Você já deve ter lido e ouvido muitas vezes a narração da Anunciação do anjo Gabriel à Maria, que está em Lucas 1,26-38. As catequistas e outros evangelizadores comentam sobre o “sim” de Maria, e falam que ela respondeu prontamente ao apelo de Deus. Isso é verdade. Mas a jovem de Nazaré não deu seu consentimento a Deus de qualquer jeito, sem pensar. O evangelista, servindo-se do gênero literário de vocação e de missão na bíblia, mostra que houve um diálogo demorado. Quanto tempo durou, e como se deu em detalhes, não se sabe. Deus tomou a iniciativa, veio ao encontro de Maria. Fez uma pro-posta para ela. E Maria, refletiu, questionou e por fim, deu uma res-posta. Acontece também assim quando duas pessoas se enamoram. Começa com o encantamento. Depois, os olhos os olhos, a aproximação, até que um toma a iniciativa de propor o relacionamento amoroso. Na fé, é Deus que sempre toma a iniciativa, nos seduz e nos convida.
Coloque-se no lugar de Maria. Quando menos espera, você recebe uma comunicação, uma proposta de Deus, que não imaginava antes. Qual seria sua primeira reação? Uma pessoa normal sentiria um choque, uma sensação de estremecimento e insegurança, como se de repente o chão tremesse. “Será verdade, ou estou imaginando coisas?” Assim também se passou com Maria. Ela “perturbou-se” ao ouvir a saudação de Gabriel (Lc 1,29). Mas não ficou imobilizada. Logo começou a pensar o significado da saudação: “alegre-se, agraciada, o Senhor está com você!” (Lc 1,28). Então Deus, através de seu enviado, lhe diz para não ter medo, pois ela encontrou graça diante do Senhor, e será a mãe do messias. Como aconteceu com Maria, algo parecido se passa com cada cristão. Ao mesmo tempo em que ele se assusta diante das exigências da missão confiada, tem uma certeza de que é agraciado, de que Deus ao seu lado, e então não precisa ter medo.
Embora seja uma mulher muito jovem, Maria sabe como acontecem as realidades humanas. Não é boba, nem ingênua. Pureza não quer dizer “ignorância”. Para ter um filho, seria necessário estar engajada num relacionamento conjugal. E ela ainda era noiva de José. Então pergunta: “Como se fará isso, se eu não tenho relações sexuais com ninguém?” (Lc 1,34). Mais do que simples pergunta, revela-se aqui um traço da personalidade de Maria: ser uma pessoa questionadora. Ela não aceita sem pensar. Quer saber em que chão vai pisar, para assumir seu compromisso de forma livre e consciente. Então, Gabriel lhe explicar sobre a concepção virginal, sob ação do Espírito Santo.
Por fim, Maria responde com firmeza: “Eis aqui a servidora do Senhor”. Quando adulto, Jesus se apresentará “como aquele que serve”. Sua mãe já vive esta atitude do mestre. Ela não quer ser rainha, nem se deixa levar pelo orgulho e pela vaidade. Simplesmente, quer servir a Deus. Por isso, completa a sua resposta, dizendo: “Eu quero que se faça em mim segundo a sua vontade” (Lc 1,38). Aqui, novamente, o evangelista Lucas vê no gesto de Maria aquilo que vai orientar toda a vida de Jesus: buscar fazer a vontade do Pai, que algumas vezes não era tão clara, nem fácil. Exigia discernimento, com tempo de silêncio e oração. Especialmente, antes de tomar grandes decisões. Assim, o autor da Carta aos Hebreus relembra que Jesus realizou o que o Salmo 40 prenunciava: “O Senhor não quis sacrifícios de sangue. Ele me abriu os ouvidos e eu disse: Eis que venho para fazer sua vontade” (Heb 10,7).
Quando você ler novamente o texto da Anunciação, lembre-se que o “sim” de Maria não foi automático, feito de qualquer jeito e sem pensar. Ao contrário. Aconteceu em um diálogo com Deus. Maria escuta seu chamado, deixa-se surpreender pelo Senhor, se perturba, vence o medo, questiona e então responde com inteireza. Que Maria, a jovem de Nazaré, nos ensine a dar um sim consciente a Deus. Amém!
Afonso Murad
Irmão Marista, teólogo e especialista em mariologia
Mais uma vez é Semana Santa. O que ela tem de santa? Nada de santa se a nossa vida não se aproximar da vida do Santo Filho de Deus, que morreu e ressuscitou possibilitando a todos saírem dos seus túmulos existenciais. Nada de santa se a nossa vida não melhorar. Para algumas pessoas ela será só uma semana como as outras do quotidiano, sem um significado especial, ou será uma semana com feriado prolongado. Mas, quem desejar, perceberá o significado desta semana e procurará viver a mística que dela emana. Nela celebra-se o maior ato de amor de Deus pela humanidade e por todo o mundo que Ele criou. A humanidade e a natureza a partir do facto central celebrado nesta semana ficou profundamente mergulhada no mistério da redenção. Segue-se uma história dos redimidos pelo amor grande de Deus.
Esta semana merece ser vivida em clima de muita oração, contemplação, esforço de conversão e convivência fraterna. A oração, como disse Paulo VI, faz-nos respirar na graça. Através dela a leveza de Deus suaviza a vida dos peregrinos. Com esta grande Semana chega-se, para nós, o tempo de rezar contemplando a redenção.
Pelo esforço de conversão, o ser humano percebe que não está completo. Há um longo caminho a percorrer para todas as pessoas. Como disse Sartre «o ser humano é inacabado, é incompleto do seu nascimento até sua morte». Pelo esforço de conversão é possível corrigir as deformações pessoais e aquelas que na nossa fragilidade provocamos nos outros e na natureza. Vivendo desta forma pode dizer-se que está iniciado, desde já, o processo de convivência fraterna que culminará na eternidade. A vivência entre irmãos que se amam é repleta de ternura. Como é bom os irmãos viverem juntos, numa só fé, com muita esperança e cheios de amor! (Cf. Salmo 133).
Nesta semana maior da Igreja celebramos o mistério central da nossa fé. Do Domingo de Ramos até Quinta-feira Santa, completamos o grande retiro quaresmal iniciado na Quarta-feira de Cinzas e vivido na perspetiva do crescimento cristão. Com a missa da Ceia do Senhor, na Quinta-feira à tarde, inicia-se o Tríduo pascal da morte e ressurreição do Senhor. O cume de todas as celebrações desta grande semana é a Vigília Pascal na noite do Sábado Santo. Esta Vigília desdobra-se na alegria do Domingo da Ressurreição e nos cinquenta dias do Tempo Pascal até ao Pentecostes sagrado. Este tempo pascal é considerado como que um único e grande domingo. O ritmo pascal envolve a todos na dança alegre das pessoas que têm um rosto iluminado pela fé na ressurreição.
Vamos viver cheios de esperanças esta semana especial da Igreja com o desejo de revigorar a vida cristã. Vamos entrar na Páscoa com semblantes de ressuscitados. «No Domingo de Páscoa tem-se a oportunidade para o ser humano deixar-se ser tocado pelo triunfo de vida sobre a morte. Cristo venceu a morte. Este é um bom dia para se semear uma flor» (Rubem Alves).
D. Messias dos Reis Silveira
Bispo de Uruaçu, Brasil
In: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Publicado em 30.03.2015
“Lembre-se, VOCÊ também é Igreja”.
Este foi o lema da primeira Campanha da Fraternidade, em 1964. Então, os bispos brasileiros, tocados pelos ventos de renovação que vinham do Concílio Vaticano II, em Roma, propunham uma profunda reforma na Igreja, mudando a ideia de que ela era formada somente pelo Papa, os bispos, os religiosos e religiosas. Igreja somos todos nós, discípulos seguidores de Jesus Cristo. E é como cristãos e, portanto, como Igreja, que nos fazemos presentes em todas as realidades humanas, inclusive na Política.
Mas falar em Política, hoje, no Brasil (ou será desde sempre?), provoca arrepios. Corrupção, incompetência, mentiras, arrogância, manipulação, tudo isso faz parte do cardápio, tanto do governo quanto da oposição. Aliás, em muitas situações, nem se sabe quem é governo, quem é oposição.
A situação é crítica, o momento é grave. Diante desse quadro, como deve agir o cristão?
Queremos mudança, e não revezamento. E a mudança só virá se uma profunda, verdadeira e saneadora Reforma Política acontecer.
É o que propõe a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, junto a mais de cem outras entidades que representam a sociedade civil.
Confira o projeto de lei, o formulário para assinatura no link:
http://www.reformapoliticademocratica.org.br/conheca-o-projeto/
É possível baixar a cartilha e encaminhar para todos os catequistas, também baixar o formulário de assinatura para o grupo de catequistas assinar e, depois, enviar assinado para o endereço que consta no site.
Eduardo Machado
Educador, escritor e diretor da formação cristã no Colégio Imaculada em BH.
Começou dia 20 deste mês (sexta-feira) a "Semana de Mobilização pela Reforma Política Democrática". Seu objetivo é conseguir um 1,5 milhão assinaturas para a proposição do Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política e Eleições Limpas.
Esse movimento de apoio ao projeto foi lançado no final de agosto do ano passado, pela Conferên-cia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), pela Plata-forma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político e por mais 98 entidades da sociedade civil. Poucos dias depois – isto é, a 9 de setembro de 2014 –, numa entrevista que dei à Imprensa, a Arquidiocese de São Salvador da Bahia anunciou sua adesão a esse Projeto de Lei.
