A palavra “advento” é de origem latina e significa “chegada”, “aproximação”, “vinda”. No Ano Litúrgico, o Advento é um tempo de preparação para a segunda maior festa cristã: o Natal do Senhor. Este tempo é marcado por uma vivência mais profunda da vida de oração. A leitura orante deste período nos coloca em contato com as profecias de salvação do Antigo Testamento, com a expectativa que os cristãos da Igreja primitiva tinham da Parusia e com os eventos principais que antecederam o nascimento de Jesus.
A liturgia do tempo do advento contém uma autêntica espiritualidade litúrgica, centrada na vinda do Senhor e sua espera; a vinda do Senhor na carne e no fim dos tempos, assim como sua constante presença na Igreja que é prefigurada de modo particular em Maria, virgem, mãe da esperança.
Três figuras bíblicas nos são apresentadas e ganham destaque na celebração do Advento: todos os personagens do Antigo Testamento que expressam o anseio pela vinda do Messias, especialmente o livro de Isaías e os Salmos 79 e 84; João Batista, porque foi vocacionado a ser o precursor do Messias; Maria, porque foi escolhida por Deus para ser a mãe do Salvador.
A espiritualidade do Advento também é marcada por algumas atitudes básicas: a preparação para receber o Cristo; a oração e a vivência da esperança cristã. A preparação para receber o Senhor se dá na vivência da conversão e da ascese. Precisamos ter um olhar atento sobre nós e a realidade que nos cerca e nos empenharmos para correspondermos com a ação do Espírito de Deus que quer restaurar todas as coisas.
Para John Henry Newman o nome do cristão é “aquele que espera o Senhor”. Porém, devemos reconhecer que durante séculos, no Ocidente, a expectativa da vinda do Senhor tem sido uma dimensão ausente na vida de fé dos cristãos. Alguém já escreveu: “Estou cansado de ver os cristãos que esperam a vinda de seu Senhor com a mesma indiferença com que esperam a chegada do ônibus”.
O revelador dessa realidade é a maneira habitual de compreensão e vivência do Advento. Estou convencido de que o Advento hoje, é o tempo litúrgico menos compreendido em seu valor e significado. Foi reduzido apenas ao tempo de preparação para a festa de Natal. Que triste! Não se entende que o Advento é a chave de todo o ano litúrgico: a escatologia é a verdade esquecida de todo o ano litúrgico.
O Advento é a chave para entender a celebração das festas da manifestação do Senhor em carne e osso: os fatos que imediatamente precederam o nascimento de Jesus Cristo, seu nascimento em Belém, a demonstração aos Magos, o batismo no Jordão…. Compreendidos em sua inteligência espiritual, os textos litúrgicos do Advento não expressam apenas a expectativa de um nascimento já ocorrido na história de uma vez por todas, mas sim a expectativa da vinda definitiva de Cristo em sua glória.
O modo de viver o Advento é símbolo da perda generalizada da dimensão escatológica que é uma das características distintas do cristianismo ocidental moderno e contemporâneo. A espiritualização progressiva da escatologia levou a existência cristã a sofrer de um grave mal: a amnésia da Parusia. Observamos como a doença do nosso tempo é a vontade de esquecer o advento de Deus, mas devemos recordar que somos homens e mulheres do Advento, que têm em seus corações a urgência da vinda de Cristo, e com olhos que espiam, buscando nos horizontes de suas vidas seu rosto amanhecendo.
Hoje, devemos reconhecer, que há uma patologia no modo de viver o Advento. Na realidade, o Advento é o único e específico tempo cristão, isto porque um tempo de jejum e penitência como a Quaresma compartilhamos com o Islã, o tempo da Páscoa com o judaísmo, mas a expectativa da vinda do Kyrios é apenas cristã. Só nós cristãos aguardamos o retorno de Cristo prometido: “Sim, eu venho em breve. Amém!” (Ap 22,20). Por essa razão, privar o ano litúrgico de sua dimensão escatológica constitutiva significa subtrair da fé cristã a dimensão da esperança.
Assim compreendido e vivido, o Advento seria um momento muito mais eloquente no ano litúrgico para os fiéis de hoje. Homens e mulheres que lutam para ter esperança porque são privados de toda a esperança, às vezes até incapazes de esperar. Por essa razão, é necessário prestar atenção às liturgias que são muito festivas chegando ao limite do superficial, excessiva em tons e acentos, como se devemos sempre e a qualquer custo fazer festa.
Precisamos de liturgias capazes de dar razões para esperançar corações cansados e fatigados, capazes de reerguer todos que, como os discípulos de Emaús, param “com um rosto triste”. Sabemos que a dificuldade em acreditar e em confiar nos outros, na vida, no futuro, é um dos traços que caracterizam os homens e as mulheres do nossos dias e isso não pode deixar de impactar e marcar a fé do crente contemporâneo.
Entendendo o ano litúrgico não apenas como um ciclo, um anel fechado em si mesmo, mas como um movimento helicoidal que coloca a fé no caminho, no preciso contexto antropológico, cultural e social em que vivemos, para entender que nossas liturgias, e mais geralmente as celebrações dos sacramentos, são hoje chamadas a hospedar uma maneira de viver a fé, mesmo entre os crentes mais assíduos, que não é mais, como no passado, a soma de certezas inabalável, mas a expressão de um desejo por algo e de alguém em quem se pode esperar, de modo que acreditar signifique abrir-se e apegar-se a uma esperança.
De fato, hoje a fé precisa ser vivida principalmente como abertura à esperança. Nutrir a esperança, essa é hoje a primeira tarefa do ano litúrgico, dando razões para alimentar e exercitar-se no crer que não se é realidade visível, e essas realidades são nossa salvação. Sair da precariedade em que se encontra para entrar um dia na condição de beatitude em Deus. “Só a esperança na vida eterna nos torna devidamente cristãos”, escreveu Agostinho.
Hoje é muito difícil falar de esperança, dar razões da esperança, mas essa é a tarefa atual do ano litúrgico, porque a falta de esperança torna o homem estranho ao tempo, irremediavelmente ausente deste tempo presente. A esperança é exatamente esta: querer infinitamente o finito, é viver eternamente o tempo. Como Emmanuel Mounier escreveu em um ensaio dedicado a Péguy, a esperança “recria o que o hábito desfaz. É a fonte de todos os nascimentos espirituais, de toda liberdade, de toda a novidade. Precisamos semear começos onde o hábito leva à morte”.
O tempo do Advento é um tempo propício para animar a virtude da esperança, com a consciência de que somente Deus é o Salvador do mundo e que n’Ele reside o sentido de toda a existência. A virtude da esperança, suscitada pela vinda de Cristo, encontra no tempo do Advento um complemento necessário: a vigilância.
Maranathá, Vem Senhor Jesus!
Washington Paranhos SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia