Evelyn (Michelle Yeoh) e o marido Waymond (Jonathan Ke Quan), de origem chinesa mas desde há anos a viver nos EUA de hoje, gerem uma lavandaria “self-service”. O negócio não corre muito bem, e temem o encontro com Deirdre (Jamie Lee Curtis), intransigente inspetora do Fisco. E os problemas em casa também complicam a relação familiar.
Este poderia ser um dos ângulos para observar a narrativa de “Tudo em todo o lado ao mesmo tempo”, que, depois de ter sido galardoado com dois “Globos de Ouro”, ganhou, esta madrugada, o maior número de Óscares, vencendo sete das onze categorias a que era candidato: melhor filme, melhor realização e melhor argumento original Daniel Kwan e Daniel Scheinert), melhor atriz (Michelle Yeoh, icónica intérprete de “O tigre e o dragão”), melhor ator secundário (Ke Huy Quan, que se estreou, ainda criança, sob a direção de Steven Spielberg, com “Indiana Jones e o templo perdido”, seguido de “Os Goonies”), melhor atriz secundária (Jamie Lee Curtis) e melhor montagem (Paul Rogers).
«Um filme sobre a compaixão no cais.» Assim o definem os realizadores, conhecidos como os Daniels. Trata-se de uma obra singular e fascinante, provavelmente devedora do universo criativo de “Matrix”, com a sua mistura de fantástico, futurista e filosófico, como também do cinema dos irmãos Anthony e Joe Russo (realizadores dos “Avengers”, aqui como produtores).
A loucura e o multiverso são dois elementos a que os cineastas recorrem para narrar uma história trivial, basilar: a recuperação do diálogo numa família que encalhou nos baixios do sedentarismo. Como sublinham os realizadores: «É um filme sobre uma mãe que aprende a escutar a sua família no meio do caos mais total».
No lar, Evelyn está sob pressão pela dificuldade em cuidar do pai idoso, Gong Gong (James Hong), pela descoberta de que o marido pretende pedir-lhe o divórcio e porque as relações com a filha de 20 anos, Joy (Stephanie Hsu) estão complicadas, não conseguindo aceitar-lhe a homossexualidade. E durante a reunião com o Fisco, Evelyn é catapultada para uma girândola de universos paralelos…
O espectador fica literalmente atónito perante um filme visionário, alegre e retorcido, que mostra toda a sua beleza ao chegar ao fim. É uma viagem em vórtice na mente da protagonista Evelyn e dos seus próximos, uma viagem que recorda o multiverso da Marvel (“Doctor Strange” à cabeça), mas também a mencionada tetralogia “Matrix”.
“Tudo em todo o lado ao mesmo tempo” é um fogo-de-artifício de sugestões artísticas, filosóficas e cinematográficas, que os Daniels governam com talento e evidente divertimento. Os intérpretes, todos excelentes, correspondem ao desafio e dão espessura às emoções em campo. É sobretudo esplêndida a atuação de Michelle Yeoh, capaz de manter elevada a intensidade dramática num caleidoscópio de passagens ilógicas e fascinantes.
Para além do excesso narrativo, que de vez em quando encontra o grotesco, o filme oferece uma profunda e original leitura da necessidade de colocar o diálogo no centro das nossas relações, no tecido familiar. Uma só expressão de Evelyn, «dêmo-nos uma possibilidade», imprime realismo e poesia num filme que veleja no fantástico. Uma obra que fascina e conquista.
Do ponto de vista pastoral, o filme é complexo e pode servir para debate. Em virtude dos temas e da linguagem, é indicado para adultos e para adolescentes acompanhados.
In Comissione Nazionale Valutazione Film della Conferenza Episcopale Italiana
Adapt. / trad.: Rui Jorge Martins
In: site SNPC 13.03.23