O Natal de Jesus traz em si uma pedagogia que deveria ser compreendida e experimentada por todos nós, para que iluminados por ela, dissipássemos as trevas que insistem em nos rodear.
Diferentemente da proposta cristã de unidade, da soma de esforços tendo em vista o bem comum, a sociedade contemporânea promove um nocivo individualismo, projetando em nossas relações a meta de sermos os melhores, maiores, mais ricos materialmente, os primeiros e superiores. Buscando sua apoteose desta forma, a humanidade se perde nas trevas do egoísmo, da indiferença, da ganância, da arrogância e do desamor.
Paulo aponta em sua epístola aos romanos que devemos “proceder honestamente como em pleno dia” (cf. Rm 13,13), onde a luz do sol ilumina nossas ações e nos faz enxergar melhor qual a direção acertada a tomar. Ao revés, durante a noite, onde a escuridão impera, testemunhamos o verdadeiro inferno (ausência de luz) com uma maior incidência de assassinatos, estupros, roubos, agressões, tráfico de drogas, acidentes, também de conluios para a aprovação de projetos perversos, escurecendo ainda mais as vidas dos que já se encontram nas margens sombrias da sociedade. Assim, como Paulo, constatamos que “a noite já vai adiantada”, mas confiantes e esperançosos professamos: “O dia vem chegando!” (cf. Rm 13,12).
“A Luz resplandeceu em plena escuridão, jamais irão as trevas vencer o seu clarão!” Assim compôs Reginaldo Veloso em seu “Hino ao Verbo de Deus”. Na noite do Natal as trevas não prevaleceram, pois foram vencidas pela Luz Divina que, rompendo a escuridão, se encarnou e fez brilhar para nós o caminho da salvação. Tal como à Maria e José, aos reis magos, pastores e à toda criação foi dada naquela noite a sublime graça de contemplar o Mistério do Deus que se fez Homem, também a nós é concedido, a cada Natal, reaprendermos e nos iluminarmos com esta grande lição de humildade, assimilada maravilhosamente bem por Paulo, que a ensinou aos Filipenses:
“Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus: Ele, sendo na forma de Deus, não usou de seu direito de ser tratado como um deus, mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo, fazendo-se semelhante aos homens. Reconhecido em seu aspecto como um homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz.” (cf. Fl 2,5-8).
Ora, se o próprio Deus onipotente, onisciente e onipresente não quis se valer de suas prerrogativas divinas, mas sendo de tudo o Criador se fez criatura como nós e para nós, aí está o farol norteador da humanidade, que também deverá esvaziar-se de suas frivolidades, assumir o serviço amoroso recíproco e humilhar-se perante os paradigmas superficiais estabelecidos pelos poderosos deste mundo, fazendo-se assim obediente até a morte, para que possamos, um dia, sermos mais um ponto de luz que brilhará na eternidade.
A partir da lógica cristã inaugurada no Natal de Jesus, compreendemos toda a sua vida e missão: vida que se encarnou e ainda se encarna nas fragilidades e misérias humanas, a fim de fazer com que esta renasça em sua condição criatural genuína: a de ser “imagem e semelhança de Deus” (cf. Gn 1,26). Destarte, a celebração da noite de Natal está visceralmente ligada à noite que testemunhou a Páscoa de Jesus, reacendendo em nós uma chama nova para que correspondêssemos à afirmação do Senhor: “Vós sois a luz do mundo” (cf. Mt 5,14a).
É assumindo o modelo do Menino Luz que a humanidade encontrará o meio para sua verdadeira deificação, pois se Deus fez-se homem, rebaixando-se, humilhando-se, a ponto de inclinar-se para defender uma condenada à morte por seu pecado (cf. Jo 8, 6b), para lavar os pés de seus discípulos (cf. Jo 13, 4-10) e, do alto da cruz, para dar sua vida por todos, assim também devemos nos inclinar e nos encarnar no mundo, para o iluminarmos de dentro, com a certeza de que nos humilhando é que seremos elevados, e que para sermos os primeiros, deveremos nos fazer servos de todos (cf. Mt 20, 26-27; Mc 10, 43-45; Lc 22, 24-27). E nisto consiste o esplendor da divindade de Jesus, Luz que se fez carne, iluminando o caminho para a humanidade.
“Ó luz radiosa e multiforme,
Brotada das águas do batismo
E descida do céu,
Nós te adoramos!”
(“Luz adorável” – Jaci Maraschin)
Daniel Reis
Daniel Reis é bacharel em Direito e em Teologia pela PUC Minas. Cursou Especialização em Liturgia, pelo Centro de Liturgia Dom Clemente Isnard e Universidade Salesiana de São Paulo (UNISAL). Membro do Secretariado Arquidiocesano de Liturgia (SAL) e Auditor do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de Belo Horizonte. Membro da Comissão de Liturgia da CNBB-Leste II. Membro da Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI).