Nos cursos de Sacramentos que tenho ministrado, sempre causa certo torpor quando tentamos retomar a organicidade própria dos sacramentos da iniciação à vida cristã: Batismo-Crisma e Eucaristia. É que a prática pastoral, por motivos históricos, re(des)organizou a recepção desses sacramentos, inclusive embutindo outros sacramentos na linha da iniciação[i]. Isso criou uma espécie de “anomalia” dos primeiros passos da vida cristã. É como se a gente pudesse simplesmente andar antes de engatinhar. Pulamos degraus importantes no processo de “conhecimento” de Jesus Cristo. Esquecemos que é preciso morar com Ele (cf. Jo 1,39) antes de sair por aí falando d’Ele. Certamente não basta realinhar esses sacramentos, é imprescindível reaprendermos (nós, os catequistas sobretudo) o que tem de teológico nessa forma da Igreja, desde longa data, celebrar os sacramentos, sobretudo os da iniciação à vida cristã. Os sacramentos não são uma espécie de mágica de Deus, são o tesouro da Igreja. Os sacramentos, cada um em seu nível, para adultos na fé.

 

Estava conversando com uma colega de trabalho sobre hábitos alimentares. Ela é do tipo que não precisa fazer muito esforço pra se manter em forma. É que seus costumes dietéticos são “coisa de família”, aprendidos desde pequenos como procedimento natural. Na casa dela ninguém gosta de refrigerante, frituras, biscoitos... Não sou nutricionista, mas, certamente esse gosto (ou melhor, bom gosto) alimentar, aprendido desde nova, fez e faz a diferença. É de “pequenino que se torce o pepino”.

 

Fico pensando na dinâmica interna do pré-sacramento. Com relação ao batismo é importante observarmos a lógica do acesso a ele. O batismo-crisma é o sacramento da fé. Mas, antes do sacramento, houve três passos decisivos: a) escuta da mensagem do evangelho; b) aceitação dessa mensagem na fé; c) desejo de agir conforme o que escutou. Como se vê, o sacramento (aqui o batismo-crisma) é devedor de um procedimento dialogal, feito de desejo, de atração.

 

Poderemos nos perguntar como isso poderia ser verificável na prática atual do batismo de crianças. Certamente é bastante complexo, porém, desde o início, é importante dizer, a Igreja batizava crianças, por causa do aval de seus tutores (leia-se, o núcleo familiar). Qual seria a diferença de lá para cá? Parece-nos evidente, porque deixamos que os sacramentos se transformassem naquilo que não são: ritualismo barato, que diz bem pouco do projeto que está por detrás daquilo que se celebra. Lá, ao contrário, contava com o envolvimento eficaz da família, lugar primordial do aprendizado da fé.

 

A fé cristã não é religião. Deus é mais simples que as religiões (Mario Quintana, in “Para viver com poesia, p. 73). O cristianismo é mais! É projeto de vida. Um programa de vida que deve ser apresentado desde pequenino. Como a minha colega, mais que doutrinação, é necessário criar hábitos. Portanto, uma boa catequese deveria se preocupar em colaborar com as famílias (e não o contrário), para que lá fossem incentivadas as virtudes sacramentais como caminho para a recepção dos sacramentos, quem sabe numa idade mais amadurecida?!? É que o projeto cristão não pode ser simplesmente uma operação da razão, do saber. Ele é sabor, conhecimento íntimo e pessoal, feito no diálogo com aquele que é o projeto, Jesus Cristo.

 

Uma coisa é certa: mesmo que a prática continue com a (des)ordem da iniciação cristã, precisamos nos esforçar pra reestabelecer a prática da ordem teológica. Como proceder? Relendo a bimilenar história da Igreja, voltando às fontes da vida cristã. Lá encontraremos algumas soluções pastorais mais de acordo com o seguimento na fé a Jesus Cristo.

 

Rodrigo Ladeira Carvalho.

Professor de teologia e mestrando em Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia-FAJE

15.10.2012

 

[i] P.ex., é praxe em muitas comunidades o sacramento da penitência antes da chamada primeira eucaristia.