“Isto é o meu corpo” (Mc. 14,22), nos diz Jesus. Ele poderia ter dito: “Esta é minha vida, esta é minha história, eu mesmo...”. Mas diz: “Isto é meu corpo”; e, contido nele, sua maneira de estar na vida e de situar-se nela, seu modo de olhar, de sentir, de estar presente...
O único recurso de que Jesus dispõe é seu próprio corpo. Não tem outra riqueza nem outro dom que oferecer. Esse corpo era sua vida, feita doação.
Como o corpo da mulher, capaz de conter e alimentar com seu sangue a criatura que carrega dentro de si, o Corpo de Jesus é um corpo aberto e vulnerado, quebrado e repartido. Constantemente doado. No encontro com este Corpo podemos nos reconhecer e nos acolher mutuamente, criar comunidade, multiplicar e expandir o amor para que o sonho do Corpo doado se propague no mundo.
Jesus se revela, assim, como autoridade de amor, porque ofereceu seu “corpo”, isto é, sua vida, para que outros pudessem viver. Na multiplicação dos pães, nas refeições com pecadores e, sobretudo, na Última Ceia, Ele oferece aquilo que não pode ser comprado nem vendido: o pão do próprio corpo carregado de humanidade, o vinho de sua vida portador das energias alegres e criativas.
Comungar o pão e o vinho não é só aderir a Jesus, à sua pessoa e à sua mensagem; não é só experimentar sua intimidade, deixando-se transformar por Ele. Implica estar dispostos a comungar com todos, porque Jesus nunca vem só: “traz” com ele toda a realidade. “Não nos devemos envergonhar, não devemos ter medo, não devemos sentir repugnância de tocar a carne de Cristo” (Papa Francisco).
Corpo de Cristo são todos os homens e as mulheres, a humanidade inteira, pois nela se encarnou o Filho de Deus. Essa é a verdade cristã: que todos comam e bebam em amor solidário e real o pão de cada dia, o vinho da festa da vida.
Corpo do Cristo quer ser em especial a Igreja, comunhão daqueles que celebram expressamente sua festa e compartilham seu pão e seu vinho eucarístico, recordando a Palavra: “o Verbo se fez carne”.
Como é bom termos essa oportunidade de mais uma vez celebrarmos o “Corpo de Cristo”, que nos alimenta e nos faz repensar nossa postura diante dos corpos... tanto do próprio corpo, como do corpo do irmão e irmã que amam e sofrem ao nosso lado!
Como seria bom se pudéssemos olhar, valorizar, respeitar, amar, cuidar dos corpos dos nossos irmãos e irmãs mais necessitados com o mesmo amor e zelo que temos pelo Corpo de Cristo!... quem fizer isso a um menor dos meus irmãos, é a mim que o fizestes..., corpos, amor, respeito, doação.
Cristo/Eucaristia... perceber e amar a presença real de Cristo no corpo... do outro.
Celebramos o “Corpo de Cristo”, uma das celebrações mais ricas que nos faz pensar em seu conteúdo e simbolismo... Mas, como celebrar este “Corpo de Cristo” no meio de tantos outros corpos? Temos muito o que pensar e rezar diante dos corpos, tanto diante do Corpo de Cristo, como diante dos corpos que passam fome, que são explorados, que sofrem... Não esqueçamos isto: Corpo de Cristo... pão... comunhão, outro, fome, pão... partilha... celebração, amor, corpos...
Jesus Cristo nos fascina por ter a coragem de ser diferente em sua época, por ser Ele mesmo e estar profundamente integrado com seu corpo, colocando-o a serviço e crescimento do outro... do outro corpo.
Jesus, na vivência de sua corporalidade, destrava e dignifica os corpos dos outros: diante dos corpos doentes... cura; diante do corpo pecador... ama, perdoa, abençoa, encoraja; diante dos corpos esfomeados: alimenta, multiplica os pães; diante do corpo sem vida: “ jovem, levanta-te!” vida nova; diante dos corpos que exploram/roubam: protesta, recusa, não façam da casa de meu Pai um covil de ladrões; ai de vós, fariseus hipócritas, que se preocupam demais com as aparências dos “corpos”... e não vêm o interior.
Seu Corpo mesmo se apresenta como amor compartilhado. O Evangelho nos conduz assim ao princípio de todo amor, que consiste em doar o corpo, a fim de que outro viva. Corpo não é aqui o oposto a alma, exterioridade do ser humano, mas pessoa e vida inteira; é comunicação e crescimento, exigência de alimento e possibilidade de morte, fragilidade e grandeza daquele que enfrenta a violência destruidora e doa sua vida em amor, criando a comunhão com todos.
A celebração de “Corpus Christi” nos revela como será o futuro: uma humanidade reconciliada e fraterna; uma mesa para todos, na qual circularão o Pão e a Palavra; uma comunidade reunida em torno do Corpo Ressuscitado e participando de sua vida.
Ao aproximarmos d’Ele, a partir da experiência dolorosa de um mundo dividido e rompido, nossa esperança se refaz ao celebrar antecipadamente a realização do sonho de Deus sobre o mundo: ser pão compartilhado e presença real do amor de Deus para com os últimos.
Comungar o Corpo de Cristo e não comungar com o outro, é comungar a própria condenação. Não se pode comungar com o Corpo e o Sangue do Senhor sem entrar em solidariedade com corpos violentados, feridos, famintos... “Se em alguma parte do mundo há fome, nossa celebração da Eucaristia fica de algum modo incompleta em todas as partes do mundo” (Pe. Arrupe).
“Na Eucaristia recebemos a Cristo faminto no mundo. Não vem a nós sozinho, mas com os pobres, os oprimidos, os que morrem de fome na terra. Por meio d’Ele vem a nós esses homens e essas mulheres em busca de ajuda, de justiça, de amor expresso em obras. Não podemos, por conseguinte, receber digna-mente o Pão da Vida, se ao mesmo tempo não damos pão para que vivam aqueles que dele neces-sitam, sejam quais forem eles e onde quer que estejam” (Pe. Arrupe)
A Encarnação foi o caminho que a Trindade escolheu para se aproximar da humanidade e fazer história conosco. Nosso corpo humano, feito de barro – vaso frágil e quebradiço – tornou-se o lugar privilegiado da chegada e da revelação do amor trinitário.
“Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós?” (1Cor, 6,19)
O nosso corpo é o “templo” santo e santificado, onde Deus Trino faz sua morada.
A Encarnação de Jesus não autoriza qualquer desprezo da corporeidade; pelo contrário, valoriza o ser humano na sua totalidade. Cuidar do corpo para recuperar a saúde, combater o stress, harmonizar mente e corpo, razão e emoção, isto é benéfico. A deturpação desumanizante do corpo aparece quando ele é visto como fim em si mesmo.
Temos muitas ofertas para o corpo: ginásticas, academias, cosméticos, bioenergéticas, yoga, dança, expressão corporal, cirurgias plásticas, implantes, massagem...
Cuidar sim, idolatrar não; é preciso caminhar para a superação do medo do corpo, mas sem idolatrá-lo.
Texto bíblico: Mc 14,12-16.22-26
Na oração: Sinta todo o seu corpo como um templo. E neste templo acolha o Sopro. Procure saboreá-lo internamente. E deixe atuar em você a força da inspiração e da expiração para que todo o seu corpo seja iluminado e plenificado. Deixe vir a Luz e que ela penetre nas partes mais dolorosas do seu ser. Sinta que você é um corpo de argila e também um corpo de diamante.
Simplesmente respire na presença d’Aquele que É.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana-CEI