(continuação do artigo anterior)
e) O acompanhamento personalizado
Ainda que demande um número maior de pessoas disponíveis para a tarefa catequética, vale a pena investir num acompanhamento personalizado dos iniciandos, visto que cada um tem um ritmo, uma experiência de vida e uma cosmovisão diferente do outro. “O povo que a Igreja tem a missão de acolher e servir é uma multidão, com rostos variados que precisam ser reconhecidos, identificados, personalizados”.[1] Atente-se, entretanto, para não particularizar radicalmente a caminhada, perdendo-se, assim, o vínculo essencial com a comunidade. Cuidado com catequeses desvinculadas da caminhada comunitária, das celebrações litúrgicas, de cunho individualista ou muito particularizada em grupos e movimentos. Por priorizar os adultos, o acompanhamento se complexifica, pois a demanda adulta e as indagações que trazem são mais exigentes e muitas vezes requerem atenção individualizada e muita acolhida por parte do iniciador/catequista, pois “quem chega à idade adulta com essas indagações precisa de mais do que uma síntese doutrinal. Traz toda uma vida, cheia de experiências, perplexidades, alegrias e decepções. E aí não basta estudar o cristianismo. O adulto cheio de perguntas quer descobrir sentido na vida. Nos seus relacionamentos, no mistério de Deus...”.[2]
f) O envolvimento das famílias do iniciando
É na família que o catequizando convive boa parte de seu tempo e é lá que preferencialmente se dará o testemunho cristão. “A própria vida familiar deve tornar-se um itinerário de educação da fé e uma escola de vida cristã. O futuro da evangelização depende em grande parte da Igreja doméstica.”[3] Descobrir meios para envolver e atingir a família daqueles que são acompanhados no processo de iniciação é de grande importância, principalmente em nosso tempo em que nos deparamos co novas configurações familiares. Urge que a pastoral orgânica assuma o acompanhamento das famílias do iniciando, de tal modo que ela também cresça na mesma proporção e possa ser sementeira fértil, onde se desenvolvam cristãos convictos e coerentes com sua fé. Entendendo a Iniciação Cristã como essencialmente missionária, não dá para ficar entre as quatro paredes da igreja aguardando que venham a nós as famílias. Cumpre-nos imbuir-nos da “mística do Bom Pastor”, que hoje certamente deixaria uma ovelha no redil para ir em busca de noventa e nove que estão dispersas e feridas pelos caminhos da história.
g) Catequese a partir da vida e para a vida do iniciando
O ponto de partida da catequese não é o livro, nem as definições teológicas, mas sim a vida do iniciando. O acompanhamento personalizado e o bom senso do iniciador/catequista permitem uma consideração do iniciando a partir de seu contexto, de sua realidade social, econômica, política, cultural, religiosa, existencial... “A vida, a história, as experiências, os sentimentos, os sonhos, os projetos, os medos das pessoas devem ser considerados, escutados, valorizados em todo processo evangelizador, especialmente na Iniciação à Vida Cristã. Não há como viver a vida cristã e anunciar o Evangelho sem esta realidade, pois é nela que Deus se manifesta”.[4] Se o processo de iniciação não incidir na vida, não transformá-la, se envidarão muitos esforços por quase nada!
h) Processo gradual e permanente
O processo catequético precisa respeitar o desenvolvimento natural da pessoa, em seus aspectos essenciais. Absorver, introjetar e assumir certos conteúdos fortes e relevantes demanda tempo, paciência, construção diária, foco no essencial. Por isso fala-se de catequese permanente, desde o útero materno até a hora da morte! Acolhida e sustentação do cristão no caminho de Jesus Cristo são duas dimensões que não podem ser esquecidas por nenhum itinerário de iniciação e evangelização. Mais uma vez apontamos para a necessidade de uma pastoral orgânica, centrada nos objetivos da iniciação, que proporcione ao caminhante possibilidades de se reconhecer membro da comunidade continuamente alimentado e sustentado por ela, que siga feliz o seu caminho, como aquele servo da rainha da Etiópia, evangelizado e batizado por Felipe.[5] Isso requer a sensibilidade da comunidade e do iniciador/catequista para que respeite o tempo, o “kairós” de cada iniciando, sem pressões para que tome decisões, receba sacramentos ou assuma trabalhos na comunidade. Esse elemento também reforça a ideia de uma catequese mais personalizada, que acompanhe melhor a diversidade do ritmo de crescimento de cada um, sustente itinerários diversificados conforme as várias faixas etárias dos iniciandos e conheça as suas dificuldades no discernimento e adesão ao projeto de Jesus.
