força salvadora do Espírito que nos impele à ação missionária, assim como aconteceu aos discípulos missionários de Jesus para o anúncio do Reino e o chamado às nações para fazerem parte desse Reino. Esse é o desejo de Jesus, um desejo que é realizado pela Igreja.
Com o Batismo nos tornamos novas criaturas, assim diz Paulo, o apóstolo de Jesus que, respondendo a seu chamado, torna-se um evangelizador. Ele anunciava que Jesus: “existindo em forma divina, não se apegou a ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano. E, encontrado em aspecto humano, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte – e morte de cruz! Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o nome que está acima de todo nome. Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” (Fl 2m, 6-9.11).
Aquele Jesus que caminhou pela Palestina e fascinou a muitos, pelos seus gestos e ações, é o mesmo que continua conosco, nos fascinando em nossa história de vida e nos ajudando na caminhada.
Todos são chamados, assim como Pedro, Paulo, João e os discípulos de Jesus, a falar com entusiasmo, fazer memória das ações e Palavras de Jesus que revelam o seu amor à humanidade. Também como eles, denunciar as injustiças e violências para construir um mundo de justiça e paz.
Acreditar na ressurreição de Jesus e que ele está sentado à direita do Pai é entender que ele reina como o Pai, que ele é Deus e à luz do Espírito Santo, vivemos a revelação. E esse fato pede conversão, mudança de vida, novo olhar, reconhecimento e acolhimento de Jesus em nossa vida. A presença de Deus no meio de nós nos convida a um novo modo de vida.
Diante da realidade atual, tantos sofrimentos, violências e incompreensões torna-se difícil enxergar os sinais que Deus vai dando-nos ao longo da nossa caminhada. Muitas vezes isto acontece porque ficamos de olho só naquilo que desejamos, aquilo que queremos que Deus faça para nós e esquecemos-nos da vontade de Deus. Fechamos-nos dentro de nós mesmos e esquecemos-nos de olhar para fora, para o irmão, enxergá-lo e partilhar a vida com ele.
Vivemos o grande desafio de perceber o amor de Deus que nunca nos abandona, um amor sem medidas, um amor que se torna compreendido à luz da Palavra. São palavras que ajudam a entender a realidade, assim como aquelas que foram ditas por Jesus aos discípulos de Emaús e que tornaram possível a eles compreender a presença de Jesus ao partir o pão.
Para a Igreja, a sociedade humana foi criada por um designo amoroso de Deus Criador, está por Ele designado a ser transformado e alcançar a própria realização: a vida plena no amor por meio da participação na vida divina.
A Participação na vida divina, o revestir-se de Cristo provém do nosso batismo. Como nova criatura em Cristo, o homem batizado se torna membro da Igreja, Povo de Deus. Diz o Concílio Vaticano II: “Aprouve a Deus santificar e salvar os homens, não singularmente, sem nenhuma conexão uns com os outros, mas constituí-los num povo, que o conhecesse na verdade e santamente o servisse” (LG 9). Servindo-o como Igreja, dando continuidade à Obra de Cristo, este que veio ao mundo, não para julgar, mas para salvar, não para ser servido, mas para servir. (Jo 3,17; Mt 20,28; Mc 10,45). Esta é a nossa vocação e nossa resposta ao amor de Deus. Vamos refletir sobre esses textos bíblicos: At 2,37; 9,6; 16,30 22,10.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora da Comissão Arquidiocesana Bíblico-Catequética de BH
O quarto evangelho é um evangelho refletido e comentado pelo próprio autor. Seus comentários levam o leitor a superar o nível da narrativa, a reconhecer sentidos mais profundos no texto, a perceber o simbolismo e interpretar o texto.