Para quem ainda não tomou conhecimento, a Reforma Política Democrática defendida por essas entidades pode ser resumida em quatro pontos: 1) financiamento das campanhas dos candidatos; 2) eleição em dois turnos: um para se votar em um programa e outro, para se votar em uma pessoa; 3) aumento de candidaturas de mulheres para cargos eletivos; 4) regulamentação do Artigo 14 da Constituição, com o objetivo de se melhorar a participação do povo brasileiro nas decisões mais importantes, por meio de Projetos de Lei de iniciativa popular, de plebiscitos e de referendos, mesclando a democracia representativa com a democracia participativa.
Os pontos defendidos pelas entidades e grupos que assumiram essa proposta poderiam, naturalmente, ser diferentes, em maior número ou mais amplos. No entanto, a proposta final foi a síntese a que elas chegaram, depois de inúmeras reuniões e debates. Se tais pontos não resolvem todos os problemas que nos preocupam no momento atual, servirão, no entanto, para darmos um importante passo para um novo tempo. As notícias que entram diariamente em nossas casas, a respeito do desvios de enormes quantidades de dinheiro para o financiamento de eleições, nos mostram que é melhor procurarmos o possível, já que o ideal é mais difícil. Afinal, como diziam os romanos, há 2 mil anos: "O ótimo é inimigo do bom". No futuro, outros passos poderão ser dados para o aperfeiçoamento de nossa Democracia. Não exagero ao afirmar que, nesse campo, a CNBB poderá oferecer uma preciosa contribuição, como a deu no tempo da Constituinte, com o texto "Por uma nova ordem constitucional".
É bom frisar que o Projeto de Lei que está esperando assinaturas – a sua, inclusive –, para poder ser apresentado em Brasília, não está vinculado a nenhum partido político, embora não haja restrição ao apoio de bons políticos. Os que já assinaram demonstraram estar convictos de que uma verdadeira reforma política melhorará a realidade política brasileira e possibilitará a realização de várias outras reformas necessárias ao país como, por exemplo, a tributária.
Quem quiser conhecer melhor o Projeto de Lei em questão, pode acessá-lo pela internet, onde pode ser baixado, inclusive, o Formulário de coleta de assinaturas e o endereço para onde deverá ser encaminhado. Por ele, também pode ser obtido e assinado em sua Paróquia. Em qualquer circunstância, é importante que você tenha em mãos o título de eleitor porque, além da assinatura, você deverá anotar dados como número desse documento, a zona, a seção e o nome do município onde você vota.
Enfim, como lembrou Dom Joaquim Mol, Bispo Auxiliar de Belo Horizonte e coordenador da Comissão da CNBB para o Acompanhamento da Reforma Política, "Precisamos fazer isso com alegria, com esperança, iluminados pela nossa fé em Jesus Cristo, que veio para que todos tenham vida em abundância. Por isso precisamos rezar e celebrar nesta intenção em nossas comunidades".
Mãos à obra, pois!
CNBB, 20-03-2015.
*Dom Murilo S. R. Krieger é arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil.
“EU VI O SENHOR” (Ano B)
(Jo 20, 1.11-18)
(Reflexão para o tempo da Páscoa)
Introdução
Esta reflexão, própria para o primeiro dia da Páscoa, talvez seja feita melhor individualmente, no meio da natureza, num jardim.
“Beba” o silêncio do lugar, prepare-se para um encontro pessoal com o Senhor Ressuscitado. (Se for com mais pessoas, procurem guardar os momentos de silêncio, oração, leituras...)
Leia, agora, devagar, o texto citado acima procurando saborear a sua beleza e profundidade.
Este Evangelho segue, com liberdade, o esquema da esposa do Cântico dos Cânticos”. Agora, vamos deixar-nos inspirar por este livro. É uma coleção de poesias de amor que foram lidas nas sinagogas, na festa da primavera (em Israel), a Páscoa. Na tradição judaica o Canto significa o amor entre o povo eleito e Deus. Na tradição cristã, simboliza o amor entre Cristo e a Igreja (a comunidade).
O assunto não é o casamento, mas o amor. (Leia na sua Bíblia a introdução ao Livro dos Cânticos, para maior esclarecimento)
Para aproveitar do melhor modo esta reflexão, é necessário ler todos os textos citados do Livro Cântico dos Cânticos.
Já perceberam que somente no Evangelho de João se fala que Jesus foi enterrado num JARDIM (Cf. Jo 19,41)? O jardim perpassa todo o livro dos Cânticos, e o evangelho também fala de um jardim (Ct 5,1; 6,1-2; 7,11-14). Faz lembrar também o Paraíso terrestre, talvez fundamentado no Gn 2,23-24.
Vamos agora, passo a passo, acompanhar Maria Madalena na sua procura de Jesus
Ela é uma das três mulheres que estiveram junto à cruz. Ela esperou todo o sábado e a noite do dia seguinte, mas se levanta apressadamente de madrugada (Sl 63,2).
O versículo 1 diz que no primeiro dia da semana, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra havia sido retirada do túmulo. Maria ficou do lado de fora, chorando.
Ainda estava escuro. Escuridão, no Evangelho de João, simboliza não somente a escuridão exterior, mas também interior. O coração de Maria estava no escuro, triste por causa dos últimos acontecimentos.
Maria viu dois anjos que lhe perguntaram: “Por que choras?” Ela respondeu: “Levaram meu Senhor e não sei onde o colocaram”. (Verifiquemos agora, no Livro dos Cânticos, 3,1-4, a angústia da amada.)
Maria virou-se e viu Jesus, mas pensou que era o jardineiro (referência ao jardim). Perguntou novamente: “Senhor, se foste tu que o levaste, dize-me onde o colocaste, e eu irei buscá-lo”.
Neste momento, se deu o feliz encontro. Jesus pronunciou seu nome, e ela reconheceu o Senhor. Exclamou: “Rabuni” (Mestre).”É a voz do meu amado” ,diz o Cântico (2,8). É a voz do pastor que conhece suas ovelhas, diz João 10,3).
O livro Cântico dos Cânticos termina com uma linda exclamação de amor que é para ler e meditar agora: Ct 8,6-7.
O envio
Jesus disse a Maria: “Vai dizer aos meus irmãos: ”subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. E Maria foi anunciar aos discípulos: “EU VI O SENHOR!”. Maria tornou-se assim a primeira anunciadora da ressurreição.
Será que anuncio a alegria da ressurreição através de meu testemunho de vida? Posso dizer, como Maria: Eu vi o Senhor, eu ouvi sua voz e ele me chamou pelo nome?
Na catequese e no trabalho na comunidade faço ressoar a voz do Senhor Ressuscitado, despertando para alegria e esperança?
Leia de novo o texto do Evangelho. Coloca-se diante do Senhor com toda a atenção como Madalena. Fique na sua presença um bom tempo. Leia duas vezes com muita atenção Ct 8,5-7).
(Em caso de mais pessoas presentes:) Tempo para preces espontâneas e um canto da ressurreição.
Inês Broshuis
Comissão Bíblico-Catequética do Regional Leste 2
1. Organizar formação para as catequistas sobre o tema da Campanha e combinar o que a catequese irá fazer. Pensar em ações transformadoras, mesmo que sejam pequenos gestos.
2. Utilizar o subsídio para Encontros Catequéticos com crianças e adolescentes e Jovens na CF para a Crisma, disponibilizados pela CNBB.
3. Incentivar a produção de peças de teatro sobre o tema. A solidariedade, o compromisso com a vida pode ser o foco da apresentação.
4. Músicas:
- O Sal da Terra; Sementes do amanhã; Eu só peço a Deus
Outras Atividades com o tema da Campanha:
a) Construir um mural em mutirão sobre o tema;
b) Incentivar a produção de poemas, pinturas, maquetes, dança, paródias, músicas...
c) Pedir para pesquisar sobre o assunto na Internet. Indicar sites interessantes que mostram a atuação da Igreja na transformação das realidades:
- ver sites da própria diocese e paróquias
- site da Cáritas brasileira: http://caritas.org.br/
d) Promover um debate sobre o tema da CF;
e) Identificar pastorais sociais da Igreja no Brasil e na comunidade (conhecer as atividades que realizam).
f) Ler o discurso do Papa Francisco aos jovens na abertura da vigília da JMJ 2013.
g) Filmes: Elysium (um cidadão pobre da terra tem um plano de invadir a estação espacial luxuosa Elysium e trazer igualdade entre as pessoas da terra que também tem direito de vida digna)
- Tropa de Elite 2 – O inimigo é outro – (gestão e segurança pública, banalização da vida, os valores e contravalores vividos no mundo político são os principais temas abordados).
h) Utilizar estórias infantis sobre o tema.
i) Ler o Estatuto das crianças e adolescentes.
Com a Quarta-feira de Cinzas entramos no Tempo da Quaresma. O que sabemos ou lembramos em relação a esse Tempo?
Na minha infância era um período de muitos “nãos”.
- Não pode comer carne, menino, é pecado. Não pode comer muito, tem que fazer jejum. Não pode cantar, nem jogar bola, nem ficar feliz; Jesus morreu na cruz, não sabia?
Mas a gente sempre dava um jeitinho...
No lugar do bife ou da carne moída, uma lauta bacalhoada ou uma estupenda peixada (pra quem podia $, claro). Ficar triste era o mais difícil. Eu era moleque de rua, numa época em que ser moleque e estar na rua eram as coisas mais saudáveis e divertidas do mundo.
