“Maria levantou-se e dirigiu-se apressadamente...”
Quando Deus entra e atua na história das pessoas, move-as para irem “apressadamente” ao encontro dos outros, para servi-los nas suas necessidades, para comunicar a alegria pela salvação recebida, e para alegrar-se com os outros pelas graças que eles receberam.
Com a expressão “apressadamente” Lucas quer sublinhar a atitude interior de fé e de prontidão de Maria. Sua “pressa” não nasce da ansiedade que não encontra repouso nem pode descansar no presente, mas é a expressão de um amor serviçal que busca ser eficaz. Sua “pressa” está dinamizada pelo fervor interior, pela alegria e, sobretudo, pela fé. Quem foi “agraciada” por Deus não fica só contemplando as maravilhas que Deus realizou nela, mas sai para proclamá-las. Quem tem consigo o Salvador não o pode guardar só para si.
Maria foi “assunta ao céu” porque “levantou-se apressadamente” em direção ao serviço; ela foi “assunta” porque assumiu tudo o que é humano, porque “desceu” e se comprometeu com a história dos pequenos e marginalizados. Por isso, Deus a engrandeceu plenamente.
Realiza-se em Maria a situação final prometida a toda humanidade: “ser um dia de Deus e para Deus”; Maria o é desde o início (imaculada) até o final (assunção), através de uma fidelidade servidora de toda sua vida.
Em Maria resplandece o projeto divino sobre a criatura humana: a dignidade do ser humano aparece plenamente iluminada neste destino supremo já realizado na Virgem Maria. Ela deixou-se envolver pelo Espírito – assumida e transformada – no seio da Trindade Vida.
A Assunção não é um privilégio excepcional de Maria, mas a imagem de nosso próprio destino. Crer na Assunção alimenta a esperança; por isso Maria é o ícone da esperança. Como disse Pio XII ao proclamar o dogma da Assunção: “o essencial da mensagem é reavivar a esperança na própria ressurreição”, ou seja, em sermos assumidos inteiramente no seio do Mistério original de toda vida. Por isso, a festa da Assunção é nossa festa, pois fala de uma fidelidade duradoura, de um além que se faz sempre mais próximo e presente, de uma vida ainda a caminho da plenitude; enfim, antecipação do destino último de nossa vida.
Nesse sentido, o cântico de Maria é um resumo de todas as esperanças de Israel e, ao mesmo tempo, uma expressão condensada da fé, da esperança e do amor da Igreja, o novo Povo de Deus. Maria canta agora a realização das esperas e das esperanças cantadas, nas horas de júbilo e nas horas de pranto, pelo povo de Israel. A esperança se realiza no encontro, que impele a sair, a caminhar, a ir ao encontro, narrar aos outros o fogo que se acendeu por dentro. As promessas do Magnificat não são uma utopia nebulosa. Elas estão fundamentadas na esperança-certeza da fidelidade amorosa de Deus.
A esperança é caminho e meta, posse e dom, destino e encontro, antecipação e cumprimento, expectativa e busca, risco e certeza, ousadia e liberdade.
“O coração do cristão é inquieto, está sempre em busca, em espera: esta é a esperança...
porque a esperança é aquela que faz caminhar, faz abrir estradas...” (Massimo Cacciari)
O ser humano que espera não tem certeza, não fica seguro, não está satisfeito. Mas a esperança tem fundamento; não é uma ilusão e nem uma utopia; não é um sonho impossível e nem uma lembrança irrecuperável; não é só futuro, mas permanece, disfarçadamente, presente; não é uma morada, mas um sentimento sempre inédito. Não há esperança na solidão das próprias seguranças e das próprias expectativas.
A esperança evita tropeçar no fracasso, no desânimo, na apatia e no silencioso desespero. Ela se acende à noite, vence na impotência; é ousada na fragilidade. A esperança é brasa, é pés; o ser humano-esperança é o peregrino que caminha, é o artífice que tece o seu próprio existir. Esperança é o ser humano nômade. Desloca-se. Desdobra-se. Inventa-se. Esperança é força prospectiva que suscita passos para a gênese da nova humanidade. Na noite ela se acende; na vulnerabilidade, ela vence; na finitude, ela impele a caminhar.
Poderíamos acrescentar que uma humanidade, incapaz de cultivar a esperança, não merece ser olhada, porque lhe faltaria a única razão pela qual vale a pena existir. Sem a esperança, a humanidade perde a iniciativa. Embota-se. A esperança é o canto que desperta coragem frente os corredores escuros da história.
A vida sem desafios não é real; mas a vida sem espera, sem desejo, sem paixão, sem esperança, não é vida. A esperança mora onde a deixamos entrar: onde lutamos, onde convivemos com o outro diferente de nós, onde a fragilidade e a transição podem desorientar, onde as trevas parecem mais fortes que a luz, onde a vida parece ser ameaçada pela morte, onde a violência pensa levar vantagem, onde o caminho é íngreme, onde a espera se confunde com a angústia...
Mas não basta ter esperança. É preciso ser esperança. O ser humano vive de esperança, acredita na esperança, mas, sobretudo é esperança. A esperança leva a querer algo mais. É “antecipação criadora”; ela tem “rosto novo”. É madrugada e não crepúsculo. Jamais “envelhece”. É o futuro que ainda pode ser convertido em história nova. É Assunção: vida plena antecipada.
Celebrar o mistério da Assunção de Maria é também um convite a viver nessa dinâmica do compromisso e não da resignação, da esperança solidária e não da “espera passiva”. Este mistério celebrado por toda a Igreja é um mistério profundamente enraizado no coração do ser humano, que quer viver sempre, permanecer, ser imortal. Por isso somos convidados a continuar nesse “deslocamento” contínuo a serviço da vida. Assunção é missão.
Texto bíblico: Lc. 1,39-56
Na oração: Quem ocupa o centro da cena, do começo ao fim, é a figura de Maria. Nela devem concentrar-se, portanto, nosso “olhar, escutar, observar”.
Nenhum outro texto nos revela de maneira tão densa e tão profunda a vida interior de Maria, os pensamentos e os sentimentos que invadem sua alma, a consciência de sua missão, sua fé e sua esperança, sua experiência de Deus, enfim.
Contra uma concepção cada vez mais “econômica” do mundo, contra o triunfo do possuir, do ter, da escravidão das coisas, o Magnificat exalta a alegria do partilhar, do perder para encontrar, do acolher, do admirar, da felicidade da gratuidade, da contemplação, da doação. O ser humano, e todo o seu ser, transforma-se então em louvor de Deus.
O Magnificat, é o canto das escolhas caprichosas de Deus, que tem um “fraco” pelos pobres, por todos os infelizes e os oprimidos; poder e riqueza não gozam de nenhum prestígio aos seus olhos.
* Rezar as “marcas salvíficas” de Deus na própria história pessoal. Não podemos esquecer o que Deus fez ao longo da história da salvação e o que fez particularmente por nós na história de nossa vida.
* Que esperanças carrego em meu interior?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana
14.08.2012