Introdução aos Sacramentos da iniciação do cristão – Eucaristia (3)
Saco vazio não para em pé. Verdade! Na antiguidade a recepção dos sacramentos da iniciação cristã acontecia numa única celebração, que culminava com a recepção do pão-eucaristizado (ver At 9,17-20). É que o cristão não sobrevive, desde a primeira hora, sem o “pão da vida” (Jo 6,35). Infelizmente essa lógica foi desmantelada, por uma questão meramente funcional, em total desarmonia com o eclesial (essa querela será tratada em artigo a ser postado em breve).
Todo sacramento possui um jeito bastante peculiar de atuar. Nenhum sacramento é mera exteriorização, caricatura ou dramatização de Deus. É Deus mesmo se dando quando experimentamos os sacramentos. A graça informada é para benefício da construção do Corpo de Cristo, a Igreja que, por sua vez é sinal (sacramento) da “instalação” definitiva do Reinado de Deus. Na eucaristia essa graça de incorporação é real e substancialmente visível, porque prenúncio daquilo que somos chamados a ser: PÃO. Mas, atenção, pra ver bem é preciso ter sido mergulhado (batismo) e confirmado (crisma) Nele. Só enxerga direito quem foi tocado pelo Senhor (cf. Mt 20,30-34). Nossa resposta ao amor que nos tocou não está pronta logo que saímos do banho batismal, a gente precisa comer essa Verdade (cf. Jo 14,6). Isso mesmo! Comer a Verdade para aprender nela mesma o que é ser cristão. A Verdade vai nos libertando na medida que professamos com a vida que Ele é Emanuel (Deus-com-a-gente – Mt 1,23).
A função primeira da eucaristia, não raro esquecida, dormente, é a de ser alimento. Assim como na experiência humana de recorrer às fontes de vitaminas, carboidratos... como lugares-fonte, na eucaristia acontece o mesmo. Nela buscamos os nutrientes para revigorar, animar e promover a vida cristã (cf. Lc 24,30s.).
Os dois pedidos fundamentais da Oração Eucarística (testemunho da memória do modo como a Igreja faz o sacramento) ajudam a vislumbrar o que ela é. Mais do que o por quê, ela aponta um para que. Dentro do coração da prece eucarística escutamos o primeiro pedido, que é essencial, sem o qual não seria possível o segundo pedido, fundamental. Sem o fundamento, o essencial deixaria de ter sentido. Eis o texto da Oração Eucarística II. [Emoldurando os dois pedidos a gente visualiza com mais clareza o que estamos teorizando].
(a) Primeiro pedido: (...) Na verdade, ó Pai, vós sois santo e fonte de toda santidade. Santificai, pois, estas oferendas, derramando sobre elas o vosso Espírito, a fim de que se tornem para nós o Corpo e † o Sangue de Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso.
(b) Segundo pedido: (...) E nós vos suplicamos que, participando do Corpo e Sangue de Cristo, sejamos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo.
A eucaristia (que é Jesus mesmo) é a responsável por formar, continuamente, o Corpo de Cristo. Somos transubstansiados Nele (origem), por Ele (meio) e para Ele (meta). Para que isso aconteça é realmente necessária uma participação “de todo o coração” no sacramento. É no e não participar do sacramento. É que a eucaristia sugere movimento “para dentro”. Jesus Cristo atua na media que somos atraídos para dentro do Mistério que é Ele – processo de incorporação, de ser tornado corpo no Corpo Dele.
Comungamos para promover a comunhão, para sermos sinais, sacramentos do Reinado de Deus. Ele, o Filho, nos convoca, quotidianamente a viver uma vida eucaristizada e por isso eucaristizante. Eucaristizados para eucaristizar. Leiam bem! Não é pra fazer discurso de prosélito (vontade de trazer todo mundo pra dentro da prédio da igreja). O projeto de ser Igreja (Corpo de Cristo) nada tem que ver com construir igrejas (com i minúsculo). O templo é importante, porém, secundariamente, e mesmo assim só se faz importante na medida que promove a Igreja com I maiúsculo. O Templo de verdade somos nós. O que deve subsistir é o desejo de transubstanciar o mundo.
Rodrigo Ladeira Carvalho
Professor do Curso de Especialização em Teologia da FAJE onde faz mestrado.
01.10.2012