Assim, ao meu olhar infantil, a Quaresma era um tempo diferente, com as imagens da igreja cobertas por um pano roxo, uma “coisa” esquisita, principalmente para quem não entendia o “espírito” da coisa.
Para muita gente, adultos inclusive, até hoje é assim. A Quaresma se resume a um conjunto de práticas das quais se perdeu o significado mais profundo. O jejum virou dieta, a abstinência de carne permite variar o cardápio, a oração virou promessa, a esmola, alívio para a consciência.
Mas o que é, afinal de contas, a Quaresma? Que “espírito” está por trás dessa tradição?
Visão teológico/catequética
No calendário litúrgico da Igreja, Quaresma é um período, um “tempo” de 40 dias que vai da quarta-feira de Cinzas até o Domingo de Ramos, que abre a Semana Santa. Ou seja, na pior das hipóteses, o Tempo da Quaresma serve pra gente calcular quanto tempo falta para o próximo feriadão; 40 dias.
Mas, é mais. Começando pelo número quarenta, que tem um significado especial na linguagem bíblica, simbolizando purificação e renovação.
Antigamente, antes do desenvolvimento das vacinas e dos antibióticos, uma das formas de evitar a transmissão de doenças era colocar as pessoas com suspeita de moléstias contagiosas em “quarentena”, afastadas, isoladas das outras, até que se recuperassem, que estivessem curadas.
Na parábola da Arca de Noé (Gn 7,17-24), por quarenta dias caíram as águas do dilúvio sobre a Terra, preparando uma nova Criação.
Por quarenta anos o povo hebreu vagou pelo deserto (Nm 33,1-39), guiado por Moisés, até chegar e conquistar a Terra Prometida.
Jesus ficou 40 dias no deserto, em jejum e oração (Mt 4,1-11), preparando-se para iniciar sua vida pública.
O Tempo da Quaresma é, pois, um tempo de purificação e preparação que nos leva à festa maior do Cristianismo, a Páscoa, mistério maior da Fé Cristã. Mas alguém pode perguntar: a maior festa cristã não é o Natal?
Não, no Natal celebramos a vida que nasce em Jesus. Na Páscoa, celebramos a vida que renasce por Jesus, que vence a morte, superando todos os limites da experiência humana.
No Natal Jesus nasce. Torna-se um homem como tantos. Vive sua vida no meio de nós. Suas ideias e ações o colocam em confronto com os poderosos do seu tempo. O conflito é inevitável. As consequências também. Ele é preso, julgado, condenado e morto. Seu corpo é colocado num túmulo.
Vamos lembrar e celebrar tudo isso na Semana Santa.
Até aí, Jesus é um personagem que, como tantos outros na História, deu a vida por suas ideias, por seus ideais.
Quantas pessoas podemos lembrar que viveram e até morreram por um ideal, por um sonho, pela liberdade, pela dignidade humana? Pessoas que são a força de uma família, de um grupo, de uma comunidade; pessoas que são luz e que geram vida para outras pessoas. São “pessoas pascais”, que professam, inclusive, outras crenças e religiões.
Essas pessoas viveram e até morreram por causa das suas ideias, dos seus ideais. Jesus também. Mas, na madrugada daquele domingo, Ele salta da História para revelar o mistério maior, o mistério da Fé:
Jesus está vivo. POR Ele, COM Ele e NELE, a Vida RENASCE. E para sempre, pois os dons de Deus são assim, irrevogáveis.
Por isso nos preparamos, durante a Quaresma, para celebrar a Páscoa. No Brasil, desde 1964, essa caminhada é feita tendo como ‘mapa do caminho’ a temática da Campanha da Fraternidade. Mas, vamos lembrar esse caminho que vem de longe, num passeio pela memória, um olhar sobre a História...
Páscoa e Pêssach: um passeio pela História
A primeira experiência pascal é do povo hebreu, cerca de 1300 anos antes de Cristo. Muita gente se lembra de alguma coisa dessa história. A saga dos descendentes de José do Egito, que se multiplicaram em terra estrangeira e se viram submetidos a cruel escravidão. Deus VÊ a realidade do seu povo, ouve o seu clamor e se compadece.
E do olhar, à ação: Deus toca o coração de Moisés e o envia como o libertador. Vem então o confronto com o Faraó, as pragas e flagelos. No último, o Anjo do Senhor passa e fere de morte os primogênitos do Egito, inclusive a casa do Faraó, que, vencido, cede. Moisés inicia, então, a caminhada com o povo Hebreu em busca da Terra que Deus lhes prometera.
Mas o Faraó se arrepende e envia seus exércitos contra os fugitivos. Eles se veem cercados, acuados diante do Mar Vermelho. Mais uma vez, a força de Deus os conduz na travessia, numa passagem cheia de simbolismo. De um lado fica a escravidão, o sofrimento. Do outro, a promessa de uma terra onde jorra leite e mel, onde se poderá viver em liberdade, louvando o Deus de Israel.
Conquistada a terra, o povo hebreu assimila essa história e a transforma em rito no qual relembra, todos os anos, a passagem (Pêssach) (Passagem), da escravidão para a liberdade. É a Páscoa, que os judeus celebram até hoje.
A Páscoa cristã
Mais de mil anos depois de Moisés, encontramos Jesus com seus amigos ao redor de uma mesa. Como bons judeus, eles se reúnem para celebrar a Páscoa Judaica. O rito é cheio de gestos, cantos, símbolos e alegria. Toda uma história que começou na casa de Abraão é ali celebrada. À mesa, ervas amargas lembram a escravidão. Mas o cordeiro pascal, o pão, o vinho, falam de fartura e da alegria de ser o povo escolhido por Javé.
Mas algo misterioso acontece naquela ceia. Jesus, em dado momento, apropria-se dos símbolos da Páscoa Judaica e dá a eles outro sentido, mais amplo, universal. Já não é mais apenas um povo, fechado em si mesmo, em suas tradições, que é chamado a sentar-se à mesa do Senhor. Jesus convida a passar a uma ‘nova e eterna aliança com todos os homens...’.
Jesus Parte o pão e revela que o seu corpo também será ‘partido’. O vinho, brinde à vida, antecipa o sangue que será derramado em gesto de amor pleno. E ao final, Ele convida a fazer de tudo isso memória viva da sua presença; “Eu estarei com vocês todos os dias...”.
Desde então, desde sempre, Ele está no meio de nós...
As horas seguintes confirmam cada palavra dita ao redor daquela mesa. Em Jesus, uma passagem também acontece. Ele passa pela escravidão feita de traição, prisão, julgamento, tortura e condenação. Na cruz, o sinal de uma derrota aparentemente total. Aquele que passou pela vida fazendo o bem é agora prisioneiro de um túmulo de morte.
Mas, no amanhecer do domingo, o dia do Senhor... a travessia se completa. Passando da escravidão da Morte para liberdade da Vida, Deus faz a nova Páscoa acontecer. A Ressurreição é a Páscoa de Jesus de Nazaré.
Mas essa é outra história, ou melhor, a continuação da história que vamos celebrar no Domingo de Páscoa...
Eduardo Machado
É professor, escritor, mora em Belo Horizonte-MG
No mês de outubro de 2015, nós comemoramos o cinquentenário da conclusão do Concílio Vaticano II; concílio que enfatizou o diálogo entre a Igreja e a sociedade e reafirmou sua missão de servir. A Igreja nasceu do projeto salvífico de Jesus que, ressuscitado, enviou os discípulos, a anunciarem a todos, tudo o que dEle aprenderam. Esse é o serviço primeiro que a Igreja deve prestar ao mundo: anunciar a Palavra e a salvação realizada por Cristo. Sua missão primordial é, portanto, de cunho religioso evangelizador; um serviço à vida humana até que esta atinja sua plenitude, na comunhão com Deus. Decorrente desse evangelho, que permeia todos os aspectos da existência humana, emergem os inúmeros serviços que a Igreja presta ao mundo, em vista da promoção do bem, da justiça, da verdade, da paz, da defesa da vida; em uma palavra, todos os compromissos decorrentes do amor a Deus e ao próximo.
A Campanha da Fraternidade deste ano, vem situada nesse horizonte, como oportunidade de aprofundar esse compromisso cristão, de despertar cada pessoa para o serviço e, frente aos desafios de nosso tempo, aperfeiçoar o próprio modo que toda Igreja tem de servir.
Estar a serviço é uma atitude decorrente do amor. Esse nos faz “sair” de nós mesmos e ir ao encontro do outro; coloca nosso centro de atenção não em nós, mas no outro e no conjunto da sociedade, visando o bem de todos.
Ao colocar-se nessa atitude de serviço em relação ao mundo, a Igreja espelha-se em seu Senhor, que não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida por todos (cf. Mt 20,28). Estar a serviço é uma atitude decorrente do amor. Esse nos faz “sair” de nós mesmos e ir ao encontro do outro; coloca nosso centro de atenção não em nós, mas no outro e no conjunto da sociedade, visando o bem de todos. A atitude do serviço é o oposto do egoísmo auto referencial, que leva o indivíduo a viver somente para si, tendo em vista os próprios interesses. O cristianismo descontrói essa lógica rasteira do egoísmo interesseiro e descortina perspectivas novas que, pela doação de si no serviço generoso, abrem os horizontes da pessoa para o verdadeiro sentido da vida e da realização humana.
