Nascidos e lançados na existência, não estamos automaticamente inseridos no mundo. Passamos a ser um vivente entre todos os seres habitantes do nosso planeta terra. Na prática temos vida biológica, mas não ainda vida humana. Esta é algo mais e pressupõe nossa iniciação cultural no “jeito de ser” partilhado por homens e mulheres. Ainda que toda a nossa humanidade esteja dentro do nosso ser, ela precisa ser desenvolvida, caso contrário permaneceríamos excluídos do crescimento de nossas potencialidades. Ser iniciado é essencial ao ser humano.
Os primeiros passos dessa iniciação se dão nos cuidados recebidos. Se amados de verdade, desde tenra infância vamos ser preparados também para amar. O amor gera amor. A acolhida materna e paterna, ampliada nos laços familiares, estimula nossa afetividade. E neste primeiro amor dado recebemos um gesto educativo fundamental, pois o amor maduro dos pais não é pura afetividade, visto já estar envolvido nas teias culturais. Pais e mães, iniciantes, são orientados a amar seus recém-nascidos filhos sem mimá-los, por exemplo. Existe aí o elemento cultural no próprio amor ofertado e percebido pela criança no jogo familiar.
A esse momento mágico se junta o ensino da língua, da palavra. De modo bastante sugestivo, os filhos são ensinados, de entrada, a falarem “mãe” e “pai”. É um convite a embarcar na língua por meio da confiança depositada nos progenitores, as pessoas mais próximas. E palavra a palavra o mundo é doado para a criança. Dos pais, passando pelos avós, tios, amigos, a iniciação se torna mais complexa, promissora e desafiadora. Os territórios da sociedade, nos quais as pessoas estão presentes, são apresentados pela palavra que os descortina ao exibir suas tramas sociais.
De posse da palavra, sem muita percepção do que está acontecendo, a pessoa é conduzida às comunidades e tribos existente no todo social. Passa a interagir com algumas superficialmente, com outras em profundidade. Com estas últimas faz acordos, recebe delas uma linguagem própria, símbolos e sentidos norteadores para interpretar problemas e responder questões decorrentes da vida na sua globalidade. Nesse processo, o ser humano é enraizado num modo de viver, sentir e pensar que, em geral, compromete toda a sua vida.
Sem saber, pois nos parece natural, somos conectados a uma estrutura. Dela ganhamos um sentido para a vida, um cabedal de informações e códigos necessários para a nossa locomoção pelos caminhos da existência. Disso fica fácil deduzir que sem essa inserção vagaríamos perdidos pelo mundo. Nosso crescimento enquanto humanidade depende de não termos que começar sempre do zero e que pessoas e grupos nos introduzam na herança cultural acumulada e aprimorada (algumas vezes desprimoradas) na história.
Uma conclusão se impõe: à condição humana a iniciação e o aprendizado são dados essenciais à vida e não meros acessórios dispensáveis. Perpetuamo-nos na história por meio da cultura através das ininterruptas iniciações culturais de cada geração. Viver é mais do que ter vida biológica é estar inserido, contextualizado no script que devemos interpretar, assumindo papéis e conferindo a eles vitalidade e criatividade do nosso talento de viver. Qualquer empreendimento criado pelo gênio de homens e mulheres é passível dessa realidade. Não assumimos a vida por instinto, mas por ensino. Somos educados para ser e viver. Alguém sempre terá que pegar nossa mão para que isso aconteça, seja na mais elementar forma de vida até a mais sofisticada.
Assim também é com a fé, que como dom recebemos de Deus. Ela é portadora de um sentido para a vida, de uma Revelação, porém ninguém entenderá suas razões se permanecer só no seu momento intuitivo, sem uma iniciação prévia. Aqui, do mesmo modo, a iniciação é essencial. A esse tema dedicaremos um próximo artigo.
Padre Magno Marciete do Nascimento Oliveira
Comissão Bíblico-Catequética Arquidiocese de Belo Horizonte
02.05.2012