“Quem vem a mim, nunca mais terá fome e o que crê em mim nunca mais terá sede” (Jo. 6,35)
18º Dom. Tempo Comum
Depois da multiplicação dos pães, Jesus, ao perceber que o povo não tinha entendido nada do que acontecera, pois tentava fazê-lo rei, retirou-se a uma montanha, sozinho. A multidão fica satisfeita por ter se alimentado; ela segue Jesus por aquilo que Ele pode dar. No entanto, a identificação com Jesus e seu projeto passa longe. Seus interesses vão em sentido contrário à atitude de Jesus de movê-la à compaixão e à partilha. Jesus ensina como repartir, isto é, como as pessoas precisam ser umas com as outras.
Jesus empenha-se por uma nova humanização, onde as pessoas possam ser livres, mas elas preferem continuar dependendo de outro (rei). Enquanto as pessoas buscam alguém que se responsabilize por elas, Jesus ensina a responsabilidade mútua, a corresponsabilidade. A abundancia de alimento é graça de Deus, mas é igualmente empenho de cada pessoa e de todas juntas. Jesus lhes pede generosidade e amor, mas elas preferem receber grátis. Jesus quer associá-las à sua obra, mas elas querem descarregar em um chefe sua responsabilidade.
A solução para uma nova humanidade não é o dinheiro, o poder, o domínio ou um milagre externo, mas saber compartilhar tudo com todos. O problema não se soluciona comprando, o problema se soluciona compartilhando. A verdadeira salvação não está em que alguém solucione nossos problemas, nem sequer em ajudar a solucionar todos os problemas dos outros. A verdadeira liberdade está em superar o egoísmo e estar disposto e dividir com os outros o que cada um tem e o que cada um é.
“Não temos em nossas mãos a solução de todos os problemas do mundo, mas diante dos problemas do mundo temos nossas mãos” (Congresso de jovens latino-americanos).
No entanto, segundo o relato de João, a multidão continua buscando a Jesus. Há algo n’Ele que a atrai, mas ainda não sabe exatamente por quê o busca nem para quê. As pessoas começam a intuir que Jesus está lhes abrindo um novo horizonte, mas não sabem o quê fazer, nem por onde começar. “Do outro lado do mar” Jesus começa a conversar com elas. Há coisas que convém aclarar desde o princípio. O pão material é importante. Ele mesmo lhes ensinou a pedir a Deus “o pão de cada dia” para todos.
Mas o ser humano carrega “outras fomes” em seu interior. Jesus procura despertar nas pessoas uma fome diferente: Ele lhes fala de um pão que não sacia a fome de um dia, mas a fome e sede de vida plena. Ou seja, ser seu seguidor é associar-se à Sua Fome: aliviar o sofrimento humano. Trata-se de uma “fome humanizadora”: fome de comunhão, de cuidado, de compaixão..., fome de novas relações, de um mundo novo... Fome de vida! Jesus quer oferecer-lhes um alimento que pode saciar esta fome de vida.
Jesus salva e alimenta porque é pão. Ele é o alimento que gera vida nova no mundo, vida oferecida e compartilhada. Devemos unir a imagem de Jesus/pão com a imagem Jesus/grão de trigo que é triturado para ser alimento e fecundar a vida. Um alimento “subversivo” porque subverte a tradicional “ordem” das coisas. “Eu sou o pão da vida”. Antes de partir o pão, Jesus parte-se a si mesmo, faz-se alimento. Toda sua vida foi entrega. Sua vida inteira dá significado ao partir, compartilhar e repartir o pão da vida.
E é isso que, no nível mais profundo, somos todos. Todos somos Vida, todos somos “pão de vida”. Somos pão quando alimentamos o outro na esperança, no perdão, na acolhida, na compaixão, no compromisso... Sim, podemos multiplicar o pão da festa, da alegria, o pão da justiça, o pão da ajuda fraterna... Quanto pão para ser dividido!
“As refeições não se iniciam com a comida que se serve. Elas se iniciam com a fome. O(a) bom(boa) cozinheiro(a) é aquele(a) que sabe a arte de despertar a fome”. Experimentamos fome quando saímos de nós mesmos, quando nos consumimos no trabalho pelo Reino, quando nos empenhamos por abrir caminhos de humanização...
- Quais são minhas fomes existenciais?
- Em quê circunstâncias experimento ser “pão de vida”?
“O pão deve ser tratado com respeito, quase com devoção. É algo muito entranhável na vida de uma família. O pão é sinal de vida. É vida concentrada. Vida em forma de alimento. O pão, como a vida, é dom, não é merecimento. Devemos comê-lo com um coração agradecido.
Com razão dizemos que o pão é sagrado. O sagrado é a vida que o pão alimenta, e a vida que com suor e lágrimas fez o pão. Mas, “sagrado” quer dizer entregue. O pão está para ser partido e compartilhado, para alimentar vidas. Jesus foi “reconhecido ao partir o pão”; foi reconhecido não porque estava no templo ou ensinava na sinagoga, mas porque partia o pão. O pão nas mãos de Jesus era pão para ser partido, repartido e compartilhado.
Discípulos de Jesus são aqueles que aprenderam a partir o pão. Reconhecemos os cristãos hoje quando partem o pão e não o armazenam. Compartilhar significa não “monopolizar”, não permitir que haja necessitados entre nós. O pão partido é a vida compartilhada: meios, tempo, qualidades. O cristão, além disso, compartilha seus ideais, seu entusiasmo, seu ânimo, sua fé, sua esperança.
Deus nos criou criadores. Ao multiplicar os pães, pede a colaboração de seus amigos. Também hoje Ele precisa de nossas mãos para multiplicar os grãos; precisa de nossas mãos para triturar esses grãos, amassar a farinha e fazer o pão. E precisa de nosso coração para que o pão seja repartido.
O pão sem coração é pão “monopolizado”. Pão indigesto, que engorda o egoísmo.
O pão sem coração gera divisões e conflitos. Quantas guerras fraticidas provoca o pão sem coração!
Deus precisa de nosso coração para que o pão leve o sinal da fraternidade, seja vitamina de solidariedade, alimento de comunhão, para que possamos comungar.
“Dá-nos o pão, o pão nosso de cada dia”. A oração tem sempre uma dinâmica comunitária, uma mística de fraternidade. Não podemos dizer “Pai nosso, dá-me meu pão”. Seria blasfemo. O pão é de todos os irmãos. Não se pode considerar algo tão necessário para a vida como próprio e exclusivo.
“Tu, Senhor, fizeste um dia chover pão do céu” outro dia multiplicaste os pães, e outro dia Tu mesmo te fizeste pão.
São tantas nossas fomes. Dá-nos coração para repartir a herança de teu pão”.
(Revista Testimonio, n. 213)
Texto bíblico: Jo. 6,24-35
Na oração:
Não é possível reconhecer o Corpo do Senhor presente na Eucaristia se não se reconhece o Corpo do Senhor na comunidade onde alguns passam necessidades. Pois, se fechamos os olhos às divisões e às desigualdades mentimos ao dizer que Cristo está presente na Eucaristia.
Enquanto não nos mobilizamos a mudar nossa sociedade de maneira que mais pessoas aceitem a alegria de compartilhar o pão e a vida, faltará algo em nossa Eucaristia. Essa “ferida” o cristão deve sempre tê-la presente.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Centro de Espiritualidade Inaciana
01.08.2012