Gosto de pensar que a mesma raiz etimológica une, em grego, o adjetivo “belo” (“kalós”) e o verbo “chamar” (“kaléo”). A beleza surge assim como um chamamento. 

Cada vocação humana é a resposta à atração de alguma coisa (ou de alguém!) que nos chama. Sem este apelo fundamental, a nossa vida seria privada de motivação, e cada vez mais distante da sua realização autêntica.

A verdade é esta: se a alegria do encontro, se a surpresa de um enamoramento, de um «que belo!» gritado com o coração, não precede as renúncias ou os sacrifícios, estes não geram a não ser tristeza, rigidez, rigorismo e frustração. A vida não começa com a ética, mas com a estética. Avança não por obrigação, mas graça à força da atração.

Na vida não se segue em frente por decreto. Como na parábola de Jesus, o ponto de transformação é a descoberta da pérola oculta ou do tesouro no campo. Só assim experimentaremos que «onde está o nosso tesouro, aí estará também o nosso coração». 

A vida humana não é estática, mas extática. A vida é êxtase, movimento, desejo de união ao objeto do amor. Consuma-se por uma paixão que germina de uma beleza capaz de nos iluminar.

Todavia, pertencemos a um tempo e a uma cultura que parecem ter renunciado à beleza. Para a redescobrir, teremos provavelmente de abraçar o silêncio e a lentidão dos caminhos menos frequentados.

D. José Tolentino Mendonça 

In: Avvenire