No evangelho de João encontramos muitas metáforas, símbolos e figuras. O simbolismo é a característica do Evangelho de João. Através de metáforas, ele procura mostrar quem é Jesus para nós, para nossa comunidade. Os milagres em João, chamados “sinais”, têm por objetivo mostrar quem é Jesus, o Senhor Ressuscitado. Os sinais colocam o mundo diante da opção a favor ou contra Jesus, sendo que não basta crer somente por causa dos sinais; importa descobrir o valor profundo de Jesus, o Dom que ele traz e que é ele.
Em comparação com os outros evangelhos chamados "sinóticos" percebemos que João não os usou como Mateus e Lucas usaram o evangelho de Marcos, como escrito básico de sua redação. O que João fez é uma reinterpretação da narrativa dos outros evangelhos.
A Palavra de Deus se fez Homem
João inicia o seu evangelho dizendo: A PALAVRA se fez homem (ou: “O Verbo se fez carne”) e habitou entre nós (“Fez sua tenda entre nós”). É a Palavra de Deus se tornando existência humana. A palavra comunica, interroga, quer dialogar. Deus também quer nos falar, se comunicar conosco. Quando é que Deus nos fala?
Deus nos “fala” pela criação, sua beleza, sua organização. Basta olharmos ao nosso redor para percebermos a beleza da criação. Contemplar uma bela paisagem, uma flor, a natureza, os rios, um céu estrelado, as ondas do mar.
Deus nos fala através das pessoas. Cada um de nós é uma “palavra” de Deus para o outro. Antes Deus falava ao seu Povo através dos profetas. Podemos observar como o Antigo Testamente está cheio de belos e grandiosos textos dos profetas que enfatizavam, a cada hora: “Oráculo do Senhor”.
Quando dizemos que Deus fala é através de uma linguagem metafórica, pois ninguém ouviu a voz de Deus. Não se trata de uma voz humana. Mas, ao se comunicar conosco, Ele o faz por meio de nós mesmos e por meio dos sinais e fatos da vida.
Quando lemos a Bíblia, sabemos que é Deus quem fala. Já no primeiro capítulo da Bíblia, lemos: “E Deus disse: faça-se a luz...” Quase não se encontra alguma página na Bíblia em que Deus não fale. Também os salmos são “Palavra de Deus”. É como um diálogo: a pessoa que reza dirige-se a Deus com palavras humanas, e Deus responde. Por exemplo, abram a Bíblia no salmo 85, 1 a 8. O orador fala. Dos vv 9 a 12 ouvimos o que diz o Senhor. Observem a beleza das palavras de Deus.
No Antigo Testamento Deus se comunica conosco de modo figurado, nos fala por meio dos anjos e profetas. No Novo Testamento, o caminho que nos leva ao conhecimento de Deus é Jesus. Quando João diz que a Palavra de Deus se fez homem, ele quer dizer que Deus fala a nós, de modo especial, na pessoa de Jesus, através de suas palavras, suas atitudes, sua morte e ressurreição. Jesus é a Palavra do Pai, suprema revelação de Deus para nós.
Encontramos em Jo,14,5-10 Jesus, num diálogo com Felipe, dizendo: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim. Se me conheceis, conhecereis também o meu Pai. Desde já o conheceis e o tendes visto". E quando Felipe pede a Jesus para que lhe mostre o Pai, ele responde: "Filipe, há quanto tempo estou convosco, e não me conheces: Quem me vê, vê o Pai. Não acreditas que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As Palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo: é o Pai que, permanecendo em mim, realiza as suas obras."
Em João, as narrações têm um sentido muito profundo. Não podemos ficar somente em uma leitura literal senão corremos o risco de perdemos a profundidade da mensagem de Jesus, no seu Evangelho.
Do mesmo jeito que o Pai permanece em Jesus, Também Jesus nos convida a permanecermos Nele. Em João 15,4-5 encontramos esse convite:
“Permanecei em mim e eu permanecerei em vós.
Quem permanece em mim, como eu nele, esse dá muito fruto,
pois, sem mim nada podeis fazer.”