Tal amor e espírito de serviço concretizaram-se na generosa doação de cristãos que, ao longo dos séculos, doaram-se e continuam oferecendo a vida a serviço dos outros em hospitais, creches, orfanatos, asilos, escolas, universidades, e numa infinidade de projetos e pastorais que atendem, sobretudo aos mais necessitados. Assim, a Igreja presta serviço formando gerações, influenciando culturas, salvando vidas, infundindo e consolidando valores em meio a sociedade onde se situa.
A Campanha da Fraternidade não pretende exaltar o que a Igreja faz; porém, é justo e oportuno que tais ações sejam conhecidas a fim de que sirvam de estímulo às pessoas e suscitem inúmeras outras generosas atitudes de serviço. Situada no tempo da Quaresma, a Campanha da Fraternidade provoca o questionamento sobre o que cada cristão tem feito pelos seus semelhantes e o que poderia ainda por eles fazer.
Dom Wilson Angotti
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte
(Marcos 1, 21-28, Evangelho do 4.º Domingo do Tempo Comum)
Estavam maravilhados com o seu ensinamento. O deslumbramento, essa experiência feliz que nos surpreende e desconstrói os esquemas, que se introduz como lâmina de liberdade em tudo o que nos oprime: rumores, palavras, processos mentais, hábitos, que nos faz entrar na dimensão da paixão, que é capaz de mover montanhas.
Resgatemos o deslumbramento, a capacidade de nos encantarmos de cada vez que encontramos alguém com palavras que transmitem a sabedoria do viver, que tocam o coração da vida porque nascem do silêncio, da dor, da profundidade, da proximidade da sarça ardente. A nossa capacidade de experimentar alegria é diretamente proporcional à nossa capacidade de nos deslumbrarmos.
Jesus ensinava como alguém que tem autoridade. Autorizadas são apenas as palavras que alimentam a vida e a fazem florir. Jesus tem autoridade porque nunca está contra o ser humano, mas sempre a favor dele, e sabe-o algo no interior de quem o escuta. Autorizadas e verdadeiras são apenas as palavras tornadas carne e sangue, como em Jesus; a sua pessoa é a mensagem.
Como emerge do excerto que se segue: Havia um homem possuído por um espírito impuro. O primeiro olhar de Jesus repousa sempre na fragilidade do ser humano, e a primeira de todas as pobrezas é a ausência de liberdade, como para um homem «possuído», prisioneiro de alguém mais forte que ele.
E vemos como Jesus intervém: não faz discursos sobre Deus, não procura explicações sobre o mal, antes mostra Deus que se imerge nas feridas do ser humano; é Ele mesmo, Deus, que se imerge, como cura, na vida ferida, e mostra que o Evangelho não é um sistema de pensamento, não é uma moral, mas uma admirável libertação.
Ele é o Deus chamado liberdade e que se opõe a tudo o que aprisiona o homem. Os demónios dão-se conta: o que há entre nós e Tu, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sim, Jesus veio para arruinar tudo o que arruína o homem, veio para demolir prisões; veio trazer espada e fogo para cortar e queimar tudo o que não é amor. Veio para arruinar o reino dos desejos equivocados que se apoderam e devoram o homem: dinheiro, sucesso, poder, egoísmos.
A esses, que dirigem os corações, Jesus diz apenas duas palavras: cala-te, sai. Como sonhou Isaías, que as espadas se transformem em arados, que se quebre a concha e apareça a pérola. A pérola da criação é o homem livre e amante. Posso tornar-me assim, também eu, se o Evangelho for para mim paixão e encanto. Padecimento e parto. Então descobrirei «Cristo, minha doce ruína» (Turoldo), que arruína em mim tudo o que não é amor, que dos meus braços liberta todas as coisas vazias e dilata os horizontes que respiro.
Ermes Ronchi
In "Avvenire"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Nos teus invernos há sementes que germinam, sabias?:
Meditação sobre o Evangelho do 3º Dom. T.Comum
Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia e começou a proclamar o Evangelho de Deus, dizendo: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».
Caminhando junto ao mar da Galileia, viu Simão e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. Disse-lhes Jesus: «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens». Eles deixaram logo as redes e seguiram Jesus. Um pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco a consertar as redes; e chamou-os. Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados e seguiram Jesus. (Marcos 1, 14-20, Evangelho do 3.º Domingo do Tempo Comum)
Marcos conduz-nos ao momento primordial em que uma notícia extraordinária começa a correr pela Galileia, anunciando com a primeira palavra: o tempo cumpriu-se, o Reino de Deus está aqui.
Jesus não demonstra o Reino, mostra-o e fá-lo florir das suas mãos: liberta, cura, perdoa, derruba barreiras, volta a dar a plenitude a todos, a começar pelos últimos. O Reino é Deus que vem para curar do mal de viver, como a vida que desponta em todas as suas formas.
A segunda palavra de Jesus pede para tomar posição: convertei-vos, voltai-vos para o Reino. Há uma ideia de movimento na conversão, como no girassol que a cada manhã volta a erguer a sua corola e a orienta na direção do sol. Convertei-vos: isto é, voltai-vos para a luz porque a luz já está aqui.
A cada manhã, a cada despertar, também eu posso converter-me, dirigir pensamentos, sentimentos e escolhas para uma estrela polar do viver, para a boa notícia de que Deus está hoje mais próximo, penetrou mais profundamente no coração do mundo e no meu, com mansidão e poderosa energia para o amanhecer de novos céus e nova terra.
Também eu posso construir o meu dia sobre esta feliz certeza; deixar de ter os olhos baixos sobre os meus mil problemas, mas levantar a cabeça para a luz, para o Senhor que me assegura: Eu estou contigo, nunca te deixo, nunca serás abandonado.
Crer no Evangelho. Não basta aderir a uma doutrina; é preciso atirar-se para dentro dele, para que a nossa vida seja submersa nele e dele derivem as nossas escolhas.
Caminhando ao longo do lago, Jesus vê... Vê Simão e nele intui Pedro, a Rocha. Vê João e nele perscruta o discípulo das mais belas palavras de amor. Um dia olhará a adúltera trazida à força para diante dele e nela verá a mulher capaz de amar de novo.
O Mestre olha também para mim; nos meus invernos vê sementes que germinam, generosidade que desconhecia ter, capacidades de que não suspeitava. O olhar de Jesus alarga o coração, torna-o mais amplo. Deus tem para mim a confiança de quem contempla as estrelas ainda antes que se iluminem.
Segue-me, vem após mim. Jesus não se alonga em motivações, porque o motivo é Ele, que te coloca o Reino recém-nascido entre as mãos. E di-lo com uma palavra inédita: farei de vós pescadores de homens. Como se dissesse: farei de vós buscadores de tesouros.
Como se dissesse: o meu e o vosso tesouro são os homens. Havereis de os tirar para fora da escuridão, como peixes sob a superfície das águas, como recém-nascidos das águas maternas, como tesouro desenterrado do campo. Passá-los-eis da vida submersa à vida ao sol. Mostrareis que o Evangelho é a chave para viver melhor.
Ermes Ronchi
In "Avvenire"
Estamos empenhados em preparar a vinda do Senhor, em preparar-lhe simbolicamente um espaço, e isso torna-se uma parábola do grande acolhimento, da grande hospitalidade à qual estamos dispostos. E dizemos: «Vem, Senhor Jesus».
Abrimos as casas, encontramos um lugar no seu interior, preparamos formas diferentes para o tráfico dos nossos dons, das palavras, dos sentimentos, dos votos e desejos. Encontramos na nossa vida um modo de Deus chegar. As portas estão abertas. A contagem decrescente começou.
E então dá-se o volte-face: ao rei David, que tem um papel emblemático na expetativa messiânica, Deus diz: «Não és tu que me preparas uma casa, sou Eu que preparo uma casa para ti».
Não mergulhamos profundamente no mistério do Natal se não acolhermos esta reviravolta no nosso coração: não somos nós que preparamos um presépio para Deus nascer; é Deus que prepara o lugar, é Deus que prepara a possibilidade, as condições do renascimento de cada um de nós.
Jesus é o Deus que se torna homem para que o homem e mulher que somos se possa divinizar. Ele nasceu para potenciar os nossos nascimentos.
Como Maria, podemos perguntar: «Como será isso, se eu não vejo essa possibilidade? Que o Menino possa nascer simbolicamente em minha casa, eu acredito, mas que a minha casa toda e o que ela significa possa renascer, não vejo como. Que eu me possa preparar e abrir as portas para o Deus connosco vir, isso entendo; mas que eu, na minha rigidez, nos meus entraves, nos meus dilemas, no caminho que estou a fazer, possa verdadeiramente recomeçar e renascer, não vejo como».
A dupla palavra do anjo é uma das grandes palavras de Natal: «Não temas». Não desanimes, não penses que não é para ti. O Espírito Santo virá em teu socorro, a sombra do Altíssimo te cobrirá. E o mistério que acontece na nossa vida, humaníssima e fragilíssima, é ação do próprio Deus: é Ele que pode renovar, é Ele que pode transformar as nossas vidas; é Ele que pode fazer acontecer, dentro de cada um de nós, o Natal, essa irrupção de vida nova e cintilante, a possibilidade de uma esperança maior do que aquela de que somos capazes.
