A decepção, o tédio, a fragmentação crescem, configurando outra face da pós-modernidade. Adriana Calcanhotto (1965), cantora e compositora gaúcha, expressa tais sentimentos na música “Metade” e deixa-nos a pergunta: onde moramos?

 

Eu perco as chaves de casa
Eu perco o freio
Estou em milhares de cacos
Eu estou ao meio
Onde será
Que você está agora?


Percebemos a fragmentação em inúmeros campos. A sede de especialização leva-nos a esfacelar os objetos da ciência a ponto de saber cada vez mais de cada vez menos até ironicamente saber tudo do nada. As universidades fabricam especialistas de saberes bem detalhados, mas descuidam de formar humanistas.


Você olha para si depois de uma ação e pergunta-se? Fui eu (ego) que fiz? Foi meu superego que agiu? Ou o id que me impeliu a tal? Pedaços de nós rodam pelo espaço.


A arte, já no começo do século passado, com o cubismo, anunciava-nos a percepção quebrada da realidade, ao decompor a obra em partes, fragmentando a figura, examinando-a sob todos os ângulos. A fragmentação impedia até mesmo de reconhecer as figuras nas pinturas cubistas.

 


A mídia tem-nos incapacitado de distinguir realidade e imagem, verdade e simulação, certeza e opinião, real e virtual. Tudo nos vem aos pedaços, sem contexto, sem nexo, sem história.

 

A pós-modernidade tem levantado problemas novos no campo religioso. A secularização da década de 60 secara a religiosidade, ameaçando esvaziar as religiões. Anunciava-se o surgimento de novo tipo de ser humano e de sociedade que substituía a religião pela razão. Esta esmiuçava os mistérios até reduzi-los a mitos, a mero sentimento sem consistência.

 

Na pós-modernidade, assistimos ao oposto. A religiosidade explode. As religiões embarcam na luta típica do mercado, disputando os fregueses através de ofertas religiosas sedutoras.

 

E a fé cristã? Nos tempos de secularização, mostrara ir além da simples dimensão religiosa e pedia compromisso de vida com a libertação dos pobres. Muitos a consideraram momento de purificação da fé, arrancando-lhe a ganga impura de mitos, de magias e sobretudo da ligação com poderes dominantes alienadores. Passou de fonte de alienação para potencial libertador.

 


Agora o problema modificou-se. Ameaça-a o risco de afogar-se no mar de formas religiosas exaltantes, de expressões externas consoladoras, de produtos de auto-ajuda. Se a secularização nos trouxe aridez religiosa, a pós-modernidade alaga-nos de ritos religiosos.

 

A fé mantém o mesmo alvo do compromisso social, mas agora apresentando-o como resposta crítica ao quadro religioso inundante. Sem opção pelos últimos e descuidados da sociedade não existe autêntica vivência cristã.

 

O tédio, a falta de sentido, a fragmentação não se superam pela exaltação sentimental carismática, mas pela seriedade da entrega de si aos irmãos no verdadeiro seguimento de Jesus. A onda do Espírito se submete ao critério jesuano da práxis transformadora da realidade em benefício dos desprezados deste mundo, mas os amados de Deus.

 

 

Padre João Batista Libânio SJ

Teólogo da Faculdade Jesuíta - Belo Horizonte - MG

02.05.2012