Em Jesus encontramos a Palavra de Deus. Ele é a Palavra de Deus dirigida a nós. Nele temos a revelação do Pai.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora da Comissão Arquidiocesana Bíblico-Catequética de Belo Horizonte
In: Opinião e noticias 17.03.2017
Desde o segundo século, a tradição cristã atribuiu o quarto evangelho a João, o discípulo amado e, diferentemente dos outros três evangelhos que tem como tema central o Reino de Deus, em João vamos encontrar o testemunho sobre Jesus, que é o próprio Reino. A vinda do Reino de Deus é substituída pela vinda de Jesus. Mais do que fornecer informações sobre Jesus, João procura desvendar a sua personalidade divina.
O evangelho de João, ao ser organizado, foi apresentado em duas grandes partes: após o prólogo (1, 1-18), a primeira parte é conhecida como o Livro dos sinais (Jo 1,19-12), ou seja, do capítulo um, versículo dezenove, até o capítulo doze. Nessa parte encontramos as sete narrativas de sinais, que são os milagres que Jesus realizou. A segunda parte, conhecida como o Livro da Exaltação ou glorificação de Jesus (Jo 13,1-20,31), ou seja, do capítulo treze, versículo primeiro, até o capítulo vinte, versículo trinta e um. Nele encontramos o amor e a bondade de Deus revelados na face do Pai. o evangelho termina com um epílogo (21,1-25) que apresenta a manifestação de Jesus ressuscitado à beira do lago de Tiberíades.
Em relação aos destinatários dos ensinamentos de Jesus também percebermos que, enquanto os evangelistas Marcos, Mateus e Lucas apresentam Jesus realizando o seu ministério público na Galileia, rodeado pelas multidões, os discípulos, os fariseus, saduceus, os doutores da Lei, os pescadores, por um período de um ano, João apresenta Jesus exercendo seu ministério público para um grande número de pessoas que podem ser classificadas em dois grupos distintos: os que acreditam e os que não acreditam em Jesus, por um período aproximado de três anos.
Havia diferentes grupos que participavam das narrativas do evangelho: os dois discípulos de João Batista, que foram convidados por Jesus a permanecer com ele (Jo 1,35-39); os samaritanos que conheceram Jesus por meio de uma mulher samaritana (Jo 4) e acreditaram nele pelas suas palavras. Houve também quem o seguisse entre os gregos (Jo 7,35; 12,20). Seus interlocutores, na maioria eram constituídos por judeus expulsos das sinagogas (Jo 9). Parece ser uma comunidade formada por pessoas marginalizadas, perseguidas e excluídas (Jo 4; 9). Mas nessa comunidade Joanina, as pessoas acreditavam em Jesus como o Messias, o Filho de Deus, o profeta que devia vir para salvar o mundo. Aos que não acreditavam em Jesus eram denominados por João sendo "os judeus". Mas João, ao se referir aos judeus, ele não estava se referindo aos judeus de raça ou religião, mas a todos aqueles que não aceitavam Jesus.
Para falar da mensagem de Jesus, João nos apresenta toda a vida de Jesus marcada por uma "Hora". Essa "Hora misteriosa" dá sentido a todo o Evangelho. Esta palavra "Hora" refere-se ao momento mais importante da vida de Jesus: sua morte e ressurreição.
Fazendo a leitura do Evangelho de João percebe-se que, nos doze primeiros capítulos, Jesus afirma que a sua hora ainda não chegou. Vejamos:
•Primeiramente, em Caná da Galileia, na celebração das bodas (2,4.11) Jesus diz que ainda não chegara a sua hora, ou seja, a hora da sua glorificação, o momento de oferecer os bens messiânicos simbolizados no vinho.
