Ao longo do caminho surge uma figura humana, ferida, sofrida desfacelada. Está em meio ao lixo. Busca algo para comer. Não diz, mas grita por socorro. Está visivelmente destruído da condição de ser gente. Vive como um bicho, sujo, largado, pouco visto pelos outros. E trata-se de uma pessoa como eu, você, igual a todos nós. O que aconteceu? O que o fez tomar esse rumo? Caiu nas mãos de bandidos? Quem o vê? Alguém lhe estendeu a mão?
Enquanto o mundo consumista nos enganar com seus encantos e fantasias de felicidade, satisfação de desejos e criação de sobrepostos prazeres, não saberemos responder nem agir frente a miséria humana. É com a lente que usamos para ver o mundo que o construímos. Não veremos um universo humanizado ao nosso redor se não usarmos lentes de dignidade, de respeito, de humanidade. Preenchemos nosso tempo com afazeres que logo se desfazem, damos valor a objetos que não valorizam a mão de obra que o fez, desrespeitamos a história, destruímos os sentidos, matamos.
Algumas ações promovem ânimo e revigoram nossos desejos de sentido profundo: campanhas para salvar um hospital, mobilizações em defesa da comunicação da esperança e da vida, acolhimento de humilhados e excluídos. No entanto, outros movimentos parecem desconstruir a caminhada trilhada com tantos esforços: durezas de corações, silêncios forçados, ambientes de medo e repressão. O humano deixado pelo caminho segue sufocado. Passam tantos e não conseguem aliviar e cuidar. Não derramam azeite, perfume, amor para fraternalmente promover as conexões vitais. Quem passa adiante na atitude de desprezo também segue sem perceber que está sendo deixado pelo caminho do que pode dar sentido autêntico à vida.
Os tempos difíceis que hoje vivemos são das lacunas e vulnerabilidades internalizadas. Estamos samaritanos de nós. Precisamos nos cuidar para retomar a condição que nos capacita para cuidar do outro. Constantemente me vejo caído nas armadilhas do meu próprio assalto. Me deixo às margens da estrada, sem cuidado, sem me amar. Como serei capaz de amor outros se não derramar sobre mim o azeite do encontrar-me?
Pe. Evandro Alves Bastos
10.07.2019