O que é este novo nascimento? S. Paulo, com uma palavra só, com uma das palavras mais importantes desse texto maior da memória cristã que é a carta aos Romanos, diz: o grande mistério, esperado desde sempre e agora revelado, é este: Deus Pai confirma-nos. Uma palavra só: «Confirma-nos».
O que é o Natal de 2014 que estamos prestes a celebrar? É sentir dentro de si que se é confirmado por Deus, confirmado como filho e filha amado, querido, em quem Deus coloca todo o seu amor. E a nossa vida passa a valer mais: porque não é só o que somos, o que conseguimos, o que trazemos - não é só isso; é o olhar de Deus pousado na fragilidade que eu sou.
É o olhar de Deus que me confirma, muitas vezes para lá das evidências e contrariando-as, contra toda a esperança. Deus confirma-nos e diz: «Tu és a minha filha, tu és o meu filho». É isso que nos faz nascer: a certeza do amor de Deus depositado, mostrado por Jesus face a face na nossa história, a certeza indefectível desse amor que não falha, desse amor em que podemos confiar. O Deus connosco é um Deus credível, em quem um homem e uma mulher podem acreditar. Nós acreditamos nesse amor, e acreditamos que ele nos é dado como fundamento, como pedra angular, como razão, como possibilidade, como manjedoura onde nascemos.
Temos de olhar para os nossos dias e sentir que não somos nós que estamos a construir uma manjedoura; é Deus que faz do tempo da nossa vida, deste tempo onde estamos, deste aqui e agora, o lugar da nossa confirmação, o lugar do nosso nascimento. Abramos, por isso, o nosso coração em alegria.
Pe. José Tolentino Mendonça
Poeta e escritor português. Lisboa, 21.12.2014
No Natal não celebramos uma recordação, mas uma profecia. O Natal não é uma festa sentimental, mas o juízo sobre o mundo e o novo ordenamento de todas as coisas. Naquela noite, o sentido da história tomou outra direção: Deus para o homem, o grande para o pequeno, do alto para baixo, de uma cidade para uma gruta, do templo para um campo de pastores. A história recomeça dos últimos.
Enquanto que em Roma se decidem as sortes do mundo, enquanto as legiões mantêm a paz com a espada, neste mecanismo perfeitamente oleado cai um grão de areia: nasce uma criança, suficiente para mudar a direção da história. A nova capital do mundo é Belém.
Ali Maria dá à luz o seu filho primogénito, envolve-o em faixas e depõe-no numa manjedoura... no comedouro dos animais, que Maria, na sua necessidade, lê como um berço. O estábulo e a manjedoura são um "não" aos modelos mundanos, um "não" à fome de poder, um "não" ao que está estabelecido. Deus entra no mundo do ponto mais baixo, para que nenhuma criatura nunca mais esteja por baixo, para que ninguém fique de fora do seu abraço que salva.
O Natal é o maior ato de fé de Deus na humanidade: confia o filho nas mãos de uma jovem inexperiente e generosa, tem fé nela. Maria cuida do recém-nascido, alimenta-o de leite, de carícias e de sonhos. Fá-lo viver com o seu abraço.
Do mesmo modo, na encarnação nunca concluída do Verbo, Deus só viverá na nossa Terra se cuidarmos dele, como uma mãe, a cada dia.
Havia naquela região alguns pastores... uma nuvem de asas e de canto os envolve. É muito belo que Lucas anote esta visita única, um grupo de pastores a cheirar a lã e a leite. É belo para todos os pobres, os últimos, os anônimos, os esquecidos. Deus recomeça deles.
Vão e encontram uma criança. Contemplam-no: os seus olhos são os olhos de Deus, a sua fome é a fome de Deus, aquelas mãozinhas que se estendem para a mãe são as mãos de Deus estendidas para eles.
Por quê o Natal? Deus fez-se homem para que o homem se faça Deus. Cristo nasce para que eu nasça. O nascimento de Jesus requer o meu nascimento: que eu nasça diferente e novo, que nasça com o Espírito de Deus em mim.
O Natal é a "reconsagração" do corpo. A certeza de que a nossa carne que Deus assumiu, amou, fez sua, é sagrada em qualquer dos seus membros, que a nossa história é sagrada qualquer que seja a sua página.
O Criador que tinha plasmado Adão com a argila do solo faz-se Ele mesmo argila deste nosso solo. O oleiro faz-se argila de um vaso frágil e belíssimo. E ninguém pode dizer: aqui acaba o homem, aqui começa Deus, porque Criador e criatura abraçam-se a partir de agora. Para sempre.
Pe. Ermes Ronchi
In "La Chiesa"
Trad.: Rui Jorge Martins
«Nas mãos do oleiro/ o universo descobre-se/ inacabado»
Uma das formas fundamentais da sabedoria é a descoberta que cada um de nós vai fazendo, a ciclo e a contraciclo, a tempo e fora de tempo, na nossa vida. E numa vida adulta avançada, muitas vezes é isto que experimentamos: descobrimo-nos inacabados porque nos descobrimos nas mãos do oleiro.
É importante associar a experiência da vida em aberto e a experiência de estarmos a viver continuamente um processo de criação.
Este dia da nossa vida, em que parece que já não há nada para acontecer, em que parece que já vivemos tudo o que havia a viver, é um dia da criação.
«O que se instala na perfeição/ desconhece aquilo/ que só a indigência revela»
Um dos maiores obstáculos na vida espiritual é a ideia ou desejo de perfeição, porque eles se configuram como o anseio de sair para fora da nossa vida, imaginar uma vida outra, viver com a culpa ou a miragem de uma vida que não é nossa.
O objetivo do trabalho espiritual não é colocar-nos fora de órbita, mas reenviar-nos para o coração da existência, para o que somos, abrindo-nos para uma arte inesperada que é a da indigência - percebermos que na nossa imperfeição há uma sabedoria que está a ser revelada.
A verdadeira sabedoria, que nos faz tocar o coração da vida, é a da indigência, da pobreza, do tosco. Tudo o resto são fórmulas, que podem até ser úteis, mas não são a experiência; podem ser um belo sentimento, uma bela paixão, mas não são aquilo que nós podemos viver.
«Diariamente repito/ escolhas e imperfeições:/ a natureza dos seres em solidão»
É importante percebermos que a nossa escolha é sempre imperfeita, e que diariamente habitamos o imperfeito de forma estável.
É importante levarmos a sério a nossa própria vida, aquilo que somos, abraçarmos a nossa solidão. Porque esse abraço àquilo que somos de forma desprevenida, despojada, é a única possibilidade de um abraço de Deus, a única possibilidade de um abraço que nos salva.
«O meu desejo na primavera:/ que mesmo as flores selvagens/ venham florir à minha porta»
Gostamos da arte da jardinagem, e por vezes a nossa vida é uma arte permanente. Olhamos para o jardim, gostamos, não gostamos, intervimos, cortamos, cerceamos; é muitas vezes um jardim à maneira francesa, com aquele gosto pelas figuras geométricas, pelas formas, pelo jogo da simetria, pelo pandã.
Por vezes, a nossa forma de arrumação torna-se uma obsessiva ilusão, porque a vida é viva, isto é, é informe, em bruto, não trabalhada. Temos de desejar os nossos canteiros muito bem ordenados e floridos, mas também desejar que as flores selvagens, de que não conhecemos o nome nem a forma, venham florir à nossa porta.
Elas dão-nos o espelho do nosso inacabamento, dão-nos a impressão não de uma vida doméstica, que é sempre uma vida domesticada, mas a impressão de uma vida outra, de uma vida na sua torrente, na sua originalidade, na sua verdade.
«A vida monástica/ é uma forma de nudez/ que não se envergonha de si»
É essencial olharmos para uma das imagens iniciais do livro do Génesis, quando Adão e Eva se descobriram nus e se esconderam de Deus. Esta metáfora é também muito da nossa existência.
A nossa vida espiritual é muitas vezes uma arte de esconder, uma arte de não revelar. E a vida que mostramos a Deus é subtraída, é uma vida que nós queremos ser digna de ser vista por Deus, mas que deixa de ser a nossa própria vida.
Os mestres da vida espiritual mostram-nos precisamente o contrário: a Deus, temos de levar a nossa nudez, isto é, a nossa radical verdade, a vida destapada, desoculta e informe.
José Tolentino Mendonça
Publicado em 30.11.2014
O mais comum é agradecer o que nos foi dado. E não nos faltam motivos de gratidão. Há, é claro, imensas coisas que dependem do nosso esforço e engenho, coisas que fomos capazes de conquistar ao longo do tempo, contrariando mesmo o que seria previsível, ou que nos surgiram ao fim de um laborioso e solitário processo. Mas isso em nada apaga o essencial: as nossas vidas são um recetáculo do dom.
Por pura dádiva recebemos o bem mais precioso, a própria existência, e do mesmo modo gratuito fizemos e fazemos a experiência de que somos protegidos, cuidados, acolhidos e amados. Se tivéssemos de fazer a listagem daquilo que recebemos dos outros (e é pena que esse exercício não nos seja mais habitual), perceberíamos o que a poetisa Adília Lopes repete como sendo a sua verdade: «sou uma obra dos outros». Todos somos.
A nossa história começou antes de nós e persistirá depois. Somos o resultado de uma cadeia inumerável de encontros, de gestos, boas vontades, sementeiras, afagos, afetos. Colhemos inspiração e sentido de vidas que não são nossas, mas que se inclinam pacientemente para nós, iluminando-nos, fundando-nos na confiança. Esse movimento, sabemo-lo bem, não tem preço, nem se compra em parte alguma: só se efetiva através do dom.
