Com a Festa do Batismo do Senhor, a Igreja conclui o Ciclo do Natal e inicia o Tempo Comum. Uma Festa que tem caráter epifânico, ou seja: é uma modalidade nova da apresentação, da manifestação do Filho de Deus. Cumpre perguntar que modalidade é essa, pois não se trata de uma ingênua narrativa de um gesto penitencial de Jesus que nem pecado tinha. Longe disso, a narrativa do Batismo é uma densa síntese teológica.
Incluída no rol das celebrações do ciclo natalino, a festa do Batismo do Senhor, como as demais que se seguem ao Natal, também aprofunda o mistério da encarnação do Verbo. Os relatos evangélicos do Batismo, distribuídos no esquema cíclico A, B, C do Lecionário (1), com suas leituras e textos oracionais apresentam a riqueza deste evento salvífico. Não se duvida do fundamento histórico do Batismo do Senhor2. Mas é o seu significado que sobressai às narrativas e que dão consistência à fé.
Os evangelhos sinóticos relatam o Batismo de Jesus, enquanto o quarto evangelista faz silêncio em torno do episódio, buscando ressaltar, pelo testemunho do profeta e pelo foco sobre a teofania, a superioridade de Jesus em relação a João Batista (cf. Jo 1,19-34). Dos relatos sinóticos, observa-se que Marcos é o menos explicativo.
Mateus e Lucas buscam justificar o fato de Jesus tomar lugar entre os pecadores e ser batizado por um inferior. Em Marcos predomina o foco sobre a teofania e em Mateus se acentua o diálogo entre Jesus e o profeta. Lucas apresenta Jesus em relação com o Espírito e com a multidão, à qual Jesus se associa no Batismo. Nos evangelhos se explicita ainda, por meio da teofania, que Jesus é o Filho de Deus: a declaração do Pai e a descida do Espírito Santo sobre o Filho. Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, o Servo do Senhor, o ungido de Deus.
O Batismo de Jesus é também situado numa intercessão: ele antecede ou desencadeia a sua missão. Mas outro trecho evangélico amplia o sentido do Batismo de Jesus: seu próprio mergulho na morte o apresenta como ligação entre o discípulo e o Mestre: “Podeis beber o cálice que eu beberei e ser batizados com o batismo com que serei batizado?”(3).
Aqui reside o sentido primordial da festa que aprofunda a encarnação do Verbo na direção da cruz. O Batismo de Jesus é imagem de sua morte e remete necessariamente ao seu nascimento e à sua ressurreição, enquanto mistérios que se tangem. A descrição da teofania pelo evangelista Lucas inclui a referência ao Sl 2,7: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”.
O nascimento de Jesus para a humanidade, no Natal, está no Batismo ligado ao seu “nascimento” para Deus que se dá na ressurreição:Ao falar de morte, só se pensa em um fim de vida na falência total das forças vitais. Mas em Jesus a morte não foi mortal. Convém antes falar de um morrer voltado para o Pai, em que Jesus nasce, em que Jesus é o Filho, em que existe só pelo Pai que o gera em uma eterna plenitude(4).
O Batismo de Jesus é uma narrativa condensada do Mistério Pascal de Cristo que narra sua morte (descida ao Jordão), e sua ressurreição (saída do Jordão e céus se abrindo). Seu Batismo é ainda lido e entendido em solidariedade com a humanidade. O Mistério da Páscoa do Senhor, simbolizados pelo seu Batismo, efetuam a redenção do ser humano. São Gregório de Nazianzo afirma: “Jesus sai das águas elevando consigo o mundo que estava submerso”(5).
Pe. Danilo Cesar
In: Opinião e notícias 5.01.18
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Cf. Mt 3,13-17; Mc 1,7-11; Lc 3,15-16.21-22.
2Cf. TABORDA, F. Nas fontes da vida cristã. Uma teologia do batismo-crisma. Col. Theologica, 4. São Paulo, Loyola, 2001, p. 169; RUBIO, A.G. O encontro com Jesus Cristo vivo. Um ensaio de cristologia para nossos dias. Col. Iniciação Teológica. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 30.
3 Mc 10,38.
4 DURRWELL, F-X. A morte do Filho. O mistério de Jesus e do homem. São Paulo: Loyola, 2009, p. 27.
5 Cf. Segunda leitura do Ofício de Leituras da festa.