No passado domingo, dia 23, celebrou-se o Dia Mundial das Missões, com o tema «Sereis minhas testemunhas!». Esta frase pronunciou-a Jesus ressuscitado aos seus discípulos, pouco antes de ser elevado aos céus, como é relatado nos Atos dos Apóstolos: «Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo» (At 1, 8).

A força do Espírito Santo, que cobriu de graças os discípulos de Jesus e os levou a viver vidas extraordinárias, é a mesma força que nos é oferecida a cada um. Decorridos mais de dois mil anos, todos os cristãos continuam a ser convidados a testemunhar Cristo, nas suas vidas, através das suas palavras e das suas ações. Na mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2022, o Papa Francisco dizia-nos que é essa a verdadeira «identidade da Igreja»: evangelizar, dando testemunho de Cristo Ressuscitado. Jesus exorta os discípulos a partirem, a irem para lá dos seus lugares habituais. As narrativas dos Atos dos Apóstolos nascem desse movimento missionário, e dão-nos a imagem incrível de uma Igreja «em saída».

Todas as vezes que falei com alguém que partiu em missão, para um país distante, por algum período de tempo, deixando certezas e confortos para trás, foi-me muito fácil reconhecer nessa pessoa uma paixão que perdurou, uma chama que não mais se apagou. Ir até aos confins do mundo, ir para lá das suas fronteiras, fez com que a missão se fizesse vida e, no regresso a casa, a vida se tornasse missão. Como refere o Papa Francisco, os missionários são enviados por Jesus ao mundo «não só para dar testemunho, mas também e sobretudo para ser testemunhas de Cristo.» Ao jeito de S. Paulo, não é a si próprios que devem anunciar, não são os seus talentos e qualidades que devem embandeirar, mas sim a vida, a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus, que se entregou todo por amor ao Pai e à humanidade. Por isso, as vidas destes homens e mulheres se transfiguram em missão, passam a ser missão. Tal como S. Paulo, eles clamam: «Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo» (2 Cor 4, 10).

É notável como as Missões, pelo rasgar de comodismos e fronteiras, se revestem de uma universalidade tal que nenhuma realidade humana se lhes escapa. No entanto, como afirma Francisco, «hoje, apesar de todas as facilidades resultantes dos progressos modernos, ainda existem áreas geográficas aonde não chegaram os missionários testemunhas de Cristo com a Boa Nova do seu amor». Ora, Deus não se desorienta e, com engenho, continua a inspirar homens e mulheres para missões surpreendentes, capazes de contornar esta impossibilidade de estarem presentes em certas partes do mundo como testemunhas de Jesus Ressuscitado. No início deste mês, fomos, em família, e com outras famílias amigas, visitar o Carmelo de S. José, em Fátima. Uma das Irmãs Carmelitas Descalças recebeu-nos e dispôs do seu tempo para nos falar da sua vocação, da sua comunidade e da Família Carmelita Descalça de Fátima. As horas passaram, e pareceram-nos demasiado breves para tantas perguntas que foram surgindo. Uma vida passada em clausura inquieta-nos e interpela-nos, a miúdos e a graúdos, e fascinou-nos a alegria e a certeza enérgica da Irmã Margarida quando disse que, na sua vida contemplativa, com a sua oração, chegava a todas as partes do mundo. Como afirmam na sua página, apesar de estarem em clausura, as Irmãs vivem perto das preocupações da Igreja e do mundo e apresentam-nas a Deus nas suas orações – «uma forma de apostolado fecundo e eficaz».

Nem todos somos chamados a partir em missão para países distantes. Nem todos somos chamados a uma vida contemplativa. Porém, todos somos convidados a testemunhar Cristo nas nossas vidas, através de palavras e ações. Deixemo-nos inspirar pelos missionários, que tudo abandonam para partir, e pelos contemplativos, que fazem da oração vida, e procuremos dar novo sentido a cada gesto do dia a dia. Não apenas nas nossas «grandes» missões, como mães e pais, filhos, trabalhadores, leigos comprometidos, mas também nas pequenas tarefas do quotidiano. Para que este desejo de servir a Deus chegue até aos confins do nosso ser, para lá das nossas vontades e fraquezas, que tantas vezes se erguem como fronteiras intransponíveis. Mudemos a nossa atitude interior ao realizar uma tarefa rotineira ou uma tarefa que nos pareça menos apetecível, oferecendo-a por quem mais precisa, por quem sofre. Orientando a ação para Deus, ela será um meio privilegiado de união com Ele. Aí estaremos não só a dar testemunho, mas a sermos fecunda e verdadeiramente testemunhas de Cristo.

Suzana Mendes Gonçalves

25.10.22

In: pontosj.pt