Martírio

Direção e roteiro por Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita.

Elenco/Entrevistados: Celso Aoki, Myriam Medina Aoki, Oriel Benites, Tonico Benites e comunidades Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

Este documentário realizado por Vincent Carelli e codirigido por Ernesto de Carvalho e Tita, é o resultado de um trabalho de mais de vinte anos que acompanha de perto as frustrações da comunidade Guarani Kaiowá, índios que habitam o centro-oeste do Brasil. Compilando imagens históricas de há mais de cem anos, Carelli, de forma bastante didática, expõe a situação deste povo, o sofrimento, as frustrações e os que mantêm alegres mesmo em tempos difíceis.

Como sabemos dos relatos e das aulas de história nas escolas, não é novidade para nós que o índio habitava nossas terras antes de portugueses e espanhóis chegarem. A partir de Martírio, contudo, vemos que esse objetivo de conquista e dominação em favor da expansão do poder imperialista não mudou o meio de se atingir um fim que agora apenas muda de nome: a expansão econômica e o aumento de lucros pelos produtores rurais. Dessa maneira, os índios que dão início à uma trajetória de constante mortes, chacinas e expulsões de suas terras durante sua história, conseguem datar especificadamente a primeira lembrança onde tudo aconteceu: a Guerra do Paraguai de 1864 a 1870, a qual redefiniu o desenho das fronteiras de Argentina, Paraguai e Brasil até vir a ser determinado para o que conhecemos hoje. Aglomerados principalmente no centro-oeste brasileiro, mais especificadamente no Mato Grosso do Sul, após uma redução bastante considerável de sua população ao longo das décadas, a briga entre fazendeiros e índios realmente alavancou quando Getúlio Vargas almejou expandir as terras do oeste brasileiro e investir em infra-estrutura, momento este que contou com a mão-de-obra indiana em troca de terras, cuja promessa nunca veio a se concretizar. Posteriormente, com a ditadura brasileira, vários dos instrumentos de tortura eram utilizados e testados neles. Com a memória viva, Carelli entrevista as próprias vítimas deste período, um lugar em que uma delas declarou que denominavam as prisões de “matadouro de índios”.

Carelli consegue de maneira eficaz e com maestria evocar estes sentimentos, não tomando partido da situação (embora não esconda seu envolvimento e sua opinião), mas ao menos dando voz aos dois lados da moeda para que nós, espectadores, possamos desconstituir e desmitificar várias informações, como já mencionado. Com uma narrativa longa para projetos de formato documental, e com duração de 162 minutos que, infelizmente, as vezes se estende muito em determinados temas, mas que são necessários para este estudo antropológico maravilhosamente bem feito.

E a obrigatoriedade e urgência deste filme é tanta pelo seu caráter histórico e humano, que deverá ser exibido em todas as aulas de história de todas as escolas e faculdades do Brasil.

Gabriella Tomasi

In: iconedocinema.com