Na primavera do 12º ano, recebi finalmente o meu primeiro celular. Enquanto muitos dos meus amigos já tinham o mítico Nokia 3310, eu tive de me contentar com jogar snake no 5120. Em quase vinte anos, a revolução nos celulares fez desses dias algo perdido no tempo. A iGen que povoa os corredores de qualquer escola do país lá se orienta com os seus iphones com os ecrãs mais ou menos partidos, as capas mais ou menos coloridas e a coitada da snake deu lugar a uma miríade de apps que vão muito além dos jogos.
Hoje, tudo acontece mais rápido e mais cedo e é fácil encontrar olhos postos nos ecrãs entre os dois polegares em salas do 5º ano. As mães e os pais estão descansados porque os filhos estão contactáveis a qualquer hora e sabem exatamente onde eles estão; e os filhos estão contentes, porque não perdem pitada do que acontece por esse mundo fora, além de terem aprendido uns com os outros como mandar a localização certa quando os pais lhes perguntam onde estão.
Este não é um artigo alarmista! A evolução da tecnologia trouxe muitos benefícios no entretenimento e na educação, ajuda à literacia e a explorar novos conhecimentos. Mas aqui ficam cinco perguntas para fazer aos adolescentes lá de casa, que podem ajudar a navegar um mundo em que esta geração está a crescer naturalmente e nós, X’s e Boomers, temos de estudar para chegar lá.
1. Quantos seguidores tens no Insta?
Por mais que nos custe a dizer, esta é a realidade: o Facebook é para cotas. Agora, quem importa está no Instagram. A imediatez da imagem superou as longas reflexões sobre política no feed do avô e os pseudo-memes passa-isto-a-10-amigas-para-teres-sorte-hoje que a avó partilha. E embora o Sr. Zuckerberg seja o dono disto tudo, as nossas crianças sabem muito bem que rede é para eles. Uma imagem vale mais que mil palavras e capturar o momento é o que importa. Além disso, a popularidade mede-se pelo número de seguidores e pelos interesses revelados pelas pessoas que se segue e os hashtags mais usados. A corrida pelos números pode levar a entrar em contato com pessoas que não se conhecem e a querer imitar hábitos novos.
Diz-me quem te segue, dir-te-ei quem és.
2. Que Youtubers andas a seguir?
Outro fenômeno das redes são os vídeos do Youtube. O que há uns anos eram tutoriais de videojogos, deu origem a uma legião de outros adolescentes que, cheios de “liberdade de expressão”, ensinam os menos destemidos a enfrentar a dura realidade que é a vida aos treze. Há conselhos para tudo: faltar às aulas e fazer cabulas, as melhores unhas de gel e dicas de maquilhagem, as diferenças idiomáticas entre o norte e o sul, ou – a preferida de muitos e com muitas variações – como explicar aos teus pais que eles não percebem nada disto e como enfrentá-los.
Claro que todos estes canais só são vistos pelos filhos dos outros, mas só para ter a certeza, o melhor é saber quem são esses “professores” de renome nacional que ensinam as últimas novidades de viver em sociedade a outros tantos miúdos quase da mesma idade.
3. Qual é o teu Influencer favorito?
Esta pergunta pode vir na sequência das anteriores. Influencers são esses mestres do mundo virtual seguidos por milhões de outras pessoas quase da mesma idade que dão os melhores conselhos de moda, parentalidade ou como sobreviver neste mundo cheio de adultos que não acompanham as tendências. E milhões não é uma força de expressão! Há Influencers em Portugal com mais de cinco milhões de seguidores. Lá estão eles no seu dia-a-dia, tendo como pano de fundo das suas “aulas” o roupeiro aberto, os Funko POP, os posters da MARVEL ou aquele quarto com ar clean e hip que qualquer rapariga devia ter.
4. Sabes que é fácil entrar em páginas que não são para a tua idade?
Eis a pergunta que envergonha, o elefante na sala sobre o qual é preciso falar! Se um adolescente tem um celular tem, igualmente, acesso a páginas com conteúdos para adultos. Numa sociedade hiper-erotizada e hiper-sexualizada, o acesso a pornografia é muito mais fácil. E, na internet, é fácil, anônimo e gratuito. Nenhum adolescente quer falar de sexo ou sexualidade com os seus pais, como nenhuma mãe ou pai se senta confortavelmente à primeira a falar sobre o tema. Mas quaisquer que sejam as voltas que se deem, o melhor é ter essa conversa antes que a curiosidade se transforme em rotina ou, em último caso, em vício.
5. Podias parar de mexer no celular enquanto falo contigo?
Finalmente, a pergunta que qualquer mãe ou pai só pode fazer se estiver realmente preparado para o que aí vem! Quem vive com adolescentes sabe que o celular é um dos muitos órgãos do corpo que os constitui e que, separar-se dele, é quase como uma amputação sem aviso prévio ou anestesia. Não é só que conversar com os mais velhos seja uma seca, é que a ansiedade de estar longe do que se passa nas redes é uma realidade com nome e tudo – FOMO (Fear Of Missing Out). Ou seja, medo de estar a perder algum evento nalgum lugar por não estar conectado. Não é que eles não queiram fazer parte das conversas de casa, é que perderam o contato com o seu mundo de amigos. E é importante gerir essa ansiedade, que pode tirar o sono, fazer baixar o rendimento escolar ou revelar-se nessas respostas inesperadas e violentas.
Felizmente, estes adolescentes ainda jogam à bola e sabem sentar-se a conversar, ainda combinam ir ao cinema ou a casa uns dos outros. Como em tudo no grande desafio da parentalidade, cada casa sabe como melhor ajudar os seus a crescer em liberdade e responsabilidade. No caso das redes sociais, como em tudo, talvez o melhor seja acompanhar em vez de proibir, e gerar espaços de confiança e verdade.
Como quando, nas tardes de verão, alguém nos queria ensinar um novo jogo de cartas e, antes do jogo, começava a explicar todas as regras. A resposta imediata dos novos jogadores era: vamos jogando e vais explicando. E o número interminável de regras reduzia-se às mínimas necessárias para começar a jogar. As outras aprendiam-se por intuição, imitação ou ao longo da tarde. É assim na arte de educar para o uso dos celulares e das redes: dar-lhes as regras mínimas não-negociáveis e, ao mesmo tempo que se os deixa crescer, acompanhar pacientemente o que vão fazendo.
Pe. Samuel Beirão, sj