•Por ocasião da festa dos Tabernáculos (Tendas), uma das três principais festas de peregrinação na tradição religiosa judaica. Era uma festa celebrada no outono, estação das colheitas e das peregrinações dos antepassados pelo deserto. João, na passagem do seu evangelho (7,4) ele apresenta os parentes de Jesus pedindo a ele que se manifeste ao mundo, mas Jesus fazendo uma distinção entre o 'seu tempo' e o 'tempo deles' diz ser o seu tempo marcado pela Hora.
•Nas passagens do evangelho (7,30 e 8,20), momentos em que Jesus se encontrava ensinando no Templo, João faz o anúncio da chegada dos adversários que procuravam por Jesus para prendê-lo, mas diz que ninguém conseguiu, porque a sua Hora ainda não chegara.
•Continuando a leitura do evangelho de Jesus segundo João, somente a partir do capítulo 13 é que Jesus vai afirmar claramente que 'chegou a sua hora': é a Hora de passar para o Pai (cf. 13,1). Esta Hora é o momento da exaltação de Jesus.
•Para João, o momento da cruz é o momento da exaltação, ou seja, no momento da própria crucificação. Jesus crucificado não é apenas o Servo sofredor, o Homem das dores, mas um Rei exaltado onde a cruz é o próprio trono de Jesus. Jesus morre como um rei. "Jesus de Nazaré, o Rei dos Judeus" (19,19).
Nesse sentido, podemos afirmar que para o evangelista João, o centro de toda a vida e missão de Jesus é o momento de sua paixão, morte e ressurreição. Essa é a Hora de Jesus. Na cruz nasce a Igreja, e o Cristo crucificado dá o seu Espírito à sua Igreja. Para João nesse momento acontece Pentecostes, o envio do Espírito. E do coração de Jesus, transpassado pela lança do soldado, saem sangue e água, símbolos dos sacramentos da Igreja (19,31-37).
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora da Comissão Bíblico-Catequética da Arquidiocese de Belo Horizonte
In: Opinião e Notícia 10.03.2017
A maneira como cada evangelho começa e acaba indica muito as intenções do autor. Lucas faz seu evangelho começar no templo, com Zacarias, e terminar no templo, com os discípulos de Jesus bendizendo a Deus. Esse é um modo de dizer que a vida toda de Jesus se desenrola sob o olhar de Deus, como o desenvolvimento de um projeto do Pai. A história de Jesus se enraíza no Antigo Testamento, representado pela família de Zacarias, e continua na Igreja, com os discípulos daquele tempo e de hoje.
Começar e acabar no templo também combina com uma característica própria de Lucas: é um evangelho que destaca muito a ação do Espírito Santo.
Como foi apresentado na edição anterior, uma característica própria do Evangelho de Lucas é que a salvação é oferecida para todos, sem excluir ninguém. Outras ações também aparecem de forma bastante claras: o anúncio da alegria que vem com Jesus, a atenção oferecida às pessoas, incluindo mulheres e crianças. há explicitamente uma grande ternura.
Lucas começa o Evangelho anunciando a alegria do nascimento: Hoje vos nasceu na cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor! Uma boa noticia.
Jesus adulto também foi boa notícia para muita gente que ele curou, perdoou, acolheu, socorreu. Mas o anjo diz que ele é boa notícia para todo o povo. De fato, a grande notícia, para aquele povo e para todos os povos de todos os tempos, é o amor de Deus tornado visível através de Jesus.
Os pastores respondem à boa notícia também com uma visita: vão ver o menino. Visitaram Deus naquela criança. Jesus crescido vai dizer que tudo que fizermos ao próximo necessitado é a ele que fazemos.
Só no Evangelho de Lucas que vamos encontrar o relato do menino Jesus perdido de sua família aos doze anos e encontrado três dias depois no templo. Também é somente lá que temos o acontecimento da expulsão de Jesus da sua cidade Nazaré (Lc 4,22-30).
Ao iniciar sua missão Jesus começa com os mais simples. Chama os pescadores. Mas continua o chamado e todos são incluídos: Jesus chama até o cobrador de impostos.
