Diretor: François Ozon.
França. 2012.
Adaptação livre da peça de teatro: O rapaz da última fila. Juan Mayorga.
Escritor e leitor são interdependentes; oferecem e trocam olhares entre si.
O filme começa num imenso espaço aberto, em que está apenas uma pessoa sentada. Logo vem outra, e ambos entram numa sala, cheia de professores, para a reunião do início do ano letivo. E a grande novidade proclamada pelo diretor é a volta do uniforme escolar, visto e valorizado como sinal da igualdade, em uma sociedade democrática! E vemos a expressão facial, quase patética, de Germain, professor de literatura. Talvez já pensasse: Igualdade?! E as aulas começam. Um só aluno, no imenso espaço aberto da entrada do Liceu X, referência no país. E em seguida, como bonequinhos autômatos, temos o espaço preenchido por muitos alunos, todos uniformizados.
Nada contra o uso do uniforme que, aliás, de fato facilita a vida de todos, sobretudo a dos pais. A questão é que, como contraponto, vamos ver surgir o tema do diferente, da criação única e particular que existe dentro de cada um, e dentro do que cada um pode ver e desenvolver, dentro de si mesmo, a respeito do que vê. Podemos ver o filme sobre vários prismas. O que primeiro me saltou à vista foi ele ser uma aula sobre a construção literária. Entediado com a uniformidade da escrita pobre e sem criatividade de seus alunos (talvez como também fosse sua vida atual!), Germain encanta-se ao encontrar algo diferente no aluno Claude. E vai depositar nele o encanto e o entusiasmo que um dia sentiu pela escrita, e quer voltar a sentir! E ele não poupará meios e nem situações para levar o aluno a continuar o relato, como se sua vida estivesse agora, entrelaçada com a do “escritor”. E aqui residirá o perigo do excesso, como veremos!
A partir da lição pedida pelo professor, o relato de um final de semana, Claude constrói todo um imaginário a respeito do que vê em uma família; esta vista por ele como “normal e harmoniosa”; ele que não tem uma família assim! E elabora um plano para aproximar-se dela, oferecendo-se para “ajudar” o colega de classe. O OLHAR, aliado ao desejo de ser e saber, será o motor de toda uma trama que resvalará em riscos, perigos, e até mesmo em abusos do olhar, da interferência, da projeção de desejos próprios sobre as necessidades apreendidas do outro, quer seja do colega, de seu pai e de sua mãe. Esta pode fazer-nos lembrar de Madame Bovary, pelo tédio em que vive. No entanto, o filme Teorema, de Pasolini, é uma associação natural para os que têm mais de 55 anos (!!!). O jovem que chega e entra numa família, e vai interferindo nas relações de um com cada outro e entre todos. É lembrança natural, pois também o jovem Claude muitas vezes olha e intervém sádica e ironicamente nas relações, chegando a provocar rompimentos e colapso geral, como aconteceu com o professor. As ações do jovem vão nos incomodando, mesmo que se nos apresentem a pobreza e a decadência da condição em que vive, junto ao pai; quase como se isso desculpasse as ações premeditadas de seu comportamento insidioso, inclusive com as mulheres.
A pensar e “refletir para tirar proveito”: Nossa “uma vida”, no imenso espaço aberto de nossas circunstâncias, é sempre determinada pelos muitos que compõem nosso universo relacional e afetivo. Nosso um é determinado pelos muitos. E seremos o entrecruzamento de olhares dados e buscados. E a criação literária é a capacidade de colocar em palavras estes tantos olhares. E o filme é muito mais do que o voyerismo flagrante que nele encontramos.
E agora vale relembrar a genial apresentação inicial! Rostos de jovens que se alternam, numa velocidade vertiginosa, que quase não os distinguimos. E todos estão retratados usando o mesmo uniforme. A diferença na uniformidade! E o filme vai terminar com algo equivalente: a diferença no igual do viver. Mas agora são famílias ou grupo de pessoas, vistas desde as janelas de um grande e extenso prédio de apartamentos. Cada um dentro de casa, mas desde a diferença e a combinação infinitas do universo particular de cada um!
Obs: Um filme para catequese com jovens e adultos. Também para reflexão no grupo de catequistas.
Maria Teresa Moreira Rodrigues
Psicanalista - Espiritualidade Inaciana - Campinas-SP