Apontamentos para reflexão

 

A URGÊNCIA DE UM PROJETO SÓLIDO DE INICIAÇÃO CRISTÃ

Vivemos em um tempo de mudanças velozes que traz a todos a sensação de relatividade da vida, de caducidade de todo conhecimento dito definitivo, de instabilidades quanto a valores e princípios existenciais e éticos, de incertezas quando ao futuro da humanidade e do planeta. A globalização em todas as suas dimensões, o avanço desenfreado da técnica e do mundo virtual, as pesquisas e descobertas científicas, o descontentamento em relação aos sistemas de governo e econômicos, as grandes convulsões sociais, se, por um lado, trazem um forte apelo ao ser humano para que assuma e se assenhoreie de sua história, acredite no seu potencial e conquiste um mundo melhor, por outro lado coloca este mesmo ser humano num chão de inseguranças e confusão. O medo, a decepção com as lideranças, a desconfiança em relação a tudo o que se apresente como definitivo e absoluto, a fragmentação da realidade em detrimento da visão de um todo unificado, são algumas das atuais características que marcam o homem “líquido”, que vive numa época “líquida”, carente de sentido e em busca de realização: “a era da modernidade líquida em que vivemos – um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível – é fatal para nossa capacidade de amar, seja esse amor direcionado ao próximo, a nosso parceiro ou a nós mesmos”.[1]

 

Neste contexto complexo e plural situam-se os adultos e crianças, “ovelhas sem pastor[2], aos quais o Senhor continua enviando os seus discípulos missionários: “Ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel[3]. São eles, principalmente os adultos, os interlocutores e sujeitos da evangelização hoje. São eles que, junto aos inúmeros questionamentos por conta do momento histórico que vivemos, querem também respostas a questões profundas relativas à sua sede de sentido e realização para a vida. São eles que buscam, muitas vezes até sem saber que o fazem, um encontro com o Único capaz de lhes preencher o coração, como um dia Ele fez à Samaritana, ao dizer: “Sou eu, que estou falando com você[4]. “Essa busca, a pergunta por Deus, está em todos nós. Muitos são os que andam inquietos pelo mundo, descontentes com propostas que ainda não conquistaram sua mente e seu coração; há também outros, que de certa forma perderam de vista o Transcendente, ao se deixar levar pelo imediatismo, pelo materialismo, e pelas muitas seduções de uma sociedade que valoriza outras conquistas...Mas, também estes poderão descobrir essa necessidade básica, bem humana, de buscar a fonte do mistério da sua própria existência”.[5]

Grande parte dessas pessoas não foi, de fato, evangelizada, ainda que já tenha ouvido falar de Jesus. A maioria recebeu um “verniz”[6] de Evangelho, que não lhe chegou ao cerne, por conta de uma catequese intelectualizada e moralista, com pouca ou nenhuma repercussão na vida cotidiana. Poucos cresceram em famílias cristãs praticantes. A minoria encontrou uma comunidade acolhedora e formadora na fé, onde pudesse amadurecer na fé.  Na visão de muitos, a Igreja tornou-se um grande pronto socorro, ao qual se recorre na hora de uma aflição ou necessidade, tendo o padre como agente credenciado para lhes oferecer remédio e cura imediata, através de um sacramento visto de maneira mágica, de uma bênção ou de uma graça a ser negociada com seu santo predileto. Sem contar aqueles que se desencantaram com a Instituição ou, por vários motivos, se afastaram (ou foram afastados!) dela...Um grande leque[7] se abre, apontando para tantas direções de adultos que, ainda que não peçam, precisam de uma resposta eficaz e séria da Igreja, que supere em muito a maquiagem dos “cursinhos intensivos” para Sacramentos: “isto não se faz num cursinho rápido e nem mesmo numa catequese isolada de outros aspectos da vida eclesial. Não se trata de ‘aprender coisas’, mas de adesão consciente  a um projeto de vida”.[8] 

Faz-se necessário, portanto, um projeto sólido e bem estruturado de (re)iniciação à vida cristã, que acolha os desafios do tempo presente, recupere a rica experiência da tradição da nossa Igreja – especialmente dos primeiros séculos!- e atualize a memória e a experiência de Jesus Cristo mais do que às demandas, às necessidades dos homens e mulheres de hoje. 

 O MODELO CATECUMENAL

Nesses quase dois mil anos de missão, a Igreja foi tentando se adaptar as exigências de cada época, ora com mais eficácia, ora com parcos resultados. O catecumenato[9], processo catequético de iniciação dos primeiros séculos, foi uma maneira muito criativa encontrada para responder às urgências da época, tornando-se “verdadeira escola de fé”[10]. Hoje ele é proposto pela Igreja como modelo, visto apresentar elementos muito importantes, que, adaptados à nossa realidade, podem contribuir eficazmente na elaboração de itinerários próprios para cada contexto, para repensarmos o processo evangelizador e catequético atual. É importante ressaltar que a ideia de “modelo” apresentado pelos Diretórios Geral e Nacional de Catequese, bem como por outros documentos, não significa que se deva impor a mesma metodologia dos primeiros séculos, mas que o catecumenato antigo sirva antes de inspiração, leve-nos a uma mística, a um estilo iniciático de encontro e introdução da pessoa no mistério de Cristo, para que alcance a maturidade da fé e possa dizer, como concluiu o apóstolo Paulo: “Já não sou eu mais que vivo; é Cristo que vive em mim!”[11]. A proposta do estudo 97 da CNBB parece ser sensata ao alertar que o modelo catecumenal  “não é um projeto fechado, para ser seguido ao pé da letra em todas as situações. Há muita possibilidade – e certamente haverá necessidade – de adaptações, soluções locais criativas, maneiras de conviver com eventuais carências”.[12]

(obs: O artigo completo será publicado nas próximas duas edições) 

 Pe. Vanildo de Paiva

Professor de Catequese e Liturgia no IRPAC

15.07.2012

 


[1] BAUMAN, Z. Amor Líquido. ZAHAR: Rio de Janeiro, 2003

[2] cf. Mc 6,34

[3] cf. Mc  10,5-6

[4] Jo 4,26

[5] Estudo 97 da CNBB, n. 04

[6] Cf. Diretório Nacional de Catequese, n. 37

[7] O Estudo 97 apresenta, no número 112, uma relação bastante interessante da diversa situação religiosa de nosso povo

[8]  Estudo 97 da CNBB, n. 08

[9] Cf. Estudo 97 da CNBB, n. 71-89

[10] cf. Diretório Geral da Catequese, n. 130

[11] Gl 2,19

[12] Idem, n. 159