Como o chamado é para todos, ele não quer que ninguém se perca. Assim, Jesus é apresentado como o Messias, o ungido que veio proclamar a Boa Nova junto aos pobres, presos, cegos e oprimidos. A salvação oferecida por Jesus como "dom" inicia desde o seu nascimento. Salvação, portanto, não deve ser entendida como algo somente para depois da morte, mas que se inicia já aqui e que nos convida a vivencia-la e testemunhá-la no nosso cotidiano. A preocupação de Jesus é a salvação da pessoa integral, ou seja, a pessoa toda. Assim, a palavra 'pobre' não se refere somente à situação econômica, mas também à pobreza como fruto da opressão (Lc 6,20; 7,22; 18,22; 19,8). Na categoria de pobres estão incluídos todos os excluídos.
Várias são as ações de Jesus que nos convocam para o cuidado e a ternura para com o Outro. Na parábola do bom samaritano (Lc 10,3-37) temos uma forma exemplar do pedido de Jesus: "Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso". Nesta invocação Jesus nos chama para a prática do amor: o amor de Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo. Com esse ensinamento Jesus nos transporta para o amor além fronteiras, ou seja, sair do nosso mundinho, das relações só com nossos familiares e percebermos que a nossa responsabilidade se amplia para as diversas realidades onde os seres humanos necessitam de nós.
Ouvindo o Papa Francisco, ele nos diz em sua Misericordiae Vultus & 19: "Não caiais na terrível cilada de pensar que a vida depende do dinheiro e que, à vista dele, tudo o mais se torna desprovido de valor e dignidade. Não passa de uma ilusão. Não levamos o dinheiro conosco para o além, O dinheiro não nos dá felicidade...".
O Evangelho de Lucas nos ajuda a celebrar bem o mistério pascal sendo o único a dizer que a Ascensão acontece quarenta dias após a ressurreição e que Pentecostes se dá a cinquenta dias após a ressurreição. Nele também encontramos a força da Palavra de Deus. A "Palavra" para Lucas e Atos não é apenas logos (no sentido grego), mas é dabar (no sentido hebraico): uma palavra eficaz que organiza o caos, cria vida nova e transforma a realidade.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora da Comissão Bíblico-catequética da Arquidiocese de Belo Horizonte.
No Evangelho, Lucas ao falar da salvação ele a relaciona sempre com a pessoa de Jesus. Desde o início o leitor sabe que Jesus é o salvador (2,11; At. 5,31). Que Ele é a visita de Deus para beneficiar o seu povo.
Em Lucas, Jesus está sempre perto dos publicanos e dos pecadores. Percebe-se, em suas atividades, a prática de sua bondade e de sua misericórdia manifestadas de maneira particular em relação à mulher pecadora na casa de Simão (7,36-50). Também encontramos em Lucas a experiência de conversão vivenciada por Zaqueu, o chefe dos publicanos. Este é um exemplo da vontade de Jesus de reabilitar todos aqueles que vivem afastados de Deus, como indicam suas palavras: "Hoje a salvação entrou nesta casa" (19,1-10). No relato da morte de Jesus Lucas deixa claro o momento em que Jesus perdoa os seus perseguidores (23,34), prometendo o paraíso ao ladrão arrependido.
Aprendemos com Lucas que Jesus é aquele quem sempre toma a iniciativa do perdão, manifestando que a salvação é um dom gratuito de Deus. A salvação de que Lucas fala está relacionada com as atividades de Jesus, seja por meio dos milagres, ou operando conversões, agindo pelo poder da palavra e ou dando orientações sobre o caminho da salvação. Jesus está sempre preocupado em salvar a pessoa toda, na sua totalidade, um ser integral.
Quem é o discipulado cristão?
