O quarto evangelho é um evangelho refletido e comentado pelo próprio autor. Seus comentários levam o leitor a superar o nível da narrativa, a reconhecer sentidos mais profundos no texto, a perceber o simbolismo e interpretar o texto.

No evangelho de João encontramos muitas metáforas, símbolos e figuras. O simbolismo é a característica do Evangelho de João. Através de metáforas, ele procura mostrar quem é Jesus para nós, para nossa comunidade. Os milagres em João, chamados “sinais”, têm por objetivo mostrar quem é Jesus, o Senhor Ressuscitado. Os sinais colocam o mundo diante da opção a favor ou contra Jesus, sendo que não basta crer somente por causa dos sinais; importa descobrir o valor profundo de Jesus, o Dom que ele traz e que é ele.

Em comparação com os outros evangelhos chamados "sinóticos" percebemos que João não os usou como Mateus e Lucas usaram o evangelho de Marcos, como escrito básico de sua redação. O que João fez é uma reinterpretação da narrativa dos outros evangelhos.

 A Palavra de Deus se fez Homem

João inicia o seu evangelho dizendo: A PALAVRA se fez homem (ou: “O Verbo se fez carne”) e habitou entre nós (“Fez sua tenda entre nós”). É a Palavra de Deus se tornando existência humana.  A palavra comunica, interroga, quer dialogar. Deus também quer nos falar, se comunicar conosco. Quando é que Deus nos fala?

Deus nos “fala” pela criação, sua beleza, sua organização. Basta olharmos ao nosso redor para  percebermos a beleza da criação. Contemplar uma bela paisagem, uma flor, a natureza, os rios,  um céu estrelado, as ondas do mar.

Deus nos fala através das pessoas. Cada um de nós é uma “palavra” de Deus para o outro. Antes Deus falava  ao seu Povo através dos profetas. Podemos observar como o Antigo Testamente está cheio de belos e grandiosos textos dos profetas que enfatizavam, a cada hora: “Oráculo do Senhor”.

Quando dizemos que Deus fala é através de uma linguagem metafórica, pois ninguém ouviu a voz de Deus. Não se trata de uma voz humana. Mas, ao se comunicar conosco, Ele o faz por meio de nós mesmos e por meio dos sinais e fatos da vida.

Quando lemos a Bíblia, sabemos que é Deus quem fala. Já no primeiro capítulo da Bíblia, lemos: “E Deus disse: faça-se a luz...” Quase não se encontra alguma página na Bíblia em que Deus não fale. Também os salmos são “Palavra de Deus”. É como um diálogo: a pessoa que reza dirige-se a Deus com palavras humanas, e Deus responde. Por exemplo, abram a Bíblia no salmo 85, 1 a 8. O orador fala. Dos vv 9 a 12 ouvimos o que diz o Senhor. Observem a beleza das palavras de Deus.

No Antigo Testamento Deus se comunica conosco de modo figurado, nos fala por meio dos anjos e  profetas. No Novo Testamento, o caminho que nos leva ao conhecimento de Deus é Jesus. Quando João diz que a Palavra de Deus se fez homem, ele quer dizer que Deus fala a nós, de modo especial, na pessoa de Jesus, através de suas palavras, suas atitudes, sua morte e ressurreição. Jesus é a Palavra do Pai, suprema revelação de Deus para nós.

Encontramos em Jo,14,5-10 Jesus, num diálogo com Felipe, dizendo: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim. Se me conheceis, conhecereis também o meu Pai. Desde já o conheceis e o tendes visto". E quando Felipe pede a Jesus para que lhe mostre o Pai, ele responde: "Filipe, há quanto tempo estou convosco, e não me conheces: Quem me vê, vê o Pai. Não acreditas que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As Palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo: é o Pai que, permanecendo em mim, realiza as suas obras."

Em João, as narrações têm um sentido muito profundo. Não podemos ficar somente em uma leitura literal senão corremos o risco de perdemos a profundidade da mensagem de Jesus,  no seu Evangelho.

Do mesmo jeito que o Pai permanece em Jesus, Também Jesus nos convida a permanecermos Nele. Em João 15,4-5 encontramos esse convite:
“Permanecei em mim e eu permanecerei em vós.
Quem permanece em mim, como eu nele, esse dá muito fruto,
pois, sem mim nada podeis fazer.”

Em Jesus encontramos a Palavra de Deus. Ele é a Palavra de Deus dirigida a nós. Nele temos a revelação do Pai.


Neuza Silveira de Souza
Coordenadora da Comissão Arquidiocesana Bíblico-Catequética de Belo Horizonte

In: Opinião e noticias 17.03.2017