Por isso é que quando ele falta a sua ausência indelével faz-se sentir a vida inteira. O seu lugar não consegue ser preenchido, mesmo se abunda uma poderosa indústria de ficções de todo o tipo com a inútil pretensão de ser oblívio e substituição para essa espécie de fala geológica que nos morde.
Hoje, porém, dei comigo a pensar também na importância do que não nos foi dado. E a provocação chegou-me por uma amiga que confidenciou: «Gosto de agradecer a Deus tudo o que Ele me dá, e é sempre tanto que nem tenho palavras para descrever. Sinto, contudo, que lhe tenho de agradecer igualmente o que Ele não me dá, as coisas que seriam boas e que eu não tive, o que até pedi e desejei muito, mas não encontrei. O fato de não me ter sido dado obrigou-me a descobrir forças que não sabia que tinha e, de certa maneira, permitiu-se ser eu».
Isto é tão verdadeiro. Mas exige uma transformação radical da nossa atitude interior. Tornar-se adulto por dentro não é propriamente um parto imediato ou indolor. No entanto, enquanto não agradecermos a Deus, à vida ou aos outros o que não nos deram, parece que a nossa prece permanece incompleta. Podemos facilmente continuar pela vida dentro a nutrir o ressentimento pelo que não nos foi dado, a compararmo-nos e a considerarmo-nos injustiçados, a prantear a dureza daquilo que em cada estação não corresponde ao que idealizamos.
Ou podemos olhar o que não nos foi dado como a oportunidade, ainda que misteriosa, ainda que ao inverso, para entabular um caminho de aprofundamento... e de ressurreição. Foi assim que numa das horas mais sombrias do século XX; desde o interior de um campo de concentração, a escritora Etty Hillesum conseguiu, por exemplo, protagonizar uma das mais admiráveis aventuras espirituais da contemporaneidade. No seu diário deixou escrito:
«A grandeza do ser humano, a sua verdadeira riqueza, não está naquilo que se vê, mas naquilo que traz no coração. A grandeza do homem não lhe advém do lugar que ocupa na sociedade, nem no papel que nela desempenha, nem do seu êxito social. Tudo isso pode ser-lhe tirado de um dia para o outro. Tudo isso pode desaparecer num nada de tempo. A grandeza do homem está naquilo que lhe resta precisamente quando tudo o que lhe dava algum brilho exterior, se apaga. E que lhe resta? Os seus recursos interiores e nada mais.»
Pe. José Tolentino Mendonça
(In Expresso, 18.4.2014)
Porque é que divinizamos artistas, desportistas, músicos, políticos, atores de cinema? Não sei bem explicar porquê. Teria que estudar alguma psicologia. Suponho que é uma questão de segurança: precisamos de nos agarrar a imagens de sucesso, precisamos de ter em quem depositar as nossas esperanças, alguém em quem projetar a nossa felicidade.
O problema é que colocamos as nossas esperanças em “cavalos errados“, ou seja: depositamos as nossas delicadas vidas em “cavalos” que não são os que verdadeiramente influenciam o nosso caminho. A divinização que façamos do Benfica, dos U2, do Obama ou do Brad Pitt, é como um balão de ar pronto a rebentar. Pior: divinizamos esses que nada têm a ver connosco e ignoramos outros que, esses sim, têm as nossas vidas nas suas mãos sem que nós o saibamos.
Um exemplo muito prosaico: nunca deixo de me impressionar quando olho para o meu Nokia 2630 de 66 gramas de peso. Fico a pensar: como é possível que esta caixinha me ponha em comunicação com outro aparelhozinho que está a não-sei-quantos quilômetros de distância? É um milagre da tecnologia! E a quem agradeço isso? Não sei. Um grupo de anônimos trabalhou centenas de horas para eu ter esta tecnologia à minha disposição. Apetecia mandar um cartãozinho a agradecer o trabalho que tiveram.
Mas o que é que isto tem a ver com o dia de Todos os Santos?
Tem tudo a ver. De todos os dias santos que celebramos ao longo do ano, o de Todos os Santos é o meu preferido. A razão é simples. Neste dia celebramos Todos os Santos. Não celebramos este ou aquele. Não celebramos um ou outro aspecto da vida da Igreja. Celebramos todas as pedras da Igreja. Celebramos os Benficas, os U2’s, os Obamas e os Brad Pitt’s da Igreja, mas celebramos sobretudo aqueles que ninguém conhece. Celebramos aqueles que ficaram na penumbra.
Neste dia celebramos os nossos santos pais, os nossos santos irmãos. Celebramos os nossos santos avós, os nossos santos amigos. Os nossos santos professores e colegas. Todos quantos tiveram uma santa paciência para nos aturar. Todos os que passaram por um santo sofrimento por causa de nós. Todos os que nos deram santas ferramentas para crescer. Todos os que nos ensinaram qualquer coisa sobre o santo caminho da felicidade.
Fazendo uns cálculos rápidos de cabeça, imagino que 99,99% dos santos morrem no anonimato mais silencioso. E, dos santos que tiveram influência direta nas nossas vidas é provável que 99,99% nunca tenham sido e nunca virão a ser canonizados. Por isso é tão bom celebrar a santidade no anonimato! Vivam Todos os Santos!
João Delicado
in: verparaalemdoolhar.blogspot.pt
Sophia de Mello Breyner naquele conto tão conhecido, «O retrato de Mônica», explica que a poesia é-nos dada uma vez e quando dizemos que não, ela afasta-se. O amor é-nos dado algumas vezes, e também se o recusamos ele distancia-se de nós. Mas a santidade é-nos dada todos os dias como possibilidade. E se a recusamos teremos de a recusar todos os dias da nossa vida, porque quotidianamente a santidade se avizinha de nós como possibilidade.
Contudo, fizemos da santidade uma coisa tão extraordinária, abstrata e inalcançável, que quase não ousamos falar dela. De certa forma, habituamo-nos a olhar para a experiência cristã como que acontecendo a duas velocidades: o caminho heroico dos santos e a frágil estrada que é aquela de todos os outros, e por maior razão a nossa. Ora esta conceção de santidade não pode estar mais longe daquilo que a tradição cristã propõe. O Concílio Vaticano II, por exemplo, deixa bem claro: a santidade é vocação mais inclusiva e comum. Mas é preciso entender de que falamos quando falamos de santidade.
Bastar-nos-ia certamente ler as bem-aventuranças. Jesus não declara que os bem-aventurados são os outros, os que não estão ali. Jesus olha para a multidão e começa a dizer: “bem-aventurados vós os pobres”, “bem-aventurados vós os aflitos”, “bem-aventurados vós os misericordiosos”. Que quer isto dizer? Que são, no fundo, as nossas pobrezas, fragilidades, aflições, mansidões, procuras e sedes que dão a substância da bem-aventurança, a matéria da santidade. É naquilo que somos e fazemos, no mapa vulgaríssimo de quanto buscamos, na humilde e mesmo monótona geografia que nos situa, na pequena história que dia a dia protagonizamos que podemos ligar a terra e o céu. Falar de santidade em chave cristã passou a ser isso: acreditar que a humanidade do homem se tornou morada do divino de Deus.
Conta-se que um dia, uma dona de casa quis também criar uma seita, pois não estava disposta a deixar-se ficar atrás dos outros, assistindo ao quotidiano espetáculo da sua proliferação. E decidiu então começar uma seita em que ela e a sua empregada, eram, digamos, os “gurus” e os profetas daquela nova bolha. E, a verdade, é que aquilo começou a ter uma certa importância, e era sempre ela e a empregada, a empregada e ela... Passados uns tempos, vieram os jornalistas entrevistá-la. Escolheram, naturalmente, falar com a dona de casa... e inquiriram: “A senhora está contente?...” – “muito, estou muito contente com a igreja que eu fundei, mas olhem que eu já estou a pensar noutra!”.
- “Já está a pensar noutra?”
- “Sim, acho que tem de haver uma seita em que seja só eu profeta”.
Dizer “santificado seja o Vosso nome” é viver no inconformismo em relação às experiências de Deus que são claramente egóticas e insuficientes. É ter coragem, ter audácia de dizer: “Deus sê Deus em mim. Ensina-me a ser discípulo, fiel à escuta, à sugestão do Espírito, à aprendizagem da Palavra, disponível para as suas implicações históricas. O Teu Nome, ó Deus, é um “não Nome”; é um desafio para me colocar cada dia à escuta do Teu Nome. Que eu não me tranque por dentro num confortável reservatório de certezas, mas olhe com frescura os caminhos, esperados e inesperados, que Tu me apontas...”.
Em Toledo, está escrito à entrada de um mosteiro do século XII: “Não há caminhos, há que caminhar”. Dizer “santificado seja o Vosso nome” é, assim, aceitar sermos peregrinos do Nome de Deus... é tomar para si a condição de Abraão, a condição de todo o povo de Deus que foi peregrino do nome e do rosto de Deus, a condição de Jesus que «não tinha onde reclinar a cabeça», construindo uma história de santidade, e nada mais.
«Sede santos, porque Eu, o vosso Deus, sou santo» (Lv 11,45). O escritor Léon Bloy dizia: «Só há uma infelicidade, que é a de não sermos santos». E, contudo, como o testemunha Sophia de Mello Breyner, a santidade é-nos dada, como possibilidade real, em cada dia: «a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias». É como desafio a uma santidade vivida que também São Cipriano explica este segmento do Pater. Incita ele: «peçamos e imploramos para preservar naquilo que começamos a ser, uma vez santificados no batismo. E peçamos isto em cada dia, pois, de fato, em cada dia estamos necessitados de santificação…Peçamos para que permaneça em nós esta santificação».