Os discípulos de Jesus reconhecem o dom doado da graça salvífica de Jesus e percorre com ele o caminho. Mulheres, homens, crianças são chamados para o discipulado, seguimento a Jesus no compromisso com o Reino de Deus (1,17-20), 2,14; 15,40-41).Trata-se de um Evangelho aberto para as nações, e o discipulado deve colocar-se nesse caminho.
O Evangelho aponta para as consequências, não apenas da práxis e do caminho de Jesus, mas também dos discípulos (8,31-9,1 – resistência e renúncia; 9,31-37 – ensino e serviço, 10,32-45 – inversão de valores e relações). Assim como o Evangelho de Jesus não objetivou pompa e glória, mas culminou na cruz, da mesma forma o discípulo deve se colocar a caminho em humildade e resistência.
Participar do Reino e da vida eterna depende, porém, da re-ação de cada pessoa ao chamado, á aceitação e à inclusão manifestas por Jesus, o Filho de Deus, por meio de anuência ou rejeição.
Quem se decide seguir Jesus manifesta-se numa nova práxis libertadora (1,31; 2,6-14; 6,12-13; 10,22; 15,40-41).
Os discípulos vão aprendendo na caminhada e nos acontecimentos que a fé é, pois, a atitude pedida ao ser humano para que a graça de Deus possa manifestar todo o seu poder libertador. Fé e salvação caminham juntos significando que a salvação é verdadeira na medida em que atinge a totalidade da pessoa, também na sua dimensão religiosa. Segundo Lucas, é possível amar somente porque a ação de Deus transformou o coração humano. Vários são os ensinamentos sobre a salvação transformadora, mas se torna evidente aquela ocorrida no interior de Zaqueu. Este realmente recebeu Jesus em sua casa com muita alegria e prometeu dar metade de seus bens aos pobres. Após essa transformação é que Jesus diz: "hoje a salvação entrou nesta casa".
A perspectiva comunitária da salvação
No Evangelho também encontramos a perspectiva da salvação comunitária. Percebe-se que, por ocasião do nascimento de Jesus, os anjos anunciam uma grande alegria que é para todo o povo. Semeão, ao colocar os olhos no menino Jesus, reconhece nele a salvação para todos. Desde o início do Evangelho , Lucas deixa claro que a salvação é dirigida a todas as nações. O próprio Jesus confirma, profeticamente, que todos os povos terão lugar à mesa do reino de Deus. (13,29).
Os discípulos e as discípulas de Jesus conservaram, no coração e na memória, o que Jesus fez e ensinou. Eles sentiram -se chamados e escolhidos para fazer parte do novo povo de israel. E a partir da experiência de Jesus vivo no meio deles, pela ação do Espírito Santo, tornaram-se missionários ardorosos no mundo conhecido de então.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora da Comissão Bíblico-Catequética da Arquidiocese de Belo Horizonte
In: Opinião e Notícias 24.02.2017
Podemos perceber que o primeiro sinal da presença de Jesus no mundo, após sua ascensão, são as comunidades formadas por seus seguidores e seguidoras. Desde então, as comunidades continuam sendo e sempre serão sinais da presença viva e atuante de Jesus ressuscitado. Com a comunidade Lucana, não poderia ser diferente.
Mas quem é o evangelista Lucas? Lucas não pertence ao grupo dos 12. Mas foi companheiro de missão de Paulo. Lucas não conheceu Jesus, não caminhou com ele, mas aprendeu a amá-lo através dos ensinamentos de Paulo. E depois de ter feito a experiência com o Cristo ressuscitado, agora ele vai escrever sobre Jesus e sobre a caminhada dos Apóstolos, pois é atribuído a ele a redação do livro dos Atos dos Apóstolos.
A comunidade para a qual o evangelista Lucas escreve foi formada de cristãos que fizeram o processo de conversão diretamente do paganismo e não do judaísmo. Por isso, não vamos encontrar em seu Evangelho muitas referencias sobre o Antigo Testamento. Os pagãos não tinham conhecimento da forma de vida dos judeus.
