Sempre figura nos dicionários, como um dos significados possíveis para “solidariedade”, a ideia de uma adesão à causa de outrem, de uma solicitude desinteressada e generosa disposta a ajudar e acompanhar alguém em uma determinada situação. Indo além, nos recorda o Papa Francisco:

 “Embora um pouco desgastada e, por vezes, até mal interpretada, a palavra ‘solidariedade’ significa muito mais do que alguns atos esporádicos de generosidade; supõe a criação duma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos (...)” (Evangelii Gaudium, 188)

Desta forma, é possível compreender a forma com que Deus se solidariza à humanidade. Na história da salvação, não agiu somente em favor de alguns, isoladamente, mas visava sempre o bem comum, priorizando, como bem disse o Papa Francisco, a “vida de todos”. Na “plenitude dos tempos” (Gl 4,4), quando esta vida estava ameaçada veementemente pelo pecado da insolidariedade humana (e ainda está!), Deus se fez solidário à nossa causa: “não usou de seu direito de ser tratado como um deus, mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo, fazendo-se semelhante aos homens” (Fl 2,6-7), para nos servir o dom da salvação.

Com o Natal de Jesus, Deus se solidarizou e se solidariza à nossa condição frágil, pequena, limitada, nos ajudando a perceber que somente pela mútua solidariedade é que nasceremos, um dia, para a vida eterna, pois nascendo em nossa vida, nos faz nascer para a Vida d´Ele; humanizando-se, diviniza-nos; rebaixando-se, eleva-nos; esvaziando-se, preenche-nos. É o que rezamos no prefácio da Liturgia Eucarística do Natal:

“(...) Por Ele, realiza-se hoje o maravilhoso encontro que nos dá vida nova em plenitude. No momento em que vosso Filho assume nossa fraqueza, a natureza humana recebe uma incomparável dignidade: ao tornar-se Ele um de nós, nós nos tornamos eternos.”

Esta belíssima forma de Deus se solidarizar conosco tem uma marca fundamental: a gratuidade. A pseudossolidariedade que muitas vezes experimentamos, é carregada de um interesse retributivo, onde se oferece ajuda a alguém para com ela se criar um crédito, a ser futuramente cobrado e executado, desfigurando assim o genuíno sentido da solidariedade. Com Deus, a Graça é de graça, e se assim a recebemos, assim devemos dá-la (cf. Mt 10,8b). O que se busca é ser solidário, de forma desinteressada e altruísta, pois dessa forma, nos diz Jesus, “serás feliz porque eles não têm com o que retribuir” (Lc 14,14a).

Se Deus se solidarizou à nossa causa, é hora de nos solidarizarmos à causa de Deus, que é a causa do Reino. É hora de também assumirmos a carne empobrecida dos nossos irmãos e irmãs marginalizados, fragilizados, esquecidos, para devolver-lhes a dignidade; é hora de nos encarnarmos no mundo, para que, como Jesus, salvá-lo a partir de dentro, e não mais vivermos como se estivéssemos acima d´Ele; é hora de passar da mera solidariedade mental à solidariedade manual, que arregaça as mangas e vai à luta, como mais uma vez nos ensina o Papa Francisco:

“A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, torna-se assim um estilo de construção da história, um âmbito vital onde os conflitos, as tensões e os opostos podem alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida.” (Evangelii Gaudium, n. 228)

É hora de unir o Natal à Páscoa, como oportunidade de nascer e renascer para uma vida nova, construir uma nova história e fazer deste um mundo novo!

Daniel Reis

Daniel Reis é bacharel em Direito e em Teologia pela PUC Minas. Cursou Especialização em Liturgia, pelo Centro de Liturgia Dom Clemente Isnard e Universidade Salesiana de São Paulo (UNISAL). Membro do Secretariado Arquidiocesano de Liturgia (SAL) e Auditor do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de Belo Horizonte. Membro da Comissão de Liturgia da CNBB-Leste II. Membro da Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI).