Motivações

A Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium (SC) afirma que as celebrações da Igreja possuem forte caráter pedagógico. A assembleia litúrgica é educada enquanto celebra, de modo que sua fé seja nutrida e descubra aí as razões daquilo que espera. (cf. 1Pd 3,15). Com isso, a SC enlaça ‘culto’ e ‘conhecimento’. Não se trata de uma simples instrução prévia ou posterior às celebrações para que os fiéis saibam o significado e objetivo das ações rituais. Em sentido mais profundo, implica a celebração do Mistério Pascal de Cristo assumida pela comunidade como oportunidade na qual Cristo mesmo, enquanto Mestre e Senhor, faz sua ‘exegese’ do Pai.

O mesmo Concílio indicou o caminho pedagógico – na verdade deveríamos dizer sempre ‘mistagógico’ – da Liturgia com precisão: ‘per ritus et preces’. Aqueles e aquelas que celebram a Divina Liturgia não devem fazê-lo como estranhos ou meros assistentes, mas envolver-se de tal modo nas ações e orações que colham uma participação consciente, ativa, pia e frutuosa (cf. SC 48).

Então, a questão primeira com a qual desejamos abrir esta Semana da Liturgia em nossa comunidade paroquial se desdobra em duas perguntas:

a)Observando nossas assembleias, nas diversas ocasiões de celebração do Mistério de Cristo, temos a percepção de que seus membros se deixam instruir/educar pela via da ritualidade, que combina ação e palavra para revelar ‘na carne’ o Mistério de Cristo?
b)Observando a nós mesmos, como ministros e ministras a serviço do Evangelho na Igreja, como captamos esta dimensão das celebrações (pedagogia/mistagogia)? De que maneira percebemo-nos em processo educativo à medida que celebramos com nossos irmãos e irmãs?

É importante percebemos o que aconteceu: estes dois extratos claramente distintos e separados em sua origem (na Bíblia) foram unidos pela Liturgia. Deste modo, Cristo – que é bendito por estar presente quando nos reunimos por seu amor, nos revela as Escrituras (cf. pós-santo das Orações Eucarísticas para diversas circunstâncias) no ‘aqui e agora’ da celebração. Ele proclama uma novidade para a assembleia enquanto reunida sob sua presidência. A Boa-Nova a que se refere diz respeito ao movimento de Deus mostrar-se aos ignorantes e estultos (a Vulgata usa o termo parvuli) e ocultar (encriptar ou cifrar)‘estas coisas’ aos que confessam a si mesmos como sábios e entendidos. E ‘estas coisas’ não são outras senão aquelas descritas no versículo 27: as relações de intimidade e mútuo conhecimento entre o Pai e o Filho. Deste modo, Jesus se coloca como a chave para decifrar os mistérios do Reinado de Deus, revelados àqueles que são tidos como néscios. Ele os convida ao seguimento, de modo que a orientação para que cheguem ao reconhecimento da presença de Deus em seu meio e da sua condição de Povo da Aliança, não será dada mais pela Lei apenas (Torah), mas sobretudo pela explicação que Ele mesmo dá da Escritura (jugo).

O que é significativo para nós neste trecho de Mateus é o método com o qual Jesus “explica” quem é Deus e quem é o Povo da Aliança no qual Ele mesmo se revela presente: é uma prece de louvor, um bênção. Trata-se de uma pequena eucologia. Jesus ensina rezando. E não são apenas as palavras que pedagogicamente conduzem os ouvintes ao conhecimento de Deus. Recorrendo ao trecho paralelo de Lucas perceberemos que a gestualidade também aí está implicada. Narra-se em Lc 10,21 a Jesus exultando de alegria e movido pelo Espírito Santo, interrompendo a conversa com os discípulos e voltando-se para o Pai, o que certamente implicava olhar para o alto (céu). Somente depois, retoma o discurso aos discípulos (“E, voltando-se para os discípulos (…) cf. Lc 10,23).

Pensemos, então, no que aconteceu no último Domingo em que nos reunimos ao redor do Senhor para celebrar a Eucaristia. Fomos ao seu encontro, deixando não apenas as nossas casas, mas a vizinhança, quiçá o bairro no qual habitamos; interrompemos nossos afazeres e acorremos à Casa da Igreja. Ali nos deparamos com o Senhor, cuja presença se faz perceber pela Mesa-Altar que atrai e acolhe a atenção de todos os que ali ingressam. Antes da grande oração (a Eucaristia), simplesmente nos mostramos na presença de um Outro que está disponível e pronto para nos receber, com um lugar disposto ao seu redor. Preparamo-nos – com certa ansiedade – para o momento do “namoro”. Com o Ofício Divino, trazemos à linguagem comum a vida tornada missão evangelizadora por onde quer que tenhamos passado.

Padre Márcio Pimentel, é especialista em Liturgia pela PUC-SP e mestrando
em Teologia na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (Faje / Capes)

In: Opinião e notiícias 21.07.2017