Como Jesus é apresentado pela evangelista Lucas?
Para a comunidade Lucana Jesus é o salvador da humanidade (2,11). Quando Jesus toma a decisão de ir para Jerusalém, no seu percurso ele vai construindo um verdadeiro caminho de salvação. Ele é o enviado para a missão salvífica. É o ungido pelo Espírito Santo. No caminho, o anúncio da Boa Nova acontece.
Lucas apresenta um Jesus amigo do povo, que revela em palavras e ações a face misericordiosa do Pai. Um Jesus que está sempre atento ao que acontece ao seu redor. Prontamente procura atender a todos que querem conversar com ele: os pobres, os pecadores, as mulheres, publicanos e os marginalizados.
O reconhecimento de Jesus como salvador acontece quando, ao se aproximar de Jerusalém, ele cura uma pessoa fisicamente cega e, entrando na casa de Zaqueu, vence a cegueira espiritual do chefe dos publicanos (18,35-43; 19,1-10). Depois, ao entrar em Jerusalém Jesus tem exaltado sua dignidade real: "Bendito o que vem, o Rei, em nome do Senhor. Paz no céu e glória no mais alto dos céus"(19,38).
Também são vários os relatos em que Lucas apresenta Jesus como o servo sofredor, o justo entre os iníquos. Jesus se mostra consciente da sua morte próxima, compreendendo que sua atuação, não muito agradável às autoridades judaicas, pode terminar tragicamente.
Jesus é também apresentado como o Filho de Deus. Ele não é somente o profeta escolhido e chamado à entrega total de si mesmo, mas é reconhecido como o Filho que tem uma relação especial com Deus. Jesus age inspirado pelo Espírito Santo e também reconhece o amor gratuito de Deus (20,21-22). No evento do Batismo e da transfiguração é a voz de Deus que qualifica Jesus como "o Filho bem-amado" e "o Filho eleito" (3,22; 9,35).
O evangelista Lucas ainda fala do Jesus orante. Ele tem uma profunda relação com o Pai, veio para realizar a vontade dele e ora em várias circunstancias: Jesus fez suas orações quando foi tentado no deserto, quando foi se preparar para sua missão (Lc 4,1-13), na escolha dos doze (Lc 6, 12-13), na transfiguração (Lc 9,28-31) e na cruz (Lc 23,24). Nesse sentido Jesus também nos convida a orar nas várias circunstancias de nossa vida e nos convoca para sermos misericordiosos assim como ele foi e continua sendo, pois ele vive no meio de nós, assim como o encontramos no livro dos Atos dos Apóstolos: um Jesus como o Senhor ressuscitado, vivo e presente no meio das comunidades, pela força de seu Espírito.
Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora da Comissão Bíblico-catequética da Arquidiocese de Belo Horizonte
In: Opinião e Notícias 17.02.2017
Marcos foi o primeiro a redigir sua obra literária sobre Jesus e seu discipulado, criando o gênero literário próprio que passou a ser chamado de "Evangelho". Na leitura desse Evangelho, Marcos deixa claro o objetivo que ele quer alcançar: é o resgate e a importância do Jesus terreno para a vida das comunidades e para o anúncio da fé.
Nesse sentido sua preocupação era demonstrar como ser discípulo e se colocar no seguimento de Jesus. Preocupação que se torna presente, hoje, em nossa realidade, num contexto de pós-modernidade, subjetividade e pluralidade.
Marcos quer ajudar as comunidades a encontrar o caminho do seguimento. Ao ensinar, trás um jeito novo de contar as histórias de Jesus para que as comunidades possam se descobrir nelas como ser discípulas/discípulos de Jesus. Na apresentação do Evangelho, Marcos se preocupa não somente com a transmissão de doutrina ou princípios éticos de vida, mas com a revelação da pessoa, das palavras, dos gestos e da obra de Jesus. Aqui, Jesus age, cura doentes e expulsa demônios.
