“Eu sou o pão da vida” (Jo. 6,48)
19º Dom.Tempo Comum
Jesus, o “Pão da Vida”, tocou as “vidas feridas” com delicadeza e ternura e as transformou. Seus gestos terapêuticos foram o prolongamento da ação criativa de Deus; com palavras e ações Ele inaugurou no meio de nós o Reino de Vida do Pai. Não só optou pela vida e se comprometeu com a vida, mas fez de sua Vida uma entrega radical a favor da vida.
Em Jesus acontece algo totalmente novo; Ele traz uma nova maneira de viver e de comunicar vida que não cabe nos nossos esquemas. É justamente isso o que mais atrai em pessoa. Quem entra em comunhão de vida com Ele, conhece uma vida diferente, de qualidade nova, expansiva...
A vida é sempre uma novidade que rompe velhos barris; ela é um fenômeno que emerge de forma misteriosa; ela se impõe, simplesmente. Tal realidade desperta fascinação, provoca admiração e veneração... porque a vida é sempre sagrada. Diante dela ficamos extasiados, boquiabertos, escancarados os olhos e afiados os ouvidos. Ela nos atrai por sua força interna. A vida é sempre emergência do novo e do surpreendente.
Portador de uma vida inesgotável, somos muito mais que o simples resultado de nossos esforços e lutas. Vivemos para mergulhar em algo diferente, novo e melhor. Nossa vida não é um problema a resolver, mas uma experiência a acolher, uma aventura a amar e um mistério a celebrar. Afinal, somos discípulos permanentes na escola do Mestre da vida!
Nesse sentido, a experiência do Seguimento de Jesus é uma verdadeira “escola de vida”, cuja aprendizagem nos leva ao âmago do nosso ser, para enraizar nossa vida no coração da Trindade, dele haurir a seiva da vida divina e deixar-nos plenificar pela graça transbordante de Deus. Nada mais contrário ao espírito do Evangelho que a vida instalada e uma existência estabilizada de uma vez para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores...
A comunhão com Cristo é fonte de vida e vida em crescente amplitude. Quando nos dispomos a caminhar com Ele, sob a ação do Espírito, realiza-se em nós um processo de abertura e de superação, de crescimento e de reconstrução de nós mesmos...; tomamos consciência de uma dimensão profunda de nosso interior, que nos permite experimentar outra vida, que supera tudo o que vivemos até então.
A “vida eterna”, então, não é um prolongamento ao infinito de nossa vida biológica. É a dimensão inesgotável e decisiva de nossa existência. Ela torna-se “eterna” desde já. Para o evangelista João, a “vida” é uma totalidade, ou seja, a vida presente, a vida atual, é uma vida que tem tal plenitude que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”, uma vida com tal força e tão sem limites, que nem a morte mesma terá poder sobre ela. Precisamos adquirir uma consciência mais profunda da vida do espírito, perceber as pulsações desta vida eterna que está em nós, do mesmo modo que, prestando atenção, percebemos as batidas de nosso coração.
A vida, desde o mais íntimo da pessoa humana, deseja ser despertada e vivenciada em plenitude. Vida plena prometida por Jesus: “Eu vim para que tenham a vida e vida em abundância” (Jo 10,10)
Jesus é alimento que gera vida nova no mundo; alimentar-nos d’Ele desperta nossa vida interior, fazendo-nos redescobrir nossa verdadeira riqueza; ao mesmo tempo, fazendo-se “pão partilhado”, ensina-nos a gerar vida, ou seja, nos move a fazer com que nossa própria vida seja “alimento disponível” para que outros também tenham vida.
A comunhão de vida com Cristo nos faz ter um “caso de amor com a vida”. Nem sempre sabemos viver: conformamo-nos com uma vida estreita, estéril, fechada ao novo, carregada de “murmurações”. Quando nos saciamos com o Pão que proporciona vigor inesgotável, nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora, expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria, compaixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida fecunda, potencial humano. Vida com fome e sede de significado, que busca o sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo. Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...
O encontro com a Vida que se faz Pão nos move a buscar o sentido de nossa própria existência; e quem encontra o sentido se torna dinâmico, persegue um horizonte, abre-se a uma causa mobilizadora. Para isso é necessário outro ritmo de vida, que nos permita vivê-la com mais sabor, com mais autenticidade.
A vida é vivida intensamente quando a força do “Pão da Vida” atua, impulsionando a abrir, a avançar, a progredir. Porque a vida autêntica é a vida movida, iluminada, impulsionada pelo amor. É este dinamismo de amor que somos chamados a contemplar no mistério do Pão da Vida, do qual cada pessoa é uma pequena, mas preciosa imagem. O seguidor de Jesus deixa refletir esta imagem em sua vida concreta de cada dia quando vive esse dinamismo do “pão partilhado”, numa relação cordial, aberta e receptiva à originalidade do outro, entrando num verdadeiro dinamismo de vida. Um dinamismo de amor.
A adesão a Jesus não fica na exterioridade. Ele não é modelo exterior a ser imitado, e sim, é realidade interiorizada. Essa comunhão íntima muda o interior do discípulo, possibilita a sintonia com Jesus e faz viver a identificação com Ele.
O dinamismo do seguimento é gerar vida, fazer o discípulo viver a partir da verdade mais profunda de si mesmo; ou seja, viver a partir do coração, do “ser profundo”. Fazendo-se alimento, Jesus nos ajuda a conhecer nossa própria interioridade, desperta nossa vida, arrancando-a de seus limites estreitos e constituindo-a como vida expansiva em direção a novos horizontes. E Jesus não somente vai conosco, mas nos precede, nos sustenta e, na liberdade de seu amor, nos impele a ampliar nossa vida a serviço. Toda peregrinação, em clima de admiração e assombro, se revela rica em descobertas e surpresas, e desperta o coração para dimensões maiores que a rotina de cada dia. Nesse sentido, a vida tem a dimensão do milagre e até na morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu interior o destino da ressurreição.
Texto bíblico: Jo 6,41-51
Na oração: Para viver a partir do ser mais profundo, é preciso dedicar, cada dia, algum tempo de atenção ao próprio coração e aprender a regozijar-se da maravilhosa vida de Deus em cada um de nós.
Basta um repouso e o estar presente para fazer acalmar a agitação interior e aproximar-se da fonte da vida.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana
07.08.2012