A flor do mundo é a santidade. Essa forma de Deus presente em todos os tempos, em todas as latitudes, em todas as culturas. O que salva o mundo é a santidade: ela dá flexibilidade à dureza, torna uno o dividido, dá liberdade ao aprisionado, põe esperança nos corações abatidos, esconde o pão no regaço dos famintos, abraça-se à dor dos que choram e dança com outros a sua alegria. A santidade é um sulco invisível, mas torna tudo nítido em seu redor. A santidade é anônima e sem alarde. A santidade não é heroica: expressa-se no pequeno, no quotidiano, no usual. O pecado é a banalidade do mal. A santidade é a normalidade do bem. Como fica demonstrado neste poema de Maria de Lourdes Belchior:
«Hoje é dia de todos os santos: dos que têm auréola
e dos que não foram canonizados.
Dia de todos os santos: daqueles que viveram, serenos
e brandos, sem darem nas vistas e que no fim
dos tempos hão de seguir o Cordeiro.
Hoje é dia de todos os Santos: santos barbeiros e
santos cozinheiros, jogadores de football e porque
não? comerciantes, mercadores, caldeireiros e arrumadores (porque não arrumadoras? se até
é mais frequente que sejam elas a encaminhar o espectador?)
Ao longo dos séculos, no silêncio da noite e à
claridade do dia foram tuas testemunhas; disseram sim/sim e não/não; gastaram palavras,
poucas, em rodeios, divagações. Foram teus
imitadores e na transparência dos seus gestos a
Tua imagem se divisava. Empreendedores e bravos
ou tímidos e mansos, traziam-te no coração,
Olharam o mundo com amor e os
homens como irmãos.
Do chão que pisavam
rebentava a esperança de um futuro de justiça e de salvação
e o seu presente era já quase só amor.
Cortejo inumerável de homens e mulheres que Te
seguiram e contigo conviveram, de modo admirável:
com os que tinham fome partilharam o seu pão
olharam compadecidos as dores do
mundo e sofreram perseguição por causa da Justiça
Foram limpos de coração e por isso
dos seus olhos jorrou pureza e dos seus lábios
brotaram palavras de consolação.
Amaram-Te e amaram o mundo.
Cantaram os teus louvores e a beleza da Criação.
E choraram as dores dos que desesperam.
Tiveram gestos de indignação e palavras proféticas
que rasgavam horizontes límpidos.
Estes são os que seguem o Cordeiro
porque te conheceram e reconheceram e de ti receberam
o dom de anunciar ao mundo a justiça e a salvação»
Dizer “santificado seja o Vosso nome” é dizer a Deus: sê inteiro, não deixes que eu Te divida ou diminua, em função do meu egoísmo e dos meus humores... Sê como és, manifesta-Te em mim e na universalidade, manifesta-Te naquilo que é diferente e oposto a mim, naquilo que me contraria. Livra-me de ser um limite para o Teu amor. Que a Tua Santidade, ó Deus, seja uma estrela que caminha à nossa frente, a coluna de fogo que vai diante de nós, o assobio do pastor que nos serve de sinal… Na nossa humildade, somos a tenda onde Deus vai acampando no mundo, e cada dia vamos, num lugar diferente, num modo novo... Como escrevia Santo Agostinho: «A santificação do Nome de Deus é a nossa santificação». Os que creem não são gestores de uma empresa externa: são servidores e viajantes, nômades e enamorados peregrinos, leitores e ouvintes, adoradores…
José Tolentino Mendonça
In Pai-nosso que estais na terra, ed. Paulinas, 2013.
A cidadania brasileira está desafiada, mais uma vez, a viver o necessário discernimento eleitoral, para fazer escolhas qualificadas no próximo domingo. Esse exercício é de fundamental importância, pois serão definidos nomes a ocuparem os cargos eletivos, todos estratégicos para a condução do país. Não é fácil esse processo de discernimento. A primeira e importante consideração, necessariamente, é sobre o perfil e a vida de cada candidato. É difícil encontrar um nome que reúna todos os itens apontados como indispensáveis para governar e representar bem o poder que pertence ao povo; e que a ele deve ser devolvido na forma de serviços. Os eleitos precisam ser pessoas capazes de reconhecer e atender aos anseios da população, particularmente dos mais pobres. Diante dos critérios a serem observados, constata-se que processo de qualificada escolha de candidatos é laborioso, mas isso não pode produzir desânimo.
Nas eleições, o povo tem a chance de compor um time que, embora possa não alcançar o patamar da seleção sonhada, seja capaz de produzir avanços na superação urgente de graves problemas, como as desigualdades sociais. Para isso, é preciso contrabalançar elementos - trajetória, consistências pessoais, força de liderança, lastro de representatividade. Essas qualidades, e muitas outras, precisam ser observadas e identificadas nas pessoas que se submetem ao sufrágio das urnas. Eleger políticos com perfil marcado pela articulação dessas características é contribuir para a composição de um quadro, nos governos e parlamentos, com mais lucidez no trato, defesa e promoção de tudo que é público.
Vale ressaltar que mediocridades são um veneno terrível que enterra definitivamente as aspirações do povo. Elas corroem instâncias de grande importância política e social, transformando-as em palcos de interesses partidários e de grupos. A partir da presença de pessoas desqualificadas, governos e parlamentos tornam-se marcados por uma visão míope das urgências da sociedade, agravada pela incapacidade de analisar, escolher e agir com rapidez. Não se pode permitir que um mandato de quatro anos torne-se tempo para o eleito “ciscar de cá prá lá e de lá prá cá”, obrigando o gigante que é esta nação a permanecer adormecido. Bom seria contar com uma série de nomes cuja dificuldade de escolha residisse na excelência dos muitos perfis, todos sem senões, com os elementos adequados da vida pessoal, social e política. Infelizmente não é assim.
Não se crê que o ambiente político partidário vigente consiga produzir essas excelências cidadãs. Ao contrário, talvez muitas vezes seduza em direção inadequada aqueles que poderiam construir uma trajetória brilhante no mundo da política. Mas a sabedoria popular ensina que “não adianta chorar o leite derramado”. Providências significativas e transformadoras são sonhadas e buscadas, entre elas a urgência da reforma política, que deve contracenar com um processo educativo e de configuração social capaz de revitalizar a cidadania brasileira. Agora, na lista dos nomes a serem escolhidos, com uma isenção que localiza o discernimento no território da lucidez, é preciso escolher quem pode representar melhor o povo, sem se sucumbir ao “peso pesado”, e até perverso, do mundo da política.
Há quem preferiria que se apontassem os nomes, à moda do chamado “voto de cabresto”, algo totalmente obsoleto e prejudicial que não pode mais ser o vetor das eleições. Seu contraponto é o qualificado processo de discernimento. Ainda é tempo para vivê-lo, confrontando perfis, nomes, histórias e, não menos importante, o fôlego de candidatos para dar conta de sua missão. A meta dos eleitos não pode se resumir ao sucesso nas urnas. Definidos como representantes da população nos governos e parlamentos, eles precisam permanentemente buscar o diálogo, a proximidade com o povo, disposição para trabalhar com transparência e almejar sempre as conquistas sociais.
Não é possível, a modo de cartilha, listar todos os critérios que sirvam de parâmetro para a definição dos perfis ideais de candidatos. Neste período de preparação que precede a ida às urnas, é cidadania bem vivida guiar-se também por um razoável tempo de silêncio e confrontos pessoais para chegar ao nome. Discernimento eleitoral não é simples emoção, simpatia ou antipatia, cor partidária, mero conhecimento ou amizade pessoal. O atual momento exige muito mais esforço de cada pessoa. Todos precisam partilhar a certeza de que a situação social, o desenvolvimento integral e o tratamento lúcido da sociedade civil estão no que é poder de cada cidadão: o seu discernimento eleitoral.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
(In: Opinião e notícias - 03.10.2014)
“Se você não mover os pés, não reconhecerá o ritmo da vida”
O peregrino é alguém que “entra” numa terra estranha, que se afasta dos apoios comuns da existência; é alguém livre, que “saboreia” cada passo em cada momento, que não se acomoda num determinado lugar, que está sempre na expetativa do novo, do diferente, do inesperado...
A estrada, são os caminhos do mundo... de Portugal, da Espanha, do Brasil... Mas é muito mais a senda de mistério e luz que o Senhor o faz seguir no decorrer de suas longas caminhadas.
Na estrada do peregrino há o despojamento, a pobreza, por vezes a fome e a sede, os caprichos das estações, a incerteza dos dias de amanhã. Há a liberdade do espírito, horizontes infinitos, desafios que despertam a criatividade, ousadia que ultrapassa o momento histórico...
Há o imprevisto, o acontecimento inesperado, que comanda o ritmo da marcha, as paradas, as estadias, as mudanças de rumo... Há o encontro com “fiéis e infiéis”, companheiros que se agregam, amigos que ajudam, inimigos que espreitam, pobres que compartilham o mesmo pão...
Finalmente, a estrada aproxima o peregrino, a cada instante, da meta ainda escondida, mas certa. Ao voltar-se para trás, ele se dá conta que o itinerário foi realmente maravilhoso, que a experiência o transformou, que está mais livre, mais autêntico, mais rejuvenescido...