A importância do chamado ao discipulado
O chamado é importante. Jesus começa com um chamado (Mc 1,16-20) e termina com um chamado (Mc 16,7.15). Quando os discípulos não entendem alguma coisa, Jesus explica a eles dizendo: “A vocês é dado o mistério do Reino, mas aos de fora tudo acontece em parábolas” (Mc 4,11; 4,34). Jesus tem uma grande paciência com eles, mas ao instruí-los deixa bem claro em que implica segui-lo: "Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la"(8,35).
Depois de apresentar o ministério de Jesus, na Galileia e nas regiões vizinhas, Marcos apresenta os ensinamentos de Jesus mostrando quais deveriam ser as expectativas de quem quiser segui-lo: sair de casa e percorrer com ele o caminho da Judéia, subindo até Jerusalém. O momento é de decisão. Não basta apenas ficar do lado dele, como espectador, sem se comprometer. O convite é para se comprometer ao lado dele.
A caminhada missionária de Jesus e seus discípulos
No caminho, a missão vai acontecendo e Jesus, por meio de palavras e gestos vai instruindo-os e mostrando a necessidade de mudar a mentalidade, a cultura religiosa e a ideologia político-econômica. Jesus não só propunha, mas reivindicava inversão de valores.
As instruções de Jesus para o discipulado são radicais, insistem para não escandalizar a ninguém humilde/pequena, que crê em Jesus. Todas as formas de escândalos são condenadas porque se tornam empecilhos que desviam da graça de Deus. Jesus mesmo sempre se identificava como Filho do Homem, expressão que tem em si o sentido de humildade da condição divina, rejeitando qualquer interpretação glorioso-messiânicas sobre sua pessoa.
As características centrais do Filho do Homem e Mestre era curar, restaurar a vida e sua dignidade com base na compaixão e na fé. E os discípulos de Jesus que faziam o caminho junto com ele, rumo a Jerusalém, não entendiam como ele realizava as curas, principalmente de exorcismos. Ao pedir explicações para Jesus, sua resposta era que para a realização das curas, a centralidade é a fé e muita oração. Nesse sentido e para o Evangelho de Marcos, a oração não é só um recitar de palavras mágicas, e sim a própria expressão da fé que se manifesta diante de Deus. A oração exprime a união íntima com Deus e com o seu plano, porque só Deus pode desalienar a pessoa, vencendo o mal.
Ao falar das exigências do Reino, Jesus coloca a importância da diaconia/serviço: o maior deve ser o servidor de todos; poder e riqueza são obstáculos à sua participação. "Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mc 10,45). Jesus chama a atenção não para o status social, mas para o serviço e procura ressaltar a importância de participar da luta contra o mal. Jesus ensina que no Reino de Deus não há acepção de pessoas, nem privilégios para quem ocupa melhor status sociocultural. Ao contrário, há espaço e acolhida para quem realmente quer viver e vivenciar a novidade da Boa Nova, o Evangelho. E assim Jesus preparava o seu grupo para aquilo que seria inevitável enfrentar na capital, em decorrência de sua práxis de libertação: a cruz.
No caminho de inversão, é inevitável passar pela cruz. Foi necessário um longo caminho de ensino e aprendizado. No caminho de formação discipular, sempre de novo homens e mulheres tiveram que aprender a se tornar novos homens e novas mulheres, a construir novos valores e novas posturas, orientados pelos ensinamentos da práxis libertadora de Jesus. Os conflitos continuam, mas sempre serão criadas novas esperanças de fraternidade e não de destruição e opressão, se permanecermos fiéis ao projeto de Jesus, mesmo quando as forças contrárias parecerem serem invencíveis.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora da Comissão Arquidiocesana
Bíblico-catequética de Belo Horizonte.
In: Opinião e Notícias 9.02.2017
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