Para compreender a coroa do Advento, precisamos mergulhar no mundo dos símbolos. Esse mundo é silencioso e despretensioso, sem muito interesse de convencer, nem de se impor racionalmente. É um mundo transparente que faz parte das camadas mais profundas do nosso ser, escapando entre os dedos, diante de qualquer tentativa de apreensão racional ou intelectualista. Para esse mundo vale mais a capacidade de encantar-se, de se deixar conduzir, de se permitir não entender, de admitir que na vida tem lugar para o belo, o inútil, o desproposital, o segredo, o mistério. O símbolo nos escapa, mas ele sempre vem e compõe a nossa vida. E não há existência que valha a pena sem símbolos… é coisa da alma, dos sonhos, do coração… Sem símbolos, sem gratuidade, sem beleza, a vida fica cinza, opaca e tristemente dura, pragmática, implacável e insuportável.

No tempo em que a energia elétrica não era acessível às casas, quando se fazia noite e a escuridão impedia muitos afazeres, acender uma luz era uma coisa muito importante, até mesmo religiosa. Os meios variavam conforme as regiões e culturas: as candeias, as lamparinas, as velas, os lampiões clareavam a escuridão da noite permitindo caminhar, cumprir as tarefas domésticas, terminar a jornada com aquelas últimas funções do dia: tomar um banho, preparar um jantar, arrumar a cama, recolher as ferramentas de trabalho, conversar um pouco, contar casos, relatar acontecimentos, rezar… Sem nem nos dar conta, lá estava a lamparina acesa, iluminando silenciosamente e fazendo um percurso secreto do corpo para dentro da nossa alma.

Mesmo depois da invenção da lâmpada elétrica, quando se acende uma vela, ou mesmo uma luminária, esse caminho se abre dentro da alma, e aquela luz do pavio, crepitando ao sabor do vento, transporta-nos para tempos idos, lembranças marcantes, experiências profundas e escondidas, coisas inauditas e indescritíveis, belas e verdadeiras… Vale também para aqueles que não viveram nos tempos da lamparina, ou das velas e candeias. É que sua imagem universal tem um enraizamento que supera as gerações, atravessa a genética e a biologia, se junta aos arquétipos mais profundos, herdados e desconhecidos e se afirma ainda capaz de transportar para outro mundo, o mundo onde somos visitados por Deus, pelas grandes intuições e princípios, pelos segredos que regem e adornam o nosso ser.

Toda essa reflexão serve para responder a uma pergunta: “Qual o sentido de cada vela do Advento?” Essa pergunta não pode ser respondida, para a decepção de nossa ânsia de apreender a realidade com os nossos raciocínios. As palavras não dão conta dessa experiência. Símbolo é uma relação; como comer um prato preparado pela mãe. Não se explica. Apenas come-se e enche-se o coração do amor maternal. Ou ainda, como um abraço na hora do pranto. Agarra-se ao outro apenas, sem explicações, permitindo que apenas o corpo fale. Acender uma vela, de domingo a domingo, nas quatro semanas que precedem o Natal, perfaz um ciclo de espera. Tem a ver com a gratuidade (no sentido da absoluta inutilidade), de aguardar alguém desejado no meio da noite. Esse alguém, pode ser aquele que vem iluminar a escuridão mais profunda da vida, como um noivo amado que nos aquece com o seu amor, ou um Senhor zeloso nos deixa guarnecidos para produzir luz, ou ainda um juiz que incendeia nossa lâmpada ou a apaga de vez… Ou nenhuma dessas imagens. Pois o símbolo nos escapa… É ele determina ou deixa de ser.

O risco, comum a todos nós, é alegorizar, tentando atribuir um sentido externo, das ideias para o sinal. O sentido, ao contrário, vem de dentro da vela, da chama, do pavio, da cera que derrete, do escuro incontrolável, sem dizer a hora, pegando desprevenidos, sugerindo e insinuando, encantando delicadamente, como a luz de uma vela no escuro da noite. É preciso entrar no jogo do acendimento, esvaziar-nos das perguntas, não impor respostas, nem arriscar explicações. Abrace a decepção de não ter respostas! Aguente o silêncio. Arrisque contemplar.

A coroa do Advento é originalmente um símbolo da casa, um símbolo doméstico. Quando for preparar uma coroa do Advento, curta a experiência de colher plantinhas verdes do seu quintal, ordená-las entre as quatro velas (de qualquer cor!), numa vasilha circular, onde se possa manter as plantinhas úmidas e viçosas. Se necessário, renove as plantinhas.  Aos domingos, antes das refeições, acenda as velas progressivamente, uma a cada domingo, cante um refrão (a nós descei, ou ó luz do Senhor), peça a Deus luz para a sua vida, para sua casa e para sua família. Simples assim.

Padre Danilo César, é presbítero da Arquidiocese de Belo Horizonte – Pároco da Paróquia de Santana, no bairro Serra. Liturgista, formado em Roma, doutorando pela FAJE/CAPES. membro do Secretariado Arquidiocesano de Liturgia e da Rede Celebra. 

In: site arquidiocese de BH 

28.11.2020