O desejo de tirar a própria vida entre os jovens encontra na era digital uma nova forma de se propagar.

Jogo da Baleia Azul e série “13 Reasons Why” mostram por que é preciso quebrar o silêncio em torno desse desafio.

 

A questão do suicídio, especialmente, entre os jovens é urgente e inadiável. Jovens no mundo inteiro estão tirando a sua própria vida. É um problema que vem rompendo o silêncio com a emergência do jogo da ´baleia azul’ nas redes sociais e da série ’13 Reansons why’. O jogo e a série de TV não é o problema: é apenas uma parte ínfima, quase desprezível, do problema. 

Reportagens de diferentes jornais e revistas revelam dados estatísticos impressionantes. Na mais recente pesquisa feita pela OMS (Organização Mundial da Saúde), divulgada no Jornal O Globo em 05.09.2014, a organização lança o primeiro relatório global sobre o suicídio, revelando que a violência auto infligida é um problema de saúde pública. A pesquisa aponta que cerca de 804 mil pessoas se suicidaram em 2012, ou seja, uma média de 11,4 mortes por 100 mil habitantes. Tais números tem um grande impacto econômico na saúde pública. Em números absolutos, o Brasil figura como o oitavo país com mais suicídios. 

Globalmente, o suicídio representa 50% das mortes violentas entre os homens e 71% entre as mulheres, e é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 e 29 anos, perdendo apenas para os acidentes de trânsito. 

Falar sobre o suicídio nos coloca diante do irrepresentável, que é a nossa própria morte. Com isso, a morte torna-se algo da ordem do indizível. O tema do suicídio é ainda mais difícil de lidar. Há uma diferença entre enfrentar uma morte “natural” ou ter que enfrentar uma morte por suicídio, onde as pessoas ao redor, sobretudo, a família, passam a se indagar sobre o que poderiam ter feito, quais foram os motivos desse ato, culpando-se e interpelando-se. 

Importante nesse debate é diferenciar o suicídio propriamente dito da tentativa de suicídio e da ideação suicida, comportamentos que também rondam os jovens de hoje. O suicídio é caracterizado por um ato auto-agressivo global, realizado conscientemente pelo próprio sujeito, quando acredita que este ato deverá causar de um modo eficiente e suficiente o efeito esperado. Já a tentativa de suicídio seria um ato não fatal de automutilação, auto-envenenamento ou de intoxicações medicamentosas. Este ato ocorre deliberadamente, porém não há uma intenção de morte. E a ideação suicida refere-se ao pensamento de se matar. Há ainda uma nova categoria surgindo entre a juventude que é denominada como suicídio inconsciente, em que o sujeito se coloca em situações de risco, com comportamentos autodestrutivos.

É possível afirmar que as fantasias de suicídio não são evitáveis na adolescência, pois fazem parte de sua condição subjetiva no tempo presente. Os adolescentes sentem uma espécie de prazer com as fantasias de suicídio, numa tentativa de posse sobre si mesmo, uma pseudo-apropriação do seu corpo. Vale mencionar aqui a “brincadeira do desmaio”, tão frequente entre os jovens, onde os adolescentes chegam à perda de consciência pela apneia. Os amigos pressionam o peito daquele que quer desmaiar, provocando falta de oxigenação no cérebro e, consequentemente, o desmaio. Ao desmaiar, é como se o adolescente entrasse em contato com a experiência da morte, numa sensação de se desligar de seu corpo.  

Sintomaticamente, o jogo da Baleia Azul é viral. São 50 desafios que envolvem automutilação e atividades arriscadas em geral. O último desafio é tirar a própria vida: só assim, eles dizem, você ganha o jogo. “Ganhar o jogo”, para muitos de nossos adolescentes e jovens, é se livrar da obrigação de continuar vivendo. Por que, afinal, é mais provável que as pessoas queiram se matar quando são jovens? 

O fenômeno da automutilação tem sido observado em muitos adolescentes. É comum que os jovens afirmem se cortar para, segundo eles, aliviar a ansiedade. Diante de angústias que não conseguem dominar, por vezes, os adolescentes e jovens buscam sensações que os reassegurem e através da dor que eles próprios se infligem tentam contê-las. Recorrem a feridas físicas que podem controlar para diminuir o sofrimento psíquico, deixando de serem vítimas passivas para tornarem-se ativos nos limites que se impõem.

O papel da Escola Católica 

Hoje, educar significa defender vidas. É preciso que se capte bem um ponto fundamental: processos vitais e processos cognitivos se tornam, nesse contexto, praticamente sinônimos. Note-se que isto significa adotar uma definição bastante nova do que se entende por “vida” e também do que se chama “conhecimento”.

A escola deve ser consciente, por um lado, de que não é a única instância educativa, mas pelo outro, não pode renunciar a ser aquela instância que tem o papel fundamental de suscitar nos jovens um novo sentido para a vida. 

Educar hoje em nossos centros educativos requer de nós, educadores católicos, romper com um paradigma de “crise de sentido”. Num livro clássico sobre o sentido para a vida, o teólogo Clodovis Boff, apresenta-nos que o sentido é algo fundamental para a vida humana e que viver sem sentido é algo impossível, pois faz parte da nossa ontologia, porém muitos ignoram essa essência, insistem em viver com o Ter e não com o Ser, viver por viver, vivendo assim sem sentido, fato que traz muitos danos tanto para o ser humano como para toda a sociedade. (BOFF, Clodovis. O livro do sentido: crise e busca de sentido hoje (parte crítico-analítica). Volume 1.São Paulo: Paulus, 2014).  

A Escola Católica precisa de encontrar caminhos para fazer eco ao imperativo cristológico: “Eu vim para que vocês tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10, 10). Aqui se encontra a nossa contribuição enquanto educação católica. A tarefa de todo educador, não apenas do professor, é a de formar ser humanos felizes e equilibrados, orientados para um projeto de vida que seja capaz de dialogar com os sentimentos mais profundos dos jovens hoje. 

A crise de sentido, que assola os jovens hoje, nasce a partir da configuração da nossa sociedade que é fundamentalmente desencantada. As coisas perderam seu sabor, principalmente pelas influencias dos maus usos das novas tecnologias e do capitalismo, tonando a vida apática, sem sentido, sem graça e tediosa, pois eliminamos a dimensão transcendente da vida, de modo que nada mais tem valor e encanto. 

Para Clodovis Boff, e para nós educadores cristãos, só há uma alternativa para o sentido que ser humano busca, que é a Transcendência. Uma autêntica e verdadeira experiência de Deus. Podemos vislumbrar o sentido da vida a partir do anúncio do Reino de Deus. A partir do evangelho, podemos afirmar que o sentido da vida cristã se encontra na adesão a Jesus e seu projeto. Jesus, Deus encarnado na história, é o sentido último da vida humana. Precisamos educar nos tempos de hoje com esse postulado, fazendo deste princípio o núcleo fundamental de todo o projeto pedagógico de nossas escolas. Assim vamos dar uma grande contribuição para o mundo atual nesse contexto de suicídio e crise no valor fundamental da vida. 

Carlos Eduardo Cardozo

Especialista em Juventude. Trabalha na Equipe Diretiva do Colégio Stella Maris, da Rede Filhas de Jesus, no Rio de Janeiro. Integra o GT de Pastoral e ERE da ANEC-RIO. É autor do livro Jovens construindo juventudes, dentre outros artigos na área dos estudos de juventude.