Há uma altura em que eles declaram que não têm fé, que a Missa é uma seca e que, no âmbito do exercício da sua liberdade, escolhem não ser católicos. Há uns que nos dizem isto sem medo, outros que apenas pensam, mas as questões são todas as mesmas: “a Missa não me diz nada”, “não sinto nada quando rezo” ou “quando vou à Missa, não acredito em tudo o que dizem sobre Jesus, Moisés ou Noé, pedem-me que confie em acontecimentos que não são lógicos, não adoro Deus (gosto muito mais do meu pai)” ou – a melhor de todas – “se tivesse nascido noutro país, seria muçulmano ou hindu”. Ou seja, tudo isto que envolve a religião que os meus pais me impingem, é apenas uma questão ou coincidência geográfica e cultural, uma obrigação que me dá trabalho e, mais do que isso, faz-me sentir hipócrita. Confessar para quê? Comungar porquê? Rezar a quem? Se for forçado, não devo ir.

Mãe, não quero ir à Missa! Quando nos dizem que não querem ir à escola ou para a faculdade, encolhemos os ombros e nem respondemos. Mas quando nos pedem para não ir à Missa, hesitamos e questionamos onde começa a liberdade deles e acaba a nossa obrigação, ficamos sem resposta pronta. E não há resposta.  Ou como diz o P. Vasco Pinto de Magalhães, “Não há soluções, há caminhos“. O Padre Dâmaso contou-nos uma vez numa homilia que o seu irmão mais velho declarou aos pais, no alto dos seus 15 anos, que não ia mais à Missa. Parámos de respirar: o que terá feito o pai do Padre Dâmaso em 1940? Nada. Não queres ir, não vais. “O meu irmão andou muitos anos afastado de Jesus, mas mais tarde Jesus foi buscá-lo”. Fim da história. Jesus foi buscá-lo.

Confesso que me falta a coragem para não obrigar. Tenho filhos que acham que a Missa é mais um acontecimento social do que um encontro espiritual e embirram com a cerimónia. Não têm disponibilidade para viver ou entender o milagre da Eucaristia e embirram comigo por os forçar a dedicar uma hora por semana a coisa nenhuma. Também me falta talento para ser um exemplo. Por isso, obrigo. Tenho medo que não voltem, da mesma forma que tenho medo que não voltassem a estudar se eu os deixasse. Dizem-me que são fases, que passa. Também me dizem que devo deixar não ir, que a espiritualidade não se obriga. Por outro lado, e se não voltam? Se aquilo que os move é a preguiça e não um raciocínio elaborado, uma escolha ponderada. E será que têm maturidade? Mas será que a espiritualidade e a fé requerem maturidade? Há livros sobre isto, teólogos que se debruçam sobre isto, psicólogos que sabem tudo sobre fases. E nós somos apenas pais.

“Mãe, não tenho fé, não quero ir à Missa.”

No outro dia disse ao meu filho: o Homem tem uma dimensão espiritual e fica incompleto sem ela, fica incompleto se não a descobre, desenvolve, alimenta. Disse-lhe ainda que, como pais, temos a obrigação de ajudar os filhos nessa caminhada, temos de ver por eles quando não estão a ver, de os guiar. Foi bonito o discurso, mas só isso. É essa a teoria de todos os ditadores, desconfio: guiá-los porque eles não sabem o que querem. O meu discurso não convenceu, nem a ele, nem a mim. Ele passou a ir à Missa porque não tem argumentos para não ir e eu continuo sem a fé que preciso para acreditar que Jesus irá buscá-lo como foi buscar o irmão do padre Dâmaso caso ele desista da Missa, dos sacramentos, do alimento da sua fé. Mas a verdade é que tenho medo de ser como o pai do padre Dâmaso, porque no alto da minha arrogância  acho que a sua fé depende de mim.

Obrigar ou não obrigar os nossos filhos a professar a nossa fé é um caminho. Um caminho de incertezas, onde não há soluções, apenas esperança, confiança e fé. A única certeza é que Jesus não é uma obrigação, mas sim a liberdade completa. A nós, pais, resta-nos ser um rosto ínfimo dessa liberdade e rezar para termos a fé, a coragem, do pai do padre Dâmaso.

Inês Teotônio Pereira

In: pontosj.pt 27.07.21