Introdução aos Sacramentos da iniciação do cristão.

  

“Não sei amar com metade do coração.” (Eça de Queiroz)

 

Às vezes, somos tão, mas tão católicos que deixamos de ser cristãos. Católico diz respeito à religião, à instituição, mas, sobretudo, tem estrita relação com aquilo que é mais universal, ser cristão, e isso é mais que qualquer instituição, o que não quer dizer que não possa passar por ela. A verdade é que católico de verdade tem que se empenhar pra ser cristão convicto. E não sou pessimista! Conheço muitos católicos que são cristãos pra valer e muitos cristãos que não são católicos. É que ser cristão tem que ver com o carisma de um Homem-Deus que nos convida para seu seguimento. Seu nome é Jesus, aquele que ao longo do caminho (ver Lc 24, 13-35) nos faz arder o coração para nomeá-lo, desde dentro, de nosso Salvador, de Cristo.

 

O cristianismo, incluindo os católicos (parece óbvio, mas não é!), se resume na fé. Ela é fundamento e raiz. Fundamento não só porque é o primeiro que se coloca, mas porque é a base da casa, é o que a mantém em pé. Raiz não só porque está na terra onde foi lançada a semente, mas porque é da raiz que vem o alimento que dá vida à arvore, que a faz ficar viçosa, capaz de suportar as intempéries. Não podemos reduzir a casa a seu fundamento, nem a árvore às suas raízes. Parou aí, porque não podemos dizer o mesmo da vida cristã e sua relação com a fé. É que ela, a fé, é realmente o resumo mais transparente, límpido e claro do cristianismo.

 

Crer tem regência tripla: crer em Deus; crer Deus; crer a Deus. (a) Crer em Deus é fé como engajamento pessoal, no caminho de Cristo, pela força do Espírito ao Pai. É entrega de vida, mais que de boca. É ato de fé! (b) Crer Deus é consequência lógica, mas não cronológica, do primeiro movimento, se esse vem depois daquele. Se nos entregamos pessoalmente (diferente de individualmente) é porque cremos Deus, ou seja, conhecemos de algum modo o plano de Deus para o mundo e seu convite a participarmos dele. É a dimensão intelectual da fé, movimento que nos coloca na dinâmica do dar razões para fé. Crer Deus deve nos levar a crer em Deus, que é o mais importante. (c) Crer a Deus é o ato simples da nossa vontade. Cremos nele porque assim nos passou pela cabeça. Damos crédito a Deus. Há quem só creia dessa última maneira. Mas aqui teríamos que incluir o contrário do crédito, o débito.

 

O cristianismo é um projeto de humanização. Isso quer dizer que não pode ser institucionalizado, pelo contrário, ele é a força que proporciona às instituições estabelecidas, dentre elas as religiões, a viverem a fraternidade operada por Jesus, o Filho, que nos leva, pelo Espírito (vitalidade, recriação), ao Pai, num procedimento de adoção filial.

 

Todo esse volteio pra dizer algo sobre os sacramentos da iniciação cristã, que vamos chamar de “sacramentos do amor inteiro”. Quando Deus decidiu, sabe-se lá porque (Deus tem razões que a nossa razão desconhece), nos salvar, ele fez um movimento de fé na humanidade, em todas as regências possíveis (talvez até mais que essas três que acabamos de listar). O absoluto (totalmente solto) quis se relativizar (processo de descida, de desprendimento - humanização) para atiçar o coração do ser humano a fazer o mesmo movimento de volta (ver Fl 2,6-11 e Lc 15, 11-24) – processo de divinização. O jeito que a Igreja, corpo de Cristo (leia Sacrossanctum Concilium, 7), encontrou para visibilizar a salvação, operada pela lógica sem lógica da fé, estão estampadas, pintadas, emolduradas de modo programático e paradigmático, nos sacramentos. Os três sacramentos que compõem os ditos de iniciação, batismo-crisma e eucaristia, são o cajado-bota e pão de ingresso no caminho de seguimento de Jesus, aquele que é Cristo, mas que ao longo do caminho vai se transformando num Cristo mais que da pura verdade racional, porque ele vai de doando pessoalmente. Cajado-bota (cajado é diferente de muleta) para marcar o compasso da caminhada, para ajuntar os dispersos, para proteger dos perigos. Pão, para fortalecer a jornada, dar ânimo e energia.

 

Os sacramentos são instrumentos-sinais que apontam para algo maior que eles. A meta é o encontro com Deus, que não vai acontecer no fim, mas que vai acontecendo ao longo da caminhada. É que aquele com o qual nós vamos nos encontrar definitivamente, já está no meio de nós!

 

O que importa é fazer o que ele nos mandou fazer. VEM E SEGUE-ME! No caminho a gente vai aprendendo como ele quer que nossos passos sejam dados. Mas não se surpreenda quando ele disser que somos chamados a nos transformar Nele. Ops! Era pra ser segredo! É que “a Igreja está grávida e com dores de parto, até que Cristo se forme e nasça em nós, para que cada um dos santos, pela participação em Cristo, se torne Cristo” (Metódio de Filipos, in Symposion 8,8). Vamos ver se a gente apreende a poesia dos sacramentos, que são caminho de amor inteiro?!?

 

(continua nas próximas edições do Catequese Hoje)

 

Rodrigo Ladeira Carvalho

Teólogo e professor de Liturgia e Sacramentos no curso de Especialização em Teologia no Centro Loyola BH.

01.09.2012