Transmissões ao vivo de missas e cultos não são novidade. Nos primórdios do rádio nos Estados Unidos, em 1912, já se registra a transmissão de um ofício natalino. Nove anos depois, a primeira rádio comercial norte americana já conta com um programa em que o culto de domingo de uma igreja local é reproduzido. A resposta do público é positiva e se percebe, nos anos seguintes, um crescimento rápido e intenso no interesse pelo rádio e, posteriormente, pela televisão por parte das igrejas.
As décadas seguintes assistiram à entrada massiva das igrejas nestas duas mídias. Neste segundo momento, não mais apenas se “repetia” o culto presencial, mas construíam-se novos formatos pelos quais se fazia chegar a mensagem religiosa a um público disperso em diferentes lugares, fenômeno que ficou conhecido como “igreja eletrônica”. Em uma reportagem exibida no Fantástico em 1978, fala-se do sucesso dos televangelistas e do temor de representantes de igrejas tradicionais (católica e protestante): a igreja midiática viria a substituir a pequena igreja do bairro?
As igrejas locais não acabaram. Na verdade, muitas delas passaram a desenvolver suas próprias mídias, o que foi facilitado enormemente pela internet (sobretudo, pelas redes sociais digitais). A pequena paróquia que se temia desaparecer há algumas décadas criou uma página no Facebook e um blog em que não só informam aos fiéis os eventos da igreja, mas também desenvolvem suas ações de evangelização nestes espaços. Os próprios fiéis, por sua vez, elaboram ambientes online em que podem vivenciar a fé. Um grupo no WhatsApp é criado para orar, no Facebook responde-se a dúvidas teológicas, no Instagram postam-se as fotos do culto dominical ou da festa da padroeira. Vive-se a fé em ambiência midiática.
A pandemia do coronavirus acelerou este processo de midiatização das atividades religiosas. Quando a possibilidade de acesso à missa / ao culto se restringiu à mídia, as “pequenas” igrejas criaram nas últimas semanas páginas no Instagram, no Facebook, onde passaram a transmiti-los. Grupos de música, pastorais, grupos de oração que apenas usavam o WhatsApp para agendar encontros e o Facebook/ Instagram/ blog para divulgar junto à comunidade seus eventos, buscaram nestes espaços e em outros (sobretudo por meio de softwares de videoconferência) modos de realizar suas atividades digitalmente. Estar distante não significa estar separado. É possível rezar junto, mesmo isolado.
Momentos de crise abalam as estruturas sobre as quais as práticas sociais historicamente foram moldadas, levando a ajustes e reconfigurações. Nenhuma instituição social é imune aos acontecimentos do mundo. No âmbito religioso, responde-se à necessidade com a experiência (pela presença anterior nas mídias) e criatividade. As experimentações são feitas de modo tentativo. “Falhas” acabam resultando em memes que podem gerar comentários de ridicularização ou podem até mesmo ter o efeito controverso de se captar mais audiência que se objetivava, gerando empatia. Os casos dos filtros de Instagram que surgiram acidentalmente em lives de padres são ilustrativos.
Nesta grande mudança que assistimos em virtude de um acontecimento de proporções planetárias o que era periférico se converteu em centro. O ofício litúrgico midiático, outrora complementar ou até mesmo visto com desconfiança, passou a ser o único disponível a multidões de fiéis. Tenho notado, inclusive, um curioso fenômeno: muitos dos que já estavam acostumados a acompanhar padres e pastores por canais midiáticos (rádio, tv e internet), têm demonstrado preferir acompanhar a missa/ o culto da igreja do bairro, mesmo com todas as dificuldades de transmissão das primeiras emissões. Resta saber se no mundo pós-coronavirus as comunidades religiosas que acolheram o midiático (sobretudo o online) em função da necessidade iminente verão nele uma potencialidade a se desdobrar e inovar em suas práticas e não mais como um velho adversário que se olhava com desconfiança ou como mero artigo acessório. O papel das lideranças e dos leigos será fundamental para determinar os rumos do midiático nas confissões religiosas. Cabe aos pesquisadores acompanhar estes próximos passos.
Marco Túlio de Sousa
In: www.midiareligiãoesociedade.com.br 13.04.2020