Anchieta é o homem “peregrino”: vai contemplar a outra face da fronteira geográfica e cultural, até então inédita para ele e para todos; busca viver em profundidade esta “experiência de travessia”, até os limites extremos do despojamento e de tudo. Percorre, a pé e de barco, todo o litoral brasileiro. Seu caminho tinha de ser desbravado com criatividade, ousadia e destemor. “Tinha o coração maior que o mundo...”
Anchieta é o homem de “fronteira”; há nele uma força interior que o arranca da acomodação, o coloca em contínuo movimento e o transforma em cidadão do mundo.
Mais que um simples deslocar-se, trata-se de um modo de viver e de situar-se no mundo. Invadido por uma paixão que não lhe dá repouso, Anchieta está presente em tudo, sem extraviar-se nunca na confusão das coisas. Tudo lhe interessa e em tudo deixa o seu “toque”: literatura, educação, medicina, teatro, catequese, botânica... Sempre em marcha, sem encurtar os passos, o peregrino Anchieta avança como homem livre, sem deixar-se aprisionar por nada nem por ninguém, aberto aos acontecimentos, pronto a servir a Deus e seus pobres preferidos.
O “seguidor de Jesus” é, em sua essência, mudança, movimento, dinamismo, energia... pois Deus não nos deu um espírito de timidez, de medo, de fuga, de acomodação... mas de audácia, de criatividade, de luta, de participação.... A “fidelidade criativa” no mundo de hoje nos impulsiona a “inventar” constantemente, a “ousar” sem medo, a “deslocar-nos” sem parar, a “sair” de nossos esquemas fechados, mentalidades ultrapassadas, formalismos frios, modos de agir arcaicos...
Fidelidade criativa significa uma “leitura” atenta dos sinais dos tempos e abertura dócil a uma realidade em contínua mudança que define o campo de nossa criatividade. É a ousadia, motivada e sustentada pelo amor de Deus, mas também pelo zelo apostólico e por uma sensibilidade para perceber as novas “necessidades” do nosso tempo.
Para isso é importante reconhecer o momento atual, espreitar possibilidades de mudança... que os horizontes sejam ampliados, que a imaginação seja desempoeirada, que os sentidos sejam ativados, que se renovem os tecidos da alma e sejam removidos os véus do espírito... para que avancemos, como Anchieta, em direção às novas fronteiras do espaço sem limites, que nos espera aberto e acolhedor.
Isto consiste em colocar-nos nos “passos” de Deus, com suficiente visão da realidade para ir adiante, e com bastante disponibilidade para mudar de caminho quando o sopro do Espírito assim nos sugerir.
Nas nossas vidas acontece algo de verdadeiro e belo quando nos dispomos a viver em “estado de êxodo”: existem ainda céus por explorar, aventuras por empreender, experiências por aceitar, ideias por experimentar... Ainda existe uma “terra desconhecida” que nos desafia, que suscita curiosidade, nos põe a caminho...
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI
Observação: Natural de Tenerife, nas Ilhas de Canárias, na Espanha, Anchieta nasceu no dia 19 de março de 1534 e chegou ao Brasil em 1553. Foi responsável pela criação do colégio de Piratininga no dia 25 de janeiro de 1554, que deu origem à cidade de São Paulo.
No decorrer de sua vida, o santo passou por lugares como São Paulo, Espírito Santo e Bahia propagando os ensinamentos do Evangelho. Faleceu na cidade de Reritiba (atual Anchieta, no Estado do Espírito Santo), em 9 de junho de 1597.
Anchieta é um modelo de catequista e evangelizador, pois fez uma catequese levando em conta a cultura das pessoas. Escreveu teatro, poemas, que eram usados para transmitir a fé aos habitantes desse país. Foi canonizado pelo Papa Francisco em 03 de abril de 2014.
Foi declarado em setembro de 2014, Patrono dos catequistas do Brasil pela Congregação para o culto Divino e a Disciplina dos sacramentos da Santa Sé.
A propósito de uma eleição presidencial, como a que teremos no próximo mês, não seria de se esperar a proliferação de debates, a contraposição de ideias, o exame animado das propostas apresentadas, o teste dos programas partidários junto à situação que o País atravessa? Haveria ocasião mais propícia para a controvérsia e o posicionamento? Não estaremos cada um de nós, e o Brasil como um todo, concernidos pelo resultado do pleito?
Se as coisas são assim, por que assistimos, quase sempre, a uma mera troca de acusações, à boataria generalizada, à veiculação de um ódio que parece desconhecer qualquer limite? Os partidos não são distintos, não é diverso o que propõem, a singularidade de sua filiação ideológica não é marcante? Então porque o debate é tão decepcionante? São, certamente, muitas as razões, arrisco, entretanto, a hipótese de parte da causa se deve ao crescente empobrecimento da discussão de ideias. Desconfiamos das ideias, da sua capacidade de decifrar a realidade, preferimos o calor de nossa opinião. Ideias constituem o lugar onde, longe da nossa particularidade, encontramos as outras pessoas. Ideias pertencem ao espaço público, lugar da tolerância trabalhosa e da disposição de cotejarmos junto aos outros o que defendemos. Privados de ideias, esquecidos de que apenas somos juntos uns aos outros – animais políticos – só nos restará, como reação ao esvaziamento, esbravejar o nosso ódio. O que é uma tolice, porque as ideias seguirão o seu curso cheio de conseqüências.
Para pensar:
“Narciso acha feio o que não é espelho” (Caetano Veloso)
Ricardo Fenati
Filósofo e membro da equipe do Centro Loyola de BH.
Meu Ipê começou a florir. Ele esperava pela chuva, certamente. Desabrochou seu amarelo ouro pra encantar a vida.
Tenho um Ipê no meu quintal. Herança de meu pai, que adorava árvores que florescem. É dele também outra herança: o flamboyant!
Eu adotei o Ipê do papai. E passei a observá-lo com os olhos do coração e da sensibilidade. Ah! Quanta coisa a aprender com a beleza que a natureza nos oferece. Oferecimento gratuito...silencioso... e ao mesmo tempo gritante.
Meu Ipê não é tão majestoso quantos outros que olhei. Tem um porte mediano, simples, porém é esguio, vaidoso. Sabe que é observado por olhos curiosos e ávidos pelos detalhes. Caprichosamente ele se deixa observar, como que querendo dizer: “Põe seu olhar em mim e veja o que lhe reservo”.
Mais animado ainda ficou meu olhar. Observei-o atentamente e fui captando, a cada dia, as mudanças que meu Ipê se permitia. E, quanta boa surpresa tem acontecido.
É mágico e belo o que acontece. Como um ritual, o Ipê desenha sua trajetória de transformação. Como a ‘sabedoria bíblica’, o Ipê brinca diante da presença de Deus e de todos nós, homens e mulheres, enfeitando nossa existência. Longo tempo, o Ipê é geometria de galhos entrelaçados. Aos poucos, os desenhos geométricos, se enchem de folhas, vocacionadas a cair para tornarem-se tapete aos pés descalços. As folhas caem, mas não se inutilizam. Tornam-se passarela para os passos. Quilômetros deles!
O desejo das folhas é darem lugar ao amarelo ouro das flores! Elas se abdicam dos galhos do Ipê e da altura, para que o perfume, a cor e felicidade das flores, se tornem espaço de encantamento. As folhas têm seu encanto, claro. Mas elas duram o tempo de dar seu lugar a outras possibilidades.
As flores vêem tocar outra sinfonia, diferente da sinfonia das folhas. Flores...flores...tocam a sinfonia da liberdade, da ausência de fardos, da alegria, do lúdico.
O Ipê, com sua pedagogia e espiritualidade, vem ensinando-me a beleza do “transformar-me”. Que delicia saber-me com essa perspectiva: transformação é fruto da persistência que busca novas metas e novas realizações.
Posso realizar-me como folha, mas a realização da flor é a ousadia. A flor do meu Ipê é ousada, pois curta é sua existência. Ela é o avanço da folha e a canção da vida! É a razão de ser da árvore, e o colorido dos jardins. É a brincadeira da árvore e a felicidade das folhas.
Minha vida tem seu momento de folha: preenche o galho seco do Ipê, dá-lhe abrigo ao frio e ao calor. Cai para a possibilidade da flor. Eu posso preencher vazios existenciais dentro de mim, alimentar por um tempo a solidão da minha alma e... sair sorrateiramente para que a inteireza da beleza resplandeça. Vazios preenchidos, solidão acompanhada. Outro rito tem seu inicio: o rito do encanto da cor da flor, do cheiro e da alegria! Um rito não anula outro. Complementa-o. Dá-lhe significado. O rito do Ipê em flor é pura oração. É conversa comigo mesma. É silêncio que grita.
Adoro os ritos. Especialmente a mudança deles e sua complementaridade! Ritos organizam e enfeitam a vida! Contam experiências vividas de relacionamentos, de amor, de encontros e saudades. De esperança e sonhos.
Minha vida quer ser liturgia a cada instante alimentada pela espiritualidade de meu Ipê. Seqüencia de ritos: árvore, galhos entrelaçados, folhas, flores. Puro sentimento, sinais e gestos. O que é real-meu momento e o que eu espero-minha parusia!
Rita de Cássia Rezende
Coordenadora da Comissão para Animação Bíblico-Catequética de Pouso Alegre-MG
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