i) O lugar essencial da Palavra de Deus
A Palavra de Deus, escrita na Bíblia e na vida, precisa ocupar um lugar de destaque na catequese, pois o seu conhecimento e a sua meditação ajudam o iniciando a perceber a história de salvação que continua hoje e a presença constante do Deus na vida na sua história pessoal, com força de libertação. Inseridos na mais antiga e rica tradição cristã, cabe-nos salientar a importância da Palavra de Deus como despertadora da fé e mobilizadora de conversão: "Logo, a fé provém da pregação e a pregação se exerce em razão da palavra de Cristo”[6]. Uma catequese reducionista e uma preocupação extremada com as espécies eucarísticas são responsáveis pela pouco atenção à Palavra, não reparando na veneração equiparada que o Concílio Vaticano II destacou entre as duas modalidades da mesma e única presença do Cristo, Pão do Céu a alimentar os fiéis.[7]
j) A unidade teológica dos Sacramentos de Iniciação Cristã[8]
Nos primeiros séculos do Cristianismo, quem queria tornar-se cristão fazia uma caminhada séria de iniciação, permeada por ritos, encontros humanos, aprofundamento da Palavra, inserção na comunidade e testemunho na vida cotidiana. E os sacramentos de iniciação eram celebrados numa festa só, na solene liturgia da Vigília Pascal. Historicamente, isso muda com a obrigatoriedade do cristianismo pelo Império Romano. A unidade sacramental se fragmenta, e até hoje os sacramentos do Batismo, Crisma e Eucaristia são celebrados e, infelizmente, entendidos separadamente. Se cronologicamente dificilmente se conseguirá uma unidade dos Sacramentos de Iniciação, importa que o iniciando perceba a unidade teológica que há entre eles, não fragmentando as vivências sacramentais ou isolando um do outro, sob pena de vincular-se efetivamente a nenhum deles e empobrecer a vida cristã. “A mútua referência dos três sacramentos é pouco matizada nos livros de catequese. É comum encontrarmos catequistas que não sabem relacionar o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia. É justamente esse dinamismo referencial que garante a unicidade de todo o processo, fundamenta a identidade do ser cristão e projeta-a como tarefa pascal a ser cumprida ao longo de toda a existência do fiel”.[9]
k) Compromisso Sóciotransformador
O princípio de interação Fé-Vida, fundamental característica da Catequese Renovada[10], na mais fiel tradição da Igreja latino-americana, é princípio que deve iluminar todo itinerário de iniciação cristã, garantindo que a opção preferencial de Jesus Cristo pelos pobres e marginalizados seja sempre atualizada e assumida no testemunho do cristão amadurecido e implicado com sua fé. É na vivência do compromisso sóciotransformador da sua realidade que o iniciando ( e iniciado!) vai dando sinais de adesão a Jesus Cristo e ao seu projeto de justiça, vida e fraternidade, especialmente em nosso continente marcado pela exclusão social e desrespeito à vida de tantos irmãos empobrecidos, muitos na linha de miséria. “O justíssimo desejo de levar a sério o processo de iniciação e de ter cristãos realmente comprometidos, conscientes e imersos nas grandezas do mistério da fé não pode transformar a Igreja numa sociedade excludente que não seria capaz de acolher todos os que precisam e têm direito de se sentir amados por Deus.”[11] Ênfase seja dada à defesa da qualidade de vida no planeta e a ações transformadoras que garantam ao ser humano a dignidade e a vida em plenitude.
l) Educação para o Ecumenismo e para o Diálogo Religioso
Em um mundo globalizado e plural, no qual a diversidade é cada vez mais entendida como valor e riqueza, é de grande importância que o cristão maduro na fé assuma atitudes de respeito e valorização das diferenças individuais e de grupos, especialmente religiosos. O processo de iniciação deve colaborar na educação do cristão para que este saiba acolher o seu próximo sem preconceitos, abrir-se ao diálogo religioso e a perceber as sementes do Reino de Deus espalhadas em todos os povos e culturas. Consciente de sua fé católica, mas sem fundamentalismos ou proselitismos, a pessoa que trilha o caminho da iniciação cristã é o homem/mulher da paz, do entendimento e, sobretudo, do amor que a todos aproxima, muito além das divisões sociológicas ou culturais da religião ou de qualquer outro partidarismo. “A convivência ecumênica é parte da experiência de ser comunidade com os outros discípulos de Jesus; a catequese precisa educar para essa convivência, esclarecendo o que já nos une e ajudando a dialogar com afetuosa serenidade sobre o que ainda divide as Igrejas”.[12]
Conclusão
Pentecostes acontece toda vez que a Igreja acolhe, com renovado entusiasmo e ardor missionário, as inspirações do Espírito, que “sopra onde quer”[13] e quando quer, e “renova a face”[14] da Igreja e do mundo. Retomando um pensamento inspiradíssimo de João XXIII a respeito de seu empenho pela realização do Concílio Vaticano II, podemos fazer ecoar também hoje, quando o mesmo Espírito nos sugere mudanças, esta certeza: “Não é o Evangelho que muda; nós que começamos a compreendê-lo melhor. Chegou o momento de reconhecer os sinais dos tempos, de aproveitar a oportunidade e olhar longe”. É hora de olharmos para um horizonte que nos encanta, ao mesmo tempo em que nos atrai. Ele nos encanta, pois nos faz vislumbrar uma Igreja mais madura e mais fiel ao projeto de Jesus. Atrai-nos pela imperiosa tarefa que temos que assumir, jamais como um peso, mas sim com paixão, gosto, afeto, arte e alegria...
Pe. Vanildo de Paiva
Assessor do Instituto Regional de Pastoral Catequética -IRPAC - Leste 2
15.08.2012
[1] Estudo 97 da CNBB, n. 110 (grifo em negrito nosso)
[2] Idem, n. 08
[3] Diretório Nacional de catequese. n. 238
[4] Estudo 97 da CNBB, n. 109
[5] Cf. At 8,26-39
[6] Rm 10,17
[7] Cf. DV n. 21; VD n. 55-56
[8] A esse respeito, há um interessante capítulo (3º) no livro: Catequese com estilo catecumenal, de Antônio Francisco Lelo. Paulinas: 2008
[9] Idem, p. 40
[10] Documento Catequese Renovada, n. 113
[11] Estudo 97 da CNBB, n. 98
[12] Diretório Nacional de Catequese, n. 219
[13] Cf. Jo 3,8